segunda-feira, 4 de julho de 2022

Madame Blavatsky e os Yogis, por Carlos Cirilo de Machado, o 2º Visconde de SantoTirso. Uma crónica bem humorada.1924.

                                                          

Carlos Cirilo Machado (1865-1919), o 2º Visconde de Santo Tirso, estudou Direito na Universidade de Coimbra, foi Alferes de Cavalaria e muito jovem interessou-se pela filosofia, a literatura, a espiritualidade ("sou espiritualista de nascença, e tenho o espiritualismo agravado pela reflexão"), a política, vindo a ser um jovem discípulo e amigo de Antero de Quental, de quem nos resta uma curta mas valiosa correspondência (duas cartas), por mim já abordada neste blogue. Foi diplomata em Itália, Espanha, Londres, Estados Unidos da América, Bruxelas e Rússia, exercendo com grande qualidade algumas das missões diplomáticas e jurisdicionais espinhosas, nomeadamente contra a ganância inglesa, a incursão do Dr. jameson, no Transvall,  e norte-americana  no caso do caminho de ferro de Lourenço Marques. 

                                      

O texto que transcrevemos, com a ajuda da Cláudia Lopes, é o terceiro dos vinte e nove artigos compilados no livro Cartas de Algures, editado pela Portugália Editora, em 1924, e que tinham sido originalmente escritos para os jornais do Brasil O Estado de São Paulo e O País, onde tais crónicas tiveram grande sucesso pela  cultura, sensibilidade e apurado sentido de humor que Carlos Cirilo Machado manifestava. Aliás os títulos dos artigos mostram bem a sua  funda sensibilidade e a ampla capacidade cognitiva, e como sabia discernir e com verve iluminar as contradições e mistificações, equívocos, paranóias e filosofias baratas ou de massas em que tantos vivem, e destacaremos apenas A ideia de justiça, Da felicidade, Do matrimónio, Da dança, Da música, Do suicídio, Das mulheres, Das crianças, Do jogo, Do alcoolismo, Dos anúncios. Um dos artigos, O Divinitante, destaca-se por ser uma sóbria reflexão sobre a cognoscibilidade e a crença em Deus, temas que sempre interessaram Carlos Cirilo de Machado e que com Antero de Quental os debateu. Interessante, pensei, seria discernirmos o que em alguma destas crónicas teve influência anteriana, já que pelo menos neste último ensaio pressentimos dois passos, um em que parece aludir ao materialismo do dr. Sousa Martins, outro em que realça a incapacidade científico-filosófica para explicar “o espírito ou a alma”: «Porque tudo que sejam células, protozoárias e protoplasmas, selecção natural, luta pela existência, o Logos e o Imanente só nos levam a meio caminho». No fim, porém, do artigo, confirmando a interrogação inicial, ele cita mesmo Antero, pois escreve“não é nem a ciência, a filosofia ou a teologia” que dão o conhecimento da Divindade mas tal «vem da fé. E a fé vem da graça, que é um milagre. Para haver a graça é preciso que haja Deus, e para crer em Deus é preciso que haja graça. É evidentemente um círculo vicioso. Mas, de quantos círculos viciosos eu conheço, é este o mais capaz de produzir virtudes. É por isso que entre os crentes há o tolo que crê porque pensa que raciocina, e há o pensador que reconhece a impotência do pensamento, e que refugia-se na fé consoladora e pacífica [Ou então ora, medita, contempla e inicia-se na gnose espiritual e divina, sob a graça directa ou indirecta, direi eu...].

«Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.»

Foi Antero de Quental quem escreveu isto. Não foi um pensador banal de vulgarização filosófica em folhetos a vintém.
Entre uns e outros - os crentes e os descrentes – há os indiferentes, cujo espírito se engorda com bolota nos montados do Alentejo.» 

Anoto que no seu outro livro de crónicas ou ensaios, De Rebus pluribus, 1923, há três menções magistrais a Antero de Quental e  espero brevemente partilhá-las, comentadas.

