quarta-feira, 3 de junho de 2020

Os Mestres do Irão e seus mais valiosos ensinamentos: Najm al-din Kûbra, ou Kobra. Por Pedro Teixeira da Mota.

                              
O ensinamento de Najm al-din Kûbra, ou Najmodin Kobrâ (1145-1221, Konya; possa ele inspirar-nos), divulgado no Ocidente principalmente por Henry Corbin (em geral e sobretudo no aspecto das cores que se revelam na meditação), Fritz Meier e, ultimamente, por Paul Ballanfat, é inegavelmente portador de grandes forças espirituais e está de acordo com a realidade espiritual vivenciável pelo peregrino de qualquer tradição boa, pelo que conhecê-lo é útil e valioso.
 A sua visão do ser humano, fruto do ensinamento do seu mestre Ruzbihan Baqli e de longas vigílias, asceses e meditações, é a de que ele é ou tem, além do corpo físico, uma alma da cor do céu e que surge como a água que brota duma fonte, e uma inteligência e um espírito luminoso (no seu nível superior sendo já a consciência secreta), provenientes de Deus. 
E que o objectivo da nossa aspiração (muito importante, pois sendo um atributo de Deus é vivendo-a ou intensificando que a Luz divina em nós cresce), procura ou viajem (para Kubrâ o ser humano é basicamente um viajante, sayyâr, tendo mesmo escrito um tratado das Regras da Viajem), para Deus, do qual saímos na pré-Eternidade e num Pacto primordial pelo qual existimos na Unidade Divina. Este pacto de fidelidade é contudo sem dúvida um dos níveis e estados do nosso Ser mais difíceis de se realizar ou relembrar, pois a nossa consciência está demasiado limitada a esta vida e quase apenas no plano físico. Já como pode o nosso espírito unir-se com a Luz descendente divina será talvez a principal questão tratada nos seus escritos com grande sabedoria.
 Os principais caminhos para se chegar à Luz são então a diminuição ou moderação do descanso e dos alimentos ("sufismo é fome, fome"...), a entrega a um mestre (com o qual se estabelece no coração um laço iniciático que permite a consulta ou a comunicação tele-anímica a qualquer momento), uma vida ascética (pelo qual se transmuta o corpo grosseiro e se aprende a controlar a paixão, irmã- gémea da alma, e a ouvir a inteligência superior, irmã-gémea do coração íntimo, bem como a morrer para si próprio) e o desenvolvimento de certas qualidades, tais como a paciência, a vigilância sobre si mesmo, o contentamento, a confiança, a atenção a Deus e a prática da invocação de Deus, através da repetição dos nomes de Deus, quais mantras.
  Kûbra distingue três caminhos ou vias: o mais lento da gente piedosa, religiosa, cumpridora dos seus deveres. Depois, o dos que lutam fortemente no seu interior, os justos. E, finalmente, a via mais rápida da aspiração amorosa e da morte em Deus, na qual se viaja em estados de amor e êxtase. Este caminhar mais rápido será o seu e que dinamizará nos seus discípulos: a via kubrawîe, a dos que voam para Deus, sem dúvida uma bela imagem a cultivarmos e que é comum a outras tradições, nomeadamente na cristã com a representação da alma como um coração dotado ou não de asas.
Acerca do valor do desejo no caminho, Najm al-din Kûbra costumava contar a história do sheikh al-Kharaqâni, o qual,  na meditação do meio-dia, tendo subido às alturas do trono do Deus (uma imagem do acercamento Divino comum nos sufis) e feito mil circunvalações, encontrou um grupo de seres espantados com a velocidade com que ele conseguia rodar à volta de Deus, tendo-lhes respondido que certamente era a sua natureza de fogo e de luz, movida pelo desejo ou aspiração.
Kûbra valorizava muito a confiança pura em Deus, como a melhor forma de evitar os ataques de forças negativas, indicando como a oração mais própria para sermos libertos de forças negativas: «Yâ ghiyaâth al-mustaghîtîn aghithnî,» «Ó Socorro daqueles que imploram o socorro, socorre-me».
Já para saber se devíamos fazer isto ou aquilo, ou se tal pensamento era ou não da alma, se era ou não de Deus, preconizava a consulta tele-anímica com o mestre e o desenvolvimento dum sentido de gosto espiritual, através do qual o sabor doce revelava o divino e o amargo o que não deveríamos assimilar. Este trabalho sobre um dos sentidos espirituais menos comuns ou trabalhados, o do sabor, é certamente uma sugestão valiosa...
