quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Diário de Calcutá, 1995. Iniciação e diálogo com Swami Ranganathananda, vice-presidente da Ordem de Ramakrishna. E outras anotações.

                                           

Calcutá [Kolkota]. No Ramakrishna Mission Institute of Culture. Domingo 19 Novembro, 1995 [já após alguns meses na Índia]. Meditação matinal com bastante luz e cores, revolvendo ou rodando a certo momento. Mas como sabermos se é a luz do espírito, ou se é de Deus, ou se não será de ambos, e se vem de baixo ou de cima, de fora ou de dentro, ou se não será dum plano espacial acima da nossa tridimensionalidade?

Fim do dia, já 23:00. Comecei a jejuar a seguir ao almoço para estar bem preparado para a iniciação matinal com Swami Ranganathananda [1908-2005, e então vice-presidente da Ordem de Ramakrishna]. Assim é de facto. Resolvi-me a ligar-me mais com o mestre Ramakrishna (1836-1886) e quem sabe com Deus, embora tenha tido alguma indecisão hoje, pensando se precisava ou valia a pena.
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A conversa com certas pessoas limpa ou extrai mais energias da aura e do chacra da garganta do que com outras. Não percebi bem ainda qual o factor principal: se depende mais da intensidade emocional da minha conversa e entrega, se da receptividade, abertura e assimilação da outra pessoa, ou ainda da sua falta de energia e logo tendência a retirá-la mais de nós.

Sobre Deus pensei que Ishwara, Cristo, Krishna, podem ter por detrás ou de dentro de si  o mesmo Ser divino responsável por este sistema solar e que se manifestou nesses seres mais especialmente.

Dia 21. Meditação matinal com bastante luz e cores.
Meditação é descer a mente ao coração.
Yoga é a suspensão das ondulações mentais.
Meditar é sentir e realizar estados internos de ligação, identificação e comunhão superior.
Durante uma concentração no começo ou primordialidade da manifestação Divina, vejo no olho espiritual uma imagem das montanhas nevadas ao longe emergindo das nuvens.
Sonhos com animais e suas pequenas lutas de sobrevivência, ou foi apenas simbolismo da água capturar o coelho (da prolificidade, ou o coelhinho branco de peluche?). E cães sabendo já que se fala mentalmente.
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Repetir mantras é difícil e ainda assim o que me surgiria então mais é  Cristo.
Ontem (dia 20) fui iniciado colectivamente com cerca de 150 pessoas [pois não é frequente o vice-presidente que as transmite vir aqui a Calcutá] no mantra [e corrente espiritual] de Ramakrishna ou, mais correctamente num dos mantras, pois haverá certamente variações nos bijas ou sons sagrados iniciais, conforme as pessoas e que provavelmente o swami Ranganathananda intuirá]. Embora não me sinta muito vocacionado para o repetir e as iniciações assim com tanta gente quase não o são, é um facto que antes da iniciação, na meditação colectiva, fiz as ligações a Deus, a Ramakrishna e aos antepassados e amigos já falecidos, e correu bem com bastante luz e felicidade interior.

Talvez hoje tenha notado mais imagens subtis a quererem aparecer no olho espiritual bem como luz branca e de outra cor. Vejamos nos próximos dias. Estive foi mais desperto de noite.
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Dia activo com o meu professor de sânscrito Satchitananda Dhar, que vem aqui ao Instituto quase todos os dias uma hora e tal, duas, para trabalharmos. Revemos a tradução que fizemos dos Bhakti sutras, de Narada, um texto clássico da Bhakti, ou amor devocional indiano. A ver se um dia o consigo dar à luz bem comentado.

                              

A criança aqui ao lado na hospedaria do Instituto de Cultura reage às febres fortíssimas, possivelmente da malária.
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Visita ao vice-presidente da Missão Ordem de Ramakrishna, o swami Ranganathananda que nos convidara para estarmos na sua habitação por volta das 17:00. Ainda meditámos um pouco.
Desiludida com a sua iniciação [pois fomos iniciados num grupo grande], Dana [a investigador romena do Budismo e companheira de algumas conversas e saídas com mais 2 ou 3 investigadores que aqui estão], tê-lo-á dado a entender a um swami ou monge da Ordem, o qual avisou o secretário de Ranganathananda, que 
resolveu então convidar-nos visitá-lo e a dialogar, diminuindo assim uma certa impessoalidade e rapidez da iniciação, embora cada um tenha recebido o mantra individualmente de boca a ouvido.