Leiamo-lo agora então, nas Cartas de Algures, a propósito da fundadora da Teosofia, Helena Blavatsky e das práticas yoguicas semi-miraculosas, ou talvez mais de fakir, que ela divulgava, apreciadas com bastante humor por Carlos Cirilo de Machado, e que dispensam comentários: 

                                         
                                             Dos Joghi [ou Yogis]

Conta M.me Blavatsky, a pitonissa da Teosophia, que do mesmo modo que

A rosa para ser rosa
Tem de ser de Alexandria
E a mulher p'ra ser formosa
Deve chamar-se Maria

assim também um Yogi, para ser Yogi, tem de ser perfeitamente limpo, não só de espírito, mas de corpo. Esta afirmação inspira-me uma profunda simpatia pelos Yogi, pois há pessoas cujo espírito é perfeitamente imaculado, mas cujo corpo está pedindo os rigores de um banho turco, por se achar fora da alçada do banho ordinário e da espuma de sabão; ao passo que outras, de um escrupuloso asseio corporal, têm almas de suínos. O mais vulgar porém, é encontrar espíritos crapulosos em corpos de suspeita limpeza.
Não sucede isso aos Joghi da Índia, onde M.me Blavatsky bebe a essência da Teosofia, que depois espalha pelo mundo em saquetas e pílulas e artigos nos jornais [ou revistas] daquela religião exótica.
Segundo esta estimável senhora, não basta aos Yogi ter o espírito limpo por dentro e o corpo limpo por fora. Um e outro tem que estar imaculados por fora e por dentro.
A limpeza interior do espírito é uma coisa simples, conquanto não seja vulgar. Quem não tem pensamentos crapulosos, decerto não formula as suas ideias em termos vis – e nisso consiste o asseio interno e externo do espírito. Para o asseio interno do corpo tem a farmacopeia muitos recursos, mas nenhum é satisfatório. Conseguem-no os Yogi recorrendo simplesmente à água.
Eu sempre considerei a água um medicamento perigoso, e estimaria ver nas garrafas em que ela hoje se vende um rótulo amarelo com uma caveira sobre duas tíbias, que é o brasão de armas da Morte, e por baixo em grandes letras pretas o letreiro veneno só para uso externo. A razão do meu preconceito é dizerem-me os sábios que a água é o veículo de vários micróbios – e, portanto, de varias doenças, enquanto a ciência não reabilitar o micróbio. Para ser inocente, a água tem de ser fervida e filtrada, ou então engarrafada, a ponto de deixar de ser água. E neste ultimo caso produz geralmente dispepsias.
Nunca vi peixes morrerem de morte natural, a não ser em bocais de vidro, e esses creio que morrem doidos. Os outros são apanhados em redes, ou então num anzol, quando não preferem, contra as regras do jogo, comer a isca e praticar no anzol operações a que ele não é originariamente destinado, como o prova o seu feitio. A razão disto, a meu ver, é que os peixes empregam a água para uso externo. As pessoas que morrem afogadas, é porque fazem também dela uso interno. Os Yogi, porém, procedem com estas pessoas, cuja prudência tem resultados fatais, e não como, os peixes. Nisso está o milagre. 

Estes santos hindus tem dois meios de purificar o interior. E ambos M.me Blavatsky revela sem pejo, porque não deve haver
pejo de revelar a verdade.
O meio mais natural, ou pelo menos mais compreensível, é
beberem muitas canadas de água, a qual, obedecendo à lei de gravitação universal, providencialmente descoberta por Sir Isaac Newton, quando lhe caiu na testa uma maçã – o que prova que desde o princípio do mundo a maçã teve sempre uma influência decisiva nos destinos da Humanidade, o que não a acontece ao peru – desce rapidamente por o aparelho digestivo, arrastando na caudalosa corrente, todas as impurezas que porventura existam no corpo do Joghi. Compreende-se. A água entra pelo orifício superior e sai pelo orifício inferior da canalização. Não é vulgar, mas compreende-se.
O outro processo é mais maravilhoso. Senta-se o Yogi num semicúpio. E, pela acção do espírito sobre a matéria, a água sai pela boca até o Joghi ficar sentado no enxuto.
Eu, que sou espiritualista de nascença, e tenho o
espiritualismo agravado pela reflexão que vem dos anos e a ignorância que vem do estudo – pois sabe tudo quem nunca estudou nada- acredito piamente na influencia do espírito sobre a matéria. Mas nunca imaginei que ela fosse até ao ponto de, sem bombas nem diferença de nível – antes pelo contrário - converter um homem de bem num repuxo de jardim ou num poço hertziano.
Isto afirma M.me Blavatsky, e, com devota
estupefacão, repetem, crentes, os teosofistas. 

