quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Bô Yin Râ, O Caminho dos meus Discípulos, 2º cap. resumido por Pedro Teixeira da Mota.

No 2º capítulo do livro, Der Weg Meiner Schüler, o Caminho dos meus Discípulos, intitulado "Distinção necessária", Bô Yin Râ tenta ensinar a discernirmos verdadeiramente o que é o Espírito,  mostrando algumas das utilizações correntes da palavra espírito, tal a vivacidade de espírito e que refere apenas uma actividade cerebral, ou a ideia de espíritos desincarnados, onde brilha ainda alguma consciência do Espírito substancial individual e, finalmente, na religião cristã o Espírito de Deus, o Espírito Santo ou mesmo a adoração em Espírito, falada no Novo Testamento, mas que são concebidas sob formas cerebrais e antropomórficas, e não são sensíveis ao, e reconhecedoras do, espírito eterno omnipenetrante, do qual S. Paulo dizia que estava ou penetrava mesmo as profundezas da Divindade, e no qual Bô Yin Râ se baseia por vivência e conhecimento directo
A aproximação ao espírito é então a tarefa principal do Caminho, algo que não é feito pelo pensamento ou teorias  nem pela actividade do cérebro mas pela vivência do Espírito substancial, indestrutível e eterno e tendo em conta, como escreve: que «é preciso que estejamos nele, se o queremos conhecer, aprofundar e perscrutar do interior; e podemos chegar a ele – fisicamente mesmo - já que ele penetra em nós dum modo vivo, vive mesmo em nós, embora  não consigamos ainda viver nele»
Este espírito que está em nós tem então de ser vivenciado interiormente, e só depois racionalizado, e toda a sua obra escrita com «o sangue do coração seu» se destina a ensinar-nos, por meio de diversas possibilidades, a vivenciarmos interiormente o espírito. 
                                   
 Não o podemos vivenciar de todas as maneiras mas, dependendo do nosso ser e karma, assim estaremos mais aptos a percorrer uma ou outra via de acesso, que outrora, para os «verdadeiros iniciados dos antigos mistérios na China, Índia, Babilónia, Pérsia, Egipto, Grécia e Roma», eram bem mais exigentes do que  hoje, já que para os ocidentais, menos pacientes, ele simplificou o ensinamento...
Alcançarmos a forma e metodologia mais apropriada para experienciarmos a presença do espírito original implica portanto a nossa participação consciente, e deve ser firmemente seguida e querida para chegarmos finalmente à vivência e percepção do Espírito, que é Amor, bem como do mundo de Espírito, o qual não está vazio (como muitos proclamam) mas é sim  dotado de movimento perpétuo e infinito de formas, sinais, cores, sons e seres, sendo assim um Cosmos, um mundo de ordem e harmonia. 
Tempo e espaço, Mundos. Bô Yin Râ.
Ora para vivermos conscientemente no mundo espiritual temos de estar dotados dum corpo espiritual e com os seus sentidos próprios despertos, e assim, conforme o desenvolvimento de tais sentidos feito ainda em vida, pela nossa atenção e acção, meditação e contemplação, assim serão as nossas experiências aqui e no além.
 Todavia, Bô Yin Râ alerta para o perigo de esfriarmos de tal modo a nossa  alma pelo racionalismo e pelo conhecimento objectivo sem ardor, que acabemos por enfraquecer e diminuir as forças anímicas que deveríamos e teríamos unificar em nós para podermos vivenciar com espontaneidade, maravilhamento e amor o espírito...
Na verdade, são estas forças anímicas desenvolvidas e unificadas pela vontade em vida, em momentos de maior consciencialização, amor e unidade, que substituem o cérebro na existência post-mortem e são a justificação da existência em nós do espírito substancial e eterno.
Após lembrar que o Espírito é inalcançável tanto pelo pensamento como pelos cinco sentidos, dirá: «É necessário estarmos nele, se o queremos conhecer, aprofundar, escrutinar do interior e nós podemos aceder a ele porque -mesmo fisicamente, - ele penetra-nos dum modo vivo,  - ele vive em nós, mesmo se nós não conseguimos ainda viver nele.»

                                   
       Excelente ornamento de Bô Yin Râ com a estrela do espírito esplendendo na Natureza, para nossa contemplação...

Bô Yin Râ, O Caminho dos meus Discípulos, 1º cap. resumido por Pedro Teixeira da Mota.

