terça-feira, 25 de junho de 2019

A primeira carta de Antero de Quental, com 10 anos, 1852, e seus ensinamentos.

A primeira carta conhecida de Antero de Quental remete-nos para 1852, quando ele vivia na sua terra natal, Ponta Delgada e tinha apenas 10 anos, mas o seu estilo e vocabulário são de tal modo invulgares para uma criança que a sua plena autoria tem sido posta em dúvida, e com razão, nomeadamente pela Ana Maria Almeida Martins, nas notas do I volume das Cartas, recentemente publicado, onde nos diz ainda que, por um incêndio, resta apenas a fotografia de uma parte dela. 
Terá sido a mãe Ana Guilhermina quem o acompanhou na sua redacção, já que Antero ao longo dos anos manterá uma relação muito próxima e afectiva com ela, ou terão sido o pai e a mãe que se debruçaram sobre a escrita e alma do jovem Antero de Quental, nesse momento de separação e partida para Lisboa?
Embora o deslindar do que é seu e o que é deles não seja fácil, estamos contudo perante um testemunho da mundivivência moral e convivial (e os Açores têm muito o culto do fraterno ou comunal Espírito, logo santo) que o envolvia no período inicial da sua formação humana e literária, pelo que não será inútil considerarmos algumas das partes dessa carta de despedida de uma associação a que pertencia e dirigida ao seu presidente, o 2º Visconde Vicente Machado de Faria e Maia (1838-1917).
«(...) Simpatia, franqueza, instrução, e agrado foi o que eu fui encontrar e aprender no Grémio Instrutivo; foi com os braços abertos que eu por ela fui recebido, quando a minha consciência me dizia que de tal não era merecedor; foi sempre com franqueza e amizade que fui tratado durante o para mim curto espaço de tempo de 7 meses; foi sempre com a inteligência enriquecida com mais uma ideia, o coração com mais um sentimento que em cada noite me afastava de um recinto tão amável! é pois com vivo pesar que me vejo forçado a separar-me de pessoas, a cujos corações já de há muito meu estava ligado por uma doce confraternidade.
Mas a necessidade pode mais do que os impulsos do coração! É ela que hoje me priva por longo tempo, se não para sempre, de horas tão bem passadas, ainda que tão breves; essas horas, de hoje avante, tenho de as empregar numa ocupação árdua, mas a que não posso fugir.(...)»
Realçaremos brevemente desta notável carta, matricial de certo modo das centenas de cartas, por vezes fabulosas, de Antero de Quental, os valores, a sensibilidade, a aspiração, o amor, a fraternidade, o idealismo, a gratidão, que sempre o acompanharão ao longo da vida como veios interiores fortes, constantemente vindo ao de cima na sua correspondência, escritos e trato convivial.
A boa descrição do ambiente aberto e franco que se vivia, o ensinamento de que a sua psique valorizava-se diariamente tanto na parte intelectual com mais ideias, como na parte do coração ou afectividade com mais sentimentos, são de se realçar e meditar. Tal como a consciência dos corações ligados por "doce confraternidade". 
E o reconhecimento da necessidade, do dever, do dharma, como instância acima do seu eu e do seu coração humano, impulsionando-o no famoso árduo caminho, ad astra per aspera, na pintura em baixo de Bô Yin Râ, representado.
 Possamos nós nesta linha valiosa de Antero de Quental meditar as palavras e ideias, sentir mais fundamente sentimentos valiosos e trabalhar árdua e amorosamente, para que a doce confraternidade com alguns e com o Todo, os mestres, a Divindade, possa ser mais sentida e realizada.

domingo, 23 de junho de 2019

O compositor Niels Gade. Biografia por Higino A. Costa Paulino, na Gazeta Musical, propriedade de Josephine Amann.

No número 12 da Gazeta Musical, de Novembro de 1884, saía da pena de Higino Augusto da Costa Paulino uma biografia do notável compositor dinamarquês Niels Gade, acompanhada de uma bela ilustração, cremos que desenhada em especial para a Gazeta. Como Niels Gade (22-II-1817 a 21-XII-1890), continua a ser um compositor apreciado, tem toda a razão de ser partilharmos esta biografia realizada por um português, meu bisavô materno, amigo da pianista Josephine Amann que conhecera Niels Gade, e que dirigia com Higino a Gazeta Musical.
                                         
Leiamos então a breve biografia, sugerindo como música de acompanhamento uma das oito sinfonias criadas por Niels Gade, talvez a Sinfonia nº 5, acessível por esta ligação: https://youtu.be/SHsyVtPxYuk
                                        