Helena P. Blavatsky com dois teosofistas, em 1884.
Não tentarei explicar o que seja a Teosofia, porque não a entendo, bem, embora haja quem tenha o talento de explicar largamente aquilo que não percebe, e consiga com as suas explicações fazer perceber aos outros, que assim revelam inteligência acima do vulgar. Se a etimologia ainda não levou o destino da genealogia e significa alguma coisa, a palavra, derivada do grego, quer dizer Ciência de Deus. E acho estranho que a Ciência de Deus leve a gente a não saber qual é o lado mais próprio para beber água sem aparelho especial. Esta descoberta de M.me Blavatsky não sei se adianta muito o conhecimento da Divindade; mas é o que eu conheço de mais perfeito em género cambalhotas. Só sei dizer que Teosofia é uma palavra grega, que designa uma religião indiana, professada por uma senhora [ucraniana-russa] em jornais ingleses. Lembra menos uma religião que uma salada russa. E não me refiro à salada russa política, mas à que é feita de legumes, a qual é mais agradável ao paladar e menos indigesta, como o pode ainda testemunhar o malogrado tsar Nicolau II, se são verdadeiras as misteriosas doutrinas teosofistas, em que os mortos vêm conversar com os vivos, de perna traçada e cigarro na boca.
Assim purificados, e estabelecido o predomínio do espírito sobre a matéria, um Joghi pode durante um ano ou mais, estar metido num caixão selado e enterrado, sem comer nem beber, nem gastar roupa e calçado, o que é de um valor incalculável nestes tempos de guerra e de açambarcadores de subsistências e de outros objectos, que são, para quem não é Joghi, de primeira necessidade. Uma família de Joghi deve ser uma coisa extremamente económica.
Um chefe de família, cujos rendimentos não tenham crescido na proporção da carestia da vida, não tem mais que fazer do que meter toda a família num semicúpio. E quando, pelo poder do espírito, houver convertido a mulher e os filhos em outros tantos geisers, faz enterrar-se a si e à família inteira, sem dar parte a ninguém alegando para essa falta de atenção o estado de consternação em que se acha; e determina em testamento que desenterrem tudo quando estiver assinada a paz e restabelecido o preço normal dos comestíveis, dos vestíveis e dos calçáveis. E durante esse tempo não se rala. Terminado ele, volta toda a tropa à vida ordinária, com o capital acumulado, e tendo até recebido, se deixou um procurador honesto, o seu seguro de vida. Não me consta que nas apólices de seguros esteja descriminada a morte temporária. Devo, porém, dizer que esta imprudência me surpreende nas companhias de seguros, que, para serem dignas de crédito, se seguram a si próprias antes de mais ninguém. 

Há muita gente que não acredita nos milagres de Lourdes, e acredita nestas bombas espirituais, que são mais difíceis de fiscalizar e não são mais fáceis de compreender. Para certos milagres incontestáveis, os sábios acharam a explicação natural e óbvia chamando-lhe auto-sugestão. Eu sei perfeitamente o que é um milagre. É a tradução de vocábulo miraculum, que quer dizer coisa admirável, porque é incompreensível. Está cheio de milagres o mundo, e como está cheio de milagres, está naturalmente cheio de superstição e crendices. As crendices políticas são as mais numerosas, e os curandeiros políticos são legião. Estes curandeiros livram com encantamentos e palavreados ás multidões que sofrem de todos os seus males, e têm pastilhas para tirarem as nódoas sociais. Tudo isto são miracula. Todavia, se toda a gente sabe pouco mais ou menos o que seja um autocrata e um automóvel, ainda não encontrei quem me explicasse cabalmente uma auto-sugestão. Que sejam, pois devidos à piedade da Virgem, que apareceu a Bernadette [Soubirus], ou á mágica do vocábulo, que apareceu aos sábios, os fenómenos de Lourdes não deixam de ser milagrosos. Não me admira portanto, o caso da lavagem dos Joghi contado por M.me Blavatsky, mas custa-me a acreditar na sua veracidade, enquanto não vir com os meus olhos o fenómeno da conversão do espírito num motor de bomba hidráulica. O caso mais parecido que eu conheço é o de um amigo que, em que se sentando numa pedra fria, tem uma constipação de cabeça. Mas não lhe sob a pedra à cabeça nem a deita pela boca fora [Caso de um pseudo-guru indiano actual que deita ovos de ouro pela boca]. É portanto um caso muito menos palpitante. Não sei bem o caminho que leva a auto-sugestão, aliás lembraria que seria devido a esta causa, cuja explicação os sábios entendem tão bem, embora a minha ignorância curiosa 
a não penetre.
O que me faria meditar, se não me visse obrigado a pensar em
outras coisas menos importantes, mas mais urgentes, é que a gente que acredita nas operações inversas dos Joghi e nos escritos de M.me Blavatsky, não crê nos milagres de Lourdes, nem nos dizeres dos quatro Evangelistas, nem nas Epístolas do Apóstolo S. Paulo. No género epistolar, preferem acreditar nas epistolas das suas namoradas. Ele há gente para tudo!