                                      
No livro O Caminho dos meus Discípulos, publicado originalmente em 1932 na Alemanha (Der Weg meiner Schüler) e traduzido em França em 1991, o notável pintor e mestre espiritual Bô Yin Râ (1876-1943) dá bastantes indicações valiosas para quem quer avançar num caminho sério de espiritualidade pelo que resolvi resumir o seu conteúdo, capítulo a capítulo, já que  ainda não está traduzido em português, e partilhá-lo no blogue.
No 1º capítulo Bô Yin Râ mostra o que significa ser discípulo de um mestre e como uma pessoa se qualifica para tal.
É pelos actos, vontade, sentimentos, pensamentos e palavras, em suma, pela vida toda em acordo com o ensinamento dado, que conseguimos estabelecer uma unidade no mundo do Espírito substancial com o Mestre.
Um discípulo é  quem recebe e aprofunda o ensinamento e tenta ou compromete-se em si mesmo  a organizar a sua vida de acordo com ele e não quem apenas lê os seus livrose não passa para os actos e as formas de vida o que aprendeu.
Refere as críticas de jornais ou revistas que alguns discípulos lhe enviavam e explica que, embora respeitando a opinião de qualquer ser, logo nas primeiras linhas intui que atenção merecerá tal artigo. E, dispondo de uma faculdade de percepção espiritual que falta aos críticos, naturalmente a tarefa deles de o criticarem ou avaliarem é bem difícil de ser levada a bom porto ou fundamentadamente.
Conta como recebia múltiplas cartas  e como deixou de responder à maior parte delas, não podendo alargar o número dos seus amigos correspondentes, pois, ao satisfazê-los, acabaria por dispersar muitas forças necessárias à sua concentração e missão. Ou como ele diz: “poderia prejudicar os deveres essenciais de minha existência, dispersando forças que exigem a mais íntima concentração”. Este ensinamento é bem importante  para qualquer pessoa no Caminho, dada a fácil dispersão em que podemos envolver-nos, e mais ainda hoje, acrescentaremos nós, com a internet e os telemóveis...
Bô Yin Râ é crítico dos discípulos que se fazem missionários do seu ensinamento, considerando que tal pode ser frequentemente contraproducente, valorizando antes a divulgação de sentido geral que uma editora prossegue, para um público indeterminado, cabendo a cada pessoa a liberdade e responsabilidade de se interessar, comprar e ler. 
No caso do missionário ou propagandista, pode haver intromissões graves nos direitos de outras almas e criarem-se até resistências e repúdios.  Há que confiar-se nas altas protecções de potências espirituais que os seus livros têm, dirá mesmo, quanto a quem saberá deles ou a quem chegarão os livros. Isto não quer dizer que não se deva falar dos livros, claro.
Finalmente, após estes avisos, Bô Yin Râ lembra que houve sempre mestres que exigiam muito, e que ele retirou  na transmissão que faz da via que leva ao Espírito substancial  muitas das dificuldades que outrora existiam, embora tenha de haver sempre um esforço persistente na ascensão à meta suprema, subida que deve ser feita com «fé dinâmica na sua própria força» e com sábia repartição das forças, ou seja, assente numa tranquilidade persistente, determinada, que se manifesta no dia a dia peregrinado em tal Caminho.

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Dos embustes da nova Era norte-americana: Doreen Virtue e o "Grande Livro do Tarot dos Anjos."

