domingo, 23 de fevereiro de 2025

Diário dum retorno ao campo, em Vale da Figueira, Tomar. Páginas de Outubro de 1990.

 Nascer do Sol rosa vermelho. Mas se ontem as nuvens que chegaram do Norte e do Leste prenunciavam degradação do bom tempo, hoje o céu limpo mostra como é difícil prognosticar. Mas, claro, o tipo de nuvem ainda não foi observado com mais atenção e aprofundado e comparado suficientemente.

Meditação a receber algumas forças do Sol. E tentar compreender  diferença entre desejo e amor. O amor é uma casa de dois andares, em que o 1º é o desejo ensual e o 2º a dádiva pessoal. Ou pode ser de três ou sete andares, se formos subindo pelas dimensões subtis do ser humano.

A neblina vinda do rio e dos vales baixos subiu e o céu está enevoado agora.

Meditação boa, até atingir a consciência de que sou o Espírito, sem medo de nada. [Uma boa realização, que nos cumpre actualizar, sentir mesmo].
A tarefa meditativa é realizar, manifestar o que já compreendemos ou sabemos. E aprofundar rumo ao que não sabemos nem compreendemos.

Noite: Foi um dia activo. Arranjos da casa. Ida ao empreiteiro e a Tomar. Na Feira comprar couves diversas para plantar: bróculos, flôr, lombarda, boi. E sementes. E fruta e rosas.
Tarde: plantar, limpar, pôr betume nas janelas, tirar as tábuas velhas da coelheira (que dá um estrume bom) para fora. Surgirá um dia uma divisão, mas não sei ainda para quê
Veio chuva. As nuvens indicavam-no. E choveu, como era natural, primeiro nos vales. Para vermos cá de cima (nesta casa num encosta). Foi só às 19:00 quando meditávamos que ela caiu aqui, mas não muita.

Os dedos estão com as pontas secas, mas o pior podia ter sido aquando da destruição da coelheira. Uma tábua caiu-me na testa, mesmo me baixo da cicatriz  por pouco que o galo não era sangue. Pensei mais tarde  que devia ter cuidado com as entidades que podiam estar ligadas aquele edificiozinho. Na dimensão astral quem habitava nele?Será que há seres que prendem os bichinhos do outro lado? Até onde vai a imaginação dos seres desencarnados?
Curiosamente na feira quando comprava as três rosas por 60$00e os marmelos a 60$00 o kilo, fiz um afago a um coelhito no canto duma caixa  o dono disse-me, "já está vendido". Respondi-lhe, parece bem comportado. Mas o que descobri nos olhos do coelho era afinal medo. Suspeitaria de que estava a ser exposto para ser comido? E a cara avermelhada do camponês-coelheiro era do vinho, do rio ou dos animais mortos?
Cada ser numa feira é um mundo. Desde a beleza, à força, aos anões, às velhinhas, há de tudo.

Um poema de alma, algures no tempo e na perenidade...

Um poema escrito algures no tempo...

Geme a Alma,

Aspira à sobreposição dos dois no Um original.

Cada aurora estilhaça a obscuridade passada

e torna mais eminente a visão do Espírito.

Cada meditação oração ou contemplação

é um acto de intensificação verticalizante

no qual o nosso amor deixa de depender dos outros

e se anima com as asas e a sensibilidade do coração

e escrevemos ou oramos então com sangue.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

O Amor e a União. Escrito no processo meditativo e inspirativo para um casamento que se iria realizar, em 2015 e em que falei, claro, bem diferente do que esboçara

 Abrindo os documentos-registo dos diários escritos no computador em 2015, eis um texto que surgiu com algum valor: 

O Amor é a base, fonte ou origem do Cosmos e dos seres humanos. O Absoluto imanifestado, ou a Divindade, no começo da manifestação, inicia o processo emanativo no qual brotamos e estamos por Amor, por desejo da Divindade de compartilhar a felicidade, a beatitude, as qualidades divinas que nós só podemos intuir e vivenciar parcelarmente enquanto centelhas emanadas deste Fogo Primordial.

Por isso, na Terra, quando duas centelhas ou dois seres resolvem já plenamente maduros e conscientes unir os seus caminhos sob a invocação da Unidade do Amor, estes seres estão verdadeiramente a atrair sobre eles as bênçãos divinas e estão no fundo a recriar o amor da Vida e da Unidade, face a todas as fragilidades do mundo físico e histórico, tão mutável e frágil.

