sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Sobre o amor às árvores e o culto a elas ao longo dos séculos, tão necessário face a tanto arboricídio municipal....

 Gerês transmontano: um castanheiro isolado, sagrado, muito esculpido pelo tempo e habitado por espíritos da Natureza....
As árvores, embora pouco reconhecidas, são seres sagrados que vivem não só das raízes e energias telúricas como das folhas e energias solares,  mas também dos espíritos da natureza e das almas  que as geram, tratam e amam, ou que então as conheceram e que mesmo com distância temporal e espacial pensam nelas com amor e assim estabelecem circulações de energias imponderáveis mas valiosas.
Os grandes cedros na cerca do convento carmelita do Bucaço.
Também sobrevivem mesmo depois de abatidas ou caídas, quando foram plantadas, tratadas, cantadas, descritas, fotografadas, desenhadas, pintadas, sobrevivendo nas almas dos que as conheceram ou das que cultivam testemunhos delas.
Outras sobrevivem ainda nas madeiras que nos legaram e seja em incensos, móveis, esculturas, rosários, herbários, cascas, folhas, usos medicinais, para não falar do papel e livros.
Muitas são as razões que levam algumas árvores a destacar-se das brumas do esquecimento e  a avantajarem-se na memória histórica íntima, humana, regional, nacional e planetária.
Jardim Botânico de Lisboa.
 Seja pela sua beleza, idade, dimensões de altura e largura, contorções, formas, textura, associações com pedras e casas, rios e montes,  acontecimentos históricos, utilidades ou costumes, milhares senão mesmo milhões de árvores adquiriram uma certa imortalidade, não só porque  testemunhos históricos fazem-nas sobreviver à morte física, como também pelos tais seres que as cultuam e protegem enquanto vivas, ou ainda depois de mortas as meditam e amam, e tentam trazer ao de cima momentos anímicos vivenciados com elas, arrancando-os do seu inconsciente, ou da memória já sepultada sob tantos acontecimentos.
Seres há que tentam o quase impossível: concentrando-se numa imagem, postal antigo ou fotografia da árvore e das pessoas ou circunstâncias que as rodeiam, tentam sentir e intuir algo delas e das suas circunstâncias envolventes, ou a simples fluidez das energias...
Árvores nas margens dos rios, ó choupos e chorões.... Rio Nabão, a aproximar-se de Tomar
Numa época em que há grande mortandade de árvores  antigas, belas ou valiosas em tantos países, nomeadamente em Portugal, mais do que nunca se torna imperioso tentarmos ora ressuscitar  algumas dessas grandes almas e suas circunstâncias, locais e épocas, ora apoiarmos e abraçarmos as que ainda sobrevivem nos jardins e florestas, monumentos e conventos, campos e serras... 
Quando grandes árvores, nogueiras até, refrescavam o fogo do castelo templário de Tomar.
Seja então pela beleza, raridade, imponência e historicidade muitas  árvores foram sendo desenhadas e pintadas desde há muito  ou  fotografadas desde os meados do séc. XIX pelo que temos assim belas  representações (e em alguns casos com as árvores ainda vicejantes) preservadas em casas e museus e, mais modernamente, acessíveis a todos, nos postais e fotografias e digitalizações
  Muito reproduzidas encontramos  as árvores com histórias seculares, ou ligadas a personalidades, ou sobretudo as sacralizadas e consagradas nas religiões, no Cristianismo em especial a anjos e a Nossa Senhora, frequentemente originadas em visões ou aparições, e preservadas e vitalizadas por peregrinações, santuários e celebrações. Em Portugal, as oliveiras azinheiras de Fátima são um exemplo angélico e mariano, por mais difícil que seja a certeza quanto ao que aconteceu... Mas na Grécia dos Mistérios eram outras as árvores e a viração das folhas que segredavam às mais sensitivas pitonisas e sacerdotisas...
Mas também as que estavam em zonas com mais possibilidade de serem protegidas pela sua quase domesticação, ou por serem locais prediletos de brincadeiras de crianças, noutros casos tornadas mesmo habitações ou abrigos, por vezes abençoadoras, sacerdotisas de fertilidade e fecundidade, ou então apenas locais auspiciosos de namoro ou de encontros, com o coração e os nomes a serem gravados nos troncos...
Uma ponte sobre o Mondego, no Choupal, dos namoros e serenatas..