Eu nunca fui a Lurdes e nunca fui à Índia. Acreditar nos milagres da Virgem Santíssima é uma questão de fé. Os milagres dos Joghi são fenómenos semelhantes e para crer neles é preciso o mesmo estado espiritual. Mas neste caso da lavagem interna dos Joghi pelo processo inverso, em vez de monosílabo português, eu preferiria empregar o vocábulo italiano de duas sílabas, que designa a mesma beatitude das almas cândidas.» 

Saibamos então discernir bem o que pode verdadeiramente adiantar-nos na realização espiritual, sem cairmos em mistificações nem alienações, e com algum humor libertemo-nos de fanatismos e credulidades. E possa o monosílabo que mais utilizemos ou vivemos, seja o Fé, o dissílabo Fede, ou o Aum ajudar-nos a estabilizar a mente e abrir-nos mais aos raios amor e de luz do espírito e da Divindade. Pax, Lux, Amor!

domingo, 3 de julho de 2022

Jorge Ferreira de Vasconcelos. Um humanista e cavaleiro do Amor. Contributos para a sua compreensão e valorização

Escrito já há uns anos, em 2015, aquando do Colóquio Internacional Jorge Ferreira de Vasconcelos, realizado na Fundação Calouste Gulbenkian, este texto que não chegou a ser ultimado a tempo de ser publicado nas Actas, já que a minha intervenção fora oral (encontrando-se no Youtube), resolvi agora em 3 de Julho de 2022 ultimá-lo, como simples contributo para o conhecimento da vida, pensamento e obra de tão notável humanista e dramaturgo português...
Se nos interrogarmos sobre qual era a visão do ser humano de  Jorge Ferreira Vasconcelos (1515-1585), que cursou Direito em Coimbra e exerceu cargos na Administração Pública, casando e tendo uma filha e um filho, este morrendo em Alcácer Kibir em 1578, diremos que encontramos bastantes indicações que consubstanciam a de um ser de origem divina, constituído de corpo, alma e espírito, perfectível, animado de uma natural vontade de alcançar a verdade, realizando tal por diversos meios, donde se destacam a aprendizagem, o estudo e a experiência, o sofrimento, a virtude e a paciência, o diálogo ou conversação, o amor, a contemplação e a liberdade, pois como nos diz corajosamente em tempos de começo inquisitorial: "Sem liberdade todo o gosto é desajeitado" ou ainda "Amor vence todas as coisas em força e muito mais em gosto".
No Memorial das Proezas da Segunda Távola Redonda, uma das suas obras mais profundas e animadas do espírito dos Cavaleiros do Amor, escrito em 1567, já depois da Inquisição e a Censura estarem em pleno funcionamento, e já depois das suas obras anteriores terem entrado no Índice, afirma a excelência da demanda livre da verdade pois “a educação excelente consiste num conhecimento de coisas divinas e humanas a príncipes sobre todos necessário, que não se alcança senão lendo e vendo muito.” Ou ainda "pouco podem as forças corporais; no espírito está o vigor do homem..., e pois este me obriga eu confio, que ele me leve a bom porto." 
Ou ainda como reafirma mais à frente, e utilizamos a 2º edição, de 1867 (e anoto que a 3ª edição, de 1998, tem um prefácio anti-cavalaria espiritual): “Ca [porque] o homem nasceu livre, dotado de tal entendimento, que compreende ao mesmo homem: o qual compreende tudo, e foi-lhe dado para reparo e arma defensiva e ofensiva o livre alvedrio, que pacifica, concorda e vence tudo, quando se dispõe para seguir a bandeira da razão. Donde se diz "O sabedor domina as estrelas; e de si mesmo procedem também os seus defeitos”...
Esta é um linha claramente humanista espiritual, diremos mesmo erasmiana (sábia e fortemente afirmada na polémica de Erasmo com Lutero), a da valorização do livre arbítrio e da individualidade humana e logo contra determinismos, fatalismos e censuras, tal como na parte final do Memorial das Proezas da Segunda Távola Redonda reafirmará, no seu estilo terso e proverbial: «Corpo mortal e em tormento/ imortal o pensamento...»
