Em Beja, em pleno Alentejo, há um fabuloso altar ao Amor, dentro da igreja do Convento da Nossa Senhora da Conceição, outrora denominado Real Convento de S. Clara, extinto em 1834 e com parte dele desde 1932 servindo de Museu Regional de Beja...
Do final do séc. XIX há uma fotografia (patente no claustro e museu) com as quatro últimas freiras clarissas que ainda viviam, com três ajudantes, desde o decreto da extinção das ordens religiosas de 1834, no real Convento de Santa Clara em Beja. Deveriam ter proferido muito novas os seus votos de consagração ao Divino, que idealizariam ou mesmo que amavam muito ou o bastante para as manter afastadas do mundo...
É um altar erguido na última década do século XVII, e que a famosa soror Mariana Alcoforado (1640-1723) terá visto erguer-se, pelo que poderemos imaginar também ela intensificando-se devota e amorosamente diante das imagens e símbolos, formas e cores, energias e ritmos que o altar, dedicado a S. João, contém, manifesta e impulsiona tão maravilhosamente...
O altar a S. João Baptista, a quem foi dedicado, foi então erguido na nave da igreja da Nossa Senhora da Conceição do real convento de Santa Clara, no lado da epístola ou direito, em 1695 (e portanto antes do joanino da Igreja de S. Roque, em Lisboa, provavelmente influenciando-o) por José Ramalho, com mármores de espécies e cores diversas, muito harmoniosamente embutidos e fundidos numa unidade volumosa delineada por linhas horizontais e verticais, onduladas e espiraladas, com folhas e flores vivas e animadas, entretecidas com símbolos como o coração, a cruz, o cesto, o vaso da abundância, e seres, como o cordeiro, grifos, cupidos e o Anjo, no fundo a Unidade da Vida e Amor Divinos manifestados no Mundo....
Com que alegria as sorores ou freiras observaram a construção, eventualmente até ajudando ou alvitrando, dificilmente poderemos intuir, mas pelo menos nós, agora, já no século XXI, saudamos e invocamos tais subtis momentos e estados conscienciais de artistas, peregrinas, devotas e amorosas almas...
O Real Convento de Santa Clara de Beja, também denominado de Convento de Nossa Senhora da Conceição, fora fundado em 1459 (bula papal em 1469) pelos pais do rei D. Manuel I e da rainha D. Leonor, o duque de Beja infante Dom Fernando (irmão de D. Afonso V) e Dona Beatriz, e foi construído no estilo tardo-gótico que antecede o manuelino e transformado ao longo dos séculos, destacando-se a passagem do notável arquitecto João de Arruda em 1485, e na primeira metade do séc. XVIII o enriquecimento barroco em talha dourada do altar mor (junto ao qual se encontra a sepultura do fundador) e altares laterais, bem como a colocação de azulejos da vida de S. João no lado do Evangelho, pela abadessa Dona Brites Baptista, sendo o artista Policarpo de Oliveira Bernardes.
Sobre esta cidade de Beja e um dos seus conventos (o da Esperança) escreveu Frei Caetano do Vencimento, na biografia da Venerável Madre Mariana da Purificação, em 1747: «Vistosa nos Edifícios, opulenta em riquezas, aprazível no sítio, fecundíssima nos campos, deliciosa nos frutos, salutífera nos ares, e tanto que como único e eficaz remédio se aplica aos que receiam acabar a vida abrasados no fogo lento de continentes febres. Enobrece, e mais que tudo, faz famosa a esta pacífica cidade, pois pela paz se fez célebre o seu nome, o exemplaríssimo Convento de Religiosas Carmelitas da Antiga Observância: jardim delicioso, onde o Divino Esposo vem ao canteiro aromático colher os suaves lírios da virtude. »
Erguido na última década do séc. XVII, em 1695, talvez numa certa sincronia com a vida e amor de Soror Mariana Alcoforado (1640-1723) e de outras clarissas, nomeadamente as escrivãs Sorores Francisca Inácia Xavier, Ana Inácia de Anunciação, Maria Joaquina do Amor Divino, que se exercitavam em devoção, caligrafia e sabedoria por diversos modos, este altar é uma obra belíssima que nos fere, exalta, imantiza.
Quanto ao Menino Jesus da fotografia, sobre valioso andor de prata e sob coroa de prata dourada, foi certamente muito adorado e levado em procissões. E vê-se ao fundo, à direita, o altar com as colunas rosas ocres e as volutas e consolas em que os anjos e corações pontificam, ou seja, criam pontes entre os diversos níveis de cada ser e entre os seres dos diversos mundos, visíveis e invisíveis. possibilitando comunhões interiores subtis angélicas...
