quarta-feira, 3 de junho de 2020

Poema de invocação do Espírito santo, subtil e misterioso.


Ao Espírito Santo

Ó tu, Espírito, tão misterioso e desejado,
Há tantos séculos procurado e cultivado,
Quem te conhece verdadeiramente,
Quem te ama sincera e plenamente?

Também eu me fiz ao caminho
A subir a montanha sagrada
Que leva para além da morte,
Olhos fixos nos que já passaram.

Vejo o Antero de Quental e o Pessoa
Vejo o Leonardo e o Agostinho da Silva,
Sá de Miranda e Luís de Camões,
S. António e Damião de Goes.

Chegam-me estes vultos de almas
Embora o Ficino e o Bô Yin Râ,
O Pico dela Mirandola e o Erasmo
O Lefévre d'Étaples e o Bouvelles
O Reuchlin e o Beroaldo
O Pitágoras e o Jesus
Me sejam também amigos.

Oh que grande comunidade
De viventes em tua realidade,
tentando passar em mensagens
O que de vivenciável é conseguido.

Vem, ó subtil Espírito Santo
Cada vez mais às nossas vidas
Não as deixes perderem o ritmo,
de arderem na tua intensidade.

Voo luminoso do Espírito Santo
Afasta distracções e preocupações
E põe-nos a sintonizar  e a discernir
pelas orações e meditações,
a tua presença como alma do mundo,
Santa Sofia tingindo-nos de sabedoria.

Embora longa vá já a procissão
Poucos conhecem bem a Tradição,
O que se transmite pelo coração;
Vem pois e aumenta a nossa comunhão.

Sim, só com a porta aberta,
Do peito dissolvidas as grades,
Pode então o coração voar alto
E reconhecer-se livre na unidade.

O Espírito santo é a libertação
Da alma das suas limitações,
É o amor rosa derramando-se
Dum peito ensanguentado
Como o do abnegado pelicano.

Os braços ao alto que clamam
Pela vinda do Espírito divino
Cumprem sua missão sacerdotal
de unirem o Céu e a Terra num abraço.

E se pensas nas pessoas que amas
Os braços abertos em cruz de doar
Irradiando na aspiração do coração 
Desce o Amor em abraço a circular

As três Graças renascentistas
A ilustrarem a natureza do Amor:
Parte, ama e retorna, sê e dá,
Assim sabe agir e criar paz,

Ora criando e partilhando,
Ora desfrutando a comunhão,
Ora refluindo sobre o Divino
O coração acesso em gratidão.

Permanece pois connosco, ó espírito
Em cada dia da peregrinação terrena
Irradiando mais luz no nosso coração
Que agora já é todo teu em doação. 

Poema começado há já algum tempo e concluído na quarta-feira depois do Pentecostes, 3.VI.2020. Lisboa sacra.

Os Mestres do Irão e seus valiosos ensinamentos: Najm al-din Kûbra, ou Kobra. Por Pedro Teixeira da Mota.