Esta ideia de que há um caminho árduo a trilhar-se e que são necessários mestres e guias para melhor discernirmos e nos elevarmos é expressa por mais de uma vez, nomeadamente no cap. XXXVI onde medita sobre a diferença da Natureza quanto aos animais, logo preparados para a vida, e os humanos onde «se mostra tão escassa que por tempo longo, e experiência larga, trabalho contínuo, pouco e pouco, e com grandes quebras lhe vai dando notícia do mal e do bem, sem acabar em todo o discurso de sua vida de subi-lo no ponto alto do puro juízo donde vem, que nenhuma alimária nascendo mais inábil; parece que como nasce envolto em simpreza nunca acaba de se isentar dela (...) Sentindo pois esta falta da natureza humana, os Poetas, de claro juízo, e peregrino engenho, pretenderam dar guias aos homens, e daqui veio Homero escrever a peregrinação de Ulisses e Virgílio o de Eneias, como desenho e baliza do que o varão heróico deve seguir, e sobre todos se extremou Amadis de Gaula. Grande roteiro para nobres príncipes. Este seguiu o cavaleiro das armas peregrinas, e todos os da távola cada um como lhe coube a sorte. (...) E eu vejo agora que sois um dos esforçados do mundo»
 O que no Renascimento foi valorizado como a prisca teologia, a philosophia perenis, a continuidade da Revelação e do Conhecimento, encontramos várias  vezes afirmado, e ousadamente pois a Inquisição e  em parte a Reforma e a Contra-Reforma tinham começado o seu reino opressivo.
Assim o caminho para a Verdade é uma demanda esforçada, humilde
e contínua, e para manter a chama dela se aduzem nomes de grandes filósofos ou sábios, como Orfeu, Platão, Sócrates, Pitágoras, Astarxarxes, Ciro, Cipião, Séneca, e se Deus, o Governador do Mundo, a Prima Causa, a Distribuição do Mundo, é frequentemente evocado em ditos, citações ou mesmo diálogos filosóficos, já Jesus e os santos pouco são citados, tal como escassamente o Espírito Santo,  dando assim a entender a sua adesão à corrente humanista e erasmiana de "união" entre a cultura clássica (e não só ao incluir com frequência a Persa) e a cristã ou, como diz a "enxertia" delas, como também a uma certa linha crítica da dogmaticidade católica e de algumas das suas práticas correntes, nomeadamente a sacramental ("casaram-se numa lapa", por si mesmos, sem cerimónias), e que na época tinham sofrido já os embates do humanismo libertador, desde os tempos de Lorenzo Valla (1407-1457, com as suas Anotações ao Novo Testamento e os 6 livros Da Elegância da Língua latina, bem apreciado por Erasmo e que Ferreira de Vasconcelos cita), os dos místicos e beatas (por vezes demasiados ligados aos conversos hispânicos e a formas muito despidas dos sacramentos). Ora a corrrente reformista e protestante, acabaria por gerar a Inquisição e a Contra-Reforma que se abateram com particular empenho na Península, originando as desventuras de tantos escritores e pensadores e suas obras, tal como Jorge Ferreira de Vasconcelos bem conheceu..
Ao encontrarmos na sua obra múltiplos passos nos diálogos em que emergem o destemor da morte e a sua preparação natural em vida, o pôr-se em causa o purgatório e os meios de aplacar ou diminuir as suas penas, o criticar da pretensa superioridade  dos frades e clérigos
e bem como dos seus defeitos, um certo menosprezo das orações aos santos e uma familiaridade algo valorizadora das livrarias e saberes secretos, mágicos e astrológicos, somos levadas a discernir em Jorge Ferreira de Vasconcelos uma clara estratégia de pôr em causa posições ortodoxas, dogmáticas, inquisitoriais, no fundo controladoras do ser humano e do seu livre arbítrio, algo que hoje verificamos de novo estar a verificar-se, seja nas narrativas oficiais dos média, seja nas redes sociais aparentemente livres mas tão espionadas, controladas e opressivas.