Podemos dizer que o caminho espiritual é no fundo uma via alquímica de extracção do ouro filosofal pela visão espiritual, ou seja, pela abertura do órgão contemplativo da luz  que nos permite ver a luz interior e a luz divina, bem como discernir as características subtis do estado ou estação do caminho da vida em que nos encontramos. Assim Najmal-din Kûbra dá-nos vários exemplos do ultrapassar das influências dos cinco elementos (terra, água, ar...) nos sonhos e visões, e realça que a visão do poço da alma que podemos obter nas nossas meditações surge ao princípio como algo que está em cima de nós, depois em frente e, por fim, ao fundo de nós próprios, e que se trata da abertura progressiva do coração para o mundo espiritual, em simultâneo com a clarificação da sua luz, até ela se revelar angélica, de amor e de cor verde, que caracterizam a condição mais purificada, denominada Senhorial.
Sobre as cores que se revelam no interior, nas meditações ou concentrações visionárias, ao princípio surge a cor amarela e cores menos claras e à medida que o discípulo se vai purificando e concentrando começa a ver o azul da alma viva, depois o vermelho do poder da concentração e, por fim, o verde do coração espiritual. 
Há certamente outras graduações das cores, tanto mais que elas dependem da cor principal de cada um, mas Kobra pela sua experiência deu esta gradação. Mas nem só somos visitados pelas cores pois há outras importantes visitações, tal a dos anjos que entrando pelas costas descem no coração e derramam serenidade, com os nossos pensamentos permanecendo em Deus. Eis uma boa (e real) indicação de abertura ao Anjo...
Najm al-din Kûbra praticava sobretudo a invocação do santo Nome de Deus, recomendada no Corão, II=152: «Invocai-me, Eu vos invocarei», ou ainda (XVIII=24) «Invoca o teu Senhor quando o esqueces», e chegava mesmo a ouvir Anjos cantarem o fundacional bismillah: «Em nome de Deus, tal como não há divindade senão Ele, o todo Compassivo, o muito Compassivo», (II=163), de tal modo que parecia que Deus descera das Alturas para o Céu que rodeia a Terra, visitação esta com que aliás os cristão deviam estar familiarizados, pois tal também pode acontecer durante a celebração do Natal.
Kûbra deixou-nos muitas páginas de ensinamentos sobre a invocação (o dikhr) e a sua grande importância, pois é ela que nos pode levar acima do tempo, ao nosso corpo espiritual e à existência divina, nomeadamente as características e modos (por exemplo, ao pronunciá-la, simultaneamente ouvi-la), os objectivos e resultados, pois é por ela sobretudo que o coração é iluminado e que a luz divina se une connosco, devendo ser verdadeiramente apreciada, amada, para que ela se revele na sua plenitude e nos desvende os segredos e poderes íntimos.
Invocação não só da língua, audível, mas sobretudo do coração e da consciência secreta, estes níveis dando a energia e a capacidade ao invocando de se ligar, ou mesmo tornar-se de certo modo, o Invocado, num processo gradual em que a repetição do nome de Deus, dirigido mesmo para o coração, purifica-o e torna-o habitação e por fim revelação e unicidade divina. 

São indicados dois percursos energéticos, aquando da repetição ou invocação do nome de Deus (Allah, e Huwa, Ele), ou da sua unicidade lâ ilâha illâ ‘llâh, não há deus senão Deus, aliás presentes em muitos dos ensinamentos dos mestres sufis: lâ ilâha repete-se subindo do ventre para a cabeça, e o illâ ‘llâh, descendo para o coração, ou então as mesmas palavras, a 1ª subindo pelo lado direito e a 2ª descendo pelo lado esquerdo para o coração, este de afirmação do senão Deus (amor, luz), que vai entrando no coração. Outro percurso conheço pessoalmente, que me ensinou um sufi livreiro alfarrabista turco em Istambul, que traduzira Ibn Arabi para turco. 

