O ensinamento de Najm al-din Kûbra, ou Najmodin Kobrâ (1145-1221, Konya; possa ele inspirar-nos), divulgado no Ocidente principalmente por Henry Corbin (em geral e sobretudo no aspecto das cores que se revelam na meditação), Fritz Meier e, ultimamente, por Paul Ballanfat, é inegavelmente portador de grandes forças espirituais e está de acordo com a realidade espiritual vivenciável pelo peregrino de qualquer tradição boa, pelo que conhecê-lo é útil e valioso.
A sua
visão do ser humano, fruto do ensinamento do seu mestre Ruzbihan Baqli e de longas vigílias, asceses e meditações, é
a de que ele é ou tem, além do corpo físico, uma alma da
cor do céu e que surge como a água que brota duma fonte, e uma
inteligência e um espírito luminoso (no seu nível superior sendo já
a consciência secreta), provenientes de Deus.
E que o objectivo da
nossa aspiração (muito importante, pois sendo um atributo de Deus é
vivendo-a ou intensificando que a Luz divina em nós cresce), procura ou viajem (para
Kubrâ o ser humano é basicamente um viajante, sayyâr,
tendo mesmo escrito um tratado das
Regras da Viajem), para Deus, do qual saímos na pré-Eternidade e num Pacto primordial pelo
qual existimos na Unidade Divina. Este pacto de fidelidade é contudo sem dúvida um dos níveis e estados do nosso Ser mais difíceis de se realizar ou relembrar, pois a nossa consciência está demasiado limitada a esta vida e quase apenas no plano físico. Já como
pode o nosso espírito unir-se com a Luz descendente divina será
talvez a principal questão tratada nos seus escritos com
grande sabedoria.
Os
principais caminhos para se chegar à Luz são então a diminuição ou
moderação do descanso e dos alimentos ("sufismo
é fome, fome"...), a entrega a um
mestre (com o qual se estabelece no coração um laço iniciático
que permite a consulta ou a comunicação tele-anímica a qualquer
momento), uma vida ascética (pelo qual se transmuta o corpo
grosseiro e se aprende a controlar a paixão, irmã- gémea da alma, e
a ouvir a inteligência superior, irmã-gémea do coração íntimo,
bem como a morrer para si próprio) e o desenvolvimento de certas
qualidades, tais como a paciência, a vigilância sobre si mesmo, o
contentamento, a confiança, a atenção a Deus e a prática da
invocação de Deus, através da repetição dos nomes de Deus, quais mantras.
Kûbra
distingue três caminhos ou vias: o mais lento da gente piedosa,
religiosa, cumpridora dos seus deveres. Depois, o dos que lutam
fortemente no seu interior, os justos. E, finalmente, a via mais rápida
da aspiração amorosa e da morte em Deus, na qual se viaja em
estados de amor e êxtase. Este caminhar mais rápido será o seu e
que dinamizará nos seus discípulos: a via kubrawîe,
a dos que voam para Deus, sem dúvida uma bela imagem a cultivarmos e que é comum a outras tradições, nomeadamente na cristã com a representação da alma como um coração dotado ou não de asas.
Acerca
do valor do desejo no caminho, Najm al-din Kûbra costumava contar a história do
sheikh al-Kharaqâni, o qual, na meditação do meio-dia, tendo subido às
alturas do trono do Deus (uma imagem do acercamento Divino comum nos sufis) e feito mil circunvalações, encontrou um
grupo de seres espantados com a velocidade com que ele conseguia
rodar à volta de Deus, tendo-lhes respondido que certamente era a
sua natureza de fogo e de luz, movida pelo desejo ou aspiração.
Kûbra
valorizava muito a confiança pura em Deus, como a melhor forma de
evitar os ataques de forças negativas, indicando como a oração
mais própria para sermos libertos de forças negativas: «Yâ
ghiyaâth al-mustaghîtîn aghithnî,»
«Ó Socorro daqueles que imploram o socorro, socorre-me».
Já
para saber se devíamos fazer isto ou aquilo, ou se tal pensamento
era ou não da alma, se era ou não de Deus, preconizava a consulta
tele-anímica com o mestre e o desenvolvimento dum sentido de gosto
espiritual, através do qual o sabor doce revelava o divino e o
amargo o que não deveríamos assimilar. Este trabalho sobre um dos sentidos espirituais menos comuns ou trabalhados, o do sabor, é certamente uma sugestão valiosa...
