domingo, 10 de dezembro de 2023

"Optimismo Escatológico", o livro póstumo de Daria Dugina Platonova, brevemente apresentado pelo seu pai Aleksandr Dugin. Com fotografias.

        Eis um recente (9-X-23) e importante testemunho de Aleksandr Dugin sobre a obra da sábia filósofa e sua filha Daria Dugina Platonova, profunda conhecedora tanto da tradição platónica e neo-platónica, com a qual sentia muitas afinidades, como da filosofia contemporânea, que criticou em vários aspectos com grande discernimento. Para além disso conhecia muito bem a Filosofia Perene e a linha do pensamento político civilizacional da Eurásia, da qual o seu pai é a mais destacada voz.  
AleksandrDugin, sofrendo tremendamente pela sua tão precoce desaparição da Terra, quase que diariamente na sua página do Vk.com   vai partilhando imagens e textos dela e sobre ela, além das suas importantes reflexões, trazendo cada vez mais à luz pública o seu extraordinário valor e graciosidade. Como homenagem aos dois, eis a tradução do breve resumo ou melhor apresentação e convite à leitura do iniciático e tão actual Optimismo Escatológico.                           
«Eis, talvez, o ponto mais importante deste livro, O Otimismo Escatológico. Este é um livro de pensamento vivo. O que é importante aqui não é a escala, a profundidade ou o volume das teorias, dos nomes e autores citados. O que é importante é a forma como um filósofo genuíno revela, vive e encarna o que ela pensa no seu próprio ser. O que é importante é o que ela pensa filosoficamente, à luz de Sophia, da Sabedoria divina.
 
É aqui que reside a novidade e a frescura deste livro. No fundo, Daria escreve e fala não para se mover para o exterior, para encontrar linhas divergentes de interpretações e observações de pormenores, mas para convidar aqueles a quem fala a fazerem a sua viagem para dentro, a viverem a filosofia, a empenharem-se num retorno" (ἐπιστροφή), como lhe chamavam os neoplatonistas, e que Daria reafirma não por casualidade. 
 Esta viragem é uma chave para ela. Tendo experimentado Sophia, ela queria ajudar os outros - leitores, ouvintes, todos nós - a experimentar a mesma visão iluminada pelo Logos. O seu livro consiste em abordagens multifacetadas e muito diferentes à corte fechada do Rei [Espírito, ou Rainha, Sophia, Sabedoria Divina]: num local  há uma brecha imperceptível na parede, noutro há uma passagem subterrânea, noutro há uma vedação baixa. Quem já esteve lá dentro sabe como entrar, como sair e como regressar.
                           
Por isso, o livro de Daria Dugina é iniciático e de dedicação. Para alguém que tenha o dom, o chamamento, a vontade de filosofar, este livro pode tornar-se uma revelação. Para as pessoas interessadas na sabedoria, pode ser uma enciclopédia útil e concisa do Platonismo. Para os estetas, pode ser um modelo de pensamento gracioso. Para aqueles que procuram o mistério da Rússia, este livro pode ser um humilde marco ao longo do tão difícil e nobre Caminho.»
- Aleksandr Dugin, pai de Daria Dugina.
 
No blog pode ler ainda:  https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2023/11/o-liberalismo-opressivo-da-nova-ordem.html
https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2023/09/mensagem-de-aleksander-dugin-sobre-sua.html
 https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2023/09/daria-dugin-platonova-o-imperador.html
 https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2023/06/daria-dugina-filosofia-como-destino-por.html
 https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2023/12/o-mundo-russo-e-sua-catedral-por.html
Algumas  fotografias partilhadas por Alexandre Dugin:

Muita Luz e Amor na sua alma, e boas e fecundas irradiações do seu Espírito em nós,  na Terra e na Anima Mundi!

Das práticas espirituais: a repetição sentida de orações, mantras e seus efeitos. Japa, Ishwara, Aum,

A prece ou oração, com poucas ou muitas palavras, mais ou menos sentida, momentânea ou perseverada, é encontrada em todos os povos e tradições, e uma das que a aprofundou e desenvolveu mais foi a indiana, onde se valorizou bastante Japa, palavra sânscrita que significa repetição dum mantra, ou seja, duma frase, oração ou som sagrado, realizada com sensibilidade e inteligência, e seguindo as indicações dadas em iniciações ou por vezes recolhidas de fontes tradicionais puras, pois proporciona circulações e distribuições energéticas  valiosas, ora com acalmias dispersadoras de negatividade ora com intensificações luminosas conscienciais, do que resulta a harmonização da alma e intuições do que está simbolizado, contido ou relacionado com os mantras ou orações e simultaneamente uma abertura do canal central ou do olho interior para os níveis internos e mundos subtis e espirituais, os quais se podem manifestar por imagens, cores e luz.

A prática humilde da repetição de uma invocação divina, ou de uma afirmação espiritual, ou dum mantra ou som,  das jaculatórias cristãs ou islâmicas, ou as que nós próprios formamos, deve ser perseverada ao longo da vida, pois é uma forma de oração ou meditação simples mas valiosa e eficaz, face ao excesso de informação e manipulação a que a generalidade das pessoas está envolvida ou confrontada, por vezes nem se apercebendo bem de quão alienada do que seria mais importante, ou do que é o mais verdadeiro, ela está. E sabemos como a maioria dos meios de informação funcionam e bem pagos para isso, desinformar, desalmar...