O casamento ou união de dois seres passa-se sobretudo ao nível da alma. É aí no corpo espiritual, que subjaz e que coroa os corpos fisicos, que se tecem os fios e entrelaçamentos que gerarão a intensificada invocação do amor e sabedoria da Unidade e da Divindade.

O casamento é assim o fazer de dois seres, separados, dois seres unidos, entre si, e com o melhor de si e do Universo.

É pois trazer à Terra a Graça divina da harmonia dos contrários, tornados complementares, activamente, no dia a dia, companheiros, portanto, da mesma construção e labuta, alegria e adoração.

Dois seres já amadurecidos na idade e na experiência, quando resolvem unir-se, unem também mais com o Amor todos aqueles seres que conheceram e que ficaram para trás, ou para o lado, ou que já partiram mesmo, e que quer estejam em Amor e em estados de unidade frequentes ou não, sempre receberão os eflúvios, as ondas, as informações de amor e sabedoria que eles comunicarão e desabrocharão.

Qualquer união amorosa é pois um modo de se refrescar a secura da Terra, de diminuir a separatividade e a guerra, de se intensificar a descida do fogo do Amor divino no coração dos seres e dos ambientes..

E por isso ao juntar-nos aqui todos para celebrar esta união, este casamento entre a Graça e o César, fazemo-lo perante ou unindo a Terra e o Céu, os corpos e espíritos, duas almas na grande Alma do Cosmos de Amor-Sabedoria que é a Divindade, tanto transcendente como em nós e nos nossos corações agora mais flamejantes e mais unidos entre si...

                                   

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Uma paráfrase da oração do Pai Nosso, da sua 1ª parte, sobre um desenho aguarelado.

 A oração do Pai Nosso, passados dois mil anos de ter sido pronunciada e ensinada por Jesus, continua a ser orada, e pronunciada por muita, muita gente. A sua hermenêutica ou interpretação não é fácil, embora  haja certamente uma leitura simples e já boa se dita ou pensada sentidamente, ainda que saber mesmo realizá-la e merecê-la seja sempre exigente.

Não admira que ao longo dos séculos, além das explicações e doutrinações, tivessem surgido  diferentes versões, em especial de religiosos, e entre nós apresentou algumas o Padre Mário Martins, notável estudioso da época medieval e um amigo de Dalila Pereira da Costa, que me o fez conhecer e apreciar, como já testemunhei num artigo.  .

Também eu ao longo dos anos as escrevi, ou pronunciei apenas e vogarão no espaço infinito os ecos subtis do que da minha alma em aspiração se ergueu. Há dias encontrei uma  já de há uns anos, escrita de uma só vez sobre um desenho de fundo (30x50 cm) e resolvi dá-la à luz, com leves correcções ou melhorias. Ei-la, embora seja só a primeira  parte do Pai Nosso, certamente a mais valiosa. E a esta oração, nas suas tão variadas versões e hermenêuticas, esperamos voltar...
                                

Pai Nosso, nós te invocamos, por nós todos,

todos teus filhos, emanados de Ti, a Ti te amando.

Que estais nos céu, visível no mundos espirituais,

e na consciência pura e una do amor em todos seres,

 presente como estado de consciência puro e iluminado. 

Santificado seja o Vosso nome, memória e ser,

que embora não patente no mundo em que vivemos

por sabermos que és Nosso Pai te podemos invocar

e  prestar culto em espírito e verdade

de modo a que nossa vida seja constante testemunhar

da Vossa presença em nós, e da nossa ligação a Vós,

a fim manifestarmos a Vossa Vontade e Amor.

Venha a nós o vosso Reino, a vossa governação nossa,

que sejam vós  e a vossa Bondade e Sabedoria

a inspirar e a dar realeza ao mundo e às pessoas

que Te seguem no interior, na consciência íntima

que lhes vai sugerindo como estarem mais abertas a Ti,

mais penetradas e envolvidas por Ti,

de modo a podermos estar mais plenos e felizes,

desenvolvendo capacidades e obras luminosas.