Podemos dizer que o
caminho espiritual é no fundo uma via alquímica de extracção do
ouro filosofal pela visão espiritual, ou seja, pela abertura do órgão contemplativo da luz que nos permite ver a luz interior e a luz divina,
bem como discernir as características subtis do estado ou estação do caminho da
vida em que nos encontramos. Assim Najmal-din Kûbra dá-nos vários exemplos do
ultrapassar das influências dos cinco elementos (terra, água, ar...) nos sonhos e visões, e realça que a visão do poço da alma que podemos obter
nas nossas meditações surge ao princípio como algo que está em
cima de nós, depois em frente e, por fim, ao fundo de nós próprios,
e que se trata da abertura progressiva do coração para o mundo
espiritual, em simultâneo com a clarificação da sua luz, até ela
se revelar angélica, de amor e de cor verde, que caracterizam a
condição mais purificada, denominada Senhorial.
Sobre
as cores que se revelam no interior, nas meditações ou
concentrações visionárias, ao princípio surge a cor amarela e
cores menos claras e à medida que o discípulo se vai purificando e
concentrando começa a ver o azul da alma viva, depois o vermelho do
poder da concentração e, por fim, o verde do coração espiritual.
Há certamente outras graduações das cores, tanto mais que elas dependem da cor principal de cada um, mas Kobra pela sua experiência deu esta gradação. Mas nem só somos visitados pelas cores pois há outras importantes
visitações, tal a dos anjos que entrando pelas costas descem no
coração e derramam serenidade, com os nossos pensamentos
permanecendo em Deus. Eis uma boa (e real) indicação de abertura ao Anjo...
Najm al-din Kûbra
praticava sobretudo a invocação do santo Nome de Deus, recomendada
no Corão, II=152: «Invocai-me, Eu vos invocarei», ou ainda
(XVIII=24) «Invoca o teu Senhor quando o esqueces», e chegava mesmo
a ouvir Anjos cantarem o fundacional bismillah: «Em nome de Deus, tal como não há
divindade senão Ele, o todo Compassivo, o muito Compassivo»,
(II=163), de tal modo que parecia que Deus descera das Alturas para o Céu que rodeia a Terra, visitação esta com que aliás os cristão deviam estar familiarizados, pois tal também pode acontecer durante a celebração do Natal.
Kûbra
deixou-nos muitas páginas de ensinamentos sobre a invocação (o
dikhr) e a sua grande importância, pois é ela que nos pode levar acima do
tempo, ao nosso corpo espiritual e à existência divina,
nomeadamente as características e modos (por exemplo, ao pronunciá-la,
simultaneamente ouvi-la), os objectivos e resultados, pois é por ela
sobretudo que o coração é iluminado e que a luz divina se une
connosco, devendo ser verdadeiramente apreciada, amada, para que ela
se revele na sua plenitude e nos desvende os segredos e poderes íntimos.
Invocação
não só da língua, audível, mas sobretudo do coração e da
consciência secreta, estes níveis dando a energia e a capacidade ao
invocando de se ligar, ou mesmo tornar-se de certo modo, o Invocado, num processo
gradual em que a repetição do nome de Deus, dirigido mesmo para o
coração, purifica-o e torna-o habitação e por fim revelação e
unicidade divina.
São
indicados dois percursos energéticos, aquando da repetição ou
invocação do nome de Deus (Allah, e
Huwa, Ele), ou da sua unicidade lâ
ilâha illâ ‘llâh,
não há deus senão Deus,
aliás presentes em muitos dos ensinamentos dos mestres sufis: lâ
ilâha repete-se subindo do ventre para
a cabeça, e o illâ ‘llâh,
descendo para o coração, ou então as mesmas palavras, a 1ª
subindo pelo lado direito e a 2ª descendo pelo lado esquerdo para o
coração, este de afirmação do senão
Deus (amor, luz), que vai entrando no
coração. Outro percurso conheço pessoalmente, que me ensinou um
sufi livreiro alfarrabista turco em Istambul, que traduzira Ibn Arabi para turco.
Se feita com atenção e amor, esta prática pode gerar vários resultados, desde a substituição da dominação
do coração pela nossa alma e as suas relações com o mundo, pela
de Deus (e a consequente iluminação do coração até então
entrevado) até à abertura da visão espiritual e à descoberta da
consciência secreta, ou cimo do nosso espírito. Estas recomendações são bem valiosas de se lembrar, quando no Ocidente e em alguns grupos de Yoga pratica-se demasiado mecanicamente o Om e outros mantras
Já a
oração é a conversa no íntimo do nosso ser com Deus,
realizando-se no seu aspecto mais elevado no coração que dialoga
com Deus pois por cada palavra ou frase ou sentimento que a pessoa exprime
Deus responde-lhe com outras palavras e vibrações. Tem de ser o
coração a orar: a Palavra, o Verbo, está lá, e os sons são
apenas testemunhos dessa ardência.