O Japa funciona como um guru, um dispersador de trevas, e por isso ao longo da vida algumas pessoas vão-nos dando ou sugerindo orientações ascensionais, orações ou mantras, ou então por nós próprios sentimos vontade de os pronunciar, de os dedilhar, de reinventar e endereçar, seja para nós seja para outros, ora em voz alta ora em silêncio. E onde se devem evitar os automatismos superficiais que observamos na recitação de mantras na tradição cristã, seja nas ladainhas ou no terço, pois se a devoção  não é bem desenvolvida e se no fim não é seguida ou concluída pelo silêncio interiorizante e revelante, perde-se o mais importante.

Diga-se de passagem que mesmo na Índia, ou nas importações indianas no Ocidente, há também repetições de mantras ou de "cura pelo Om" que são desequilibrantes ou mesmo potencialmente nocivas quando pronunciadas demoradamente em voz alta e em ritmos desarmoniosos, e provindas de instrutores pouco religados espiritual ou divinamente

Se a interiorização-meditação, auxiliada inicialmente pela respiração consciente e com a oração ou mantra e que depois até os dispensa, alcança um aquietar das ondulações mentais, então podem brotar visões interiores  tão rápida e subtilmente que por vezes nem as conseguimos reter na memória mais do que escassos momentos, embora o impacto na aura, na alma e consciência tenha acontecido bem e sido forte. E, ou se escreve e se regista, e daí a importância dum Diário, ou então apenas algumas delas ficarão guardadas na memória, na gaveta ou zona neuronal das experiências espirituais mais fortes.
                                               
Cada pessoa deve dedilhar nomes e orações, frases e mantras e ver quais são as que lhe dizem ou tocam mais, algo que varia em geral com as circunstâncias e o tempo evotutivo na vida. No Ocidente, o Pai Nosso, a Avé Maria, a oração ao Anjo da Guarda, a Oração do Coração hesicasta, ou pequenas jaculatórias ou preces ardentes, sempre foram conhecidas e praticadas pelos mais místicos e com bons resultados, acompanhadas ou não de atenção à respiração, esforço de entrada no coração e por fim de contemplação. 

Na tradução indiana, há muitos mantras e por exemplo, Iswara e Om são duas dessas palavras milenárias mais ricas de significações, sendo basicamente nomes da Divindade, a primeira da Divindade relacionável pessoalmente, o que geralmente sucede mais com Vishnu (e suas avatarizações) e Shiva.  E o Aum ou Om, como o som da primordialidade da Manifestação, algo equivalente "Ao princípio era a Palavra, Logos ou Sermo", e como o a vocalização sonora correspondente e invocadora da Divindade nos três mundos da manifestação: físico, subtil e espiritual, A, U, M, ou então nos três estados de consciência, vigília, sonho e sem sonhos ou sem pensamentos, encaminhando-nos no silêncio final para o 4º estado dito unificado, Turya, supremo, não-dual, eventualmente abrindo-nos à Inominável Divindade da qual os Deuses e Deusas são faces pessoais de acordo com as tradições e devoções.

Ora  vários processos energéticos e psíquicos entram em acção quando meditamos e pronunciamos mais conscientemente tais mantras, orações ou frases, nomeadamente nessa passagem e ascensão do que concebemos e visualizamos, e depois intencionalmente pronunciamos sonoramente, em ritmos próprios, de acordo com as características  que eles têm em si e que cada um tem ou consegue gerar  na orientação  devota e de aspiração, mas que pode ser sempre mais bem direccionada, interiorizada e intensificada, pois tal é sempre o desafio da prática psico-espiritual de auto-realização e aproximação divina.