Se feita com atenção e amor, esta prática pode gerar vários resultados, desde a substituição da dominação do coração pela nossa alma e as suas relações com o mundo, pela de Deus (e a consequente iluminação do coração até então entrevado) até à abertura da visão espiritual e à descoberta da consciência secreta, ou cimo do nosso espírito. Estas recomendações são bem valiosas de se lembrar, quando no Ocidente e em alguns grupos de Yoga pratica-se demasiado mecanicamente o Om e outros mantras

Já a oração é a conversa no íntimo do nosso ser com Deus, realizando-se no seu aspecto mais elevado no coração que dialoga com Deus pois por cada palavra ou frase ou sentimento que a pessoa exprime Deus responde-lhe com outras palavras e vibrações. Tem de ser o coração a orar: a Palavra, o Verbo, está lá, e os sons são apenas testemunhos dessa ardência.
Ora esta forma de oração derrama também no sentido espiritual do gosto uma grande doçura, e portanto é importante estarmos mais conscientes deste gosto interior, o qual se vai obtendo pela transmutação do corpo grosseiro no corpo verdadeiro, que deve ir aparecendo a partir das práticas, da ascese, das provações difíceis e do amor. Será ele que nos une ao corpo verdadeiro dos outros seres, permitindo manifestarmos mais o nosso corpo espiritual. A independência deste corpo nobre ou espiritual em relação aos cinco elementos é vivenciada por toda a gente pelo menos em alguns sonhos, e pelos discípulos ou iniciados através da concentração visionária.
A potência interior da invocação do nome de Deus, da sua repetição consciente está também visível nos relatos que Najm al-din Kûbra partilha de começar a emanar de cada membro do corpo uma invocação com um som parecido ao de uma trompa ou chifre ou ainda dum tambor, vindo mais tarde a estabilizar-se como o zumbido duma abelha. É interessante notar que estes sons audíveis interiormente são também descritos pelos yogis e praticantes da meditação, sendo chamado na Índia anahata nada, o som sem som, atribuindo-se para cada chakra ou centro energético ao longo da coluna vertebral um tipo próprio de som. Na Índia mogol do século XVII o mestre Dara Shikoh, filho de Mumtaj e do imperador Shah Jahan, trabalhou bastante este aspecto nas suas práticas e escritos, como tenho divulgado.
Estes sons são resultado de o homem conter dentro de si os cinco elementos e surgem assim também como a ramagem das árvores agitada pelo vento, ou o crepitar do fogo, e são sinais do cântico de glória a Deus de todo o nosso ser que a invocação origina. Aliás Najm al-din Kûbra descreve mesmo o processo internamente dizendo-nos que as palavras sobem do coração para a cabeça e para Deus e que Deste descem energias espirituais ou mesmo a cor verde vivificando o coração de tal modo que ele vai crescendo e fortificando-se chegando mesmo a dizer, num bom sinal de ecumenismo,  que o coração é como Jesus em criança e a invocação como o seu leite.
O aprofundamento da invocação e repetição do nome de Deus leva à sensibilidade do corpo espiritual e dos movimentos energéticos e luminosos que aí acorrem, seguindo-se estados de resplandecência e de certa união com o Invocado ou, pelo menos diremos nós, com o nosso espírito.
Claro que esta invocação implica um trabalho hercúleo da limpeza das estrebarias  dentro da nossa alma comum e das quais em geral nem sequer estamos cientes da quantidade de animais, vícios e distracções pois só quando começamos a meditar e a praticar a invocação de Deus é que  nos damos conta ou tomamos consciência.
Com a continuidade das práticas o nosso corpo nobre ou precioso vai-se desenvolvendo e com ele a capacidade de visão, pois o espírito é um órgão subtil celestial, capaz não só de ver como de viajar no mundo subtil e chegar mesmo ao Sol. A contemplação pode ser dirigida para o mundo físico, para o mundo subtil ou oculto, com as suas terras, seres e coisas, e livros (escritos com pontos, letras e imagens, que lidos permitem a ciência intima) e, finalmente para o que o céu contém (tal como os planetas com as suas características próprias, segundo Kûbra: Saturno e a capacidade de concentração visionária, Marte da discórdia, Vénus da alegria e emoção, e Mercúrio do conhecimento e ciências), chegando-se por último à pureza de Deus. 
Outros aspecto possíveis de meditação, invocação ou contemplação são os atributos de Deus ou os Seus Nomes (algo muito praticado tanto no Islão como no sufismo) e que por vezes nos chegam inesperadamente, e dos quais alguma essência acaba por depositar-se no nosso coração e aí crescer.