A pretensa ou proclamada "Especialista Mundial em Terapia dos Anjos", Doreen Virtue, lança mais um embuste sobre Anjos, Tarots e Terapias, inventando um Tarot à americana, cheio de mistificações ("um baralho imbuído de energias dos anjos"), desinformações, manipulações, dulcificações:
Doreen VIRTUE e Radleigh VALENTINE. O GRANDE LIVRO DO TAROT DOS ANJOS. Tudo o que Precisa de saber para Lançar e Interpretar o Tarot dos Anjos.  3ª edição. Amadora, 20/20 Editora Nascente, 2018.  302 págs. 
Na introdução Doreenexplica candidamente como lhe surgiu a ideia:A sua avó Pearl aparece em sonhos a dizer-lhe para estudar "Pitágoras, filósofo, matemático e místico" e compreendeu que tinha de "criar cartas oraculares", pois desejava fazer um "tarot inteiramente positivo", e depois de encontrar o seu estudante Valentino pensaram fazer uma versão do Tarot que fosse suave e afectuosa, e assim retiraram todos os elementos perturbadores das imagens, mudando até alguns dos nomes. Na ingenuidade norte-americana, interrogam-se porque se criou uma aura de mistério, e dizem que "não compreendíamos qual era o propósito de tornar as mensagens do Céu difíceis de decifrar. Como tal, decidimos que um dos nossos objectivos seria tornar as cartas do Tarot dos Anjos fáceis de usar."
Radleigh: - Quando comecei a aprender Tarot, ainda jovem, peguei numa caneta preta e escrevi em cada carta. Doreen: - Eu adorei essa ideia; vi-a como uma forma de tornar as cartas totalmente acessíveis e também um modo de as desmistificar» Estamos mesmo a ver a falta de sensibilidade de Valentine Radleigh às cartas, ao estar a escrever sobre ela as palavras chaves, em vez de as aprender de coração e  logo saber de cor, o que a Doreen agradou muito: desmistificar, dessacralizar, destradicionalizar...
«Acreditamos que Deus e os anjos estão constantemente a tentar guiar-nos em direcção à alegria. Uma vez que o tarot é meramente uma linguagem para comunicar com o Céu, todas as cartas no tarot são uma mensagem de amor, conduzem-nos à felicidade.» Eis outra dulcificação exagerada, um tarot "disneilandico" este dos Anjos, como se o Tarot fosse apenas e tão directamente comunicação com o Céu, e que tipo de céu ou astral esse em que Doreen tanto se compraz em mitificar com a ajuda das cartinhas edulcoradas e dos seus arcanjos ajudantes inventados...
«Independentemente da carta que retiramos, ela será sempre de amor. Não pode ser outra coisa além de amor, pois o Divino só quer que sejamos felizes e o Tarot é o divino a falar connosco». Que tipo de felicidade será essa que o Divino quer para cada ser? E que presunção a de erguer o Tarot a mais um livro revelado, ou a de acreditar que não é o inconsciente ou o ocaso ou quanto muito ela, mas sim Deus que fala através das cartas...
Esta visão, exarada no prefácio do livro acerca do Tarot dos Anjos de Doreen Virtue, mostra bem que mundo imaginativo e cor de rosa pretende partilhar, numa antítese tremenda face ao gangsterismo e imperialismo que caracterizam os Estados Unidos da América, o que se por um lado sempre é uma forma de diminuir e compensar, por outro pode ser uma alienação de tal, e portanto aceitação de tal opressão violentíssima mundial.
                          
Deveremos então aceitar e sorrir pela candura da "especialista em terapia dos Anjos", ou deveremos antes alertar para a alienação geral que a sua visão da vida só de alegria, ou para os múltiplos erros ou ensinamentos superficiais e ilusórios que transmite?
Os breves capítulos iniciais sobre o Tarot são bem elucidativos pois a autora vendo que esta linguagem divina esteve ao longo dos séculos envolta em secretismo e gerando ansiedade e receios resolveu que as pessoas podem suspirar de alívio, pois o Tarot "foi criado para todos nós", não vindo de uma sociedade secreta mas dado às famílias para jogarem. E como grande especialista dos Anjos pode atrever-se mesmo a dizer que «Estamos no séc. XXI e nós, na comunidade dos anjos, não gostamos de conhecimentos secretos, sociedades exclusivas ou de  intimidação. Portanto retirou-se o cobertor e a candeia brilha com mais fulgor que nunca». Ei-la a rasgar os véus de Ísis...
Funcionando pela crença e fé no Tarot, a maioria da pessoas usa-o «para ajudar os outros a receber orientação divina – e nós que acreditamos que estes indivíduos são os Anjos Terrestres ao serviço da Humanidade». Boa santificação ou angelização das cartomantes...
A descrição da evolução do Tarot é também bastante errada, manipulada, tentando acentuar aspectos negativos e assim sobre Waite-Rider dirá que «cheio de simbolismo e de mensagens ocultas, este baralho foi divulgado em 1909, e foi muito influenciado pelos baralhos de Marselha, em França. As imagens eram em muitos casos trágicas, quando não assustadoras, e também difíceis de compreender».
 Um absurdo, pois o Tarot de Rider-Waite é dos mais suaves. Também considerar que na sua época a espiritualidade alternativa estava numa fase de declínio é errado, ou ainda que «o mistério e o medo em torno do Tarot aumentaram ainda com o desenvolvimento da indústria cinematográfica» Errado também pensar que a«maioria dos novos Tarots nunca se afastava do modelo Rider-Waite», ou que mesmo «depois do ano 200o muitos baralhos eram ainda mais assustadores e inquietantes do que aqueles que tinham séculos», ou que as pessoas, nas «suas buscas nas secções esotéricas deixavam-nas convencidas de que havia demasiado medo exposto nas cartas.»
Doreen Virtue passou a usar só 9 ou 10 cartas do Tarot com seus "clientes" e «conseguia fazer leituras muito pormenorizadas e rigorosas». Que rigor este, perguntaremos, amputando o Tarot tradicional de 12 cartas...
Ao conhecer Valentine Radleigh, contabilista e seu aluno, propôs-lhe o projecto e ele aderiu pois a sua visão era «a de desmistificar o tarot e torná-lo acessível a todos», e termina assim a introdução, a lembrar o America first de Donald Trump e de tanto norte-americano: «Após séculos de secretismo e trevas, o tarot foi trazido de volta para a luz e qualquer pessoa pode usar as cartas para obter respostas e orientação do Céu e dos Anjos.»...
Há contudo alguns aspectos positivos das propostas de Doreen: nas leituras não ligar a cartas invertidas e, entre os numerosos e alguns complicados tipo de lançamentos ou tiragens de cartas, o de tirar-se uma carta de manhã e o tirar-se ou lançarem-se três cartas: 1ª passado, 2ª presente, 3ª provável futuro, se não mudar o curso dos acontecimentos...