                              
O ensinamento de Najm al-din Kûbra, ou Najmodin Kobrâ, (1145-1221, Konya. Possa ele inspirar-nos), divulgado no Ocidente principalmente por Henry Corbin (em geral e sobretudo no aspecto das cores que se revelam na meditação), Fritz Meier e Paul Ballanfat, é inegavelmente portador de grandes forças espirituais e está de acordo com a realidade espiritual vivenciável pelo peregrino sincero de qualquer tradição boa, pelo que conhecê-lo é útil e valioso.
 A sua visão do ser humano, fruto do ensinamento do seu mestre Ruzbihan Baqli e de longas vigílias, asceses e meditações, é a de que cada pessoa é ou tem, além do corpo físico, uma alma (potencialmente) da cor do céu e que surge como a água que brota duma fonte, e uma inteligência e um espírito luminoso (no seu nível superior sendo já a denominada "consciência secreta") provenientes de Deus. 
Quanto ao objectivo da nossa aspiração (muito importante, pois sendo um atributo de Deus é vivendo-a ou intensificando-a que a Luz divina em nós cresce), e da nossa demanda ou viajem (para Kubrâ o ser humano é basicamente um viajante, sayyâr, tendo mesmo escrito um tratado das Regras da Viajem) é Deus, do qual saímos na pré-Eternidade e num Pacto primordial pelo qual existimos na Unidade Divina. 
Este pacto de fidelidade é contudo sem dúvida um dos níveis e estados do nosso Ser mais difíceis de se realizar ou relembrar, pois a nossa consciência está demasiado limitada a esta vida e corpo e quase apenas no plano físico. Já como pode o nosso espírito unir-se com a Luz que desce da Divindade será talvez a principal questão tratada nos seus escritos com grande sabedoria.
 Os principais caminhos para se chegar à Luz são então a diminuição ou moderação do descanso e dos alimentos ("sufismo é fome, fome"...), a entrega a um mestre (com o qual se estabelece no coração um laço iniciático que permite a consulta ou a comunicação tele-anímica a qualquer momento), uma vida ascética (pelo qual se transmuta o corpo grosseiro e se aprende a controlar a paixão, irmã- gémea da alma, e a ouvir a inteligência superior, irmã-gémea do coração íntimo, bem como a morrer para si próprio) e o desenvolvimento de certas qualidades, tais como a paciência, a vigilância sobre si mesmo, o contentamento, a confiança, a atenção a Deus e a prática da invocação de Deus, através da repetição dos seus nomes de Deus, repetidos como mantras.
  Kûbra distingue três caminhos ou vias: o mais lento da gente piedosa, religiosa, cumpridora dos seus deveres. Depois, o dos que lutam fortemente no seu interior, os justos. E, finalmente, a via mais rápida da aspiração amorosa e da morte em Deus, na qual se viaja em estados de amor e êxtase. Este caminhar mais rápido será o seu e que dinamizará nos seus discípulos: a via kubrawîe, a dos que voam para Deus, sem dúvida uma bela imagem a cultivarmos e que é comum a outras tradições, nomeadamente na cristã com a representação da alma como um coração dotado  de asas.
Acerca do valor do desejo no caminho, Najm al-din Kûbra costumava contar a história do sheikh al-Kharaqâni:  na meditação do meio-dia, tendo subido às alturas do trono do Deus (uma imagem do acercamento Divino comum nos sufis) e feito mil circunvalações, encontrou um grupo de seres tão espantados com a velocidade com que ele rodava à volta de Deus, que lhes respondeu que  seria certamente a sua natureza de fogo e de luz, movida pelo desejo ou aspiração.
Kûbra valorizava muito a confiança pura em Deus, como a melhor forma de evitar os ataques de forças negativas, indicando como a oração mais própria para sermos libertos de forças negativas, esta: «Yâ ghiyaâth al-mustaghîtîn aghithnî,» «Ó Socorro dos que imploram o socorro, socorre-me».
Já para saber se devíamos fazer isto ou aquilo, ou se tal pensamento era ou não da alma, se era ou não de Deus, preconizava a consulta tele-anímica com o mestre e o desenvolvimento dum sentido de gosto espiritual, através do qual o sabor doce revelava o divino e o amargo o que não deveríamos assimilar. Este trabalho sobre um dos sentidos espirituais menos comuns ou trabalhados, o do sabor, é certamente uma sugestão valiosa...
Podemos dizer que o caminho espiritual é no fundo uma via alquímica de extracção do ouro filosofal pela visão espiritual, pois é a abertura do órgão contemplativo  que nos permite ver a luz interior e divina, bem como discernir as características subtis do estado ou estação do caminho da vida em que nos encontramos. Assim Najmal-din Kûbra dá-nos vários exemplos do ultrapassar das influências dos cinco elementos (terra, água, ar...) nos sonhos e visões, e realça que a visão do poço da alma que podemos obter nas nossas meditações surge ao princípio como algo que está em cima de nós, depois em frente e, por fim, ao fundo de nós próprios, e que se trata da abertura progressiva do coração para o mundo espiritual, em simultâneo com a clarificação da sua luz, até ela se revelar angélica, de amor e de cor verde, que caracterizam a condição mais purificada, denominada Senhorial.
Sobre as cores que se revelam no interior, nas meditações ou concentrações visionárias, segundo a sua tradição, são ao princípio a cor amarela e cores menos claras e depois à medida que o discípulo se vai purificando e concentrando começa a ver o azul da alma viva, depois o vermelho do poder da concentração e, por fim, o verde do coração espiritual. 
Há certamente outras graduações das cores, tanto mais que elas dependem da cor principal de cada um, mas Kobra pela sua experiência deu esta gradação. Mas não  somos visitados pelas cores pois há outras importantes visitações, tal a dos anjos que entrando pelas costas descem no coração e derramam serenidade, com os nossos pensamentos permanecendo mais em Deus. Eis uma boa (e real) indicação de abertura ao Anjo...
Najm al-din Kûbra praticava sobretudo a invocação do santo Nome de Deus, Allah, recomendada no Corão, II=152: «Invocai-me, Eu vos invocarei», ou ainda (XVIII=24) «Invoca o teu Senhor quando o esqueces», e chegava mesmo a ouvir Anjos cantarem o fundacional bismillah: «Em nome de Deus, tal como não há divindade senão Ele, o todo Compassivo, o muito Compassivo», (II=163), de tal modo que parecia que Deus descera das Alturas para o Céu que rodeia a Terra, visitação esta que os cristão deveriam estar familiarizados, pois tal também pode acontecer durante a celebração do Natal.
Kûbra deixou-nos muitas páginas de ensinamentos sobre a invocação (o dikhr) e a sua grande importância, pois é ela que nos pode levar acima do tempo, ao nosso corpo espiritual e à existência divina, nomeadamente as características e modos (por exemplo, ao pronunciá-la simultaneamente ouvi-la), os objectivos e resultados, pois é por ela que o coração mais é iluminado e que a luz divina se une connosco, devendo ser verdadeiramente apreciada, amada, para que ela se revele na sua plenitude e nos desvende os segredos e poderes íntimos.
Invocação não só da língua, audível, mas sobretudo do coração e da consciência secreta, estes níveis dando a energia e a capacidade ao invocando de se ligar, ou mesmo tornar-se de certo modo, o Invocado, num processo gradual em que a repetição do nome de Deus, dirigido mesmo para o coração, purifica-o e torna-o habitação divina e por fim patenteia a revelação e unicidade divina. 

