terça-feira, 25 de junho de 2019

A primeira carta de Antero de Quental, com 10 anos, 1852, e seus ensinamentos.

A primeira carta conhecida de Antero de Quental remete-nos para 1852, quando ele vivia na sua terra natal, Ponta Delgada e tinha apenas 10 anos, mas o seu estilo e vocabulário são de tal modo invulgares para uma criança que a sua plena autoria tem sido posta em dúvida, e com razão, nomeadamente pela Ana Maria Almeida Martins, nas notas do I volume das Cartas, recentemente publicado, onde nos diz ainda que, por um incêndio, resta apenas a fotografia de uma parte dela. 
Terá sido a mãe Ana Guilhermina quem o acompanhou na sua redacção, já que Antero ao longo dos anos manterá uma relação muito próxima e afectiva com ela, ou terão sido o pai e a mãe que se debruçaram sobre a escrita e alma do jovem Antero de Quental, nesse momento de separação e partida para Lisboa?
Embora o deslindar do que é seu e o que é deles não seja fácil, estamos contudo perante um testemunho da mundivivência moral e convivial (e os Açores têm muito o culto do fraterno ou comunal Espírito, logo santo) que o envolvia no período inicial da sua formação humana e literária, pelo que não será inútil considerarmos algumas das partes dessa carta de despedida de uma associação a que pertencia e dirigida ao seu presidente, o 2º Visconde Vicente Machado de Faria e Maia (1838-1917).
«(...) Simpatia, franqueza, instrução, e agrado foi o que eu fui encontrar e aprender no Grémio Instrutivo; foi com os braços abertos que eu por ela fui recebido, quando a minha consciência me dizia que de tal não era merecedor; foi sempre com franqueza e amizade que fui tratado durante o para mim curto espaço de tempo de 7 meses; foi sempre com a inteligência enriquecida com mais uma ideia, o coração com mais um sentimento que em cada noite me afastava de um recinto tão amável! é pois com vivo pesar que me vejo forçado a separar-me de pessoas, a cujos corações já de há muito meu estava ligado por uma doce confraternidade.
Mas a necessidade pode mais do que os impulsos do coração! É ela que hoje me priva por longo tempo, se não para sempre, de horas tão bem passadas, ainda que tão breves; essas horas, de hoje avante, tenho de as empregar numa ocupação árdua, mas a que não posso fugir.(...)»
Realçaremos brevemente desta notável carta, matricial de certo modo das centenas de cartas, por vezes fabulosas, de Antero de Quental, os valores, a sensibilidade, a aspiração, o amor, a fraternidade, o idealismo, a gratidão, que sempre o acompanharão ao longo da vida como veios interiores fortes, constantemente vindo ao de cima na sua correspondência, escritos e trato convivial.
A boa descrição do ambiente aberto e franco que se vivia, o ensinamento de que a sua psique valorizava-se diariamente tanto na parte intelectual com mais ideias, como na parte do coração ou afectividade com mais sentimentos, são de se realçar e meditar. Tal como a consciência dos corações ligados por "doce confraternidade". 
E o reconhecimento da necessidade, do dever, do dharma, como instância acima do seu eu e do seu coração humano, impulsionando-o no famoso árduo caminho, ad astra per aspera, na pintura em baixo de Bô Yin Râ, representado.
 Possamos nós nesta linha valiosa de Antero de Quental meditar as palavras e ideias, sentir mais fundamente sentimentos valiosos e trabalhar árdua e amorosamente, para que a doce confraternidade com alguns e com o Todo, os mestres, a Divindade, possa ser mais sentida e realizada.

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