Também se libertou das forçadas correspondências cabalísticas e mesmo a astrologia é tomada ao de leve, aliás de acordo com a compreensão dela: «é uma ciência metafísica na qual se atribui à localização do Sol, da Lua e dos planetas no céu na altura de um acontecimento importante na vida... No final do século XIX, certos grupos espirituais fizeram associações entre cartas e astrologia».
Quanto à numerologia entra na crença habitual de dois significados, o do número atribuído a um arcano e o da sua soma numérica. Quando se entra nos arcanos menores é então total a probabilidade de arbitrárias e risíveis correspondências e significados, como faz, com os números das cartas e posições astrológicas: «o Rei da Terra [Paus] é Virgem, com um salpico de Leão».
Quanto aos Arcanjos, e não vai para menos na Hierarquia celestial, o livro é uma total efabulação e as justificações dadas são mesmo de quem não tem qualquer vivência com os Anjos ou Arcanjos,  considerando-os: «mensageiros de Deus que nos dão orientação e ajuda quando a pedimos.», sendo necessário pedir-lhes ajudas. Haveria «15 arcanjos principais com especialidades diferentes, sendo que cada um deles tem a aura de uma cor particular». 
No caso das cartas dos Arcanos maiores do Tarot dos Anjos, «colocamos um arcanjo em cada imagem com base na sua especialidade e no modo como cada um deles se relaciona com a mensagem da carta». Como são em número de 15 apenas os arcanjos que escolheu alguns  tem que se desdobrar por mais de uma carta e andarem assim a correr para as pessoas que os recebem em carta ou os estão a invocar ao mesmo tempo no planeta: Miguel aparece assim como o do carta do Imperador «porque este Arcanjo é forte e protector e, tal como o Imperador, está associado aos que velam pela nossa segurança (tal como os polícias)...» Pobre Arcanjo a proteger em especial os polícias norte-americanos, famosos muitos pela  brutalidade com que tratam as pessoas em manifestações...
As patranhices acerca dos Arcanjos são enormes; oiçamos acerca de alguns dos Espíritos celestiais considerados mais elevados na tradição judaica cabalista: «O Arcanjo Metraton é conhecido por velar pelos mais jovens, bem como por quem busca crescimento na sua espiritualidade... Este arcanjo apresenta-se na cor violeta ou verde». Já o Arcanjo Raziel «é um feiticeiro incrível que se senta no trono de Deus e mantém um livro mágico de sabedoria universal. O nome Raziel significa «segredo de Deus» e ele parece com as cores de arco-íris sendo representado pelo seu halo e pela energia mágica que usa para cumprir o seu propósito de vida. Tem a capacidade de pegar em conhecimento e transformá-lo em realidade. Embora o seu nome aluda a segredos, é com gosto que partilha tudo o que sabe para nos ajudar a ter vidas mágicas. Ele é o mágico perfeito para esta carta». 
Já 3ª carta ou lâmina, a Imperatriz, tem o Arcanjo Haniel que «é famoso pela sua associação com a lua e também está ligado a questões femininas», acrescentando que «A Imperatriz é muito parecida com um mestre ascendido, pegando na sabedoria que reuniu na vida e criando grandes coisas com ela. (Podemos escolher trabalhar com mestres ascendidos como Quan Yin, Buda ou Jesus)». Mestres acendidos ou ascensos, com suas fantasiosas reincarnações e mestras, eis outra patranha lançada (ou relançada pois a sociedade Teosófica e em especial Leadbeater já tinham entrado nessa paranóia engrandecedora) pela mistificadora e iludida Elizabeth Claire Prophet (1939-2009, médium espírita ou pseudo-espírita)  e que ainda singra em muitas almas ingénuas, com seus decretos, visualizações e invocações, apesar de em 1961 ter afirmado ser a única mensageira mundial dos mestres e, deoito meses antes de 2/10/1989, que os USA iria sofrer nessa data um ataque nuclear, que não se verificou e abriu muitos olhos dos manipulados discípulos em trabalhos forçados para sobreviverem a tais paranóias...
Quanto ao Arcanjo  Gabriel diz que é «normalmente mencionado em papéis que envolvam a comunicação, tais como anunciar um nascimento ou ser considerado um mensageiro entre Deus e a Humanidade». O seu nome significa «a força de Deus» e costuma ser representado com um grande trompete para acordar os que ainda dormem e incitá-los a agir. É famoso [onde?] por aparecer em tons acobreados»... 
O Papa, arcano V, desaparece neste nome e passa a ser a Unidade, tendo o arcanjo Sandolphon, «conhecido por levar as preces da Terra ao Céu», uma asneira já que tal é atribuição tradicional dos Anjos...
Já os Amantes, arcano VI, receberam o «Arcanjo Rafael porque é conhecido por anunciar o amor nos textos antigos...» mas também «é encarado [de frente ou ao alto?]como o arcanjo curador».
Sobre o arcano VII, Carro ou Conquistador, escolhido porque teria sido um dos dois Arcanjos que foram humanos (mais outra patranha), pois «diz-se que ele agradou tanto a Deus que foi até ao céu num carro de fogo»... Talvez por isso «também pode ajudar a recarregar as nossas baterias...». 
Na Roda da Fortuna, arcano X, aparece de novo o arcanjo Miguel, para nos ajudar a avançar. A carta XI da Força tem a tutela do Arcanjo Ariel, e «trabalha em conjunto com o Arcanjo Rafael para curar os animais e é dos preferidos dos ambientalistas...». Atenção ecologistas... Já quanto à cor, apesar do nome dele significar leão de Deus, é o rosa pálido, tanto mais que Ariel aparece como uma Arcanja, lembrando a Doreen Virtue...
 