Assim, por vezes, por entre a repetição consciente e sentida do mantra, um pensamento desconexo dele, ou fora da discursividade natural das associações ao tema-mantra, brota, e podemos admitir que até é um sinal de que a repetição e concentração operou permitindo-nos sair do conhecido e intuir ou ver nos planos da anima mundi. Frequentemente, tais intuições que geramos ou captamos como compreensões, ideias ou frases são inserem-se num fundo, num desenho por vezes colorido ou mais burilado e texturizado. E como brotam dum plano universalizante, seja apenas do nosso mundo interior seja  da Terra-Humanidade, unem facilmente tradições espirituais diferente. Um exemplo: num clarão a cores na fronte, forma-se um desenho em forma de quadrado com a palavra Om, e depois O4enquanto se vê ou lê: "Nem só de ricos vive o Céu", numa paráfrase evangélica. Outras vezes pode ser apenas o Céu, em imagem ou em palavra, e damos exemplos numa linha hermética de religação axial da Terra com o Céu e a que todos somos chamados a contribuir...
Por vezes a sensação pode ser como uma manivela que se faz rodar, e de repente aparece o cliché, o letreiro, com a mensagem, o sinal, tal um calendário automático da mudança do dia,  noutras vezes é apenas a abertura do olho espiritual na sua beleza pluridimensional, com alguma palavra significativa.
Este tipo de visão no olho espiritual quando acontece, e se veem seja um quadrou ou imagem, seja uma palavra, seja sequências de palavras, letras ou números em pequenos letreiros, no olho espiritual,  em geral, embora não se deva procurar tal em quanto fenómeno, gera uma certa admiração e alegria e deveria então intensificar tanto a nossa gratidão e aspiração como a concentração e focalização do olho espiritual para as direcções superiores, espirituais ou divinas em que estaríamos a trabalhar, a meditar e que essa mensagem transmite, para além de a assimilarmos durante o dia, aproveitando a subtil e inquantificável carga energética que nos é transmitida.
Temos de admitir que  pese o decorrer dos séculos e das tradições religiosas e espirituais  bem desenvolvidas por alguns místicos e iniciados,
e sobretudo nas indianas, persas e cristãs, há ainda, pelo menos para a generalidade das pessoas mesmo já mais conscientemente no Caminho do despertar espiritual, bastantes mistérios que nos interpelam no aprofundamento mântrico, orativo e meditativo rumo à realização espiritual e divina, à Verdade, e à Sabedoria que resulta da sua comunhão e vivência, para que haja mais paz e justiça, liberdade e fraternidade num mundo que tem de ser necessariamente multipolar....
                                               

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Sobre o amor às árvores e o culto a elas ao longo dos séculos, tão necessário face a tanto arboricídio municipal....