                                           
Niels Gade
«
Não tem o nome ligado às ruidosas manifestações artísticas, este esplêndido talento, a quem acertadamente podia aplicar-se a frase de Véron [Eugène, 1825-1899] na sua Estética: "A arte nasceu com o homem; revela-se em todos os seus pensamentos, em todas as suas acções!" Niels Gade é o verdadeiro protótipo de tudo quanto de nobre e científico existe nas altas regiões musicais. Não se lhe conhece uma palavra que não seja para animar, instruir e engrandecer! A sua alma não alimenta outra ideia senão o progresso de uma arte – a música, a felicidade de uma família – a pobreza, o respeito de uma divisa – a modéstia! Contando sessenta e quantos anos, este respeitável compositor, considerado e querido por todos aqueles que possuem um pouco de amor pela arte, nunca, até hoje, encontrou alguém que lhe contestasse o mérito das suas obras, a proficiência do seu ensino! Vivendo parcamente em Copenhaga, Niels Gade, é conhecido na Dinamarca pelo cognome de Pai dos pobres, honra para ele mais lisonjeira que o de primeiro organista do mundo, que de direito lhe compete.
Foi na Alemanha que a popularidade desse artista começou a desenvolver-se, e, concluída a guerra de Sleswig, quando lhe foi permitido voltar à pátria [1848], a Dinamarca recebeu-o com tais provas de simpatia e de saudade, que o nome do maestro começou a ser apontado com um certo misticismo que lhe dava uma autoridade quase sobrenatural. Diz-se que a felicidade é a esperança sem o temor, a energia sem a inquietação, a glória sem a calúnia, o amor sem a inconstância, a imaginação que aformoseia o que possui, e afeia o que perdeu, que é enfim a embriaguez da natureza moral, o bem de todos os estados, de todos os talentos, de todos os prazeres separados do mal que os acompanha; se assim é, Niels Gade deve ser um dos mortais mais dignos dessa suprema ventura!
Há muitos anos regente da orquestra do Teatro Real de Copenhague, director da Sociedade de Concertos União Musical, cujo 25º aniversário foi celebrado em 1875, mestre de capela, o nosso biografado, é também o primeiro organista da catedral Fruckirke. Curioso é vê-lo, segundo dizem, como, em manhã de inverno, quando o céu está carregado, o nordeste frio e penetrante, despedindo uns chuveiros densos e rijos, fustiga e entorpece os membros com as suas rajadas de gelo, ele pontualmente, às seis horas sai de casa em direcção à igreja metropolitana, esperto, risonho, sem que na fisionomia lhe transpareça um vislumbre sequer, do cansaço que os anos e o trabalho imprimem nas frontes laboriosas, apenas embrulhado num simples capote, cuja idade primitiva será difícil indicar-se. Nem os seus próprios amigos, aqueles para quem Niels Gade vai adquirir o sustento diário, seriam capazes de afrontar os rigores duma madrugada desabrida, como essa veneranda criatura, que classifica as excursões matutinas, como dever imposto à sua existência moderada.
Apenas a Inglaterra, a Alemanha e a Dinamarca [também esteve em jovem na Itália] conhecem pessoalmente esta individualidade artística, e, note-se que, só à força de avultados empenhos, Londres conseguiu obtê-la. Aqui escreveu Niels Gade o grande festival The Crusaders, trabalho importante, que a par da sinfonia Ossian, são no género, julgados duas obras-primas. Homem extremamente activo, de uma fecundidade pouco comum, as suas produções são imensas, e as cantatas, sinfonias, sonatas, trios, cenas dramáticas, novelletas, aplaudidas em toda a Europa, montam a centenas, notando-se entre elas como sublimes, Karanus, Noite Santa, Mensagem da Primavera, Sião, Hamlet e Miguel Ângelo.
Mas, de todas essas obras que representam trabalho de meio século, de toda essa dedicação ao estudo, de todo esse desvelo pela arte onde se consumiram, e consomem ainda, os lucros adquiridos, as pensões estabelecidas, os valores ofertados? Nas habitações as mais indigentes, nas escolas as mais modestas, nas famílias as mais infelizes! E, contudo, o notável artista podia ter um palácio deslumbrante, guarnecido de cristais e de veludos os mais custosos, um lar, onde resfolgando da sua glória, respirasse um ar tépido, suave e acariciador.
Um dia, um grupo de músicos notáveis [a orquestra feminina dirigida pela pianista e maestrina Josephine Amann, a directora musical da Gazeta Musical] que percorria a Europa aportara a Copenhaga. Um concerto anunciara-se, entre os trechos escolhidos figurava o celebre Trio em mi-majeur de Beethoven. A nossa leitora de certo sabe que no decurso dessa jóia musical existe, no décimo compasso, um si-bemol difícil a uma execução clara e precisa. Pois Niels Gade, para quem a arte não tem recônditos, conhecendo de sobejo o famoso trio, e muito melhor o barranco acima apontado, procurou a pianista a quem estava distribuída a espinhosa tarefa de vibrar a nota, e perguntou, se nunca lhe falhara a execução naquele ponto.
- Nunca, lhe respondeu a artista.
- E quantas vezes tem tocado o trio do nosso imortal Beethoven?
- Inúmeras, meu caro mestre.
- Admiro-a, simplesmente, exclamou Niels Gade.
Horas depois, na sala de Santa Cecília, a composição do primeiro dos maestros alemães, parecia deslizar soberba, correta, tal como o autor a imaginara; mas de súbito, um som vibrante, estrídulo, desarmonioso, quebrara o encanto daquele esplêndido trecho! Nos lábios de Gade perpassara um sorriso de benevolência, nas faces da artista transparecera a lividez do desespero! Ao despedirem-se, ela parecia vergada ao peso de um desgosto irremediável; ele, afável, carinhoso, nem se quer demonstrava o triunfo da sua previsão.
- Não desanime, disse Gade, ao próprio Rubinstein, vi eu, mais de uma ocasião, vacilar nessa nota.
- Foi a primeira vez, juro-lhe, e creia que foi a última.
Efectivamente Joséfine Amann nunca mais tocou o Trio em mi-majeur de Beethoven.
Esta é uma pequeníssima amostra da ciência musical desse homem, que embora na velhice, na idade em que muitos talentos se julgam mortos para o sentimento e a paixão, sabe desprender a alma do letargo em que a reputam entorpecida, tão ardente, como nos primeiros dias da sua adolescência.
     Gino. »
                       
 
Anote-se que Josephine Amann, que viveu infelizmente apenas 40 anos entre 1848 e 1877, ao confidenciar a Higino da Costa Paulino, com quem dirigia a Gazeta Musical, este episódio acaba por alertar-nos também passados tantos anos de tal erro, para a necessidade de humildade e constante plena atenção, o Ora et labora antigo.
Uns meses depois de este pormenor da sua vida ter sido imortalizado, era publicada  para o último número, 24, do primeiro ano da Gazeta Musical, escrito por Ana Maria Ribeiro de Sá,
uma curta biografia dela. Acrescentemos (hoje, 25-XII-2019) uma breve referência a ela num capítulo dedicado a Bulhão Pato (colaborador da Gazeta), das Realidades e Fantasias, 1882, do Visconde de Benalcanfor: «Lisboa, obrigada ao regimen musical de madame Amann e à diurética cerveja de Viena de Áustria, no restaurante do Passeio, é um tema tão extremamente singelo, que desperta a vontade de quaisquer variações. Pois variemos: fujamos até Sintra...»
Cheios de esperança de realização de amplos projectos no segundo ano da revista estavam todos, mas eis de repente Josephine partindo para o além, para grande desgosto de Eban Hamann, seu marido, de Higino, e de Ana Maria Ribeiro de Sá.                                                                                                                                            
Já Niels Gade viveu bastante anos mais pois se nascera em Copenhaga, em 22-II-1817, e numa família de músicos, foi só a 21-XII-1890 que deixará a terra, depois de uma vida amplamente realizada, tendo sido protegido por Mendellson, convivido com Robert Schumann, Cornelius Giurtt e Robert Franz e dirigido por mais de 40 anos a Sociedade Musical de Copenhage, servindo por igual número de anos, como organista, as Igreja de Nossa Senhora e de Olmen, além de ser co-director do Conservatório de Copenhaga.
Protegeu e influenciou por sua vez a nova geração de compositores, entre os quais se destacaram Edward Grieg, Karl Nielsen, Otto Malling e outros. Casou-se uma segunda vez, após a morte da sua primeira mulher e viveu uma vida modesta e muito exemplar, tal como Higino soube retratar tão bem. 

