quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Diários da Índia. Diálogo no Nepal com um swami sobre a individualidade humana, junto aos templos e cais de cremação de Pashupatinath.

1995. Nepal. Junho. 
Meditação matinal de quarta feira bastante luminosa.
Inventar ou dedilhar durante algum tempo o meu mantra pessoal. Om Sri S. K. prema prajna namah. Para cada chakra, ou centro de forças, uma palavra...
Luz (...) bastante forte e prolongada. Mas donde vem? Do chakra da cabeça?
Ligeira visão de água, quando consegui abandonar um pouco mais o ego e suas coisas ou preocupações. 
 (...)   
                            
Ida à tarde ao rio junto ao templo de Pashupatinath (dedicado a esta manifestação ou forma antiquíssima de Shiva, e logo muito venerado no Hinduísmo) e às habitações ( ashrams e kutirs) de yogis e aos cais (gaths) de cremação .
Conversa mais prolongada com o Swami Sankarananda Bharati, 80 anos de idade.
Veio estudar gramática sânscrita e filosófica para o Nepal e sente mais amor a Deus aqui que na Índia. Recita-me os seus mantras Shivaistas [tais como o Om Namo Shivaya e outros com bijas (sons-raízes) especiais.]
Para ele, só existe um Atman, um espírito-alma, uma só corrente de Luz. Nomes diferentes mas uma só essência. Instado por mim se existe em cada pessoa um Atman, mantém-se afirmativo na sua unicidade ou não dualidade: um só universal...
[Como o seu nome indica ele é um monge ou swami, da tradição Vedanta, ou a culminância dos Vedas, que tomou o nome de Shankara, o mestre principal da linha Advaita vedanta, a não dual: existe só um espírito, uma só consciência, uma unidade, e não há dualidade entre o ser humano e o Espírito ou a Divindade. Em todos os seres um único real ou verdadeiro Eu ou Espírito e é o Divino. Ananda significa beatitude, felicidade, e muitos swamis puseram no fim do seu nome esta valiosa e bela palavra. Bharati, que
significa amante da Luz do Conhecimento, é uma das cinco  linhas de monges ou swamis no Vedanta.. Um dos meus mestres na Índia foi Shudhananda Bharati, um yogi poeta.  Swami Shankarananda desvendou-se no diálogo como um advaita, não-dual, pois há os swamis dvaitas, os duais, que admitem a existência dum espírito individual em cada ser, o qual pode e deve religar-se à Divindade e até numa relação pessoal amorosa.] 
Sorri [quando o interrogo] sobre o Kundalini [a energia subtil da coluna vertebral] e os chakras [ os centros de força ao longo dela] e faz um gesto que eu interpreto como isso agora está estabilizado, [mas também pode ser um sinal de acalme-se, isso não é importante].
Vive numa pequena divisão ou cela, dentro duma stupa, a edificação típica do budismo, sobre o rio Bagmati, onde se incineram os mortos [um rio muito sagrado na tradição nepalesa, sendo auspiciosa a cremação e o banho nele, tal como na Índia se considera em relação ao rio Ganges]. Aqui afluem os vivos para adorar os imortais [seja os deuses nos templos, seja os gurus ou mestres]. Macacos, cães e sadhus [renunciantes peregrinos] são a fauna local, contrastando com os turistas e os peregrinos [seja ao rio, aos templos ou aos ritos crematórios encaminhadores [alguns acreditam que quem for cremado aqui não terá de reincarnar mais, em natural, mas sem que isso signifique iluminação ou libertação das limitações pessoais...].
É um local poderoso pela proximidade dos Himalaias, pela altitude a que está, pela sua longa história de sacralização bem patente na arquitectura e arte, pelo contraste da vida e da morte, pelo rio que flui poderoso e psicopompo e pelas possibilidades de encontros, diálogos e meditações valiosas.

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