Ora
esta forma de oração derrama também no sentido espiritual do gosto
uma grande doçura, e portanto é importante estarmos mais
conscientes deste gosto interior, o qual se vai obtendo pela
transmutação do corpo grosseiro no corpo verdadeiro, que deve ir
aparecendo a partir das práticas, da ascese, das provações
difíceis e do amor. Será ele que nos une ao corpo verdadeiro dos
outros seres, permitindo manifestarmos mais o nosso corpo espiritual.
A independência deste corpo nobre ou espiritual em relação aos
cinco elementos é vivenciada por toda a gente pelo menos em alguns
sonhos, e pelos discípulos ou iniciados através da concentração
visionária.
A
potência interior da invocação do nome de Deus, da sua repetição
consciente está também visível nos relatos que Najm al-din Kûbra partilha de
começar a emanar de cada membro do corpo uma invocação com um som
parecido ao de uma trompa ou chifre ou ainda dum tambor, vindo mais
tarde a estabilizar-se como o zumbido duma abelha. É interessante
notar que estes sons audíveis interiormente são também descritos
pelos yogis e praticantes da meditação, sendo chamado na Índia
anahata nada,
o som sem som, atribuindo-se para cada chakra
ou centro energético ao longo da
coluna vertebral um tipo próprio de som. Na Índia mogol do século XVII o mestre Dara Shikoh, filho de Mumtaj e do imperador Shah Jahan, trabalhou bastante este aspecto nas suas práticas e escritos, como tenho divulgado.
Estes
sons são resultado de o homem conter dentro de si os cinco elementos
e surgem assim também como a ramagem das árvores agitada pelo
vento, ou o crepitar do fogo, e são sinais do cântico de glória a
Deus de todo o nosso ser que a invocação origina. Aliás Najm al-din Kûbra descreve mesmo o processo internamente dizendo-nos que as palavras
sobem do coração para a cabeça e para Deus e que Deste descem
energias espirituais ou mesmo a cor verde vivificando o coração de
tal modo que ele vai crescendo e fortificando-se chegando mesmo a
dizer, num bom sinal de ecumenismo, que o coração é como Jesus em criança e a invocação como
o seu leite.
O
aprofundamento da invocação e repetição do nome de Deus leva à
sensibilidade do corpo espiritual e dos movimentos energéticos e
luminosos que aí acorrem, seguindo-se estados de
resplandecência e de certa união com o Invocado ou, pelo menos diremos nós, com o nosso espírito.
Claro
que esta invocação implica um trabalho hercúleo da limpeza das
estrebarias dentro da nossa alma comum e das
quais em geral nem sequer estamos cientes da quantidade de animais,
vícios e distracções pois só quando começamos a meditar e a
praticar a invocação de Deus é que nos damos conta ou tomamos consciência.
Com a
continuidade das práticas o nosso corpo nobre ou precioso vai-se
desenvolvendo e com ele a capacidade de visão, pois o espírito é
um órgão subtil celestial, capaz não só de ver como de viajar no
mundo subtil e chegar mesmo ao Sol. A contemplação pode ser
dirigida para o mundo físico, para o mundo subtil ou oculto, com as
suas terras, seres e coisas, e livros (escritos com pontos, letras e
imagens, que lidos permitem a ciência intima) e, finalmente para o
que o céu contém (tal como os planetas com as suas características
próprias, segundo Kûbra: Saturno e a capacidade de concentração visionária,
Marte da discórdia, Vénus da alegria e emoção, e Mercúrio do
conhecimento e ciências), chegando-se por último à pureza de Deus.
Outros
aspecto possíveis de meditação, invocação ou contemplação são
os atributos de Deus ou os Seus Nomes (algo muito praticado tanto no Islão como no sufismo) e que por vezes nos chegam
inesperadamente, e dos quais alguma essência acaba por depositar-se
no nosso coração e aí crescer.