A sua música tem certa grandiosidade e recria épocas, ambientes ou eventos heroicos, nobres, belos...
Terminemos até com a descrição dada por Higino da Costa Paulino da felicidade, algo novecentista e romântica (com a tão difícil " embriaguez da natureza moral"), transcrevendo-a de novo, para tentarmos trabalhar os opostos iniciáticos, apresentados originalmente por ele: «Diz-se que a felicidade é a esperança sem o temor, a energia sem a inquietação, a glória sem a calúnia, o amor sem a inconstância, a imaginação que aformoseia o que possui, e afeia o que perdeu, que é enfim a embriaguez da natureza moral, o bem de todos os estados, de todos os talentos, de todos os prazeres separados do mal que os acompanha; se assim é, Niels Gade deve ser um dos mortais mais dignos dessa suprema ventura!»
Possamos nós também chegar a uma maior comunhão com o Bem, isto é, com o Ser e Fonte divina do todos e do nosso íntimo ser, que é Amor; e que pela nossa maior permanência de ligação a tal estado profundo consciencial vençamos energética e luminosamente inquietações e calúnias, desfrutando harmoniosa e gratamente da beleza do que nos rodeia e do que criamos, tal como Niels Gade, Josefine Amann e Higino da Costa Paulino tanto realizaram musicalmente e nas suas vidas interiores, familiares e sociais, e ainda hoje nos inspiram...

                        Pintura musical do mestre alemão Bô Yin Râ, muito boa para contemplação

quinta-feira, 20 de junho de 2019

Antoine Faivre, "Dictionary of Gnosticism and Esotericism", and the entry about Bô Yin Râ, and its errors.

 Antoine Faivre, in his article in the Dictionary of Gnosticism and Esotericism, 2005, about the german painter and master Bô Yin Râ (born as Joseph Anton Schneiderfranken, 1874-1943), seems to approach him in a unsympathetic way, or even biased, and that can been discerned in more than one point of his exposition or bio-bibliographic review.
As Antoine Faivre is one of the best universitary teachers or academicians, knower of esotericism and its "avatars", and as we meet in Portugal two times with good talks, may be I should point my questions or doubts.
After a good artistic biography, Antoine Faivre marks the year of 1914 as his first book publication, and says or uses the expression he «continued to work at his “cycles” – series of prose writings – like: Das Buch der königlichen Kunst (The Book of Royal Art; 1913-1932).» 
Is it the best way to describe his books, of a such valuable spiritual teaching, as «cycles – series of prose writings», even if two of them have received transformations, as for example the Book of Art Royal,  which attained its last redaction in 1932, at the second edition with such title? 
This space or cycle of years, 1913-1932, aplies mostly to the span of time for writing his 32 books, called in themselves as a Hortus Conclusus, meaning a Garden Closed, which was also the name given to his last book of the thirty two...
In reality the process of giving to the light his first books was like that:  during is artistic stay in Greece, from 1912 to 1913, painting so beautifully monuments and landscapes,  after his initiation with an Oriental master, the first small book, Licht von Himvat,  was send to Germany and published in 1913-1914, and  the second one, Aus dem Lande der Leuchtende, 59 pages, was given to the light in 1916,  in Leipzig,  as also a third one, Der Wille sur Freude, 45 pages, all of them without name of author, having just the initials B. Y. R. 
 In 1920 they become the first, second and third chapters of Das Buch der königlichen Kunst, 120 pages (to which he added only a Nachwort, afterword, of 3 pages),  and only after being written and published in 1932 the third edition of the book, with many modifications, was the process "explained" in the subtitle: The Book of Royal Art: final design after the unfinished editions from 1913 to 1920
                                                          
After telling the names and dates of his two main books, Das Buch der königlichen Kunst and  Das Buch von lebendingem Gott, explaining that only after 1920 (as we can see in the photo above, 1920 edition) the books began to be signed as Bô Yin Râ, Antoine Faivre goes to say: «From then on Bô Yin Râ became a prolific writer. Most of his pieces are of small size, and he often put many of them together to constitute larger books.»
  Prolific, is a already a bit a critical expression. Then he adds “pieces of small size”, and "putting them together to constitue larger books", what is not true, except the mentioned case of Das Buch der königlichen Kunst, as we find only alterations in a few cases, generaly from the first to the second edition, like in Mehr Licht, More Light, a very deep and spiritual book.
Also a bit critical and misguiding (specially to someone that doesn't know the work and value of Bô Yin Râ) is the information that «As before [after arriving to Swizerland], he continued to devote much time procuring new editions (enlarged or modified) of his former or more recent publications. In Switzerland he became acquainted with the publisher Alfred Köber-Stähelin, who from 1927 on published all his works.»
“As before he continued to devote much time procuring new editions”... This description by Antoine Faivre it is may be correct for a formal writer, mostly interested in just publishing more, but not in this case: how a master as Bô Yin Râ, painter, seer and writer, would be devoting much time to that...
Antoine Faivre would have written better like that: Bô Yin Râ continued to deepen his awareness of how to write, in the best possible way, giving different perspectives of the teaching of the spiritual path in our days, and from that resulted some alterations or enlargements of the already published books... 
And if Bo Yin Râ was given to the public light in more than one publishing house, that is natural, specially as he traveled until to settle down in Swizerland, from 1923 onwards, and finding a very good friend and disciple, the owner and founder of Kober Verlag's editions, Dr. Alfred Kober-Staehelin (1885-1963, in the photo), who from 1927 onwards began to publish all books, in such a beautiful way, of Bô Yin Râ.