 E chega de imaginações, fantasias, ilusões, e certamente muito pouco contacto, visão ou conhecimento dos arcanjos...
Uma obra que por uma ou outra razão se pode ler , mesmo que o baralho de cartas que lhe corresponda tenha imagens belas  simbólicas, interpretadas depois discutívelmente nas descrições de arcano a arcano.
Claro que nos Estados Unidos da América de tanta brutalidade e violência, para adolescentes ou então para pessoas já cansadas de tal e dispostas a ver o mundo de cor de rosa mesmo acordadas, pode ser útil, ou compreender-se a sua génese, propaganda e relativo sucesso... 
  Anote-se entretanto que recentemente (e só agora ao acabar o artigo e procurando na web uma imagem sua é que me apercebi) Doreen Virtue teve durante um serviço religioso, (em 7-1-2017),  uma visão de Jesus que lhe disse para «ser verdadeira consigo mesma, viver uma vida mais autêntica e parar de usar as cartas angélicas como adoração de ídolos» e logo se baptizou e converteu-se ao Cristianismo, não sabemos bem todavia em que linha ou seita...
Assim terminava a sua carreira pseudo-arcangélica, convertendo-se à leitura da Bíblia e deixando de fazer as suas leituras oraculares de cartas angélicas que tanta fama e proveito lhe deram, arrepiando assim caminho de patranheira mor, ou de embusteira como eu desde sempre intuíra, antes de partir para o outro lado com um karma demasiado grande...
Na sua página oficial Doreenvirtue.com  já não aparece a panóplia dos grandes sucessos de anjos e tarots (inventara mesmo o tarot dos animais, que em Portugal, se chegou, deveria ter tido sucesso...), mas sim outros livros que nestes dois anos já escreveu Mornings with the Lord, Sweet Dreams Scripture e Loving words from Jesus Cards, mostrando uma mudança radical embora continue a vender doçuras, sonhos e cartas, cristianizadas claro. No seu último livro A Alegria de Jesus relata a «sua conversão da nova Era para o Cristianismo»
O que sucedeu ao pobre do seu companheiro Valentine Radleigh, ou aos milhares de fãs das suas oraculices e patranhices não sabemos, mas certamente tais como os de Haziel, outro patranhão dos Arcanjos cabalísticos (e certamente uma das fontes de Doreen), as suas dezenas de livros de anjos e arcanjos intrujados continuarão a ser publicados e vendidos a muita gente ingénua apanhada nas mistificações da Nova Era, já que ela apenas informou a sua casa editora, Hay House, que só à conta do seu nome e face publicara (pasme-se) 36 tarots ou cartas oraculares, que queria que retirassem o seu nome deles no caso de os continuarem a vender, o que põe também naturalmente em causa a autoria deles, passando agora a publicar  apenas dentro do Cristianismo, e sendo norte-americana não sabemos bem que tipo...
Anote-se que no site da editora portuguesa, esta revolução de há já dois anos e meio ainda não está registada, antes se declarando sobre esta "médium e mestre metafísica": 
«Doutorada em Psicologia, Doreen Virtue é médium desde criança, sendo hoje mestre metafísica de quarta geração e especialista em Terapia dos Anjos. É autora de mais de 50 livros sobre assuntos espirituais, entre os quais os bestsellers 365 Conselhos dos Seus Anjos, Aprender a Ouvir os Anjos, O Reino dos Anjos e Um Anjo Salvou-me (todos eles publicados pela Nascente), dando regularmente cursos e workshops sobre estas temáticas.»
Assim, um simples artigo de crítica às patranhices da Nova Era quanto a Anjos, Arcanjos e Tarots, acabou com um desfecho inesperado mas instrutivo e esclarecedor...
Veritas, Pax, Lux, Amor....