Seja feita a Tua vontade assim na Terra como no Céu,

que possas verdadeiramente circular vitoriosamente

em todas as dimensões e estados de consciência,

para sermos canais, eixos de ligação entre o Céu e a Terra, 

entre a tua Sabedoria omnisciente e nossa aspiração ardente,

e assim cooperarmos na plenitude dos seres e tempos, 

na união dos múltiplos opostos, na harmonia dos contrários,

vencendo as vontades contraditórias e exclusivas, 

unindo-as na tolerância, liberdade e Amor.

Que todo o nosso ser, da cabeça aos pés,

da manhã à madrugada

viva iluminado ou harmoniado pela Tua consciência nele,

que lhe dê lucidez, destemor, criatividade

e capacidade de ser pontífice,

construtor de pontes

por onde nos podemos

encontrar, amar, iluminar.

Demos graças, em Ti, para Ti, por todos. 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Uma flor-de-liz e uma oração iconograficamente muito belas, e uma grande alma: Elizabeth Philiphine Marie Hélène, princesa de França.

A Flor-de-Liz, como capitular da oração, e as três flores-de-liz, brasão de Elizabeth. Impressão parisiense sobre pergaminho, começo do séc. XX.

 Tendo hoje partilhado num artigo do blogue um dos símbolos proféticos do Paracelso, o das flores-de-liz, ao arrumar alguma iconografia religiosa deparei-me com um santinho francês com uma bela flor-de-liz ilustrando uma oração de uma tal M. Elizabeth, que pensei ser uma Mère Elizabeth, mas não, a oração é bem conhecida e foi escrita por Elizabeth Philiphine Marie Hélène (3-V-1664 a 10-V-1694), a irmã mais nova do rei de França Luís XVI e que com ele e Maria Antonieta foi guilhotinada no auge da Revolução Francesa, quando tinha 30 anos de idade, nada a demovendo de acompanhar o irmão, a mulher e os sobrinhos, face ao ataque do revolucionários, sustentando-os com a sua espiritualidade no caminho que os levará, através das provações,  até ao desenlace fatal e também libertador da realeza absolutista francesa.

Como era nova, bela, artista, inteligente, religiosa, e se mantivera firme nas suas convicções e aconselhamentos no tempo da provação, em que saindo da sua vida retirada fora da corte passou acompanhar o rei seu irmão, logo se ergueu no meios realistas e religiosos um certo culto, pois  morrera corajosa e serenamente e ter-se-ia sentido na atmosfera, na actual Place de la Concorde, no momento da "abertura das portas do céu", o perfume de flores, rosas, fenómeno subtil  que é chamado odor de santidade, transversal a várias tradições e religiões e não tão, tão raro de ser sentido...
A oração é bela, de grande amor e ent
rega a Deus e à sua providência, sacrificando tudo à Sua Vontade, apenas Lhe pedindo que continue a sustentar-lhe a paciência (ou ciência da Paz) e a aceitação perante as provações e sofrimentos que tiver de atravessar, e que foram bem intensos, embora saibamos que o seu estado de consciência espiritual e de abertura e ligação a Deus e a Jesus e Maria subsistiram sempre.

                                              
Saber ou discernir porém qual é a Vontade divina não é assim tão fácil frequentemente. Deveria Elizabeth, e Luís XVI e a austríaca Maria Antonieta, terem tido mais sensibilidade aos problemas do povo francês, e aceitado as imposições anti-religiosas e anti-monárquicas dos revolucionários, e assim escaparem ao fim trágico que os vitimou? 

                                       

Deveria ter-se exilado, como o seu irmão queria, em vez de ficar a residir em Paris nas Tulherias com o irmão e, depois dele ser levado para a prisão na torre do Templo, se ter ido entregar também, em 1792, para  apoiar o seu irmão a enfrentar dignamente a morte e decapitação?
O certo é que depois de ajudar os familiares
e próximos será a  última das vinte e cinco pessoas a morrer no mesmo 10 de Maio de 1794, sempre escudada nas suas práticas espirituais, orando nos últimos momentos  das profundezas da sua alma abnegada e reafirmando às que iam ser mortas que nesse mesmo dia se encontrariam no Paraíso, um leif-motive e certeza que aparece em algumas almas mais elevadas de várias religiões, embora o Paraíso dos crentes das várias religiões e teodiceias seja multidimensional  e multipolar...