 Gerês transmontano: um castanheiro isolado, sagrado, muito esculpido pelo tempo e habitado por espíritos da Natureza....
As árvores, embora pouco reconhecidas, são seres sagrados que vivem não só das raízes e energias telúricas como das folhas e energias solares,  mas também dos espíritos da natureza e das almas  que as geram, tratam e amam, ou que então as conheceram e que mesmo com distância temporal e espacial pensam nelas com amor e assim estabelecem circulações de energias imponderáveis mas valiosas.
Os grandes cedros na cerca do convento carmelita do Bucaço.
Também sobrevivem mesmo depois de abatidas ou caídas, quando foram plantadas, tratadas, cantadas, descritas, fotografadas, desenhadas, pintadas, sobrevivendo nas almas dos que as conheceram ou das que cultivam testemunhos delas.
Outras sobrevivem ainda nas madeiras que nos legaram e seja em incensos, móveis, esculturas, rosários, herbários, cascas, folhas, usos medicinais, para não falar do papel e livros.
Muitas são as razões que levam algumas árvores a destacar-se das brumas do esquecimento e  a avantajarem-se na memória histórica íntima, humana, regional, nacional e planetária.
Jardim Botânico de Lisboa.
 Seja pela sua beleza, idade, dimensões de altura e largura, contorções, formas, textura, associações com pedras e casas, rios e montes,  acontecimentos históricos, utilidades ou costumes, milhares senão mesmo milhões de árvores adquiriram uma certa imortalidade, não só porque  testemunhos históricos fazem-nas sobreviver à morte física, como também pelos tais seres que as cultuam e protegem enquanto vivas, ou ainda depois de mortas as meditam e amam, e tentam trazer ao de cima momentos anímicos vivenciados com elas, arrancando-os do seu inconsciente, ou da memória já sepultada sob tantos acontecimentos.
Seres há que tentam o quase impossível: concentrando-se numa imagem, postal antigo ou fotografia da árvore e das pessoas ou circunstâncias que as rodeiam, tentam sentir e intuir algo delas e das suas circunstâncias envolventes, ou a simples fluidez das energias...
Árvores nas margens dos rios, ó choupos e chorões.... Rio Nabão, a aproximar-se de Tomar
Numa época em que há grande mortandade de árvores  antigas, belas ou valiosas em tantos países, nomeadamente em Portugal, mais do que nunca se torna imperioso tentarmos ora ressuscitar  algumas dessas grandes almas e suas circunstâncias, locais e épocas, ora apoiarmos e abraçarmos as que ainda sobrevivem nos jardins e florestas, monumentos e conventos, campos e serras... 
Quando grandes árvores, nogueiras até, refrescavam o fogo do castelo templário de Tomar.
Seja então pela beleza, raridade, imponência e historicidade muitas  árvores foram sendo desenhadas e pintadas desde há muito  ou  fotografadas desde os meados do séc. XIX pelo que temos assim belas  representações (e em alguns casos com as árvores ainda vicejantes) preservadas em casas e museus e, mais modernamente, acessíveis a todos, nos postais e fotografias e digitalizações
  Muito reproduzidas encontramos  as árvores com histórias seculares, ou ligadas a personalidades, ou sobretudo as sacralizadas e consagradas nas religiões, no Cristianismo em especial a anjos e a Nossa Senhora, frequentemente originadas em visões ou aparições, e preservadas e vitalizadas por peregrinações, santuários e celebrações. Em Portugal, as oliveiras azinheiras de Fátima são um exemplo angélico e mariano, por mais difícil que seja a certeza quanto ao que aconteceu... Mas na Grécia dos Mistérios eram outras as árvores e a viração das folhas que segredavam às mais sensitivas pitonisas e sacerdotisas...
Mas também as que estavam em zonas com mais possibilidade de serem protegidas pela sua quase domesticação, ou por serem locais prediletos de brincadeiras de crianças, noutros casos tornadas mesmo habitações ou abrigos, por vezes abençoadoras, sacerdotisas de fertilidade e fecundidade, ou então apenas locais auspiciosos de namoro ou de encontros, com o coração e os nomes a serem gravados nos troncos...
Uma ponte sobre o Mondego, no Choupal, dos namoros e serenatas..
Imortalizadas ainda deparamos com as que caíram ou tombaram, quais gigantes mortos, servindo depois como pontes, bancos, mesas ao ar livre. Ou as que fendidas por raios se abriram e se tornaram ocas podendo abrigar pessoas, famílias, animais, ou deixar passar crianças enfezadas em ritos de fortificação.  Outras, pelas suas amplas copas,  convidavam aves canoras, famílias, escolas, peregrinos, viajantes, pastores,  a abrigarem-se à sombra e de certa forma a harmonizarem-se com o contacto com a terra e a atmosfera protegida. Ganharam por essa sua função bodhisatvica, ou de natural sabedoria compassiva, jus à imortalidade das fotografias ou mesmo menções em contos e histórias, poemas e orações, cantos, teatro, cinema.
Muitas foram plantadas em momentos e intenções especiais, em França abundam as árvores da Liberdade, desde a Revolução francesa de 1789, mas também as das mutualidades associativas. Entre nós houve as Festas da Árvore, ou outros momentos de celebração especial, sobretudo no fim da Monarquia e começo da República, destacando-se notáveis amantes e propulsionadores do culto, com vários livrinhos incentivando o amor a elas, um ou outro já abordado neste blogue, tal como Luís Leitão, Tude de Sousa, Guilherme Felgueiras, Sousa Costa...
Mas ainda hoje algo deste amor de amadores, sobretudo em zonas ardidas ou a reflorestar, se manifesta e algumas recebem nomes ao serem plantadas, como as antigas  ora legendários ora com fundamentos históricos, e assim  criando uma relação mais íntima com a criança ou jovem que a planta.
A árvore a que mais me encostei, abracei, saudei, meditei, beijei e o musgo cheirei. Um dos lados do frondoso e pujante carvalho transmontano.
Assim todos nós podemos adoptar ou amar mais algumas árvores ainda vivas, ou então já mortas e cultivarmos a sua alma viva ou a memória de tal relacionamento, dinamizadora de  assumirmos mais a nossa igual missão de sermos parte cuidadosa da Mãe Terra e simultaneamente canal vertical ou eixo, axis mundi, entre os planos físico, subtil e espiritual, ligando grata, justa e harmoniosamente a Terra da Humanidade e dos ecos-sistemas com o Céu das ideias, dos espíritos e devas e da Fonte solar e divina...
Castanheiro shamânico do Gerês....
Poderemos mesmo meditar, e depois deixar vi-las ao de cima em nós, as que pelas suas características conseguem ser propícias à sua aparição interior no olho espiritual, seja ao longe, ao fundo, seja aproximando-nos delas, destacando-se pelo seu grande tronco, ou pela sua altura, ou pela luz que certas pessoas criaram à volta delas ou que mesmo elas eram, por vezes discernindo-se um tipo de ser, anjo ou deva, que se torna como a luz no vazio do seu desaparecimento, ainda hoje contudo peregrinável, meditável.
Peregrinar a certas árvores, fazer um caminho com a intenção de visitar uma árvore, avançarmos no caminho de Santiago ou numa rua citadina rumo a uma deles, enviando amor ou levando-lhe mesmo algum cristal ou alimento, cria uma senda de aproximação e de intencionalidade de amor às árvores que abre em nós caminhos até de ascensão espiritual, pelo amor e esforço desenvolvido, pela dimensão axial dela e de nós em marcha ou orantes e abraçantes na grande unidade da alma mundi, do campo unificado de energia consciência que a todos interliga.
Contemplar as árvores vivas ou apenas desenhadas, gravadas, fotografadas é ou pode ser uma harmonizadora vivência psíquica afectiva, artística e espiritual, pois cada um de nós tem a sua árvore interior e assim ao contemplá-las assimila certas qualidades, nomeadamente paz, serenidade, força, aspiração, resistência...
Para  aumentar a sensibilidade, a comunhão  e o amor às árvores, seres vivos sensíveis e por vezes até habitados por espíritos da natureza, e para diminuírem os arboricídios tão comuns,  foi este texto escrito e partilhado com algumas imagens de árvores imortais, filhas da grande árvore cósmica que liga imaginalmente o interior da Terra com o Sol e o Céu, atmosférico e Espiritual. 
Uma árvore eixo do mundo no jardim lisboeta da Estrela.

sábado, 2 de dezembro de 2023

A Música das Esferas, e Pitágoras, em Portugal. Um diálogo de Ângelo Ribeiro, de 1919, prefaciado por Leonardo Coimbra e agora Pedro Teixeira da Mota.