The characterizations of Antoine Faivre seems a bit biased, as being almost against the knowledge and teaching of Bô Yin Râ, and that can be seen still further, as we shall  be now entering into the substantial critic, or the appreciation of the book's contents.
What will be the aspects that Antoine Faivre will sellect, how he will caracterize the teachings, we wonder before reading. Let us listen him:
«Bô Yin Râ is lavish in clues about post-mortem life which are sometimes reminiscent of Swedenborg’s. He explains, for instance in Das Buch vom Jenseits, [Book of the Beyond, Livro do Além] that “life beyond” is in reality the very life we live on earth, only it is experienced by means of different senses. He occasionally touches upon the topic of reincarnation, discussing under which conditions it may be possible», and we may add, a very few cases indeed, in contrast with the normal trend of spiritual doctrines and new age views...
So, after calling him prolific, now Antoine Faivre sees him as  “lavish in clues”, and relates him to Swedenborg, a scientist and visionary, who had many visions and encounters with spirits. By the contrary, Bô Yin Râ is very sober in his descriptions of the invisible worlds and writes as someone awakened to the three worlds and describs just some most important aspects, mostly with the intention to make people aware of what will happen when they will die, and what they will find in subtle worlds, in order to awake them to their spiritual duties of realization still living in the physical level of earth.
Also is misleading to resume almost a book of Bô Yin Râ on the life beyond, as saying it is the same life as here on earth physical level but only experienced with other senses, subtle ones. And about reincarnation also Faivre is not very clear, as Bô Yin Râ is not endorsing at all the idea of successive reincarnations.
Antoine Faivre also  misguides people, voluntary or involuntary or, better, by ignorance or not, when says that Bô Yin Râ presented 21 paintings in different books, and then another time in a cosmological book Welten, Worlds, when in truth they appear only in Welten.
About his unique and so original and powerful paintings Antoine Faivre adds a few names of them, like “Lux in Tenebris” (reproduced down), “Birth of the External Cosmos”, “Astral Luminescence”, and “Inferno”. 
And then writes, “these are meant to depict the very nature and dynamic structure of eternal life. His views here are reminiscent of those of the classical theosophical current (although he rarely quotes his predecessors), and he evinced a particular interest in  Jacob Bœhme. Most of these works of art have a cosmological or cosmogonic character. In Welten: Eine Folgekosmischer Gesichte, (Worlds: A Series of Cosmic Visions; 1924), a work introduced by a poem of Giordano Bruno, he again presents twenty such paintings.»
Not only we find here another time that error about Bô Yin Râ repeating his paintings in the books, but also there is no poem of Giordano Bruno at the beginning of that work. Also they are not just cosmogonic but they are also visions of the spiritual world and of its levels and archetypal events, in Welten specially related to the human spiritual evolution and path.
And saying “he rarely quotes his predecessors” is also misleading, as Bô Yin Râ is not follower of any occultist order and teacher, but a master in himself. By other side, Bô Yin Râ gives more than one time the name of the true masters of the Light, of the Unio mystica, as for example, Lau Tse, Budha, Jesus, the mystics of Greece and Persia, Patanjali, S. Paulo, Eckhart, Tauler, the auctor of Theologia Germanica and Imitation of Christ, Jacob Boehme, Ramakrisna... 
 Also misleading is the aproach of Antoine Faivre to the Brotherhood of the spiritual masters, also called White Loge, explained many times by Bô Yin Râ, and using differents names, as Faivre writes, a bit joking: «The expression “White Lodge” (possibly linked to the name of Kurt Wolff’s Publishing Company) seems to be meant in a metaphoric sense, and does not refer to any actually existing association.» 
Some lines after he registers another designation of that Community of the Bearers of the Primordial Light, and he tries to connect with what Eckarhausen have written. So, we can ask, is the occultist and printer Kurt Wolff (1887-1963), or the christian mystic Eckartshausen (1753-1802), or some other esotericist reading of books,  the source of the acquaintance of Bô Yin Râ with the Masters and the designation of the Community, that he said also to be source of the legend of the Holy Grail, as Faivre wants? Or it is an inner knowledge, a vision and communion at will, as he is a true initiate or master, that we don't find in the occultists and free masons so studied and extolled by Antoine Faivre and other historians of the esotericism and spirituality?
 And at the end of the article, Antoine Faivre does another time a biased presentation of Bô Yin Râ as a master: «In a narrative set within Das Buch der Gespräche (The Book of Conversations, 1920), Bô Yin Râ tells us about his own initiation into this community of the “Leuchtenden” [bearers of Light], in Greece, but this description appears to be merely metaphorical.»