Poderemos concluir esta breve janela com a lembrança de que a oração e a meditação diária de um certo modo são formas de nos abrirmos a uma melhor percepção do que devemos ser ou fazer, de nos alinharmos melhor com as forças cósmicas, ambientais, sociais, orgânicas que  nos estão a influir ou afectar mas que geralmente não nos consciencializamos o suficiente para evitar erros, doenças, acidentes, traições, manipulações, ou fraquezas perante as cruzes do destino.

 Possa esta tão imaculada flor-de-liz, símbolo ascensional psico-somático, e a bela e tão sacrificial quão trágica oração, impelirem-nos então a praticar mais a oração, a ligação ao sagrado coração, os mantras, a meditação, a contemplação, o silêncio, os sacrifícios a fim de sermos ou estarmos mais inspirados seja pelo nosso espírito, seja pelos celestiais, seja pelo Espírito Santo,  e assim cumprirmos melhor e mais criativamente o nosso dharma, a nossa missão em ligação divina, tal como tentou realizar Elizabeth Philiphine, a quem endereçamos as melhores invocações divinas. E que ela nos possa inspirar do Corpo Místico da Igreja e da Humanidade, onde se encontra certamente bem consciente, tanto mais que se tenta a sua beatificação.

 Duas traduções, já que deparei-me com duas versões:

"O que me acontecerá hoje, ó meu Deus.? Eu nada sei. Tudo o que sei, é que não me acontecerá nada que não tenhas prevenido, regulado e ordenado de toda eternidade. Isso chega-me, ó meu Deus.
Eu adoro os vossos desígnios eternos e impenetráveis. Eu submeto-me de todo o meu coração pelo amor de vós. Eu quero tudo, eu aceito tudo. Eu faça-vos um sacrifício e tudo e eu uno este sacrifício ao de Jesus Cristo, meu divino Salvador.
Eu vos p
eço em seu nome, pelos seus méritos infinitos, a paciência nas minhas dificuldades e a perfeita submissão que vos é devida por tudo o que vós quereis e permitis."

"O que me vai acontecer hoje, ó meu Deus, eu ignoro. Tudo o que eu sei é que nada me sucederá se vós não o tiveres previsto desde toda a eternidade. Isso chega-me, meu Deus, para estar tranquila. Adoro os vossos desígnios eternos e submeto-me de todo o meu coração. Eu quero tudo, aceito tudo, faço-vos um sacrifício de tudo; uno este sacrifício ao do Vosso querido Filho, meu Salvador, pedindo-Vos, pelo seu Sagrado Coração e pelos seus Méritos infinitos, a paciência nos meu males e a perfeita submissão que Vos é devida para tudo o que quereis e permitais. Assim seja." ...   

 Aum, Amen, Lux, Amor!

sábado, 15 de fevereiro de 2025

Da compreensão dos caminhos da mística, individuação, realização espiritual e evolução da Humanidade no séc. XXI.

                                   

O estudo,  compreensão, formatação e enquadramento da experiência mística e espiritual tem sofrido ao longo do tempo sucessivas tentativas, em geral com unilateralidades limitativas,  a causa principal sendo a falta de experiência e prática espiritual, ou de alma mística e experimentada que possa compreender por dentro, por vivência. o que se lê, observa, analisa, julga, contextualiza. Lamentavelmente tais estudiosos, especialistas ou escritores menosprezam a vivência interna escudados numa objectividade de não tomarem partido ou via religiosa, e desse modo não conseguindo chegar à essência e vivência do que subjaz tais fenómenos ditos místicos:  que somos seres de corpo, psique-alma e espírito, que vivemos num mundo pluridimensional e sobrevivemos enquanto almas espirituais à morte do corpo e do cérebro, e  mesmo em vida no corpo físico podemos já ter experiências subtis com os órgãos do corpo espiritual. Finalmente, que a Divindade é, existe, pelo que a devemos demandar e amar, tanto mais que Ela agracia de diversos modos quem medita, ora, e acrifica, e supera, internamente, providencialmente e até pelos anjos ou pelos espíritos que já morreram fisicamente mas que no corpo místico da Humanidade subsistem e dos quais podemos receber ajuda, sobretudo se tal admitirmos ou aspirarmos.