A corrente mais avançada na época era claramente a Humanista, e já não a Escolástica ou a autoritária (a sorbónica, como lhe chamava Erasmo), brilhando com o seu conceito da dignidade e de perfectibilidade humana, e a de o Homem ser o microcosmos por excelência do Macrocosmos, ordenado pelo e para o Bem, o Belo e o Verdadeiro, que estavam tanto dentro de si, como na comunidade, no Universo e na Divindade, e que está acessível a nós por uma pedagogia acertada enquanto Intelecto Primordial, Juízo Puro, Logos, Palavra. E que se manifesta também enquanto Providência: “Gostosa sorte é a das pessoas que a divina providência escolheu e destinou para por elas distribuir seus benefícios ao mundo...”
Esta fé no Dharma, Providência ou Ordem do Universo aparece afirmada na linha da Cavalaria do Amor em numerosas passagens, tal como esta:
«Pondo a confiança em Deus que deu ao homem ser superior das coisas do mundo foi-se a ele com a espada feita e o seu escudo adiante...
São na realidade muitas as passagens em que Jorge Ferreira de Vasconcelos afirma a Tradição Perene, no Memorial das Proezas da Segunda Távola Redonda, logo enaltecida no valioso Prólogo  que
é dedicado a D. Sebastião, então uma criança,  ao mencionar a tradição iraniana por isso “eu seguindo o costume dos Persas que não se apresentavam ante a Majestade Real sem oferenda,” apresentando em seguida a genealogia "da nobre Ordem da Cavalaria" que tem a sua origem  no  Baco índio, filho de Júpiter, o qual assim a inicia:« Amigos e estimados companheiros. De hoje avante vos faço livre de todo o tributo e servidão. Quero e mando que vos chameis Heróis Veteranos, obrigados a manterdes sobre todos lealdade, sustentar verdade, defender e amparar as fracas mulheres. Por todas as regiões vos concedo passagem franca, habitação segura, dos Reis tereis assentamento e podereis por vós mesmos castigar a quem de palavra ou obra vos ofender e anojar».
 E de novo no cap. XIX,  valorizando a sabedoria pagã que com os seus deuses está intimamente ligada com a cristã, esta vindo coroar aquela, aconselha bela ou afortunadamente: «Diz um poeta gentio, deixa ir a tua mão por onde os ventos ta levarem, que mais amigos são os deuses do homem, que ele mesmo de si.»
Também no cap. XXX vemo-lo reafirmar os valores universais da nobre ordem da Cavalaria, nomeadamente a da força da vontade toda poderosa, num não cristão, pois «Brandabur inda que pagão era muito inteiro de grande saber e virtude, e dobrava a vontade a toda a razão por mais caro que lhe fosse...»
Esta valorização da religião do dever, na Índia chamado o Dharma, e chegará a referir os Naires, os guerreiros ou ksatryas indianos do Malabar, aliados dos portugueses, é ainda enunciada a partir do espírito, da individualidade livre, esforçada e amorosa: «donde o desenho do nobre espírito seja sempre fazer o que deve, e aja-se por satisfeito com o bom nome que consegue, e que sempre acompanha os bons feitos.»
Após séculos de lento avanço cultural e científico, a descoberta da imprensa nos meados do séc. XV, o começo dos descobrimentos marítimos e o acesso dialogante a múltiplas fontes de conhecimento, nomeadamente na Europa culta e humanista, onde tantos letrados portugueses estagiaram e se desenvolveram, vieram permitir pôr-se em causa justificadamente, porque «a experiência era madre de todas as coisas», muitas concepções antigas, nomeadamente as contidas na ciência, na filosofia, na religião e na ordem social.
O ser humano, e em especial os letrados, guerreiros e marinheiros, levantaram  a face ao Céu, acreditaram mais nas suas virtualidades e iniciou-se um grande desabrochamento do saber que pôs em causa a  autoridade da Igreja Católica e do papado em Roma, não só pela arrogância, superficialidade e superstições, como também por certa ferocidade e cupidez, tal a da venda de indulgências e as extorsões inquisitoriais.