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Beja sagrada: Altar do Amor, Igreja da N. S. da Conceição, ou convento de S. Clara. Com vídeo.

                                              
Em Beja, em pleno Alentejo, há um fabuloso altar ao Amor, dentro da igreja do Convento da Nossa Senhora da Conceição, outrora denominado Real Convento de S. Clara, extinto em 1834 e com parte dele desde 1932 servindo de Museu Regional de Beja...
Do final do séc. XIX há uma fotografia (patente no claustro e museu) com as quatro últimas freiras clarissas que ainda viviam, com três ajudantes, desde o decreto da extinção das ordens religiosas de 1834, no real Convento de Santa Clara em Beja. Deveriam ter proferido muito novas os seus votos de consagração ao Divino, que idealizariam ou mesmo que amavam muito ou o bastante para as manter afastadas do mundo...
É um altar erguido na última década do século XVII, e que a famosa soror Mariana Alcoforado (1640-1723) terá visto erguer-se, pelo que poderemos imaginar também ela intensificando-se devota e amorosamente diante das imagens e símbolos, formas e cores, energias e ritmos que o altar, dedicado a S. João, contém, manifesta e impulsiona tão maravilhosamente...
                                                
O altar a S. João Baptista, a quem foi dedicado, foi então erguido na nave da igreja da Nossa Senhora da Conceição do real convento de Santa Clara, no lado da epístola ou direito, em 1695 (e portanto antes do joanino da Igreja de S. Roque, em Lisboa, provavelmente influenciando-o) por José Ramalho, com mármores de espécies e cores diversas, muito harmoniosamente embutidos e fundidos numa unidade volumosa delineada por linhas horizontais e verticais, onduladas e espiraladas, com folhas e flores vivas e animadas, entretecidas com símbolos como o coração, a cruz, o cesto, o vaso da abundância, e seres, como o cordeiro, grifos, cupidos e o Anjo, no fundo a Unidade da Vida e Amor Divinos manifestados no Mundo....
                            
Com que alegria as sorores ou freiras observaram a construção, eventualmente até ajudando ou alvitrando, dificilmente poderemos intuir, mas pelo menos nós, agora, já no século XXI, saudamos e invocamos tais subtis momentos e estados conscienciais de artistas, peregrinas, devotas e amorosas almas...
                                                         
O Real Convento de Santa Clara de Beja, também denominado de Convento de Nossa Senhora da Conceição, fora fundado em 1459 (bula papal em 1469) pelos pais do rei D. Manuel I e da rainha D. Leonor, o duque de Beja infante Dom Fernando (irmão de D. Afonso V) e Dona Beatriz, e foi construído no estilo tardo-gótico que antecede o manuelino e transformado ao longo dos séculos, destacando-se a passagem do notável arquitecto João de Arruda em 1485, e na primeira metade do séc. XVIII o enriquecimento barroco em talha dourada do altar mor (junto ao qual se encontra a sepultura do fundador) e altares laterais, bem como a colocação de azulejos da vida de S. João no lado do Evangelho, pela abadessa Dona Brites Baptista, sendo o artista Policarpo de Oliveira Bernardes.
                                  