In fact I would say that the description is not at all “merely metaphorical”, as it was lived and contains clues to the inner process of initiation, which in others book, like in the Book of Art Royal, are also given.
Then, Antoine Faivre approaches the people who read, love or follow Bô Yin Râ, in this way, also a bit depreciative:«A wide readership (there are countless [!!] new editions and translations) bears witness to Bô Yin Râ’s continuing influence, which may be seen operating in various contemporary movements, particularly in neo-Rosicrucian groups [→ Rosicrucianism] such as the A.M.O.R.C. and the Lectorium Rosicrucianum». What a nasty irony, someone would say...
I can't see why Bô Yin Râ is especialy more popular in these two neo-rosicrucians groups presented. What were the sources of Antoine Faivre for that statement? Or is it mostly based in the hermetic axiom “like atracts like”, and so Antoine Faivre is sugesting that Bô Yin Râ's teaching is similar or akin to the ones of A.M.O.R.C. and Lectorium  Rosicrucianum, in themselves already quite different?  We feel that Faivre is putting the teaching as having a low level of quality, appropriate for the mass..
We can sense that there is a certain underestimation of the teaching of the books, that probably Antoine Faivre didn't read them, as it is visible another time when he goes to say that he was very critical latter, specially on Mehr Licht, of Theosophical Society, and of Jewish Kabbalah. 
As a matter of fact, Bô Yin Râ since his first books was critical of the ways that Theosophical Society of Blavatsky, Olcott, Besant and others have presented the existence of the Masters, and also about their teachings and said more than one time that Blavatsky was mostly a passive medium.
About Kabbalah, in that book Mehr Licht, Bô Yin Râ just points that the most important teachings or pratices have their origin in India, and only criticizes the mystifications presented by the occultists of the 19 and 20 century. And in the main book of his teaching, Das Buch von Lebendigen Gott, he has even a chapter with the title Ain Soph, although in fact he doesn't speak almost (good or bad) on Kabalah.
Then, Antoine Faivre goes on, without full acuracy when he says: «In any case, Bô Yin Râ’s teachings are self-initiatory in character, devoid of any specific ritual». 
 Although Bô Yin Râ had given to a small group of men, eager to develop their spirituality, some rituals (and after withdraw himself from the one who asked him to give them), and Antoine Faivre should have known that, as he quotes (not fully the title...) Alexandre de Dánann, and his book  Un envoyé de la Loge Blanche Bô Yin Râ: De la Taychou Marou au Grand Orient de Patmos. Milano, Archè, 2004, (who revealed that aspect, with much research, although with incorrect commentaries, and biased information),  it is true that in the path explained in his books, he says that people who love the rituals of their religions can follow them, as he is teaching the inner source of the spiritual life and the perennial path for reaching that union with the spirit, with the masters, with the living God,  that is the the essence of the religions.
Still it is not completely self-initiatory, as he says more than one time that the path of the disciples is seen or observed by the masters and when they have accomplished the needful conditions and given the utmost of themselves, then  they receive the forces, the light, the sound, the initiation, that comes from the Divine through the masters or master...
Last error to point, at the end Antoine Faivre writes: «Most of his works can be found in: Nachlese: GesammelteProsa und Gedichte aus ZeitschriftenOr in fact, all the book are published individually, and in the book Nachlese we just find  articles published in the twenties in magazines or reviews, and some small tracts.
He hope that Antoine Faivre will correct in the next edition of his Dictionary of Gnosticism and Esotericism the chapter or entrance on Bô Yin Râ, for the sake of the truth and light. 
    Ornament of Bô Yin Râ...

domingo, 16 de junho de 2019

Antero de Quental. "Causas da Decadência dos Povos Peninsulares..."; uma hermenêutica psico-espiritual do preâmbulo.

                                   
O discurso da primeira sessão das Conferências Democráticas (ou Conferências do Casino) pronunciado por Antero de Quental, então com 29 anos e licenciado em Direito, numa das salas do Casino Lisbonense, em Lisboa, no dia 27 de Maio de 1871, sobre as Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos últimos três séculos, é ainda hoje uma obra-prima da prosa portuguesa e um contributo valioso para a história da cultura e das ideias em Portugal, e embora muito reeditada e citada, há aspectos importantes dela que que não têm sido realçados pelos comentadores, em geral gostando muito dela por uma instauração da modernidade histórica em Portugal (tal Eduardo Lourenço), ou então inversamente preocupados em encontrar defeitos ou em considerarem infundadas as três principais causas destacadas por Antero de Quental: a influência opressiva e repressiva da Igreja Católica, o centralismo e absolutismo estadual, sem as liberdades municipais e individuais e uma economia baseada nos proveitos dos Descobrimentos em vez de assente no desenvolvimento da indústria e comércio.
Numa curta Advertência preliminar, em geral não referida ou transcrita, Antero de Quental explica a impressão tipográfica em folheto rápida: «foi reconstruído este discurso sobre os apontamentos que serviram para o recitar, os extractos publicados por vários jornais, e as notas de alguns amigos. As ideias e os factos citados são rigorosamente os mesmos: é igualmente a mesma a ordem de dedução. O estilo é que é, nem podia deixar de ser, diverso: fala-se de um modo, escreve-se de outro. (...)».
Anos mais tarde, em Maio de 1887, na carta auto-biográfica a Wilhelm Storck, considerará uma obra juvenil e embora no terreno histórico, sofrendo de algumas ideias preconcebidas e insuficiente estudo profundo, mas que definitivamente fora apreciada e valia como prosa moderna de ideias.

                              
Vamos reproduzir as páginas iniciais e transcrever e comentar o 2º e 3º parágrafos do preâmbulo do discurso, já que ele ainda hoje é um excelente contributo para uma metodologia do diálogo e para a evolução das mentalidades (peninsulares e não só...), graças à consciencialização intelectual, ética e fraterna bem realizada por Antero de Quental, através de leituras, reflexões e sensibilidade.
«Conheço quanto é delicado este assunto, e sei que por isso dobrados deveres se impõem à minha crítica. Para uma assembleia de estrangeiros não passará esta duma tese histórica, curiosa sim para as inteligências, mas fria e indiferente para os sentimentos pessoais de cada um. Num auditório de peninsulares não é porém assim. A história dos últimos três séculos perpetua-se ainda hoje entre nós em opiniões, em crenças, em interesses, em tradições, que a representam na nossa sociedade, e a tornam de algum modo actual. Há em nós todos uma voz íntima que protesta em favor do passado, quando alguém o ataca: a razão pode condená-lo: o coração tenta ainda absolvê-lo. É que nada há no homem mais delicado, mais melindroso, do que as ilusões: e são as nossas ilusões o que a razão critica, discutindo o passado, ofende sobretudo em nós.»
Observamos de valioso neste parágrafo, Antero de Quental nomear a voz íntima, a voz do coração, num registo de defesa do passado, contrária à razão, e tingida ou formada sobretudo por afectividade e emocionalidade ilusórias, que prendem as pessoas ao passado. Antero, nesta altura da sua formação e evolução, não estava ainda a considerar a voz íntima, como a voz moral espiritual, superior, mas sim como refém ou influenciada pelo ego humano, tão condicionado pelas suas experiências, crenças e influências horizontais, frequentemente erradas.
Neste caso, ao não quererem reconhecer os erros e limitações do passado, tais crenças e ideias e defendidas pela voz não permitem as mudanças necessárias ao desenvolvimento de um presente mais liberto, activo, adequado, harmonioso, justo e verdadeiro, de acordo com o que de melhor as pessoas e povos podem aspirar.
E como as pessoas dificilmente realizam ou discernem a carga de opressões a que estão submetidas, não equacionam nem enfrentam bem as más compreensões da vida e os efeitos subreptícios dela. 