São indicados dois percursos energéticos, aquando da repetição ou invocação do nome de Deus (Allah, e Huwa, Ele), ou da sua unicidade lâ ilâha illâ ‘llâh, não há deus senão Deus, aliás presentes em muitos dos ensinamentos dos mestres sufis: lâ ilâha repete-se subindo do ventre para a cabeça, e o illâ ‘llâh, descendo para o coração, ou então as mesmas palavras, a 1ª subindo pelo lado direito e a 2ª descendo pelo lado esquerdo para o coração, este de afirmação do senão Deus (amor, luz), que vai entrando no coração. Outro percurso conheço pessoalmente, que me ensinou um sufi alfarrabista turco em Istambul, que traduzira Ibn Arabi para turco. 

Se feita com atenção e amor, esta prática pode gerar vários resultados, desde a substituição da dominação do coração pela nossa alma e as suas relações com o mundo, pela de Deus (e a consequente iluminação do coração até então entrevado) até à abertura da visão espiritual e à descoberta da consciência secreta, ou cimo do nosso espírito. Estas recomendações são bem valiosas de se lembrar, quando no Ocidente e em alguns grupos de Yoga pratica-se demasiado mecanicamente o Om e outros mantras

Já a oração é a conversa no íntimo do nosso ser com Deus, realizando-se no seu aspecto mais elevado no coração que dialoga com Deus, pois por cada palavra ou frase ou sentimento que a pessoa exprime Deus responde-lhe com outras palavras e vibrações. Tem de ser o coração a orar: a Palavra, o Verbo, está lá, e os sons são apenas testemunhos dessa ardência.
Ora esta forma de oração derrama também no sentido espiritual do gosto uma grande doçura, e portanto é importante estarmos mais conscientes deste gosto interior, o qual se vai obtendo pela transmutação do corpo grosseiro no corpo verdadeiro, que deve ir aparecendo a partir das práticas, da ascese, das provações difíceis e do amor. Será ele que nos une ao corpo verdadeiro dos outros seres, permitindo manifestarmos mais o nosso corpo espiritual. A independência deste corpo nobre ou espiritual em relação aos cinco elementos é vivenciada por toda a gente pelo menos em alguns sonhos, e pelos discípulos ou iniciados através da concentração visionária.
A potência interior da invocação do nome de Deus, da sua repetição consciente está também visível nos relatos que Najm al-din Kûbra partilha de começar a emanar de cada membro do corpo uma invocação com um som parecido ao de uma trompa ou chifre ou ainda dum tambor, vindo mais tarde a estabilizar-se como o zumbido duma abelha. É interessante notar que estes sons audíveis interiormente são também descritos pelos yogis e praticantes da meditação, sendo chamado na Índia anahata nada, o som sem som, atribuindo-se para cada chakra ou centro energético ao longo da coluna vertebral um tipo próprio de som. Na Índia mogol do século XVII o mestre Dara Shikoh, filho de Mumtaj e do imperador Shah Jahan, trabalhou bastante este aspecto nas suas práticas e escritos, como tenho divulgado.
Estes sons são resultado de o homem conter dentro de si os cinco elementos e surgem assim também como a ramagem das árvores agitada pelo vento, ou o crepitar do fogo, e são sinais do cântico de glória a Deus de todo o nosso ser que a invocação origina. Aliás Najm al-din Kûbra descreve mesmo o processo internamente dizendo-nos que as palavras sobem do coração para a cabeça e para Deus e que Deste descem energias espirituais ou mesmo a cor verde vivificando o coração de tal modo que ele vai crescendo e fortificando-se chegando mesmo a dizer, num bom sinal de ecumenismo,  que o coração é como Jesus em criança e a invocação como o seu leite.
O aprofundamento da invocação e repetição do nome de Deus leva à sensibilidade do corpo espiritual e dos movimentos energéticos e luminosos que aí acorrem, seguindo-se estados de resplandecência e de certa união com o Invocado ou, pelo menos diremos nós, com o nosso espírito.
Claro que esta invocação implica um trabalho hercúleo da limpeza das estrebarias  dentro da nossa alma comum e das quais em geral nem sequer estamos cientes da quantidade de animais, vícios e distracções pois só quando começamos a meditar e a praticar a invocação de Deus é que  nos damos conta ou tomamos consciência.
Com a continuidade das práticas o nosso corpo nobre ou precioso vai-se desenvolvendo e com ele a capacidade de visão, pois o espírito é um órgão subtil celestial, capaz não só de ver como de viajar no mundo subtil e chegar mesmo ao Sol. A contemplação pode ser dirigida para o mundo físico, para o mundo subtil ou oculto, com as suas terras, seres e coisas, e livros (escritos com pontos, letras e imagens, que lidos permitem a ciência intima) e, finalmente para o que o céu contém (tal como os planetas com as suas características próprias, segundo Kûbra: Saturno e a capacidade de concentração visionária, Marte da discórdia, Vénus da alegria e emoção, e Mercúrio do conhecimento e ciências), chegando-se por último à pureza de Deus. 