Estas
práticas assentam numa comunicação de energias ígneas, de luzes e
fogos, que tanto sobem do coração e da sua porta aberta para Deus,
como descem do trono de Deus, e que vão purificando-nos até que a
face brilha e irradia luz do 3º olho, chegando mesmo uma pessoa a
ver-se com uma face totalmente luminosa e, por fim, a ver uma
personagem, o Mestre do mundo escondido, o pré-Eminente, a Balança
do mundo oculto, que acabará por fundir-se connosco, e que no fundo
é o Eu divino em nós, embora este nível seja complexo de ser verbalizado em identidades distintas...
Kubrâ
descreve pois uma ascensão da capacidade de visão interna que
começa por abrir-se pelo olho espiritual, em seguida pela face,
depois pelo peito e finalmente por todo o corpo. Certamente que as pessoas podem ter experiências fora desta ordem, mas já que se limitam muito ao olho espiritual é bom este testemunho vivenciado de Kubrâ...
O
conhecimento do tão procurado e exaltado Nome supremo de Deus brotará do coração e inclui
todos os signos e letras, e disto nascerá o Amor no seu máximo,
original, incriado, onde o invocador ou nobre viajante se unificará
ou aniquilará, como diz citando Al-Hallaj: «Admiro-me de Ti e de
mim: tu aniquilaste-me a mim mesmo em Ti. Aproximaste-te de tanto e
tão bem que Acreditei que Tu és Eu.»
O
mesmo se passa no Amor, como em geral os grandes místicos e amantes têm
experimentado: o amante aniquila-se de tal modo no amor que se torna
amor, aniquilando-se depois na amada. Aqui há a passagem do amor do
coração, ao amor fervente, do espírito, numa ascensão à
aniquilação ou superação de si na essência bondosa, luminosa e
divina.
Falamos
no início deste texto que Najm al-din Kûbra apresenta a ascese como uma parte
do caminho e de facto a sua ideia é a de que há necessidade dela na alma
tanto da purificação, arrependimento e pacificação, para que se
torne verdadeiramente coração, como no desejo ou apetite, o qual
deve trocar os objectos dos cinco sentidos perecíveis pelo que é
permanente e eterno, o espírito divino, passando do nível corporal
para o desejo do coração e a aspiração ao Alto, e recebendo então
as luzes da beleza e da compaixão divinas.
A
evolução ou maturação do ser humano é caracterizada pelas asas
da esperança e do receio dos jovens, no seu limitado saber, da
contracção e da dilatação (do coração) do homem maduro, com o
seu livre arbítrio emanando do poder do espírito pré-eterno (e
assentes nas suas qualidades de paciência e de gratidão), e as da
intimidade e veneração do ancião (assentes na sua satisfação e
confiança), que ainda se transformarão nas do conhecimento e do
amor, até chegar às da renúncia e da estabilidade. Esta graduação biográfica, em forma de asas, é bastante original e valiosa...
A revelação dos Atributos Divinos pode surgir em duas linhas, a da Beleza
íntima, e a da Majestade venerada, a primeira mais doce e generosa,
a segunda mais poderosa, impetuosa ou violenta até.
É valioso notarmos que para Najm al-din Kûbra os atributos divinos de
beleza, compaixão e benefício sejam virgens belíssimas e puras,
por detrás dos seus véus....
Sobre
o famoso verso corânico III=103: «Protegei-vos segurando a rédea
de Deus e não vos dividindo», dirá que no aprofundamento da
concentração visionária e da relação entre o discípulo e Deus, quando cresce a aspiração e o pedido é sincero emana de
Deus uma luz que une os corações dele Consigo, de tal modo que se
sente o gosto da ligação íntima amorosa e se vê mesmo uma
corrente vinda do céu até ao coração, que é assim protegido.
Isto é a rédea de Deus. Muito original esta visão, ligada até com a raiz Yug, de Yoga e do nosso Jungir, pôr sobre jugo ou rédea...
Esta
concentração visionária que provém do recolhimento tem o seu
oposto na dispersão, que é para Kubrâ o pior castigo que podemos
ter. Ora, se observarmos o que se passa hoje e no estado psíquico
das pessoas tão sujeitas a informações e contra-informações,
publicidades e aliciamentos, e como lhes é tão difícil
recolherem-se e portanto abrirem o seu olho espiritual e religarem o
coração a Deus, concluiremos quão grande e difícil é actualmente
a nossa tarefa. Najm al-din Kûbra exortar-nos-á pois a roubarmos tempo, uma
hora que seja, a todos os ladrões da nossa alma, para a consagrarmos
a Deus, à Sua invocação.