Na realidade muito do que se inclui na fenomenologia da mística religiosa implica a alma ou psique intensificar o seu amor e entrega ao Divino, ao Cosmos, à Humanidade no amor-compaixão, e no ser capaz de interiorizar-se, silenciar-se, orar, e ora sentir na alma, chakras e coração ora ter visões, e portanto de abrir o seu olho espiritual e receber informações e ensinamentos, que certamente a podem transcender mais ou menos nos seus significados e causas, tal como noutro nível se passa com os sonhos...

Que haja pessoas que se perturbam psiquicamente e geram também visões, que haja pessoas que por terem uma capacidade imaginativa forte se possam iludir, distorcendo, ou sugestionando-se quanto ao que vêem não há dúvidas,  e os hospitais psiquiátricos  apresentam-nos muitos casos de delírios, de psicoses, de manias, tal como também poderemos discernir certas inflações egóicas, proféticas ou de poder em alguns instrutores ou gurus. Mas não devemos por isso recusar a existência, ou o valor das experiências místicas num todo ou sem uma atenta investigação da realidade caso a caso dos fenómenos, para não misturarmo duas realidades diferentes, uma patológica e outra espiritual, esta   exigindo elevadas condições, qualidades ou virtudes do praticante duma via religiosa, espiritual, criativa.

Com a predominância do laicismo, materialismo,  cientismo,  estruturalismo e psiquiatria freudiana não há grandes hipóteses de encontrarmos na maioria dos hermeneutas compreensões profundas dos fenómenos místicos, embora certamente a contextualização mais ampla possível do fenómenos e recorrendo a uma multidisciplinariedade, permita uma melhor elucidação do que foi vivido e afirmado por alguém, e dada a actual ampla democratização ou divulgação dos conhecimentos energético-conscienciais tanto pelas práticas tradicionais e pluralidade religiosa  como pelas neurociências, devemos registar que há cada vez melhores compreensões e estudos, duns poucos, embora pouco chegue ao grande público, bastante infrahumanizado e amilhazado, em preços certos e as narrativas oficiais

A existência de tradições espirituais, no sentido de linhas ou elos de seres e de forças ligadas a mestres, iniciações, símbolos,  técnicas ou métodos,  orações, mantras, ícones e imagens é um factor pouco valorizado em geral pelas abordagens exteriores académicas, sobretudo na sua dimensão interior, subtil e espiritual, nomeadamente no que um santo, yogui ou mestre viveu, praticou e ensinou e como isso se pode afirmar fortemente numa  continuidade nos actuais discípulos, fiéis, leitores ou praticantes.

Daí, face ao globalismo  infrahumanista e materializanteques e pretende instaurar na humanidade a importância das tradições culturais e espirituais de cada país, cidade,  época,  religião e que nos convidam por diversas formas a aproximá-las e a receber os seus eflúvios e impulsos veículados mais especifica e directamente. por livros, objectos, vídeos, filmes, ensinamentos e sobretudo locais e seres vivos.  

O acesso às múltiplas tradições espirituais intensificou-se tremendamente nestas décadas  do séc. XXI graças à internet, de tal modo que a oferta é ilimitada, quase infinita, ainda que nada suplante como já sugerimos o contacto directo com o livro, a pessoa, a cerimónia, o mestre, tanto mais que há muita aparência que ilude e há muita manipulação, ganância económica, megalomania e fingimento mesmo no campo religioso e espiritual, nem sempre sendo fácil de discernir com tanta ilusão e marvilhamento que se cria à volta de certo seres ou instrutores, pelo que a consulta e diálogo com pessoas no caminho é bem conveniente.

Relembremos pois   que nas tradições orientais e ocidentais está muito presente a continuidade da partilha e prática de ensinamentos, que se exerce seja num convento ou num ashram, seja numa irmandade ou fraternidade, e seremos tolos se menosprezarmos tais continuidades nos nossos dias, pelo que devemos estar atentos ao que nos pode chegar de informações ou de relações, orações e jaculatórias, yantras e mantras, imagens e cantos, para podermos receber indicações correctas de pessoas, locais, comunidades, ou sentirmos se é verdadeiro ou apropriado, ou  como melhor estudarmos e praticarmos o que é afim da nossa alma e logo eficaz, integrativo, salvífico.