 (Texto ainda a ser melhorado...)
Vivo enigmaticamente continua ainda hoje o mistério d' A Música das Esferas, pois pouca gente conhece a sensibilidade e sabedoria de Pitágoras, ou dos pitagóricos que o seguiram, de quem tal designação despontou, e poucos a  conseguem ouvir em vida terrena. 
É verdade que ainda existem grupos ou linhas espirituais, sobretudo indianos, nos quais a meditação no som interno é uma prática diária, e assim algumas almas conseguem ouvir certos sons interiores que podem entrar em ressonância ou ser uma manifestação interna da cósmica música das esferas e partículas.
 Já outras pessoas assumem mais simplesmente um som ou zumbido ou crepitar que lhes ressoa constantemente nos ouvidos, como uma continuidade, ou um afloramento nos ouvidos, da vibração cósmica que subjaz todo o universo e os seres, e tentam harmonizar-se, silenciar-se, interiorizar-se, desassossegar-se/nirvanizar-se nele...
Se imaginarmos um aparelho que conseguisse registar este som  numa pessoa viva, e depois se focasse tal aparelho num corpo morto, constatar-se-ia que já não se ouviria, e então teríamos de aceitar que tal som provém da vida, seja do sangue em movimento, seja de uma correnteza subtil cósmica que o anima e nele ressoa. 
Em verdade, o som interno pode ter vários níveis e ser atribuído a essas duas fontes e assim ter uma origem também não orgânica mas psico-espiritual: uma receptividade a um som, por vezes mesmo musical, que tanto poderia ser eco do sistema solar, e hoje já há gravações computoriais de tal,  como a da omnipresente energia divina cósmica, e tal resultar audível pela harmonia anímico espiritual que alcançamos.
Devemos  então discernir um som  que ouvimos constantemente originada na circulação e pressão sanguínea e  que crepita nos ouvidos, e outro som já vindo dos mundos internos, do nosso peito subtil, da gruta e íntimo do coração, ou até do eixo da coluna vertebral subtil. Pode-se pensar ainda que este som interno  pode  vir do Cosmos, com os nossos ouvidos espirituais a captarem-na de uma dimensão subtil e a conseguirem fazê-lo chegar aos nossos ouvidos subtis e físicos...
Como então poderemos abordar melhorar esta subtil correnteza musical que une os mundos e seres e que alguns poetas ouviram e sentiram, em especial nas suas comunhões com a natureza, a amada, o espírito e a Divindade? 
Como a captarmos ou conseguirmos ouvir ou quem sabe irradiar-emanar melhor?
Há os que cantam e oram, por vezes com harpa, como foi o caso de Marsilio Ficino, e que nas suas maravilhosas cartas a ela se refere, e depois de cantarem silenciam-se e tentam comungar com ela. 
Há as técnicas indianas yoguicas de se fechar os ouvidos, de se repetir o som Aum,  de se seguir a respiração com um som curto para o começo de cada inspiração e expiração, e outras com mantras sonoros e gestos ou mudras que se transmitem nas iniciações.
Há pessoas que cantam ou repetem litanias, mantas sagrados, preces íntimas, longamente e no fim sentem que há mais reverberação, alguns confessando ouvirem o som sagrado do Universo, ou mesmo a música interior, que se pode chamar a interna música das esferas.
Outros apontam a necessidade de estarmos mais auto-conscientes e unindo os ouvidos e a visão interior do espírito.
E há quem experimente o som zumbido provindo dos mundos subtis. E a palavra interna sem som que clarifica ou chama......
Entre nós houve vários pensadores, escritores que aludiram à Música das Esferas, ou discorreram ou poetizaram. 
Um a realizá-lo valiosamente foi o açoriano Ângelo Ribeiro, num livro de poesia Verbo Antigo que levou até o prefácio do seu amigo e mestre Leonardo Coimbra, e foi publicado em Lisboa pela famosa Livraria Ferreira, na rua do Ouro, 132-138, em 1919, com  belos desenhos de H. Pelágio. O exemplar que partilhamos foi dedicado com estima ao escritor e professor Teófilo Júnior, nascido em Arronches em 1891.