Outros aspectos possíveis de meditação, invocação ou contemplação são os atributos de Deus ou os Seus Nomes (algo muito praticado tanto no Islão como no sufismo) e que por vezes nos chegam inesperadamente, e dos quais alguma essência acaba por depositar-se no nosso coração e aí crescer.
Estas práticas assentam numa comunicação de energias ígneas, de luzes e fogos, que tanto sobem do coração e da sua porta aberta para Deus, como descem do trono de Deus, e que vão purificando-nos até que a face brilha e irradia luz do 3º olho, chegando mesmo uma pessoa a ver-se com uma face totalmente luminosa e, por fim, a ver uma personagem, o Mestre do mundo escondido, o pré-Eminente, a Balança do mundo oculto, que acabará por fundir-se connosco, e que no fundo é o Eu divino em nós, embora este nível seja complexo de ser verbalizado em identidades distintas...
Kubrâ descreve pois uma ascensão da capacidade de visão interna que começa por abrir-se pelo olho espiritual, em seguida pela face, depois pelo peito e finalmente por todo o corpo. Certamente que as pessoas podem ter experiências fora desta ordem, mas já que se limitam muito ao olho espiritual é bom este testemunho vivenciado de Kubrâ...
O conhecimento do tão procurado e exaltado Nome supremo de Deus brotará do coração e inclui todos os signos e letras, e disto nascerá o Amor no seu máximo, original, incriado, onde o invocador ou nobre viajante se unificará ou aniquilará, como diz citando Al-Hallaj: «Admiro-me de Ti e de mim: tu aniquilaste-me a mim mesmo em Ti. Aproximaste-te de tanto e tão bem que Acreditei que Tu és Eu.»
O mesmo se passa no Amor, como em geral os grandes místicos e amantes têm experimentado: o amante aniquila-se de tal modo no amor que se torna amor, aniquilando-se depois na amada. Aqui há a passagem do amor do coração, ao amor fervente, do espírito, numa ascensão à aniquilação ou superação de si na essência bondosa, luminosa e divina.
Falamos no início deste texto que Najm al-din Kûbra apresenta a ascese como uma parte do caminho e de facto a sua ideia é a de que há necessidade dela na alma tanto como purificação, arrependimento e pacificação, para que se torne verdadeiramente coração, como no desejo ou apetite, o qual deve trocar os objectos dos cinco sentidos perecíveis pelo que é permanente e eterno, o espírito divino, passando do nível corporal para o desejo do coração e a aspiração ao Alto, e recebendo então as luzes da beleza e da compaixão divinas.
A evolução ou maturação do ser humano é caracterizada pelas asas da esperança e do receio dos jovens, no seu limitado saber, da contracção e da dilatação (do coração) do homem maduro, com o seu livre arbítrio emanando do poder do espírito pré-eterno (e assentes nas suas qualidades de paciência e de gratidão), e as da intimidade e veneração do ancião (assentes na sua satisfação e confiança), que ainda se transformarão nas do conhecimento e do amor, até chegar às da renúncia e da estabilidade. Esta graduação biográfica, em forma de asas, é bastante original e valiosa...
A revelação dos Atributos Divinos pode surgir em duas linhas principais, a da Beleza íntima, e a da Majestade venerada, a primeira mais doce e generosa, a segunda mais poderosa, impetuosa ou violenta até.
É valioso notarmos que para Najm al-din Kûbra os atributos divinos de beleza, compaixão e benefício sejam virgens belíssimas e puras, por detrás dos seus véus....
Acerca do famoso verso corânico III=103: «Protegei-vos segurando a rédea de Deus e não vos dividindo», dirá que no aprofundamento da concentração visionária e da relação entre o discípulo e Deus, quando cresce a aspiração e o pedido é sincero, emana de Deus uma luz que une os corações dele Consigo, de tal modo que se sente o gosto da ligação íntima amorosa e se vê mesmo uma corrente vinda do céu até ao coração, que é assim protegido. Isto é a rédea de Deus. Muito original esta visão, ligada até com a raiz Yug, de Yoga e do nosso Jungir, pôr sobre jugo ou rédea...
