domingo, 17 de dezembro de 2023

Leonardo Coimbra, "A Alegria, a Dor e a Graça". Hermenêutica do seu princípio por Pedro Teixeira da Mota. Vídeo e texto.

Leonardo Coimbra (1883-1936) , apesar de já ter sido muito estudado e sobretudo analisado, continua bem merecedor de outras aproximações menos secas e redutoras, e que consigam revelá-lo na sua dimensão perene espiritual e operativa. Neste sentido li e comentei a 17 de Dezembro de 2023 as primeira nove páginas d' A Alegria, a Dor e a Graça, tal como pode ouvir no vídeo inserido no fim deste texto, que será agora reforçado pela transcrição das ideias e frases mais significativas, de novo comentadas por mim.
A Alegria, a Dor e a Graça, dada à luz no Porto na Renascença Portuguesa em 1916,  é uma obra de filosofia perene, sempre legível e actual, pesem algumas redundâncias estilísticas e emotivas, e eis o seu começo prometaico, desafiante, iniciático, interpelativo:
"As almas verídicas (porque há aparências, esboços de alma) nutrem-se dum único alimento – o Absoluto.
Procurar a substância, o íntimo das coisas, o que é, para além do que aparece, eis a ansiosa tarefa das almas».
Comentário: Estas almas que verdadeiramente vivem, se alimentam e alegram na comunhão com o sagrado, o divino, o infinito, o absoluto, são raras. O mundo abastece demasiado as pessoas com alimentos materiais, digitais, informações e manipulações, conflitos e competições, ambições e egos, o que gera pouco tempo ou predisposição para a respiração, meditação e comunhão com o Absoluto, o Espírito, a Divindade, no que podemos sentir ou intuir.
O Absoluto foi para a maioria das pessoas, infelizmente, neagdo, coisificado, afastado, ou até demasiado abstraizado nas e pelas discussões filosóficas, metafísicas, religiosas e só para poucos ele é o fermento mais íntimo e importante do Universo, o pão da vida que alimenta verdadeiramente as almas que o demandam nas suas cogitações, orações e meditações e no seu quotidiano, enquanto seres que tentam despertar e ser na harmonia e eixo da terra e o céu...
Leonardo Coimbra indica onde encontramos o absoluto, o divino, o infinito: no interior ou íntimo das coisas e dos seres. É portanto nossa missão e tarefa procurar esse Absoluto ou Divino que nos substancia interiormente.
Não especifica se essa substância do Absoluto é uma só e a mesma em tudo e todos, ou se está individualizada em cada um, tal como a filosofia indiana muito aprofundou, que Leonardo conheceu, citou e apreciou, pesem em contrário alguns seguidores da escola da Filosofia Portuguesa que nunca gostaram de tais ligações com as filosofias e tradições espirituais orientais, e encontrei-os no caminho.
Aliás Leonardo no 3º e 4º parágrafo vai-nos secundar, ao escrever: «O homem comum vive numa concha, formada dos seus hábitos, depósito dum secular arranjo social.
Não se interroga, não pressente, que em torno dessa concha marulha um Oceano infinito removido de infinitas actividades e formas».
E que portanto é um erro fazer limitações, fronteiras, nomeadamente entre Leste e Oeste, Oriente e Ocidente, ou ainda definir como vazio o que a sua visão não consegue discernir ou não quer abraçar. Como também são ilusórias muitas das concepções feitas ou aceites pelas pessoas quanto aos seus deveres, pelas quais frequentemente se acomodam e se paralisam, ou então se excitam e agem erradamente, perseguindo a sua aparência de Absoluto, limitado e tantas vezes opressivo ou mesmo violento.
Este Absoluto, o infinito, a universalidade ou mesmo a Divindade, sempre foi demandada e intuída por diferente seres ao longo dos tempos e temos obrigação de os estudar e conhecer um pouco para aprendermos a sintonizarmos ou mesmo alimentar-nos melhor Dele, ou seja, para estarmos mais na demanda e na vivência da Verdade e da Harmonia. E Leonardo Coimbra é um elo importante dessa demanda e realização na Tradição Espiritual Portuguesa.
Destaca Leonardo em seguida um núcleo energético importante ou fundamental na vida humana, a Alegria, e vai-nos relembrar alguns momentos ou circunstâncias em que ela está bem presente como alimento, ponte ou portal para o Absoluto, para o Divino:
«A alegria duma manhã é a expressão das vidas que despertam, do grande abraço de luz que as enlaça e acorda?
Não será antes, muito simples e imediatamente, o espectáculo, sem cessar renovado da criação?
O que é uma manhã?
A obra dum Fiat arrancando ao Céu um Mundo. Que imenso Escultor é esse, que aí surge a talhar o Mundo?»
Eis Leonardo a tentar despertar-nos para o valor da aurora, do nascer do sol, da manhã, e como diariamente somos co-creadores do Mundo que ajudamos a concretizar-se pelos nossos esforços, aspirações abnegações. Uma imagem atraente é mesmo oferecida: vede a manhã como uma entidade que vos quer abraçar, ou como um potencial ainda informe ou mesmo caótico, que se quer formar, desabrochar, elevar.
Dirá mesmo sobre «a Alegria da Aurora. As vidas não despertam, renascem; eis porque cada alvorada é inédita, sem par.» Quantos conseguimos diariamente, ao acordar e levantar, adoptar ou abraçar do íntimo este ensinamento madrugante de Leonardo?
Lembremo-nos então mais da alba ressuscitadora, sobretudo quando estamos enfraquecidos ou desanimados, tanto mais que logo a seguir Leonardo afirma, na linha da sua visão Criacionista, que tanto teorizou (o seu 1º livro, O Criacionismo, nascido como tese, sem sucesso, no concurso para Professor da Faculdade de Letras de Lisboa), e convidando-nos a participar por auto-consciência operativa ou dinâmica nela:«O Mundo sai do Caos todas as manhãs. Louvores à primeira Alegria, que é a perpétua vitória sobre a Morte, a renovada e eterna Criação.»
 Após este hino ao Sol invicto, Leonardo observa no canto das aves, dando o exemplo da cotovia, e no sorriso puro ou inocente dos bebes, a Alegria da participação na Unidade Maternal do Universo e da Natureza, e no fundo apela a que não se perca a criança eterna interior, com o seu sorriso originário de bondade, esperança e confiança, dando em seguida exemplos comoventes de como a criança pode ser realmente coroada como imperador do mundo, pelos seres que a sabem ver, sentir e respeitar, partilhando mesmo um caso verídico, dos que sabem "pôr a alma acima do corpo", ou "refazer a realidade perante a fraqueza da aparência", passado com um salvador de náufragos nas praias da Póvoa do Varzim, o famoso Cego do Maio, numa descrição bastante comovedora da sua interacção com uma criança, e que espero que seja sentida ao ouvir a sua leitura no vídeo...
Saudemos Leonardo Coimbra, Sant'Anna Dionísio, seu discípulo directo (e por quem fui de certo modo iniciado no ser ígneo e de amor-sabedoria de Leonardo Coimbra), e o Cego de Maio e sua criança. Que eles, ou os valores e ideais que eles demandaram e realizaram, nos inspirem sempre! Aum, Amen, Hum...

                                 

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