Ângelo Ribeiro quando escreve este livro é ainda um jovem, pois nascera em Angra do Heroísmo em 7 de Janeiro de 1886, manifestando desde cedo o seu republicanismo e vocação pedagógica. Acabara de concluir (em 1917) o seu curso de Filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa, e começava a singrar como tradutor, escritor, professor e jornalista nos meios intelectuais,  e em especial da Renascença Portuguesa, tendo uma boa relação com Leonardo de Coimbra, que o convidará a ser professor de História na recém criada Faculdade de Letras do Porto, o que exerceu de 1923 a 1931, data em que a Universidade foi extinta, sendo depois professor liceal em Lisboa, até ser obrigado em 1936 a reformar-se, com 50 anos, desincarnando, pelo coração, pouco depois a 5 de Outubro de 1936. Foi um amante da antiguidade, dando à luz na Renascença Portuguesa duas traduções de Platão,  o Fédon, diálogo com a alma e a morte de Sócrates com prefácio de Leonardo Coimbra, e a Apologia de Sócrates, e podemos considerá-lo um espiritual.
A obra partilha uma dedicatória grata, justa e ascensional: 
A LEONARDO COIMBRA
Ao filósofo-artista da Alegria, a Dor e a Graça, em que maravilhosamente se canta a nostalgia das Regiões Mais Altas
                                                      A. R.
Leonardo Coimbra, professores e alunos da Faculdade de Letras do Porto, nos anos 20. Cremos que Ângelo Ribeiro será um dos à sua direita.
 Este Verbo Antigo foi a sua primeira obra, escrevendo ainda mais uns doze livros e traduções e vários artigos em revistas (nomeadamente na Águia, já que na teosófica Ísis apenas está como colaborador potencial no nº1, de 1923, após Leonardo Coimbra e Teixeira Rego) e jornais, além de numerosos verbetes na História de Portugal coordenada por Damião de Peres.
Verbo Antigo contém seis poemas dedicados a temas e seres da Grécia: Logos, As Lágrima de Heráclito, A Flecha Imóvel, A Suprema Afronta, As Sandálias do Poeta e o último é o consagrado à subtilíssima Música das Esferas, referida por exemplo em certa dimensão, para além de Pitágoras, e de muitos outros, por Homero quanto ao canto das Sereias que ajudavam as almas a ascender.

E no prefácio de mestre Leonardo Coimbra, que originalidade ou intuição mais valiosa se deverá destacar?
Conhecendo Leonardo Coimbra por intermédio do meu pai que o ouviu uma vez, e de Sant'Anna Dionísio, com quem dialoguei muitas vezes, tendo-o lido em várias das suas obras e  sentindo-o, eis como transmitiremos ou parafrasearemos algumas das melhores linhas do seu pensamento e ensinamento, e  assim hermeneutizo o seu prefácio:
Leonardo Coimbra é um ser de fogo, que se consegue abrir ao espírito, ao corpo de luz, e transmiti-lo pela palavra, pela voz, pelo entusiasmo, ou seja, en theos, em Deus.  Considera que cada ser,  sendo um artista em potencial, pode irradiar pela sua vontade o fogo ou faísca que ressuscita a alma daquilo ou de quem  ele vê e contempla, e que tal se processa como um desabrochamento de uma flor, de um chakra ou centro de forças, e em especial o da consciência espiritual.
Este despertar consciencial realiza-se sempre num local, num tempo, numa zona, num plano de concretização de vários níveis subtis de emoção e sentimento, de pensamentos e ideias.
Alguns destes são mais eternos, sagrados e profundos, e se os auscultamos, evocamos e repetimos, sentindo-os, esse Logos ou Inteligência ou Ideia (tão amada e demandada entre nós por Antero de Quental) torna-se então palavra, ritmo, proporção, poesia, canto, mantra, magia, desvendação, alegria, graça.
E assim a palavra e ideia que emitimos é tanto uma corrente de forças que sai de nós, da nossa boca, cabeça e peito, como uma corrente que nos chega dos tais planos logóicos onde fluem essas ideias e qualidades divinas em ritmos e sonoridades bem subtis.
O artista espiritual,  quem tenta descobrir e desvendar mais o espírito e sua vida, exerce a sua alma e corporalidade com bastante desvelo e harmonia, procurando acertar e ser eficaz nas proporções e ritmos de sons e sentimentos, palavras, gestos e transmissões.
Ele, mais do que apenas um corpo, é sobretudo uma alma em metamorfose a exercer-se criativamente na irradiação, mas também no silêncio acolhedor e no esforço de reminiscência ou memória supernal, essa que nos poderá ligar aos céus e até à música das esferas.
E então, se procuramos mesmo o coração da vida, o espírito, a Divindade, tal comunhão com a tradição espiritual leva-nos às vias já consagradas pelas tradições imemoriais, tal a música das esferas da antiga Grécia, de Orfeu, de Pitágoras e de outros sensíveis à magia subtil do som e da palavra, do canto e da música, dos sentimentos e da intenção-aspiração, em comunhão com a Anima Mundi, a Alma do Mundo, hoje designada também como o Campo, the Field, o Campo unificado de energia, informação, consciência, em que todos estamos entretecidos...
Leonardo Coimbra, com Teixeira de Pascoaes.

 Transcrevamos agora textualmente algumas das melhores ideias-forças prefaciais transmitidas por Leonardo Coimbra a convite de Ângelo Ribeiro:
« (...) A sua homenagem é a boa e doce brisa, que toma a flor, que a embala, na repetição acalentadora da sua forma.
Uma luz se acende no Espaço e uma outra responde ao seu apelo - duas consciências em companhia na imensa solidão e bruteza do ambiente.»
« (...) Um livro é uma simples massa mecânica ou um formidável condensador de pensamento, como o explosivo que é simples peso ou, diante do reagente próprio, reservatório de energias, arremessando gestos, fragmentando, estilhaçando. Não dorme o fogo no próprio coração das pedras?»
«(...) Onde o artista pousa a alma ressalta uma faísca de animação e vida, como se o nosso olhar, perfurando os olhos dum cego, lhe reacendesse as cinzas amortecidas. É o fogo de Heráclito animando o universo e, do fundo das cousas, respondendo ao nosso amoroso chamamento.
A arte é uma obra de ressurreição: quando revivemos um artista morto, o seu espectro é ao nosso lado, convivendo e amando.»