Dirá
ainda que o recolhimento é o apego do coração ao trono de Deus, ou
o apego do trono ao coração, ou ainda o encontro dos dois a meio do
caminho. Depois, Deus instala-se no coração e, a propósito da polaridade primordial Rahman Rahim,
dirá que Deus assente no trono é o Todo, ou o Mais, Compassivo (Rahman),
e o que se manifesta no coração é o Muito Compassivo (Rahim). É na frase que se recita antes de cada sura do Corão, a basmala, "bi-smi llāhi r-raḥmāni r-raḥīm" "Em nome de Deus, o Mais Gracioso e o mais Misericordioso" que encontramos ar-Rahman e ar-Rahmin, sendo ainda usada em muitas outras circunstâncias como bênção..
No
avanço do murid,
ou discípulo, para Deus surgem as fases da sobriedade e do inebriamento, quando o
discípulo sente que na morte do seu ego o Eu divino é ele, e
exclama (tal como na Índia, os místicos do Advaita Vedanta,
nomeadamente no Astravaka-Gita, que
traduzi, comentei), nesses estados de maior exaltação
divina: «Glória a mim, Glória ao meu Eu. Como o meu nível é
elevado». Estes estados de grande comunhão com o Divino foram
experimentados por Kubrâ que explicou também o verso corânico
II=255, «O Vivo, o Sempre existente, em quem nem sono nem sonolência
entram», como referente à consciência sempre em oração ou
ligação a Deus. Um estado de realização que pode provocar alguma insónia em quem, a dado momento, já quer dormir....
Kubrâ
valoriza bastante os retiros, que idealmente não devem sequer ter
prazo, e que são como uma oficina de ferreiro onde o jejum (conforme
o hadith canónico: «O demónio escorre através da descendência de
Adão pelos canais do sangue. Não estreitareis estes canais pelo
jejum?», a pureza e a oração e a invocação apuram a ligação ao
mestre e a Deus. Invocação que faz com que a energia espiritual
entre por essas artérias e veias, purificando-nos e que deve chegar
a um ponto em que é ela que nos invoca, ou melhor que invoca em nós...
No seu suporte da
respiração, revela-se como o som hâ
(presente no nome Allâh) e que é o nome de Deus, que sobe do
coração, e que desce do trono de Deus. Certamente que como disse o
mestre Abû ‘l-Najîb, comentando o verso corânico XXVI=89: «Só aquele que vem a Deus com um coração são», o meu coração é apenas como um canjirão que se esvazia
para Ele».
A
tradicional linguagem dos pássaros referida pelos místicos é
considerada por Kûbra de dois modos: brota dos afectos que existem no peito
das aves, e pode emanar do coração do ser que está intimamente
unido a Deus, como sinal da sua alegria. Kubrâ diz-nos mesmo que
não aprovando muito isto (por ser um sinal exterior), um dia ouviu esse canto subtil espiritual num fakir que se
dirigia para a cidade santa Karbala (hoje em dia no Iraque e famosa
pelas barbaridades norte-americanas quando o invadiram), mas que este lhe
respondera que se Deus o permitia, era uma bênção.
A
descrição dos estados mais intensificados de consciência é apresentada de
vários modos, como por exemplo, a de que quando o ardor e a
concentração aumentam, o nobre viajante tem a impressão que ora os
sinais entram dentro dele ora ele penetra neles, ou ainda que as
estrelas do céu se derramam sobre ele ou que o céu desce sobre ele
ou, finalmente, que saboreia o céu inteiro dentro do seu peito ou mesmo que
é levado ao alto e que vê a terra de cima.
E,
finalmente, a revelação do seu ser de luz, do guia do mundo oculto,
o sol da fé, o sol do coração, que o sábio Henry Corbin tão bem relacionou com
o filão pré-islâmico do ensinamento de Zoroastro sobre a união
com a nossa Daena, o Anjo feminino que é a nossa contraparte celestial, e que
de certo modo pode ser compreendida seja como a nossa alma gémea, seja como a manifestação em nós do Eu divino,
individualizada num corpo de luz ou de glória originado a partir do
coração purificado e ligado ao mestre e aos nomes e atributos
de Deus.
Para
terminarmos este texto, concluído agora dia 3.VI.2020 e tendo sido gerado à volta da minha peregrinação ao Irão em 2012, e que resume frustemente algo do tão valioso
ensinamento de Najm udin Kûbra, sobretudo a partir da sua obra principal As
eclosões da Beleza e os perfumes da Majestade, fiquemos com uma bela
definição dada por ele do Amor: «o Amor é a obediência do amante à
amada.»
Saibamos nós viver tal, nos seus diversos níveis...
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