                                  
Sobre esta cidade de Beja e um dos seus conventos (o da Esperança) escreveu Frei Caetano do Vencimento, na biografia da Venerável Madre Mariana da Purificação, em 1747: «Vistosa nos Edifícios, opulenta em riquezas, aprazível no sítio, fecundíssima nos campos, deliciosa nos frutos, salutífera nos ares, e tanto que como único e eficaz remédio se aplica aos que receiam acabar a vida abrasados no fogo lento de continentes febres. Enobrece, e mais que tudo, faz famosa a esta pacífica cidade, pois pela paz se fez célebre o seu nome, o exemplaríssimo Convento de Religiosas Carmelitas da Antiga Observância: jardim delicioso, onde o Divino Esposo vem ao canteiro aromático colher os suaves lírios da virtude. »
Erguido na última década do séc. XVII, em 1695, talvez numa certa sincronia com a vida e amor de Soror Mariana Alcoforado (1640-1723) e de outras clarissas, nomeadamente  as escrivãs Sorores Francisca Inácia Xavier, Ana Inácia de Anunciação, Maria Joaquina do Amor Divino, que se exercitavam em devoção, caligrafia e sabedoria por diversos modos, este altar é uma obra belíssima que nos fere, exalta, imantiza.
Quanto ao Menino Jesus da fotografia, sobre valioso andor de prata e sob coroa de prata dourada, foi certamente muito adorado e levado em procissões. E vê-se ao fundo, à direita, o altar com as colunas rosas ocres e as volutas e consolas em que os anjos e corações pontificam, ou seja, criam pontes entre os diversos níveis de cada ser e entre os seres dos diversos mundos, visíveis e invisíveis. possibilitando comunhões interiores subtis angélicas...
Eis o corpo e a peanha central do altar, sobre a qual deveria estar pousada uma estátua de S. João Baptista, ladeado por duas colunas em espiral, muito shakticas ou de energia ascensional...
                                  
Ponto central do altar, coração do coração, Amor todo poderoso, brotando do Coração Divino e do humano.... Adoração ao Amor divino.... Invocação do Sol Primordial do Amor Divino.... 
Quem conseguirá intuir o pensamento, intenção ou programa do escultor e dos comandatários (abadessa ou padres) de tão fino e maravilhoso trabalho em filigrana amorosa marmórea?
                                    
O frontal de altar, em cima do qual está a pedra de ara consagrada, com uma profusão de volutas, anjos e o carneirinho, símbolo de João Baptista, ou da pureza, deserto, recolhimento e sacrifício...
"Que as tuas forças anímicas e amorosas, os teus cupidos, abram e ergam o teu coração até ao Anjo, até ao Espírito, em aspiração à Divindade", dirá uma interpretação ou hermenêutica espiritual mais operativa...
"Bebe o coração o vinho do amor e assim se tinge mais de rosa avermelhado e, dotado de asas, se eleva no desejo da Divina Unidade, e comunga então ora com o Anjo, o Mestre, a Luz e o Amor da Divindade."... Ámen, Amem...
A cruz da religião é a da Ordem Hospitalária de S. João de Jerusalém,  vulgo Ordem de Malta, muito importante na região e sobretudo na vila do Crato, tendo sido com o 5º duque de Beja, o muito humanista quarto filho do rei D. Manuel, D. Luís,  Prior mor da ordem (1506-1555), que se obteve então  a independência do priorado de Crato em relação a Malta.  Simbolicamente a cruz de quatro aspas, sustida pelos cupidos amorosos e as águias da virtude, brilha no meio do mundo natural e remete-nos para o centro, o alinhamento, o eixo, o encontro harmonioso das energias verticais e horizontais em irradiação joanina, templária e crística, luminosa e amorosa.
Quantos olhos enlevados se terão embebido em tanto Amor divino avatarizado ou descido ao mármore? Quantos clamores por Deus e pelo Amor e o ser amado, aqui em geral Jesus? Quanto contentamento e aspiração escorrendo do peito e lavando lágrimas e erros, medos e limitações? Quanta aspiração ao mestre, ao Anjo e à Divindade abriu o olho espiritual e permitiu ver, saber, conhecer, renascer?
"Raptaste o meu coração, matas-me de Amor", eis as danças e desafios das coitas do Amor, emblemata amorosa que todos devemos soletrar em vida para avançar luminosos na morte...
"Trarei à flor preciosa da tua alma o Amor mais divino que é possível humanamente", sente-se, diz-se, dizemos...
"Que o cimo da tua alma e cabeça estejam igualmente bem abertos ao Divino e que saibas vindimar o melhor vinho do Amor..."
Assim também cantavam os místicos poetas da religião do Amor na Pérsia ou Irão, tais como Rumi e Ruzbehan, Saadi e Hafiz, Attar e Jamil, ou os espirituais de quase todas as religiões, tradições e tempos...
Cantaremos em Amor, em aspiração ao Sol da Vida, na sensibilidade à corrente de vida divina que perpassa e unifica todos os reinos da Natureza: "Ó Deus, Ó Deus, brilha mais em nós.  Que haja mais justiça, amor e paz entre todos os seres..."
                                 