Oiçamos finalmente então o belo diálogo, bem no ambiente da Grécia antiga, entre Filolau (c.490-385), um dos filósofos pitagóricos mais sábios, e que viveu na cidade (que seguia a via pitagórica) de Crotona, autor dum livro com os arcanos de Pitágoras que Platão comprou quando  viajou até Tarento com esse fim, e Símias, o tebano, de Tebas, discípulo de Sócrates, amigo de Cebes, o autor da famosa Tábua Moral, num diálogo imaginal que nos é oferecido segundo a valiosa sensibilidade e compreensão de Ângelo Ribeiro,  para quem  a música das esferas chegará ao ouvido atento e aberto ao ritmo e harmonia das esferas, planetas ou coros do Cosmos,  o qual (alma-ouvido) se torna lira multicórdia, ou seja, precipita ou coalesce em sons a harmonia subtil numérica e musical dos planos espirituais, seja do Macrocosmos seja do Microcosmos. Ou como ele diz numa frase de valor perene, e que se pode tornar para nós citação de cor, ou de coração: «E todo o Ser é viva comunhão/ Na fúlgida harmonia sideral.»

Anote-se que Ângelo Ribeiro a anteceder A Música das Esferas, contextualizou-a pitagoricamente com cinco citações, que fotografamos, e transcrevemos parcialmente:
«Pitágoras, grego da Jónia, nasceu em Samos em 584, e fundou em Crotona uma associação filosófica, religiosa e política, que adquiriu grande influência naquela cidade e em outras colónias  gregas de Itália sendo por fim perseguida e dissolvida, e assassinado o fundador, em Metaponto (504). [Há outras versões do fim.]
                                                  Diógenes de Laércio.
 
 «Instruídos nas matemáticas, os pitagóricos foram levados a crer que a explicação última das coisas estava nos números. Os números são anteriores e superiores às coisas, que se submetem às suas leis. São a única [ou primordial] realidade e a eles se reduzem todos os objectos do pensamento.
                                                    Aristóteles. Metafísica.
 
 «Filolau de Crotona foi da seita [ou sodalidade, irmandade] de Pitágoras... Era da opinião que tudo se faz por meio da necessidade e da harmonia. Foi o primeiro a ensinar que a Terra se movia em círculo, doutrina que outros atribuem a Hicetas de Siracusa.
                                                        Diógenes de Laércio.
 
 «O céu inteiro é uma harmonia e um número.
                                            Pitágoras (seg. Aristóteles)


A MÚSICA DAS ESFERAS

«Filolau, derradeiro iniciado
Nos sagrados mistérios pitagóricos.
Tem júbilos extáticos, eufóricos,
em face do Universo desvendado

E o seu olhar surpreso,
Seguindo a curva ideal
Das lívidas esferas
É lampadário acesso
Na refulgência astral
De eternas primaveras.

E seu ouvido atento
É lira multicórdia
Ás vibrações étéreas,
Reproduzindo, lento,
A lúcida rapsódia
Das mil corais sidérias.

Filolau, derradeiro iniciado
Nas doutrinas do Mestre bem-amado,
Afirma que a ciência de Crotona
É para a gente dória
Maior glória
Que para a clara Atenas a memória
Do sagrado troféu de Maratona.

E na noite de Tebas, perfumada,
Luarizada,
Silenciosa,
Mostra a Símias a via luminosa
Que conduz à ciência misteriosa,
Do Ritmo e da Harmonia do Universo.

Filolau
 
- Em tudo quanto vês nada é disperso
Como os sons que, da lira, uma criança
Tira a esmo, sem ordem, sem medida...
No Mundo, tudo corre e é mudança:
Mas em toda a mudança se surpreende
A relação constante, definida,
De dois números simples - como aquela
Que em uma melodia, a mais singela,
Um som a outro som acorda e prende.
 
Símias
 
Teu dizer não me deixa, não, surpreso.
Os físicos da Jónia,
A gente idónea
De além Peloponeso,
Já tinham mergulhado
Olhares penetrantes,
Desflorantes,
Desfibrantes,
Como feixes de luz, no Ignorado.

E na alma ansiedade,
Haviam devassado,
No oculto pensamento,
A muda Realidade -
E, em parte do mistério,
O enigma do Sidério
Para eles, tudo é vida, é movimento.

Filolau
 
A muda Realidade - 
Afirmas tu, ó crédulo Tebano!
Assim a humanidade!
Não sabe ouvir o teu ouvido humano:
É porta a que o divino vem bater,
E não ressoa,
E não ecoa,
E jamais se abrirá.
É harpa abandonada, a carecer
De cordas de oiro,
E que o Eolo jamais desferirá!

