quinta-feira, 28 de maio de 2020

Dos Diários, de 1994. Amor, Livros, Cruz e Barroco.

Mais recolhas de diários antigos, este de 1994, quando vivia  à vista do convento barroco de Mafra:
Amor é um forno ou vaso alquímico onde se fundem corpos, almas, espíritos.
Fundem, fusionam, sublimam ou desintegram-se.
Saber preservar a energia central, elevar as potências sensitivas, intelectivas e voluntárias a pontos ou níveis superiores, eis a obra.
Um despertar interior, um domar as serpentes, a vara de Hermes.
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Livros - Quando são tocados pelas mãos, arrumados e interiormente sintetizados pela nossa visão actual eles ganham nova vida, força, verticalidade. Nas prateleiras onde estão ganham brilho e permitem uma maior nitidez ou irradiação do seu valor para connosco, e talvez mesmo para um visitante que chegue.
Os livros enviam-nos das suas lombadas comprimidas algumas emanações dos seus conteúdos, como mensagens subtis ou ténues, que em geral não nos apercebemos. Mas deveríamos com alguma regularidade fitar uma ou outra estante e sentir que livro nos chama e quer nas nossas mãos transmitir-nos algo.
Os livros são como peões, ou por vezes peças mais importantes, no tabuleiro do nosso jogo de xadrez da vida e da morte, do bem e do mal.
Cada dia há jogadas negras e brancas e nem sempre são só as nossas as brancas, nem sempre são as melhores as que vencem e devemos saber aceitar desprendidamente o que se vai passando ainda que lutando para chegarmos aos objectivos e missões que nos vão sendo oferecidos no desenrolar do jogo da vida. Bons livros auxiliam-nos a jogarmos bem.
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Cruz – O seu significado principal é o de sinalizar-nos que no centro do nosso ser, da nossa cruz, está o espírito, o Divino em nós e que esta descoberta e vivência é a missão principal da nossa vida. Tudo o mais será dado por acréscimo.
                       
Barroco – Uma época marcada pelas reformas e lutas religiosas, os progressos de enriquecimento e da burguesia, produzia uma movimentação tremenda de novidades, de engenho, de esforço, de sensualidade, de individualidade, bem patente na arte, arquitectura e na literatura.
Majestade, Império no topo da hierarquia, mas também florescimento, desejo de libertação, iluminação, ascensão, triunfo em todos os actores do grande teatro da vida. Democratização pois, com a arte a tratar cada vez mais do quotidiano e do corriqueiro com foros de sagrado, com uma mística a tornar-se cada vez mais a estrada estreita mas para todos, nomeadamente pelo culto apaixonado dos intermediários, santos e santas, Anjos, Jesus e Maria, cada vez mais ao alcance de qualquer freira ou devoto, em livros, exercícios, pinturas e estampas
Lágrimas e risos, Demócrito e Heraclito, tensões de opostos e dos paradoxos, assumidos e bem cultivados mentalmente, argutamente mesmo, o ser humano encaminhava-se sob muitos condicionamentos e artifícios para o alargamento da consciência, a liberdade, para o amor mais universal, para a emancipação da religião e do despotismo absoluto.
Os escritores mais iniciados, no Barroco, são os que vêm mais longe, para trás e para a frente e chegam a uma gnose mais profunda de si mesmos e da realidade que observam, intuindo os níveis subtis em que se manifesta a essência humana, a alma do mundo e a previdência divina e apoiados nessas correspondências e analogias, nessas leituras das simbólicas substanciais do Universo se projectam em sonhos, obras e aspirações para uma Humanidade e um futuro melhor, agindo como criadores, cientistas, democratas, livres pensadores, humanistas, universalistas, ecuménicos.
Entre nós, Rafael Bluteau, Manuel Faria e Sousa, o P. António Vieira, D. Francisco Manuel de Melo e soror Violante do Céu foram alguns deles. E a soror Josefa de Óbidos, representada com esta imagem final, do trânsito feliz da amorosa Maria Madalena, tão consciente ou acompanhada dos Anjos na sua entrega libertadora final.

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