 Vivemos pois numa época extraordinária, embora haja certamente muita gente manipulada e fanatizada, e cabe-nos aproveitar o melhor possível o tempo para diminuirmos a ignorância e o ego e intensificarmos a harmonização da nossa personalidade e vida diária, o contributo para a evolução social e ambiental, e simultaneamente aprofundarmos com persistência (ou "optimismo escatológico", como transmitia Daria Dugina Platonova),  a vivência interior possível dos mundos subtis e espirituais, do Cosmos, do espírito e da Divindade, esta até com a mística pessoal e subjectiva, individuante de cada um.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Celebração do 146º aniversário de Helena Roerich. Pequena biografia e uma sua carta crítica.

                                       

 Festejando-se hoje o aniversário de Helena Ivanovna Roerich, pois nasceu a 12 de Fevereiro de 1879, resolvemos homenageá-la com uma pequena biografia, algumas fotografias e da sua vasta correspondência uma carta pouco conhecida escrita em 1943, em que refere o difícil discernimento da demarcação entre as forças da Luz e as das Trevas, da Verdade e da Mentira, criticando alguns grupos da época, e mais especificamente um, o que para muita gente será uma completa novidade, tal como foi para mim (de certo modo), há pouco tempo.

Helena, filha dum arquitecto cuja linhagem remonta a Pedro o Grande, bisneta do marechal de campo Mikail Kutuzov (1745-1813) que derrotou Napoleão, sobrinha neta de M. P. Mussorgsky, foi uma alma bem luminosa, muito dotada intelectual e artisticamente, nomeadamente como pianista Desde muito cedo, sentiu e teve uma ligação com Mestres Espirituais que a guiaram invisivelmente ao longo da vida. Era muito bela, possuidora de uma nobreza e de um requinte elevados. Foi abordada por pessoas muito ricas, mas estava interessada no mundo da beleza, da filosofia e da criatividade, e por isso casou com Nicholas Roerich, na altura um artista ainda pouco conhecido, mas que mais tarde se tornou mundialmente famoso como pintor, viajante e mestre espiritual.  Eram seres espiritualmente próximos, as  aspirações convergiam para a compreensão e aprofundamento da filosofia, especialmente da filosofia oriental, o conhecimento esotérico, o desenvolvimento evolutivo da humanidade.

 Dum casamento muito feliz nasceram dois filhos,  George (ou Yuri, nascido em 1902, notável linguista e orientalista) e Svetoslav (1904, pintor - e a ele devemos vários retratos dos pais -, e que casará com Devika Rani, actriz do cinema indiano e bisneta do grande poeta e mestre Rabindranath Tagore. Ambos louvarão muito a escola aberta em que viviam, com  orientação sábia da mãe em relação às impulsões e necessidades próprias do desabrochar de cada um deles.

Em 1916 tiveram de partir para a Finlândia, que era então parte da Rússia, por causa de Nicholai ter contraído uma pneumonia, e depois, com a revolução bolchevique de 1917,  não puderam regressar a São Petersburgo, e viajaram para a Europa, tendo sido convidados, para partirem em 1920 para os EUA,  onde se organizou uma exposição de pinturas de Nicholai Roerich que percorreu muitas cidades com grande sucesso.  Mais tarde, em Nova Iorque foi criado, pela primeira vez no mundo, um museu de um artista num arranha-céus, o Masterbuildings, no qual os Roerichs desenvolveram uma grande atividade artística e espiritual: foi criada uma escola artística e pintados muitos quadros, foram atraídos artistas e músicos, foram criadas várias organizações, tão brilhante era a irradiação de ambos. Mas a mola principal de todas as actividades e esforços era Helena. Mesmo na sua obra Nicholai Roerich pensava que sob os seus quadros deviam ser colocados dois nomes, porque Helena sentia subtilmente a combinação de cores e muitos temas eram motivados pelos seus sonhos e visões.

Com grande aspiração pelo Oriente e a Índia, em Maio de 1923 abandonam Nova Iorque e instalam-se na Índia, em Darjeeling, e depois de vários meses de visitas a cidades e locais, que geram muitas pinturas,  entre 6 de Março de 1925  e Maio de 1928 lançam-se os quatro numa expedição fabulosa e com bastantes e extremas  dificuldades pela Ásia Central, em que  chegaram pioneiramente a  Lhasa, e em que Helena Roerich, que nunca tinha montado um cavalo, percorreu milhares de quilómetros como a única mulher no grupo de expedição. 