Visão de agoiro!

Pitágoras, ó mestre bem-amado,
Teu verbo augusto
Será, no mundo angusto,
Por séculos e séculos olvidado!

É viva a Realidade:
Anima-a a inteligível Unidade,
Alma do mundo,
De cujo ser profundo 
Sai todo o Número e toda a Extensão.
E todo o número é comunicação
Da parte com o todo inicial.
E todo o Ser é viva comunhão
Na fúlgida harmonia sideral.

No mundo, tudo corre: é movimento,
E o movimento é Número e Extensão.
Foi este o pensamento
Enorme, suprahumano
Do Mestre italiano.
É viva a Realidade:
Dá-se, fala-nos, canta,
E no ritmo de suas atitudes
Há belas, sensuais similitudes
Com a graciosidade
Harmoniosa,
Que embala, vence, encanta,
Duma dansa de ninfas perpassando,
Refluindo, ondulando,
Na sombra misteriosa,
Duma floresta idosa.

Símias
 
A mágicos da Assíria ouvi contar
E meus olhos o podem comprovar,
Que, no giro dum ano, todo o Céu
Uma volta perfeita descreveu.
Concedo-te que sejam movimento
Os astros, o ar, o próprio firmamento.
Tudo é móvel, disseste, no Universo:
Porém é incontroverso.
Que enquanto a meia-esfera cristalina
Do céu
Jocundo,
Sobre a minha cabeça, sibilina,
Desliza, lentamente -
Eu sou imóvel, Eu,
Centro do Mundo,
De pé neste rochedo,
Dominadoramente:
Sustenta-me o granito mudo e quedo.

Filolau
 
Se ouvisses o granito!
Sua própria dureza é mais um grito
Angustiado
Do peito alanceado,
A queixar-se da própria imperfeição.
Sua rugosidade
É crispação
Duma asa encarcerada
Na ansiedade
De desprender o vôo
Na loira madrugada.

Centro do Mundo, sou-o
Acaso?
Eu - humílimo vaso
De vis imperfeições?
 
E a Terra, colossal reservatório
De tantas abjecções,
Jamais poderia ser
O extremo somatório
Das altas perfeições.
As lívidas Esferas taciturnas
São outras tantas urnas,
Tenebrosas, soturnas,
De baixa imperfeição.
 
E o esplendor que nelas julgas ver
É comunicação 
Do fogo que irradia
O Ser imóvel,
Centro do Mundo, fulcro universal,
Pois sempre o imóvel foi superior ao móvel.
E o centro dessa Esfera supra-astral
(A curva eleita,
A mais perfeita
De quantas ela envolve)
Perfeito tem de ser,
Pois dele tudo envolve:
É imóvel, luminoso.
A Luz e o Repouso
São, na série dos Bens universais, 
O que de mais
Alto e perfeito posso conceber. 

Embora pese ao divo coribante
E à própria Cibele,
O Imóvel tudo impele:
A terra é urna errante.
Como as outras esferas taciturnas,
Aladas urnas,
Frágoas soturnas,
A Terra, globo errante,
É presa ao mesmo laço
Da harmonia
Cariciante,
Que as leva pelo Espaço,
Na argêntea sinfonia!

Símias

Cibele dança
E não descansa...
E meus sentidos negam-se à evidência,
Porque
Esta impotência?

Atende, e vê!
Não com teus olhos flébeis,
Escravos débeis
Da Ilusão...
Mas sim à chama viva da Razão.
O dia, a noite, o luar, o inverno, o verão,
A rotação anual
Da meia-esfera astral
Afirmam-te a harmonia universal.

E o número preside ao sincronismo
Do cósmico bailado
Das esferas, errando pelo abismo
Opalizado.

E o Número regula, arquidivino,
A lúcida cadência
Das Esferas, cantando o sacro hino
Da Existência.

Maravilhosas fugas orquestrais
De ninfas estelares,
Nas órbitas perfeitas, circulares,
Das rotas siderais!»
 
«E o esplendor que nelas julgas ver
É comunicação 
Do fogo que irradia
O Ser imóvel,
Centro do Mundo, fulcro universal, »

Após este maravilhoso hino à harmonia da Alma humana com a do Mundo, que emana da esfera da Inteligível Unidade Primordial ou Divindade, oiçamos para finalizar o nosso genial filósofo e matemática, amoroso e combativo, poeta e espiritual, Leonardo Coimbra,  no prefácio comentando o poema diálogo Música das Esferas:
«E a lira de Pitágoras é para além do som, que só para o homem desatento e estúpido é inexpressivo, a relação numérica, a proporção que liga e une as coisas em fraterno convívio e fraternal comunicação.
É também o concerto destas vozes que das encostas se levantam, e por cima do rio se chocam em unidade perfeita, subindo aos céus, como prece da Noite, cantando.»
 
Oremos e dancemos, cantemos e meditemos com Pitágoras, Filolau e Símias,  Leonardo Coimbra e Ângelo Ribeiro na comunhão da Música das Esferas, do som e vibração Divina!...!
 
Uma visão espiritual da música cósmica primordial, por Bô Yin Râ.