Noutros textos, nomeadamente na tão magistral carta de 12-11-1886 a Fernando Leal, Antero de Quental explicitará a voz íntima já bem mais funda e veramente: «Lá no fundo do seu coração há uma voz humilde (...) Escute essa voz, provoque-a, familiarize-se com ela (...) Essa, meu amigo, é a verdadeira revelação, é o Evangelho eterno, porque é a expressão da essência pura e última do homem, e até de todas as coisas, mas só no homem tornada consciente e dotada de voz. Ouça essa voz e não se entristeça».
 No  parágrafo seguinte, o terceiro, Antero de Quental tenta apelar as pessoas a não se deixarem dualizar e prender no nível potencialmente conflituoso de ideias e doutrinas entre nem a prenderem-se nas pessoas que as seguem ou adoptam, mostrando-lhes que existe um nível, uma zona, supra pessoal na qual o que rege os seres é a consciência da procura da verdade, a qual é uma consciência fraterna. Oiçamo-lo:
  «Não posso pois apelar para a fraternidade das ideias: conheço que as minhas palavras não devem ser bem aceites por todos. As ideias, porém, não são felizmente o único laço com que se ligam entre si os espíritos dos homens. Independente delas, senão acima delas, existe para todas as consciências rectas, sinceras, leais, no meio da maior divergência de opiniões, uma fraternidade moral, fundada na mútua tolerância e no mútuo respeito, que une todos os espíritos numa mesma comunhão - o amor e a procura desinteressada da verdade. Que seria dos homens se, acima dos ímpetos da paixão e dos desvarios da inteligência, não existisse essa região serena da concórdia na boa fé e na tolerância recíproca! Uma região aonde os pensamentos mais hostis se podem encontrar, estendendo-se lealmente a mão, e dizendo uns para os outros com um sentimento humano e pacífico: és uma consciência convicta! É para essa comunhão moral que eu apelo. E apelo para ela confiadamente, porque, sentindo-me dominado por esse sentimento de respeito e caridade universal, não posso crer que haja aqui alguém que duvide da minha boa-fé, e se recuse a acompanhar-me neste caminho de lealdade e tolerância.»
   Antero dá-nos assim a sua cosmovisão dialogante ou convivial do ser humano e da Humanidade: acima dos sentimentos e paixões, ideias e inteligência, que são um primeiro nível mutável, divisionista e conflituoso, existe um plano de laços ou relacionamentos mais harmoniosos nos quais «as consciências rectas, sinceras, leais», sentem-se numa «fraternidade moral, fundada na mútua tolerância e no mútuo respeito, que une todos os espíritos numa mesma comunhão - o amor e a procura desinteressada da verdade», constituindo tal uma região serena da concórdia na boa-fé e na tolerância recíproca, onde  as consciências convictas reconhecem-se como tal e se respeitam! 
É nesta "comunhão moral" no "sentimento de respeito e caridade  universal" ou amor, que os espíritos humanos se podem entender, desvendar e comungar nos seus níveis de identidade e conhecimentos mais elevados, belos e perenes...
                           
Destaquemos do quarto e último paragrafo do preâmbulo, reproduzido na fotografia, a parte inicial: «Já o disse há dias, inaugurando e explicando o pensamento destas Conferências: não pretendemos impor as nossas opiniões, mas simplesmente expô-las: não pedimos a adesão das pessoas que nos escutam; pedimos só a discussão: essa discussão, longe de nos assustar, é o que mais desejamos, porque, ainda que dela resultasse a condenação das nossas ideias, contanto que essa condenação fosse justa e inteligente, ficaríamos contentes, tendo contribuído, posto que indirectamente, para a publicarão de algumas verdades (...) »
Conseguimos nós no nosso dia a dia elevar-nos acima do tal nível conflituoso habitual e, mais do que impormos ideias, antes
a partir de convicções mas de um modo fraternal e "tolerante" com as outras ideias, mesmo que opostas, expormos e dialogarmos em távola redonda e graalica?
Conseguiremos nós nas nossas meditações e contemplações alcançarmos expansões conscienciais de sensação, visão ou comunhão com os níveis espirituais do planeta, aí onde a concórdia e a Verdade reinam e nos inspirarmos? 

Ou mesmo chegaremos a ouvir a voz íntima do Espírito santo, no nosso mais fundo e pacificado ser?
Esperemos que sim, na esteira da realização dos desideratos mais elevados de Antero de Quental...

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Celebrar ou aprofundar aspectos essenciais ou espirituais da vida e obra de Fernando Pessoa, no seu dia de anos. 2019-2023.

                                   
Fernando Pessoa, na plenitude das suas forças, com 25 anos bem firmes, visto e intuído por Almada Negreiros, então com 20 anos, a lápis cor de rosa... Colecção António Trindade. Mas em 2023 já na posse da Câmara Municipal de Lisboa. 
 