As críticas que encontramos em Jorge Ferreira de Vasconcelos, e que respiram esse grande sentimento de participar numa renovação da humanidade, embora não sendo muitas (e sabemos hoje que houve bastantes cortes da censura na sua obra) são bastante significativas e elas são claramente afins do Humanismo em geral, seja na sua vertente filológica, pedagógica, histórica, cultural e religiosa como também filosófica, esta na sua afirmação das duas vertentes principais, 1º de auto-conhecimento: o mal vem da ignorância da pureza do coração e do que é o bem e o mal:  (“o animal mais inimigo do homem é o mesmo outro homem, por o desconhecimento que tem da pureza de seus corações: ca [porque] o bem e o mal conhecesse nas coisas, em que consiste, e o verdadeiro e o falso na alma, em que se encobre”, e 2º da auto-determinação, tão repetida na condenação do sujeitar-se ao outro, ou ao seu estado e opinião, ou ainda em relação aos fados, dependendo estes dos nossos pensamentos e esforços e estando o sabedor acima da influência das estrelas.
Contudo Jorge Ferreira de Vasconcelos  desenvolvera bem a visão da interdependência dos seres, afirmando-a frequentemente, tal quando cita e transcreve Cícero: «o que dizia Platão ser bem dito, que não nascemos para nós sós. Mas parte pera a pátria, e parte pera os amigos, e assim dizem os Estóicos que tudo o que se gera na terra é pera o uso dos homens, pera que uns aos outros pudessem aproveitar-se».
Embora aceitando a transcendência e a Providência Divina, aqui e acolá citadas em provérbios populares,
Jorge Ferreira de Vasconcelos valoriza mais a imanência do espírito e a sua manifestação e conquista pelo esforço e a virtude, a cavalaria e a contemplação, havendo ainda uma forte consciência e sensibilidade ao poder do amor e aos seus efeitos e sinais psico-somáticos, algo que podemos considerar uma característica da Tradição espiritual portuguesa e dos seus fiéis do Amor.
Face a uma religião que apresentava um pai punitivo e um filho sofredor e vencido,
Jorge Ferreira de Vasconcelos, recorrendo aos filósofos antigos e à sabedoria perene, acaba por valorizar a assunção espiritual e guerreira, que traz ao de cima o resplendor da glória, seja no contentamento simples do amor e da sua branda conversão, e na vida simples e não cobiçosa, seja ainda na cavalaria esforçada e amorosa.
Desta valorização do espírito humano e da sua vontade e amor resultavam novas mentalidades e logo realizações sociais, já que tudo circulava então por uma Europa relativamente unida numa idade de Ouro, tal como Erasmo e outros humanistas sentiram e clamaram durante alguns anos quando a Paz florescia nessas primeiras décadas do séc. XVI.
No princípio de 1524, Erasmo concluía as Paráfrases aos quatro Evangelhos, dedicando a última ao rei de França, Francisco I, onde tanto confessa como espera que os quatros monarcas unidos em simetria com os quatro Evangelhos, tenham também os seus corações unânimes no espírito de concórdia evangélica, ou que a divulgação crescente dos livros sagrados nos leigos tenha efeitos positivos purificadores e restauradores nas comunidades, e ousadamente critica os conflitos entre os povos cristãos e todos os que aconselham a guerra.
Ecos desta revolução humanista podemos ouvir num dos opositores portugueses de Erasmo, Aires de Barbosa, no seu Antimoria em que se alarma porque o Elogio da Loucura andava entre todas as mãos. 
Mas, ao contrário, esse destemor perante os papões do Cristianismo, sejam eles o diabo, a magia, a Bíblia traduzida em vulgar língua ou o criticar os frades ou as indulgência, está muito presente na obra de Jorge Ferreira de Vasconcelos, e por isso não nos admiremos de a sua obra ter sido bastante censurada ou mesmo feita desaparecer como sucedeu quanto ao Tratado das Sortes e ao Diálogo da Parvoíce.