Esta concentração visionária que provém do recolhimento tem o seu oposto na dispersão, que é para Kubrâ o pior castigo que podemos ter. Ora, se observarmos o que se passa hoje e no estado psíquico das pessoas tão sujeitas a informações e contra-informações, publicidades e aliciamentos, e como lhes é tão difícil recolherem-se e portanto abrirem o seu olho espiritual e religarem o coração a Deus, concluiremos quão grande e difícil é actualmente a nossa tarefa. Najm al-din Kûbra exortar-nos-á pois a roubarmos tempo, uma hora que seja, a todos os ladrões da nossa alma, para a consagrarmos a Deus, à Sua invocação.
Dirá ainda que o recolhimento é o apego do coração ao trono de Deus, ou o apego do trono ao coração, ou ainda o encontro dos dois a meio do caminho. Depois, Deus instala-se no coração e, a propósito da polaridade primordial Rahman Rahim, dirá que Deus assente no trono é o Todo, ou o Mais, Compassivo (Rahman), e o que se manifesta no coração é o Muito Compassivo (Rahim). É na frase que se recita antes de cada sura do Corão, a basmala, "bi-smi llāhi r-raḥmāni r-raḥīm" "Em nome de Deus, o Mais Gracioso e o mais Misericordioso" que encontramos ar-Rahman e ar-Rahmin, sendo ainda usada em muitas outras circunstâncias como bênção..
No avanço do murid (discípulo) para Deus surgem as fases da sobriedade e do inebriamento quando o discípulo sente que na morte do seu ego o Eu divino é ele, e exclama (tal como na Índia, os místicos do Advaita Vedanta, nomeadamente no Astravaka-Gita, que traduzi, comentei), nesses estados de maior exaltação divina: «Glória a mim, Glória ao meu Eu. Como o meu nível é elevado». Estes estados de grande comunhão com o Divino foram experimentados por Kubrâ que explicou também o verso corânico II=255, «O Vivo, o Sempre existente, em quem nem sono nem sonolência entram», como referente à consciência sempre em oração ou ligação a Deus. Um estado de realização que pode provocar alguma insónia em quem, a dado momento da noite, já queria dormir....
Kubrâ valoriza bastante os retiros, que idealmente não devem sequer ter prazo, e que são como uma oficina de ferreiro onde o jejum (conforme o hadith canónico: «O demónio escorre através da descendência de Adão pelos canais do sangue. Não estreitareis estes canais pelo jejum?», a pureza e a oração e a invocação apuram a ligação ao mestre e a Deus. Invocação que faz com que a energia espiritual entre por essas artérias e veias, purificando-nos e que deve chegar a um ponto em que é ela que nos invoca, ou melhor que invoca em nós...
No seu suporte da respiração, revela-se como o som (presente no nome Allâh) e que é o nome de Deus, que sobe do coração, e que desce do trono de Deus. Certamente que como disse o mestre Abû ‘l-Najîb, comentando o verso corânico XXVI=89: «Só aquele que vem a Deus com um coração são», o meu coração é apenas como um canjirão que se esvazia para Ele».
A tradicional linguagem dos pássaros referida pelos místicos é considerada por Kûbra de dois modos: brota dos afectos que existem no peito das aves, e pode emanar do coração do ser que está intimamente unido a Deus, como sinal da sua alegria. Kubrâ diz-nos mesmo que não aprovando muito isto (por ser um sinal exterior), um dia ouviu esse canto subtil espiritual num fakir que se dirigia para a cidade santa Karbala (hoje em dia no Iraque e famosa pelas barbaridades norte-americanas quando o invadiram), mas que este lhe respondera que se Deus o permitia, era uma bênção.
A descrição dos estados mais intensificados de consciência é apresentada de vários modos, como por exemplo, a de que quando o ardor e a concentração aumentam, o nobre viajante tem a impressão que ora os sinais entram dentro dele ora ele penetra neles, ou ainda que as estrelas do céu se derramam sobre ele ou que o céu desce sobre ele ou, finalmente, que saboreia o céu inteiro dentro do seu peito ou mesmo que é levado ao alto e que vê a terra de cima.
E, finalmente, a revelação do seu ser de luz, do guia do mundo oculto, o sol da fé, o sol do coração, que o sábio Henry Corbin tão bem relacionou com o filão pré-islâmico do ensinamento de Zoroastro sobre a união com a nossa Daena, o Anjo feminino que é a nossa contraparte celestial, e que de certo modo pode ser compreendida seja como a nossa alma gémea, seja como a manifestação em nós do Eu divino, individualizada num corpo de luz ou de glória originado a partir do coração purificado e ligado ao  mestre e aos nomes e atributos de Deus.
 Para terminar este texto, concluído agora dia 3.VI.2020 e tendo sido gerado à volta da minha peregrinação ao Irão em 2012, e que resume frustemente algo do tão valioso ensinamento de Najm udin Kûbra, sobretudo a partir da sua obra principal As eclosões da Beleza e os perfumes da Majestade, fiquemos com uma bela definição dada por ele do Amor: «o Amor é a obediência do amante à amada.»
Saibamos nós viver tal, nos seus diversos níveis... 