Estas práticas assentam numa comunicação de energias ígneas, de luzes e fogos, que tanto sobem do coração e da sua porta aberta para Deus, como descem do trono de Deus, e que vão purificando-nos até que a face brilha e irradia luz do 3º olho, chegando mesmo uma pessoa a ver-se com uma face totalmente luminosa e, por fim, a ver uma personagem, o Mestre do mundo escondido, o pré-Eminente, a Balança do mundo oculto, que acabará por fundir-se connosco, e que no fundo é o Eu divino em nós, embora este nível seja complexo de ser verbalizado em identidades distintas...
Kubrâ descreve pois uma ascensão da capacidade de visão interna que começa por abrir-se pelo olho espiritual, em seguida pela face, depois pelo peito e finalmente por todo o corpo. Certamente que as pessoas podem ter experiências fora desta ordem, mas já que se limitam muito ao olho espiritual é bom este testemunho vivenciado de Kubrâ...
O conhecimento do tão procurado e exaltado Nome supremo de Deus brotará do coração e inclui todos os signos e letras, e disto nascerá o Amor no seu máximo, original, incriado, onde o invocador ou nobre viajante se unificará ou aniquilará, como diz citando Al-Hallaj: «Admiro-me de Ti e de mim: tu aniquilaste-me a mim mesmo em Ti. Aproximaste-te de tanto e tão bem que Acreditei que Tu és Eu.»
O mesmo se passa no Amor, como em geral os grandes místicos e amantes têm experimentado: o amante aniquila-se de tal modo no amor que se torna amor, aniquilando-se depois na amada. Aqui há a passagem do amor do coração, ao amor fervente, do espírito, numa ascensão à aniquilação ou superação de si na essência bondosa, luminosa e divina.
Falamos no início deste texto que Najm al-din Kûbra apresenta a ascese como uma parte do caminho e de facto a sua ideia é a de que há necessidade dela na alma tanto da purificação, arrependimento e pacificação, para que se torne verdadeiramente coração, como no desejo ou apetite, o qual deve trocar os objectos dos cinco sentidos perecíveis pelo que é permanente e eterno, o espírito divino, passando do nível corporal para o desejo do coração e a aspiração ao Alto, e recebendo então as luzes da beleza e da compaixão divinas.
A evolução ou maturação do ser humano é caracterizada pelas asas da esperança e do receio dos jovens, no seu limitado saber, da contracção e da dilatação (do coração) do homem maduro, com o seu livre arbítrio emanando do poder do espírito pré-eterno (e assentes nas suas qualidades de paciência e de gratidão), e as da intimidade e veneração do ancião (assentes na sua satisfação e confiança), que ainda se transformarão nas do conhecimento e do amor, até chegar às da renúncia e da estabilidade. Esta graduação biográfica, em forma de asas, é bastante original e valiosa...
A revelação dos Atributos Divinos pode surgir em duas linhas, a da Beleza íntima, e a da Majestade venerada, a primeira mais doce e generosa, a segunda mais poderosa, impetuosa ou violenta até.
É valioso notarmos que para Najm al-din Kûbra os atributos divinos de beleza, compaixão e benefício sejam virgens belíssimas e puras, por detrás dos seus véus....
Sobre o famoso verso corânico III=103: «Protegei-vos segurando a rédea de Deus e não vos dividindo», dirá que no aprofundamento da concentração visionária e da relação entre o discípulo e Deus, quando cresce a aspiração e o pedido é sincero emana de Deus uma luz que une os corações dele Consigo, de tal modo que se sente o gosto da ligação íntima amorosa e se vê mesmo uma corrente vinda do céu até ao coração, que é assim protegido. Isto é a rédea de Deus. Muito original esta visão, ligada até com a raiz Yug, de Yoga e do nosso Jungir, pôr sobre jugo ou rédea...
Esta concentração visionária que provém do recolhimento tem o seu oposto na dispersão, que é para Kubrâ o pior castigo que podemos ter. Ora, se observarmos o que se passa hoje e no estado psíquico das pessoas tão sujeitas a informações e contra-informações, publicidades e aliciamentos, e como lhes é tão difícil recolherem-se e portanto abrirem o seu olho espiritual e religarem o coração a Deus, concluiremos quão grande e difícil é actualmente a nossa tarefa. Najm al-din Kûbra exortar-nos-á pois a roubarmos tempo, uma hora que seja, a todos os ladrões da nossa alma, para a consagrarmos a Deus, à Sua invocação.