Eis o corpo e a peanha central do altar, sobre a qual deveria estar pousada uma estátua de S. João Baptista, ladeado por duas colunas em espiral, muito shakticas ou de energia ascensional...
Ponto central do altar, coração do coração, Amor todo poderoso, brotando do Coração Divino e do humano.... Adoração ao Amor divino.... Invocação do Sol Primordial do Amor Divino....
Quem conseguirá intuir o pensamento, intenção ou programa do escultor e dos comandatários (abadessa ou padres) de tão fino e maravilhoso trabalho em filigrana amorosa marmórea?
O frontal de altar, em cima do qual está a pedra de ara consagrada, com uma profusão de volutas, anjos e o carneirinho, símbolo de João Baptista, ou da pureza, deserto, recolhimento e sacrifício...
"Que as tuas forças anímicas e amorosas, os teus cupidos, abram e ergam o teu coração até ao Anjo, até ao Espírito, em aspiração à Divindade", dirá uma interpretação ou hermenêutica espiritual mais operativa...
"Bebe o coração o vinho do amor e assim se tinge mais de rosa avermelhado e, dotado de asas, se eleva no desejo da Divina Unidade, e comunga então ora com o Anjo, o Mestre, a Luz e o Amor da Divindade."... Ámen, Amem...
A cruz da religião é a da Ordem Hospitalária de S. João de Jerusalém, vulgo Ordem de Malta, muito importante na região e sobretudo na vila do Crato, tendo sido com o 5º duque de Beja, o muito humanista quarto filho do rei D. Manuel, D. Luís, Prior mor da ordem (1506-1555), que se obteve então a independência do priorado de Crato em relação a Malta. Simbolicamente a cruz de quatro aspas, sustida pelos cupidos amorosos e as águias da virtude, brilha no meio do mundo natural e remete-nos para o centro, o alinhamento, o eixo, o encontro harmonioso das energias verticais e horizontais em irradiação joanina, templária e crística, luminosa e amorosa.
Quantos olhos enlevados se terão embebido em tanto Amor divino avatarizado ou descido ao mármore? Quantos clamores por Deus e pelo Amor e o ser amado, aqui em geral Jesus? Quanto contentamento e aspiração escorrendo do peito e lavando lágrimas e erros, medos e limitações? Quanta aspiração ao mestre, ao Anjo e à Divindade abriu o olho espiritual e permitiu ver, saber, conhecer, renascer?
"Raptaste o meu coração, matas-me de Amor", eis as danças e desafios das coitas do Amor, emblemata amorosa que todos devemos soletrar em vida para avançar luminosos na morte...
"Trarei à flor preciosa da tua alma o Amor mais divino que é possível humanamente", sente-se, diz-se, dizemos...
"Que o cimo da tua alma e cabeça estejam igualmente bem abertos ao Divino e que saibas vindimar o melhor vinho do Amor..."
Assim também cantavam os místicos poetas da religião do Amor na Pérsia ou Irão, tais como Rumi e Ruzbehan, Saadi e Hafiz, Attar e Jamil, ou os espirituais de quase todas as religiões, tradições e tempos...
Assim também cantavam os místicos poetas da religião do Amor na Pérsia ou Irão, tais como Rumi e Ruzbehan, Saadi e Hafiz, Attar e Jamil, ou os espirituais de quase todas as religiões, tradições e tempos...
Cantaremos em Amor, em aspiração ao Sol da Vida, na sensibilidade à corrente de vida divina que perpassa e unifica todos os reinos da Natureza: "Ó Deus, Ó Deus, brilha mais em nós. Que haja mais justiça, amor e paz entre todos os seres..."
As ondulações rítmicas dos nossos actos, sentimentos e pensamentos, ou orações, invocações e meditações, tecem bordaduras e cordames que ligam e intercomunicam as nossas almas no culto e comunhão do Espírito e do Amor, na fraternidade dos Amigos e Amigas de Deus...
Laços de Amor tingem, purificam e unificam os seres e coisas, e harmonizam-nos, ampliam-nos, sacralizam-nos....
Quantas das freiras terão tocado na beleza e frescura destas flores, margaridas, rosas ou lótus da alma, em tais gestos perpassando a ânsia amorosa de unidade que as consumia na dedicação ao Divino, quem sabe deixando algumas emanações que ainda hoje nos tocam e erguem em nossas almas forças de gratidão e aspiração, amor e comunhão?
Segue-se o vídeo, em voz baixa, com interferências, de quatro minutos, colhido no dia 8- VIII-2019, e revisto e melhorado a 8-VI-2021, após nova passagem peregrinante.
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