domingo, 31 de maio de 2020

Do Espírito individual e do Espírito Santo... Aproximações amplas...

Alguns de nós sabem, por tradição religiosa ou filosófica, estudo ou vivência, que somos um espírito, ou que temos um espírito em nós, mas em geral temos muito pouca ou mesmo nenhuma percepção dele, aliás confundindo alma e espírito...
Admitimos alguns, mais na sua demanda, que tal espírito seja uma centelha espiritual vivendo numa dimensão superior às nossas quatro dimensões e às suas leis do espaço e do tempo e que portanto possa até manifestar-se ora como partícula-centelha, ora como onda-corpo, dentro e fora do nosso corpo físico...
 É lícito então interrogar-nos, como nos podemos tornar mais conscientes do espírito, como o sentirmos mais?
A resposta mais comum e de quase todas as tradições e povos é pela meditação, a contemplação, a oração, ou mesmo a acção.
Por estas actividades concentramos a nossa energia psíquica e conseguimos nessa unificação torná-lo mais mais visível ou perceptível para nós e por vezes até para os outros.
Por exemplo,  o entusiasmo, que etimologicamente significa  estar possuído por Deus, estar em Theos, pode ser visto ou sentido como uma manifestação maior do espírito. 
E seja do espírito apenas individual nosso seja do misterioso Espírito divino, ou Espírito Santo, ou Espírito de Deus, do qual uma das imagens-eventos mais conhecidos é a sua descida sobre um grupo de discípulos ou seguidores de Jesus recolhidos em oração, no que se tipificou como o Pentecostes.
Não é fácil discernirmos quando eles, espírito individual e espírito supra individual e cósmico, estão mesmo em acção tanto mais que os entusiasmos religiosos, que têm no dito dom de falar línguas, uma das suas pseudo-manifestações mais espectaculares e em geral aldrabonas, apenas exigem uma personalidade que se excita e que pode estar só a dizer asneiras, de tal modo que o espírito divino de modo algum pode ser o inspirador antes devemos crer que é inacessível a essa pessoa, ainda que o tenha mesmo invocado.
Admitamos que quando estamos mais ardentes, entusiasmados, amando o que fazemos, com fé,  irradiamos mais energias, galvanizamos os outros, temos mais impacto neles e nisso está mais presente o espírito.
Assim esse carisma que algumas pessoas têm, nomeadamente de poderem mais facilmente se entusiasmarem e inspirarem, foi considerado um sinal espiritual, algo do qual se dizia que era a estrela dessa pessoa, tal como o grande poeta persa Saadi o poetiza no seu Gulistan, estrela do espírito que vai perpassar por muitas tradições e legendas, como a de Belém, hoje tão tingida de sangue...
 Poderemos então perguntar como e por onde pode o espírito realizar-se, manifestar-se ou irradiar mais?
Trabalhando, vivendo e meditando bem, realizando-o portanto mais permanentemente, deveremos reconhecer que as mãos, os chakras e os olhos se tornam meios, janelas ou portais de passagem de energias das dimensões psico-espirituais para a humana corporal física...
Pelo Amor que emana do centro (chakra) de forças subtis  do coração as pessoas sentem sentimentos-energias beatíficas ou benfazejas tanto a estarem, entrarem ou a irradiarem, tal como pelos olhos também algo do espírito, e da transparência maior ou menor nossa à luz divina, passa e se transmite em bons olhados...
 Depois os gestos e posturas também são melhores ou piores na transmissão de energias e forças, e lembremo-nos da imposição das mãos que Jesus recomendou e como muitas curas e de reikis se podem tornar uma complicação, desvirtualização e comercialice de tal dom natural e simples. Mãos que tecem, escrevem e enviam os lenços e as cartas de Amor, tão valiosas na nossa Tradição...
E, finalmente, pelas palavras de oração, de comunicação, palavras que têm força espiritual, que transmitem impulsões, que evocam o que se fala ou diz, que são eco da Palavra Primordial, do Verbo, da Sonora intenção divina amorosa e mágica ou psico-mórfica, isto é, modeladoras, transformadoras, transmutadoras das configurações psíquicas e físicas dos elementos do Cosmos.
Uma acção, grupal, ritual, teatral, performativa ou sacralizadora, que ponha todos estes níveis em harmoniosa interacção, certamente terá bastantes efeitos na irradiação do espírito, e sabemos como as religiões e tradições desde os mistérios gregos ao cristianismo trabalharam bem estes factores para tornar mais possível a intensificação da percepção da alma em relação ao espírito e também da manifestação qualidades mais elevadas do ser humano, consideradas dons divinos, tais como a fortaleza, a sabedoria, a piedade, a pietas, esta nuance de amor íntimo, tão valorizada por Erasmo, como mostrei nos comentários ao seu Modo de Orar a Deus, que publiquei entre nós.
Neste dia do Espírito Santo, cujo culto em Portugal foi acalentado com simbologias luminosas e potencialmente operativas desde o séc. XIII, nomeadamente com franciscanos, a Rainha santa Isabel e os templários, sobretudo em aspectos de solidariedade e fraternidade humana ou mesmo utópica, como tanto gostava de realçar e aprofundar o Agostinho da Silva, em 2020 sem grandes celebrações públicas devidas à misteriosa pandemia coronal, talvez possamos ficar, para concluir, com uma maior consciência dos dois níveis do Espírito (santo ou plenificante) que podemos trabalhar e inserindo-nos na Tradição Espiritual Portuguesa e seu Graal:
1º Ser mais o espírito imortal e eterno, um eu único, sem se deixar enredar em vazios budistas, hipnoses e regressões (por se pôr de parte do eu e deixar-se outro eu sugestionar, e por se atribuir a vidas passadas o que em geral são apenas conteúdos e associações psíquicas), mundos subterrâneos, espiritismos (em geral fantasias do próprio ou de entidades invisíveis) e fantasiosas reincarnações, canalizações e iniciações (das quais um dos fundadores foi o teósofo Leadbeater, o qual abriu as portas ou precedentes a Elizabeth Prophet e outros).
E tentar mesmo ver o espírito nas meditações, sermos alinhados, inspirados e fortificados por ele e logo irmos desenvolvendo criativamente as qualidades ou dons do espírito na horizontalidade do mundo e do quotidiano, onde tanta ignorância, violência, opressão e manipulação (liderada pelo eixo do mal norte-americano e dos seus aliados e médias vendidos mundiais),  exigem de nós resistência sábia e  criatividade de alternativas, nomeadamente biológicas, comunitárias, não-violentas, solidárias, artísticas, culturais e espirituais.
2º Com regularidade, ou mesmo por consciencialização mais constante, invocarmos e abrir-nos mais à Divindade, ao Espírito Divino, ou Santo ou Unificador, ou Feminino, e aos seus grandes seres, mestres, anjos e arcanjos (saudações ao da Guarda de cada um e ao Arcanjo de Portugal, que não é Mikael), que transmitem  as suas forças, correntes e bênçãos de Luz e de Amor para nós e e o planeta Gaia, no corpo místico da Humanidade e da Terra ou noutra linguagem no Campo unificado de energia, consciência e informação em que estamos todos interligados...
Luz - Amor - Verdade - Liberdade. 
Spiritus, Jivatman...
Spiritus Dei, Aum...
Lisboa, escrito em grande parte no dia de Pentecostes, 31.5.2020.