Dirá ainda que o recolhimento é o apego do coração ao trono de Deus, ou o apego do trono ao coração, ou ainda o encontro dos dois a meio do caminho. Depois, Deus instala-se no coração e, a propósito da polaridade primordial Rahman Rahim, dirá que Deus assente no trono é o Todo, ou o Mais, Compassivo (Rahman), e o que se manifesta no coração é o Muito Compassivo (Rahim). É na frase que se recita antes de cada sura do Corão, a basmala, "bi-smi llāhi r-raḥmāni r-raḥīm" "Em nome de Deus, o Mais Gracioso e o mais Misericordioso" que encontramos ar-Rahman e ar-Rahmin, sendo ainda usada em muitas outras circunstâncias como bênção..
No avanço do murid, ou discípulo, para Deus surgem as fases da sobriedade e do inebriamento, quando o discípulo sente que na morte do seu ego o Eu divino é ele, e exclama (tal como na Índia, os místicos do Advaita Vedanta, nomeadamente no Astravaka-Gita, que traduzi, comentei), nesses estados de maior exaltação divina: «Glória a mim, Glória ao meu Eu. Como o meu nível é elevado». Estes estados de grande comunhão com o Divino foram experimentados por Kubrâ que explicou também o verso corânico II=255, «O Vivo, o Sempre existente, em quem nem sono nem sonolência entram», como referente à consciência sempre em oração ou ligação a Deus. Um estado de realização que pode provocar alguma insónia em quem, a dado momento, já quer dormir....
Kubrâ valoriza bastante os retiros, que idealmente não devem sequer ter prazo, e que são como uma oficina de ferreiro onde o jejum (conforme o hadith canónico: «O demónio escorre através da descendência de Adão pelos canais do sangue. Não estreitareis estes canais pelo jejum?», a pureza e a oração e a invocação apuram a ligação ao mestre e a Deus. Invocação que faz com que a energia espiritual entre por essas artérias e veias, purificando-nos e que deve chegar a um ponto em que é ela que nos invoca, ou melhor que invoca em nós...
No seu suporte da respiração, revela-se como o som (presente no nome Allâh) e que é o nome de Deus, que sobe do coração, e que desce do trono de Deus. Certamente que como disse o mestre Abû ‘l-Najîb, comentando o verso corânico XXVI=89: «Só aquele que vem a Deus com um coração são», o meu coração é apenas como um canjirão que se esvazia para Ele».
A tradicional linguagem dos pássaros referida pelos místicos é considerada por Kûbra de dois modos: brota dos afectos que existem no peito das aves, e pode emanar do coração do ser que está intimamente unido a Deus, como sinal da sua alegria. Kubrâ diz-nos mesmo que não aprovando muito isto (por ser um sinal exterior), um dia ouviu esse canto subtil espiritual num fakir que se dirigia para a cidade santa Karbala (hoje em dia no Iraque e famosa pelas barbaridades norte-americanas quando o invadiram), mas que este lhe respondera que se Deus o permitia, era uma bênção.
A descrição dos estados mais intensificados de consciência é apresentada de vários modos, como por exemplo, a de que quando o ardor e a concentração aumentam, o nobre viajante tem a impressão que ora os sinais entram dentro dele ora ele penetra neles, ou ainda que as estrelas do céu se derramam sobre ele ou que o céu desce sobre ele ou, finalmente, que saboreia o céu inteiro dentro do seu peito ou mesmo que é levado ao alto e que vê a terra de cima.
E, finalmente, a revelação do seu ser de luz, do guia do mundo oculto, o sol da fé, o sol do coração, que o sábio Henry Corbin tão bem relacionou com o filão pré-islâmico do ensinamento de Zoroastro sobre a união com a nossa Daena, o Anjo feminino que é a nossa contraparte celestial, e que de certo modo pode ser compreendida seja como a nossa alma gémea, seja como a manifestação em nós do Eu divino, individualizada num corpo de luz ou de glória originado a partir do coração purificado e ligado ao  mestre e aos nomes e atributos de Deus.
 Para terminarmos este texto, concluído agora dia 3.VI.2020 e tendo sido gerado à volta da minha peregrinação ao Irão em 2012, e que resume frustemente algo do tão valioso ensinamento de Najm udin Kûbra, sobretudo a partir da sua obra principal As eclosões da Beleza e os perfumes da Majestade, fiquemos com uma bela definição dada por ele do Amor: «o Amor é a obediência do amante à amada.»
Saibamos nós viver tal, nos seus diversos níveis... 

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