                            

Foram recolhidos numerosos achados étnicos, arqueológicos e religiosos, foram pintados muitos quadros (cerca de 500) e os membros da expedição deixaram-nos valiosos diários, para além de que foi durante ela que Helena escreveu o 1º livro do Agni Yoga, a Comunidade, passando por provas tremendas pelo clima frio (e morreram vários dos participantes, humanos e animais) e pela recepção das energias ígneas espirituais cósmicas no seu corpo subtil. 

O mestre Morya chamou a tais provações a Prova de Fogo, pois era a primeira vez que a energia dos centros subtis se unia a tal escala ao fogo do espaço, abrindo-se uma nova conquista do espírito para a humanidade. O objetivo principal da experiência era obter, com a ajuda dos centros abertos, a possibilidade de comunicação direta com os Mestres que estão no Firmamento da Irmandade dos Gurus - Shambhala.
Muitos materiais da expedição serviram de base e justificação para a criação do  Urusvati Himalayan Reearch Institute of Roerich Museum, no Punjab, que publicou mesmo desde 1931 três valiosos números da  revista ou Journal, instalado na propriedade que adquiriram nos pequenos contrafortes dos Himalaias, em Naggar, sobre o vale de Kulu (e onde eu peregrinei por duas vezes), e onde passaram o tempo da II grande Guerra, e lutando pela paz, mesmo antes, a vários níveis, correspondendo-se com líderes espirituais e políticos do mundo, tal como Roosevelt e o seu secretário Wallac, influenciando-os de algum modo. Durante as expedições e viagens de Roerich, Elena Ivanovna foi responsável pelo trabalho de organização das sociedades e dos seguidores de Roerich, pela criação e promoção do Pacto de Paz, o Pacto de Roerich, que em 1935 foi assinado por 21 países do continente americano.

                                   

                                  

Vemo-los nas fotografias diante da porta da casa, no sopé do monte, virada para os Himalaias, e a poucos metros donde se encontram os restos mortais de Nicholai Roerich (9-X-1874 a 13-X-1947), o denominado Mahasamadhi (onde meditei há décadas com muita inspiração], o grande êxtase ou unificação, a morte que entre nós Antero de Quental, Joaquim de Araújo e Fernando Pessoa bem glossaram na frase: "Morrer é ser iniciado", embora tenhamos de reconhecer que o casal Roerich já em vida estava bastante mais iniciado no conhecimento e realização espiritual, nomeadamente da interacção entre as energias subtis  humanas e cósmicas, na base da ética fundamentada nas leis do Cosmos e no desenvolvimento da mestria e criatividade do pensamento e da alma, como energias ígneas, em unidade com o corpo místico da Humanidade, os mestres, santos ou grandes seres e que os inspiraram ou guiaram constantemente, no seu caso o mestre Morya.

Helena escreveu, tal como o marido, vários livros, nomeadamente os quatorze do Agni Yoga, o primeiro tendo sido publicado em 1927, Comunidade, num conjunto denominado o Ensinamento da Ética Viva, e correspondeu-se com muita gente,  aconselhando como mestra e  a partir da sua experiência, conhecimento e sobretudo realização flamejante subtil (dos raios do fogo cósmico), do que resultaram as suas Cartas, primeiro editadas em Riga em 1940 em dois volumes (legíveis, tal com as suas outras obras, no site do Nicholas Roerich Museum): e por fim já todas em cinco volumes, no final dos anos 90, apenas publicados em russo. 

O Ensinamento do Agni Yoga foi dado às pessoas como uma nova transmissão para os séculos vindouro do desenvolvimento da humanidade, explicando os fundamentos da compreensão do microcosmo humano e do macrocosmo do Universo, e a sua interação e perfeição mútua.

                           

Em 1948, após a morte de Nicholai Roerich, partiu com o seu filho Yuri, ou George, primeiro para Delhi  e depois para a zona mais fresca dos contrafortes dos Himalaias, orientais, em Kalimpong, onde realizará a grande transição em 5 de Outubro de 1955, sem ter conseguido que o governo soviético autorizasse o seu retorno, cabendo aos seus filhos George e em seguida Svetoslav (com quem me correspondi duas vezes) levarem o espólio da família, com centenas de quadros e muitos materiais preciosos, das suas viagens para a Rússia, George ou Yuri, primeiro, e impulsionando uma importante escola russa de orientalistas. Há ainda bastante material para editar proveniente do génio de Helena e da inspiração do seu mestre Uchitil Morya.