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Aurora canora, na sacra Lisboa. Com 36 segundos de vídeo final.

                             
                                                  Aurora
                                          Pingos Fluídos.


Os jardins da Lisboa recatada e sagrada
são despertados pelas odisseias e laudes
desferidas pelos anónimos cantores
que na linguagem subtil das aves
se inebriam nos píncaros das suas visões
do resplendor da aurora solar e divina.

Quando tentamos com eles vibrar
sentimos o pesar do nosso intelecto,
incapaz de destilar do cérebro e voz
uma tão bela canção de amar e louvar.

Fremem de alegria esfuziantes as aves,
transmissoras de ocultas mensagens
que silfos e elementais do ar e do éter
lhes fabricam na invisível alma do mundo.

Nós, semi-adormecidos ainda os corpos,
temos de despertar, batalhar e sorrir
para que a circulação irrompa de novo
e sejamos cavaleiros do Graal do Amor.

De braços bem abertos ao astro divino,
mora no nosso peito o oculto resplendor,
saibamos  vencer no dia todas as limitações
e gerar mais belas e divinas manifestações.

                            

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Dos Diários, de 1994. Amor, Livros, Cruz e Barroco.

Mais recolhas de diários antigos, este de 1994, quando vivia  à vista do convento barroco de Mafra:
Amor é um forno ou vaso alquímico onde se fundem corpos, almas, espíritos.
Fundem, fusionam, sublimam ou desintegram-se.
Saber preservar a energia central, elevar as potências sensitivas, intelectivas e voluntárias a pontos ou níveis superiores, eis a obra.
Um despertar interior, um domar as serpentes, a vara de Hermes.
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Livros - Quando são tocados pelas mãos, arrumados e interiormente sintetizados pela nossa visão actual eles ganham nova vida, força, verticalidade. Nas prateleiras onde estão ganham brilho e permitem uma maior nitidez ou irradiação do seu valor para connosco, e talvez mesmo para um visitante que chegue.
Os livros enviam-nos das suas lombadas comprimidas algumas emanações dos seus conteúdos, como mensagens subtis ou ténues, que em geral não nos apercebemos. Mas deveríamos com alguma regularidade fitar uma ou outra estante e sentir que livro nos chama e quer nas nossas mãos transmitir-nos algo.
Os livros são como peões, ou por vezes peças mais importantes, no tabuleiro do nosso jogo de xadrez da vida e da morte, do bem e do mal.
Cada dia há jogadas negras e brancas e nem sempre são só as nossas as brancas, nem sempre são as melhores as que vencem e devemos saber aceitar desprendidamente o que se vai passando ainda que lutando para chegarmos aos objectivos e missões que nos vão sendo oferecidos no desenrolar do jogo da vida. Bons livros auxiliam-nos a jogarmos bem.
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Cruz – O seu significado principal é o de sinalizar-nos que no centro do nosso ser, da nossa cruz, está o espírito, o Divino em nós e que esta descoberta e vivência é a missão principal da nossa vida. Tudo o mais será dado por acréscimo.
                       
Barroco – Uma época marcada pelas reformas e lutas religiosas, os progressos de enriquecimento e da burguesia, produzia uma movimentação tremenda de novidades, de engenho, de esforço, de sensualidade, de individualidade, bem patente na arte, arquitectura e na literatura.
Majestade, Império no topo da hierarquia, mas também florescimento, desejo de libertação, iluminação, ascensão, triunfo em todos os actores do grande teatro da vida. Democratização pois, com a arte a tratar cada vez mais do quotidiano e do corriqueiro com foros de sagrado, com uma mística a tornar-se cada vez mais a estrada estreita mas para todos, nomeadamente pelo culto apaixonado dos intermediários, santos e santas, Anjos, Jesus e Maria, cada vez mais ao alcance de qualquer freira ou devoto, em livros, exercícios, pinturas e estampas
Lágrimas e risos, Demócrito e Heraclito, tensões de opostos e dos paradoxos, assumidos e bem cultivados mentalmente, argutamente mesmo, o ser humano encaminhava-se sob muitos condicionamentos e artifícios para o alargamento da consciência, a liberdade, para o amor mais universal, para a emancipação da religião e do despotismo absoluto.
Os escritores mais iniciados, no Barroco, são os que vêm mais longe, para trás e para a frente e chegam a uma gnose mais profunda de si mesmos e da realidade que observam, intuindo os níveis subtis em que se manifesta a essência humana, a alma do mundo e a previdência divina e apoiados nessas correspondências e analogias, nessas leituras das simbólicas substanciais do Universo se projectam em sonhos, obras e aspirações para uma Humanidade e um futuro melhor, agindo como criadores, cientistas, democratas, livres pensadores, humanistas, universalistas, ecuménicos.
Entre nós, Rafael Bluteau, Manuel Faria e Sousa, o P. António Vieira, D. Francisco Manuel de Melo e soror Violante do Céu foram alguns deles. E a soror Josefa de Óbidos, representada com esta imagem final, do trânsito feliz da amorosa Maria Madalena, tão consciente ou acompanhada dos Anjos na sua entrega libertadora final.

terça-feira, 26 de maio de 2020

Poema a Joaquim Agostinho, ciclista, na sua morte. Do diário de 1984, no Porto, no meio das aulas de Yoga..