Imortalizadas ainda deparamos com as que caíram ou tombaram, quais gigantes mortos, servindo depois como pontes, bancos, mesas ao ar livre. Ou as que fendidas por raios se abriram e se tornaram ocas podendo abrigar pessoas, famílias, animais, ou deixar passar crianças enfezadas em ritos de fortificação.  Outras, pelas suas amplas copas,  convidavam aves canoras, famílias, escolas, peregrinos, viajantes, pastores,  a abrigarem-se à sombra e de certa forma a harmonizarem-se com o contacto com a terra e a atmosfera protegida. Ganharam por essa sua função bodhisatvica, ou de natural sabedoria compassiva, jus à imortalidade das fotografias ou mesmo menções em contos e histórias, poemas e orações, cantos, teatro, cinema.
Muitas foram plantadas em momentos e intenções especiais, em França abundam as árvores da Liberdade, desde a Revolução francesa de 1789, mas também as das mutualidades associativas. Entre nós houve as Festas da Árvore, ou outros momentos de celebração especial, sobretudo no fim da Monarquia e começo da República, destacando-se notáveis amantes e propulsionadores do culto, com vários livrinhos incentivando o amor a elas, um ou outro já abordado neste blogue, tal como Luís Leitão, Tude de Sousa, Guilherme Felgueiras, Sousa Costa...
Mas ainda hoje algo deste amor de amadores, sobretudo em zonas ardidas ou a reflorestar, se manifesta e algumas recebem nomes ao serem plantadas, como as antigas  ora legendários ora com fundamentos históricos, e assim  criando uma relação mais íntima com a criança ou jovem que a planta.
A árvore a que mais me encostei, abracei, saudei, meditei, beijei e o musgo cheirei. Um dos lados do frondoso e pujante carvalho transmontano.
Assim todos nós podemos adoptar ou amar mais algumas árvores ainda vivas, ou então já mortas e cultivarmos a sua alma viva ou a memória de tal relacionamento, dinamizadora de  assumirmos mais a nossa igual missão de sermos parte cuidadosa da Mãe Terra e simultaneamente canal vertical ou eixo, axis mundi, entre os planos físico, subtil e espiritual, ligando grata, justa e harmoniosamente a Terra da Humanidade e dos ecos-sistemas com o Céu das ideias, dos espíritos e devas e da Fonte solar e divina...
Castanheiro shamânico do Gerês....
Poderemos mesmo meditar, e depois deixar vi-las ao de cima em nós, as que pelas suas características conseguem ser propícias à sua aparição interior no olho espiritual, seja ao longe, ao fundo, seja aproximando-nos delas, destacando-se pelo seu grande tronco, ou pela sua altura, ou pela luz que certas pessoas criaram à volta delas ou que mesmo elas eram, por vezes discernindo-se um tipo de ser, anjo ou deva, que se torna como a luz no vazio do seu desaparecimento, ainda hoje contudo peregrinável, meditável.
Peregrinar a certas árvores, fazer um caminho com a intenção de visitar uma árvore, avançarmos no caminho de Santiago ou numa rua citadina rumo a uma deles, enviando amor ou levando-lhe mesmo algum cristal ou alimento, cria uma senda de aproximação e de intencionalidade de amor às árvores que abre em nós caminhos até de ascensão espiritual, pelo amor e esforço desenvolvido, pela dimensão axial dela e de nós em marcha ou orantes e abraçantes na grande unidade da alma mundi, do campo unificado de energia consciência que a todos interliga.
Contemplar as árvores vivas ou apenas desenhadas, gravadas, fotografadas é ou pode ser uma harmonizadora vivência psíquica afectiva, artística e espiritual, pois cada um de nós tem a sua árvore interior e assim ao contemplá-las assimila certas qualidades, nomeadamente paz, serenidade, força, aspiração, resistência...
Para  aumentar a sensibilidade, a comunhão  e o amor às árvores, seres vivos sensíveis e por vezes até habitados por espíritos da natureza, e para diminuírem os arboricídios tão comuns,  foi este texto escrito e partilhado com algumas imagens de árvores imortais, filhas da grande árvore cósmica que liga imaginalmente o interior da Terra com o Sol e o Céu, atmosférico e Espiritual. 
Uma árvore eixo do mundo no jardim lisboeta da Estrela.

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