                             

 Há actualmente na Rússia muitíssima gente e muitos grupos, nomeadamente no muito recomendável VK.com (e devo agradecer a Helena Levintova algumas informações aqui acrescentadas), que gostam e estudam os ensinamentos, inspirados no seu mestre Morya, com quem aliás Nicholai Roerich a pintou mais de uma vez. Anote-se que alguns discípulos do casal geraram escritos espirituais de  boa qualidade, tais  como os de Boris Nicolaevich Abramov (1897-1972), com as suas Facetas do Agni Yoga, em que afirma ou elogia poderosamente Helena Roerich como a Mãe do Agni Yoga, pelo seu trabalho com o Fogo Cósmico,  havendo ainda actualmente quem mantenha a ligação bem viva.

A Mãe do Mundo, o Princípio Feminino da Divindade, com o casal Roerich em baixo.

Leiamos então uma carta muito forte, e inesperada para muita gente...

 «"A força das trevas é a antítese da Luz, e não há pontos de contacto entre elas.
São precisamente as forças das trevas que usam todos os meios para se infiltrarem num empreendimento nobre e o destruírem.”

 Muitas pessoas ingénuas acreditam que as forças das trevas actuam apenas através do mal, da devassidão e dos crimes. Como estão enganadas! Apenas os seres grosseiros e as forças de graus inferiores agem dessa forma. Muito mais perigosos são aqueles que se apresentam sob o disfarce da Luz. Já conheceis um exemplo disso. Na América, existe uma Sociedade muito extensa, e a sua líder recebe os ensinamentos de um professor que não revela o seu nome, chamando-se Irmão Tibetano. Nós sabemos quem se esconde por detrás deste pseudónimo. O seu poder é grande. E o objetivo deste mestre, personificando o chamado mestre da Fraternidade Branca, é atrair para as suas fileiras o maior número possível de pessoas decentes e úteis, que poderiam ajudar eficazmente o Grande Plano dos Senhores, o Plano para a salvação do planeta. E os infelizes, enganados, sem o verdadeiro discernimento das luzes do coração, voam para o fogo negro que os consome como mariposas.
A ignorância, a falta de auto-conhecimento, leva-os ao abraço das trevas e priva-os por muito tempo, senão para sempre, da influência benéfica e da atração dos Raios da Grande Fortaleza de Luz. O Armagedão é formidável, pois as forças das trevas estão a lutar pela sua própria existência; o desespero torna-as tão unidas e persistentes em alcançar o seu objetivo. O Príncipe deste Mundo tem muitos cúmplices talentosos, conscientes e inconscientes, e é ingénuo pensar que eles não podem agir subtilmente. Eles são muito sofisticados e inventivos e actuam de acordo com a consciência das suas vítimas. Mas são todos desprovidos de calor no coração.
Tenho livros deste professor
tibetano, e são extremamente secos. Um deles chama-se  Tratado de Magia Branca. Diz-se que as melhores páginas são emprestadas dos Ensinamentos da Irmandade Branca. É interessante notar que o chefe desta Sociedade, por causa do seu próprio prestígio e para atrair apoiantes dos nossos livros, recomenda-os aos seus membros e estabeleceu aulas para estudar os livros de “Agni Yoga”. Assim, na Terra, a escuridão se entrelaça com a Luz. A teia das trevas é tecida por mãos hábeis.
Também vale a pena notar com interess
e que os condutores de uma Sociedade tão extensa são simultaneamente parte da polícia secreta ao serviço de um determinado estado.»

Elena Ivanovna Roerich. Cartas, em 9 volumes. Vol. 2, p. 55. Centro Internacional Roerich.


De Helena se escreveu neste aniversário: "Extraordinariamente bela, refinada, encarnava as melhores caraterísticas de uma mulher russa: dignidade, bondade, misericórdia, altruísmo, e foi o coração da família bem como a mentora principal e a confortadora." 

"Необыкновенно красивая, утонченная, воплотившая в себе лучшие черты русской женщины: достоинство, доброту, милосердие, самоотверженность, она была ее сердцем, главным наставником и устоем."