Na minha adolescência Joaquim Agostinho foi um dos pequenos heróis, que nos Verões nos animava nas suas batalhas contra si próprio, os elementos e os outros ciclistas, e as estradas com montanhas empinadas e descidas perigosas. 
Um pouco antes de ele morrer tão precocemente (1943-1984), quando estava na Índia e numa viagem de bicicleta mais difícil de alguns quilómetros de Auroville, a cidade do futuro que então nascia do sonho de Sri Aurobindo e da Mãe, e à qual me enviara o meu mestre de então, o Kavi Yogi Shudhananda Bharati), para Pondichery e volta, foi com o seu nome como mantra que consegui esforçar-me mais e fazer a tempo tais trajectos. 
Por isso, quando ele teve um acidente que se antevia fatal, estando eu a orientar aulas de Agni Raj Yoga no restaurante dietético e espaço alternativo Suribachi (ainda hoje a funcionar à rua do Bonfim, Porto), registei-o numa folha de diário de 1984. E, nestes tempos de relativo confinamento e arrumações de papéis, veio ao de cima e transcrevo o que senti, pois é uma homenagem poética e espiritual, qual oração, a Joaquim Agostinho. 
Muita luz, amor e ligação divina para o seu ser, onde estiver.
             «1 de Maio. 
Trovoada e granizo na cidade. 
Meditações, escritos, movimentação, refeição, ida ao cemitério e conversa com adventistas (um pouco fanatizados). Choro com um filme na TV, e há invocação do [mestre] Morya por não o estar a acompanhar.
 Oro por Joaquim Agostinho, um companheiro em coma.
 Sinto gratidão pelo que o Porto me tem dado de coisas e de pessoas.
Foi uma estadia passageira mas com alguns ensinamentos feitos a pessoas nas aulas de Yoga:
Maria Emília e João Aidós, despertaram.
Maria Elisa e Manuela.
Maria Augusta, [as duas professoras] Manuela e Eugénia e [a enfermeira] Fernanda.
Conversas frequentes com Sant'Anna Dionísio e Dalila Pereira da Costa.
Textos que dei para as aulas
Escritos para jornal.
Preparar melhor os alunos.
(...)
Próximo ano vou dar só seminários intensivos em fins de semana, procurando antes estabilizar e trabalhar a terra e o céu. Preciso de trabalho físico, contacto com espíritos da natureza. Aqui na cidade asfixia-se. Depois preciso de independência, de criar o ambiente e os horários naturais. É certo que ainda sou apenas um discípulo, um indivíduo a disciplinar o seu eu inferior. Por isso, mais ainda preciso de fortificar este estado, para poder mais tarde veicular as transmissões divinas.
Começar a dar mais coisas e estados às pessoas...
*-*-*
  «Joaquim Agostinho, um dos maiores heróis portugueses dos últimos tempos, morre lentamente. Minha alma está triste. A própria natureza chora em raiva impotente. É um campeão que se esvai. Um descuido, um pequeno esforço a mais e eis uma vida desfeita.

Salvé, Agostinho, valente escalador das montanhas,
destemido aventureiro de músculos rijos
e decisões fortes e firmes.

Salvé, Joaquim Agostinho, 
que os Anjos e os Mestres estejam contigo,
que as bênçãos de Deus te iluminem,
que a Luz e Amor te guiem, amigo.
Rotas cruzadas na terra, agora eleva-te no éter,
transforma a tua força em aspiração a Deus.»

Pintura de Bô Yin Râ. O caminho para a montanha divina, Himavat. Que Joaquim Agostinho a possa contemplar ou mesmo subir, tal como nós. Aum...

domingo, 24 de maio de 2020

Às Musas, Tágides e almas afins, no Graal da Poesia e do Amor...

 Mais uma recolha de um poema, escrito há uns 4 anos antes de ir participar numa tertúlia poética, de certo modo invocando a inspiração, o mistério da poesia, da musa, do fogo do espírito e do entusiasmo, e entregue às Tágides nossas e almas afins...

A poesia é uma musa
Que cada ser tem em si
Mas como pouco a sintoniza
Dispersa-a sem a Luz sua.

Quis então rasgar o peito
e encontrar-te no coração
Desconhecia que me envolvias
e que tua alma é uma com a minha. 

Musas somos todos uns dos outros,
caminhamos espargindo clarões
na noite escura da indiferença,
e que felicidade há na comunhão.

Perguntei ao Espírito
que me inspirasse mais
e ele mandou-me
a ti me dirigir.

Assim tracei esta poesia
e num barco de papel
entreguei-a às Tágides
e ela aí vai rumo ao Oceano.

Comungar de uma tertúlia
é sempre muito auspicioso.
Quem sabe que musa ou graça
Desce dos céus e nos ilumina.

Assim dediquei esta poesia
às almas luminosas e afins
que neste Graal da Poesia
fazem o milagre da Unidade
e cultivam o Fogo do Amor
que a todos os intensifica
e em todos quer arder mais.