Já com 87 anos está semi-deitado numa cama, e visto de longe pela porta entreaberta parece zangado ou severo [pois a sua expressão é em geral grave], enquanto vão entrando algumas pessoas para o saudar.
De perto vemos os olhos mais fechados e a face com pior circulação. Magro, alto, dedos belos compridos, fala sem cessar, não ouvindo já bem todas as perguntas, talvez por isso encadeando umas nas outras as frases. Acaba porém por conversar connosco, embora algo mundanamente, sobre os países que visitou, os livros que escreveu, as fotografias que eles contêm e onde se podem comprar. 
Elogia os livros, maravilhosos, muito bem realizados.
Pergunto-lhe que países mais gostou? - «De todos. Com que respeito nos receberam na Grécia.» E no México, quando após uma conferência, estando já toda a gente de pé e a sair, alguém lhe pediu para recitar uns textos ou orações em sânscrito. Regressaram todos aos seus lugares e pronunciou-os então cerca de vinte minutos, sendo muito apreciados».
                                        
Quando fala do Ocidente, observa-se já um pouco do nacionalismo [ou supremacismo] vedântico indiano, pois critica-o sempre. Assim, por exemplo, Platão e os outros filósofos gregos tiraram tudo dos Upanishads. Estes textos foram os primeiros do mundo a descobrir cientificamente a verdade sobre a alma e nós próprios. Ainda contesto um pouco dizendo que Gregos e Indianos têm raízes comuns [pois são povos indo-europeus e tiveram os seus mestres e poetas videntes] e que mesmo já no Egipto se estudara a alma, mas ele reafirma a prioridade indiana.

Quanto ao Cristianismo ataca-o citando Arnold Toynbee:  no séc. IV ainda estaria no caminho certo, mas depois começara a desviar-se, culminando com "milhões" de mortos, nomeadamente as bruxas queimadas, tendo ele estado em Toledo, Espanha, no local ou praça em que se realizavam os mortíferos autos de fé.
Dirá ainda que o Cristianismo pode ganhar em contacto com a Índia e receber aí a sua correcção total. Três frases de Jesus bastam para construir uma religião racional e verdadeira: «Sede perfeitos, como o vosso pai Celestial que está no Céu», «Bem aventurados os puros do coração porque esses verão a Deus», e outra não tenho já a certeza se terá sido o «amai a Deus acima de todas as coisas e o próximo como a vós mesmo».

Considera que é a Índia que hoje no mundo está a dar ou partilhar mais a espiritualidade.
Perguntando-lhe eu se estávamos desde a data da morte de sri Ramakrishna  na Satya Yuga ou Era da Verdade, ele replica que sri Ramakrisha, tal como os outros grandes seres, fazem sentir a sua influência por séculos e só agora passados mais de cem anos é que se começam a sentir. [Eis uma hipótese que pode manter mais fervor nos adeptos de movimentos de mestres falecidos não há muito tempo, mas que frequentemente não se realiza assim tanto.]
Uma das respostas dad
as será boa, pois alude à plasticidade anímica. Quais os efeitos da meditação?  « - Dar novas forças e molde à procura da alma e da sua felicidade».

Já a sua constante afirmação da superioridade da Vedanta [o principal sistema filosófico e espiritual - darshana - na Índia] em relação às outras vias religiosas e espirituais mundiais, confirma um certo supremacimso-fanatismo vedântico e indiana, [que se pode compreender face à riqueza das suas tradições espirituais, nomeadamente do Vedanta, Advaita, sem Deus pessoal nem eu distinto do Eu divino,  Dwaita, com espírito individual e possível ligação  à Divindade pessoal, e sobretudo às suas tão numerosas grandes almas, os mahatmas, gurus e yogis, que sob a inspiração dos Himalaias e do Ganges, e dos seus deuses, cultos e práticas, tão luminosas vidas realizaram e testemunho, livros e tradições deixaram.]

Um dos cadernos bem cheios de transcrições, anotações, ensaios da estadia de cerca de nove meses (os outros três dos doze de 1995 em peregrinações) em Kolkota, no Instituto de Cultura da Missão de Ramakrisna, então dirigido pelo sábio e afável Swami Lokeswarananda. Fotografia do grande místico sri Ramakrisna Paramahamsa.

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