Nada melhor para celebrar Fernando Pessoa, que valorizar a busca e a transmissão das ideias, doutrinas, intuições, símbolos, compreensões e realizações mais conseguidas e luminosas que ele nos deixou na sua vasta floresta, ora de alheamento e desassossego, ora de procura e de realização ou, como ele escreveu em inglês, "quest and attainment", os dois estágios de um certo progresso no caminho iniciático, trilhado ora por uma genialidade inata ora por estudos aturados das ciências ocultas, que incluíram a astrologia, o espiritismo, a teosofia, a alquimia, o hermetismo, a gnose, a cabala, o rosicrucianismo, a maçonaria, os mistérios, o Tarot, a magia, os ensinamentos das altas ordens secretas, os Templários e a Ordem de Cristo, e os entendimentos esotéricos e simbólicos que se escondem nas religiões e mitos. Se não há dúvidas que isto foi sendo estudado e desenvolvido metódica ou pelos menos persistentemente ao longo da sua vida, resta-nos saber, ou fica em aberto, o que poderá ter sido mais útil à sua realização gnóstica, iniciática ou interna e o que foi busca e trabalho não tão directamente produtivo ou perene, sem grande valor para quando entrou no além,  momento este bem importante, sinalizado por exemplo também por Antero de Quental, e depois por Joaquim de Araújo, quando afirmam, seguindo a tradição Grega,  o dito da Antologia Grega: "Morrer é ser iniciado".
A par (ou mesmo acima, e este é outro factor ou ideia força importante a pesarmos) desta busca espiritual que nunca se saberá bem até onde resultou, esteve sempre a escrita, a poesia, a obra genial na Literatura e na qual se empenhou de tantos e diversos modos que se tornou um mestre mundial da heteronímia, não só com os três e ele próprio mas com dezenas de heterónimos ou pelo menos cerca de 120 semi-heterónimos, figuras menores de um grande dramaturgo, rico na imaginação e na descaracterização pessoal em troca da infinita riqueza imaginável, ou talvez mesmo, como ele apontou em alguns textos, assumindo-se como um demiurgo, fazendo na sua obra criativa o que a Divindade fez com a Manifestação ou a Fundação do Cosmos. 
Nem tudo porém foi só intelecto e iniciação e deveremos abordar um pouco, seguindo até a sua atracção e persistente dedicação à astrologia, o embate no céu natal de Mercúrio e de Vénus, ou da mente analítica, investigadora e comunicativa, e o amor, os afectos, a comunhão e união: ora nisto Fernando Pessoa, além da mãe e de poucos amigos, só teve uma mais significativa e afectiva relação, aquela com a jovem lisboeta Ofélia Queirós, que durou pouco tempo, embora por duas vezes, sobrevivendo até por escrito as razões precisas dadas  para tais separações.
 Assim, na primeira separação, cinco anos depois já do seu redespertar espiritual de 1915 (sincrónico com a tradução  de obras de Teosofia que João Antunes lhe entregou)  o que  indica que ao fim desses anos ainda estava com grande força e fé no seu caminho de discípulo ou ocultista, tendo passado já pela aventura do Orpheu e a da criação e doutrinação complexa dos heterónimos, por vezes desgastantes nas suas divergências complementares, sem esquecer o desassossego quase ao longo de toda a sua vida de Bernardo Soares, mais precisamente no dia 29/11/1920, após oito meses de namoro comprovados pela correspondência, escreve a Ophelia: «O amor passou. Mas conservo-lhe uma afeição inalterável, e não esquecerei nunca — nunca, creia — nem a sua figurinha engraçada e os seus modos de pequenina, nem a sua ternura, a sua dedicação, a sua índole amorável. Fiquemos, um perante o outro, como dois conhecidos desde a infância, que se amaram um pouco quando meninos, e, embora na vida adulta sigam outras afeições e outros caminhos, conservam sempre, num escaninho da alma, a memória profunda do seu amor antigo e inútil. Que isto de «outras afeições» e de «outros caminhos» é consigo, Ophelinha, e não comigo. O meu destino pertence a outra Lei, de cuja existência a Ophelinha nem sabe, e está subordinado cada vez mais à obediência a Mestres que não permitem nem perdoam».
Já em 1929, após um relacionamento de quatro meses (Setembro 1929 a Janeiro de 1930, no qual a presença algo perturbante, alcoólica ou violenta de Álvaro de Campos surge fortemente), justifica Fernando Pessoa a sua recusa de continuar a namorá-la apenas pelo facto de ter uma obra literária a cumprir e não pela obediência a mestres, indicando assim que o cordão, mistificado ou não, com os mestres não estava já tão activo...
A par destes dois aspectos fundamentais da sua vida, o caminho ocultista, gnóstico, mágico e iniciático, e o caminho poético, dos contos, da literatura, num outro se ergueu: o da sua inserção na contemporaneidade, na sociedade, em Portugal e na Europa, com uma consciência, lucidez e amor tão argutos que devemos a eles a existência de milhares de páginas de ensaísmo, de análise sociológica, histórica, cultural e política, grande parte delas consagradas a Portugal.
Este amor a Portugal concretizou-se com algumas publicações em vida muito significativas, entre entrevistas e opúsculos, entre elas se destacando a Mensagem, onde verte muito do seu conhecimento tanto esotérico como mítico para iluminar de acordo com a sua visão, sensibilidade e interpretação os seres e figuras, as forças e momentos históricos tutelares de Portugal e que ele, cultor da Tradição espiritual de Portugal, ou como ele chamava, da Grande Alma Portuguesa, queria que não fossem só passado, mas que,  no seu presente tão enevoado, o iniciático "É a Hora" erguesse de novo na grande Alma Portuguesa os seus mais conscientes ou despertos Fiéis do Amor: "Valete, Fratres"
Talvez mesmo onde tal Amor mais ressoa seja no poema dos Clarins, que foi denominado de V. Império, e que é uma verdadeira invocação e vocação mágica e poderosa dos  seres da Tradição portuguesa para ajudarem à ressurgência do país e dos seus mais prontos, sensíveis e abnegados seres. Um apelo que ainda hoje é praticado por algumas almas, embra cada vez menos, face à grande aglutinação manipulada e e alienada transhumanista ou infrahumanista da União Europeia e da Nova Ordem Mundial que se tenta implementar
 Por motivos vários sabemos como Portugal foi entrando em sucessivas crises e num afastamento da plenitude cultural que Fernando Pessoa tanto sonhara, ou mesmo se embriagara, imaginando Portugal a liderar um V Império, esfumando-se tal sonho e sobrevivendo nuns poucos continuadores mas sem a genialidade, profundidade e força, nem o ambiente próprio, que conseguisse ou consiga movimentar o querer ser mais profundo dos portugueses invocado na Mensagem...
Muitos dos seus estudos astrológicos, das profecias, do sebastianismo e dos mitos acabaram por soçobrar ou configurarem-se hoje  até mais como mitificações ora incorrectas ora exageradas, incapazes de produzirem o levantamento moral e ético, cultural e espiritual dos portugueses e logo de Portugal, cada vez mais pressionado pelas crises que uma classe política e financeira,  avessa a tais valores, agravou pesadamente, e nos últimos anos cada vez mais devido à pressão nefasta da União Europeia.
Contudo, há que não perder a esperança e, no vasto oceano dos seus pensamentos e compreensões, símbolos, intuições e projectos que nos deixou nos seus escritos, muitos continuam operativos e, sem termos de o seguir à letra quando imagina  um futuro grandioso, apontando por exemplo na carta ao Conde Keyserling, a data de 2130 para Portugal entrar na sua terceira fase ou movimento de sua alma espiritual profunda, sendo discutível até esta divisão, tal como é também as das idades e eras  contidas nas mistagógicas pseudo-profecias judaicas e cristãs que Fernando Pessoa demasiado valorizou, nomeadamente as de Bandarra e P. António Vieira, já que as de Joaquim de Fiora pouco conheceu, poderemos ainda assim hoje e no iniciático Aqui e Agora do É a Hora, trabalhar pelo Bem, pela Verdade, pelo Espírito e pela Divindade, em nós e nos outros...
A nossa missão, como elos da Tradição Espiritual Portuguesa na qual ele se inspirou e que provavelmente de algum modo o inspirou e protegeu, como ele por vezes afirma ou alude templariamente ("Não meu, não meu..."), terá de ser bem mais modesta que a embriaguez dos sonhos imperiais, e poderá, por exemplo, valorizar o discernir quais os ensinamentos mais valiosos e perenes para nós, hoje, tanto cidadãos do século XXI como seres portugueses num caminho de auto-conhecimento, ou de despertar, ou mesmo numa via iniciática de práticas perseverantes.
No último ano da sua vida as cartas e notas autobiográficas , na linha do que fizera Antero de Quental, que foi para ele ao longo dos anos, e sobretudo no início, uma referência muito importante, ajudam muito a compreendermos o que ele publica, ou o que exotericamente pode afirmar na altura, estando esta diferença entre o exotérico ou mais exterior e superficial e o esotérico como o mais interno ou íntimo, bem expressa no facto de ter pedido a Casais Monteiro para não publicar uma certa parte da carta que depois da polémica a propósito da Lei das Associações Secretas ter estalado, decide torná-la pública, talvez até antevendo a sua próxima morte...
                             