                                 
As ondulações rítmicas dos nossos actos, sentimentos e pensamentos, ou orações, invocações e meditações, tecem bordaduras e cordames que ligam e intercomunicam as nossas almas no culto e comunhão do Espírito e do Amor, na fraternidade dos Amigos e Amigas de Deus...
Laços de Amor tingem, purificam e unificam  os seres e coisas, e harmonizam-nos, ampliam-nos, sacralizam-nos....
                             
Quantas das freiras terão tocado na beleza e frescura destas flores, margaridas, rosas ou lótus da alma, em tais gestos perpassando a ânsia amorosa de unidade que as consumia na dedicação ao Divino, quem sabe deixando algumas emanações que ainda hoje nos tocam e erguem em nossas almas forças de gratidão e aspiração, amor e comunhão?
Pequena grinalda entretecida e aguarelada sobre papel no Convento, no séc. XVIII, e tal como Rumi ecoando, "vem, vem, nosso é um local unificador de todas as religiões, no espírito e no amor", espargindo e soprando amor puro nas almas....
 Segue-se o vídeo, em voz baixa, com interferências, de quatro minutos, colhido no dia 8- VIII-2019, e revisto e melhorado a 8-VI-2021, após nova passagem peregrinante.
                   

domingo, 18 de agosto de 2019

Ermida de N. Senhora da Guadalupe, Algarve e sua espiritualidade. Video e imagens.

Fachada da ermida, de forma rectangular, com contrafortes laterais, erguida provavelmente nos séculos XIV-XV, devendo ser afastada a hipótese de ser construção templária. A devoção à Virgem negra ou morena de Guadalupe começa a aparecer no sul de Portugal nessa época, em especial após a batalha de Salado. Aqui esteve em oração ou meditação certamente o Infante D. Henrique que tinha perto a sua quinta da Raposeira, também chamada de N. Senhora da Guadalupe, e onde recebeu  a dado passo o navegador italiano Cadamosto.
Arco ogival gótico, a luz e a escuridão e de novo a esperança de luz filtrada pela janela última da alma... Entremos...
Entre o cordame que liga seres e objectos, quais laços de amor, emerge a imagem sacralizadora da pedra ao divino humanizada, quem sabe um dos construtores ou o chefe da obra ou mestre dos pedreiros livres...
Capitel  esculpido em modo ainda muito do românico. O culto do Touro da fecundidade e força, e ao lado o sacerdote ou o iniciado, poderá ser uma leitura...
Certamente bem enigmático este alto relevo no cimo de um arco, embora provavelmente tenha a ver com o fogo do espírito, ou a centelha ígnea, um triângulo ascendente
Anjos muito simples, toscos, puros, quais pessoas tornadas anjos porque lhes tiraram o corpo e agora vogam em barcas ou asas e que do alto nos olham ou mesmo inspiram
Uma das chaves da abóbada, com frutos de árvore, reino vegetal também ele penetrado pela vida divina e em nós desabrochando como flores na alma espiritual
 
Misteriosas esculturas, talvez louvor à bolota do sobreiro e aos laços de amor que vamos tecendo no Caminho da vida luminosa e divina...
O mais misterioso conjunto de símbolos, mostrando a união dos opostos, e a interdependência da vida, com a roda do sol e da Divindade ao centro
De novo a mesma coluna à direita, com o berrão touro das forças primordiais e fecundas na Natureza e o iniciado de olhar bem determinado e boca fechada de mysté...
Que forças anímicas insuflou o mestre pedreiro nesta face iniciática que nos contempla quase desde os primórdios do reino dos Algarves e nos interroga em como está a lamparina do nosso coração, a luz do nosso ser?
A luz forte da tarde do Verão algarvio quase que cega a visão, mas o caminho ondulante por entre as árvores verdes refrescantes convida-nos a avançarmos com destemor, tanto mais que na oração meditação silenciosa, de que o olho da rosácea iluminada nos lembra, recarregamo-nos de boas energias...
Um último olhar para o vitral que se encontra a Oriente, por detrás do que seria o altar na capela mor e onde a triscálide celta e nipónica nos lembra de que somos, tal como o é o universo na sua multidimensionalidade, corpo-matéria, alma-energia e espírito-consciência e os devemos harmonizar e partilhar e o Divino Ser invocar ou acolher, na luz azul ou a que for....... Segue-se o vídeo da visitação....