Será então nos textos e poemas esotéricos, muitos deles só publicados postumamente, que encontraremos as mais luminosas ou espirituais pérolas que depositou ou germinaram no seu oceano tão criativo quão complexo, e que urge portanto estudar, meditar e aprofundar...

Transcreveremos apenas três textos, o 1º, uma parte da famosa carta confessional à tia Anica, no dia de S. João de 1916, em que manifesta um certo despertar espiritual: «Guardo, porém, para o fim o detalhe mais interessante. É que estou desenvolvendo qualidades não só de médium escrevente, mas também de médium vidente. Começo a ter aquilo a que os ocultistas chamam «a visão astral», e também a chamada «visão etérica». Tudo isto está muito em princípio, mas não admite dúvidas. É tudo, por enquanto, imperfeito e em certos momentos só, mas nesses momentos existe.
Há momentos, por exemplo, em que tenho perfeitamente alvoradas (?) de «visão etérica» — em que vejo a «aura magnética» de algumas pessoas, e, sobretudo, a minha ao espelho e, no escuro, irradiando-me das mãos. Não é alucinação porque o que eu vejo outros vêem-no, pelo menos, um outro, com qualidades destas mais desenvolvidas. Cheguei, num momento feliz de visão etérica, a ver na Brasileira do Rossio, de manhã, as costelas de um indivíduo através do fato e da pele . Isto é que é a visão etérica em seu pleno grau. Chegarei eu a tê-la realmente, isto é, mais nítida e sempre que quiser?
A «visão astral» está muito imperfeita. Mas às vezes, de noite, fecho os olhos e há uma sucessão de pequenos quadros, muito rápidos, muito nítidos (tão nítidos como qualquer cousa do mundo exterior). Há figuras estranhas, desenhos, sinais simbólicos, números (também já tenho visto números), etc. (...)
O que me incomoda um pouco é que eu sei pouco mais ou menos o que isto significa. Não julgue que é a loucura. Não é: dá-se até o facto curioso de, em matéria de equilíbrio mental, eu estar bem como nunca estive. É que tudo isto não é o vulgar desenvolvimento de qualidades de médium. Já sei o bastante das ciências ocultas para reconhecer que estão sendo acordados em mim os sentidos chamados superiores para um fim qualquer que o Mestre desconhecido, que assim me vai iniciando, ao impor-me essa existência superior, me vai dar um sofrimento muito maior do que até aqui tenho tido, e aquele desgosto profundo de tudo que vem com a aquisição destas altas faculdades.»
Como já vimos, esta intuição ou desejo de Fernando Pessoa, no fim de 1920 foi utilizada para justificar o fim do primeiro namoro com a Ofélia, mas já não para findar o segundo, em 1929, talvez por mais realismo quanto aos míticos mestres, apesar do seu longo percurso de estudos e escritos ocultistas, esotéricos ou gnósticos mantidos até ao fim da vida...
 
O segundo texto, para que possamos de quando em quando trabalhar e aprofundar a ressonância do sentido oculto, interno ou luminoso, tal como recomenda o anagrama hermético por ele conhecido e referido VITRIOL (Visita interior terra, rectificando descobrirás a oculta lápide, ou pedra) e o que o complementa, da Tradição tanto ocidental como perene, por ele muito estudado e glosado, está constituído pelas letras das iniciais INRI, e desdobra-se, entre outras leituras ou possibilidades, como In nobis regnat Ignis, ou seja, Em nós reina o Fogo do amor, da luz ardente do espírito e da Divindade.
O terceiro, constitui dos ensinamentos mais valiosos seus, e provindo do último ano da sua vida:
«Kabalas, magia, grimórios brancos ou negros, breviários de misticismo ou de ascese, essas coisas são fórmulas, formas, nada mais. Nelas não há mais vida que a vida que há em quem usa delas, e essa será a que é ainda que elas nunca houvessem sido. (...)
O conhecimento de Deus não depende do hebreu, nem de anagramas, nem de símbolos. Nem de língua alguma, falada ou pensada; faz-se pela ascensão univocal da alma, pelo encontro final da alma consigo mesmo, do Deus em nós consigo mesmo».
Finalizemos com um mantra operativo da Tradição Espiritual Portuguesa, por ele também valorizado, o Talant de bien faire, o lema do Infante D. Henrique, Talante de fazer o Bem, ou Vontade de fazer o Bem...

Saibamos nós no dia a dia agirmos sintonizados interiormente com a presença do Bem divino e orientados por este desígnio solar que desagua, também segundo Fernando Pessoa, no criar a vinda do Bem, Divino...