Assim, na sua valiosa Aulegrafia (pág. 80 e utilizamos a edição anotada por António Machado de Vilhena, dos anos 60) ouvimo-lo dizer: «Daqui lavo as mãos destes feitos, mas eu fico que vós me nomeeis, que o demo sempre me fez adivinhas nestas coisas, já me vós ouvireis de crer para bem.» e esta relação muito à vontade com o demónio, tão mitificado e aproveitado pela Igreja Católica, dá a entender que
Jorge Ferreira de Vasconcelos, via mais nele o resultado de concepções humanas supersticiosas ou atemorizadoras do que um ser exterior, e nesta citação elevando o demónio a inspirador das artes ocultas ou da clarividência ou adivinhação, põe-nos antes diante da sua aceitação de haver capacidades supra-discursivas ou supra-racionais no ser humano, e que não deveriam ser diabolizadas, negativizadas.
Noutras vezes é a facilidade em aceitar a presença dos espíritos, a comunicação entre os vivos e os mortos, algo que a Igreja reprovava, não permitia e diabolizava. Numa amostra disso valiosa diz-nos, na pág. 110: «Andai por cá, vamos ao deserto onde possa gritar, se quereis que não arrebente. Dou-vos minha fé que outrem podia estar de pior veia do que eu: parece que falava de mim algum espírito, segundo estive bravo: dera quanto tinha porque me ouvireis». Há aqui como que a afirmação do ser humano conseguir ultrapassar-se, inspirar, ser possuído pelo furor poético, ou o amoroso ou o profético, tão bem doutrinados por Marsilio Ficino que
Jorge Ferreira de Vasconcelos conheceria certamente pelas suas traduções de Platão ou mesmo de Plotino.
Marsilio Ficino, Pico della Mirandola e Angelo Poliziano
Entre nós um elo importante da cavalaria do Amor foi o infante D. Pedro das Sete partidas, morto tragicamente em Alfarrobeira em 1449, e que escreveu nas Ordenações Afonsinas uma bela definição de milícia e cavalaria, que já citei no Livro dos Descobrimentos do Oriente e do Ocidente: «Cavalaria foi chamada antigamente companhia de nobres homens que foram ordenados para defender as terras e por isso lhe puseram o nome de Milícia, que quer dizer, companhia de homens duros e fortes e escolhidos para sofrer grandes medos e trabalhos e lazuras por prol do bem comum».
A valorização do espírito da cavalaria portuguesa vai ser excelentemente realizada no final do Memorial das Proezas da Segunda Távola Redonda, no cap. XLVI, com a descrição do "Torneio ordenado pelo Príncipe Dom João, filho de D. João III" e onde "três fadas, Cloto, Lachesis e Antropos" cantam versos histórico-proféticos: «De cujo estandarte com o sinal da redenção humana será alferes mór da redondeza./ (...) De um Fénix que vivo ardendo/ logo outro Fénix nasceu/ por Deus a Portugal dado/ para ser mais exaltado/ que Israel por Salomão/ tais prognósticos nos dão/ os aspectos celestiais/ e seus principio Reais,/ como foram trabalhosos/ assim hão de ser famosos/ os meios e fins da vida/ que longa lhe é concedida/ ca o que foi sopesado / dos céus sempre foi estremado/ tão benignas as estrelas/ lhe serão, que suas velas/ no mundo sejam espanto/ e ele outro Afonso santo/ que o Reino renovará,/ e os termos lhe aumentará/ muito melhor que eu canto/.»
Podemos dizer que na obra de Jorge Ferreira de Vasconcelos sobreleva o ensinamento do Amor, tão elevado e valioso quão disperso e multifacetado ( e ainda não recolhido nem realizado),  em todos os seus livros altamente sentido e expresso, tal como podemos ver no passo da Aulegrafia p. 87 em que Dinardo é um ilustre cavaleiro do amor: «para ele heresias são desconfianças do amor, ingratidão. - Ah senhora, não fazeis heresias; eu para vós ingrato, quando só de me abrirdes esses olhos cuido que triunfo do mundo? …. “Ora como isto assim seja, e vós senhora sois quem eu contemplo, e o meu ídolo, crede de mim, que vos sacrifico esta alma apurada no amor que se vos deve...»
Deparamo-nos aqui com afirmações claras da cavalaria do Amor, tal a divinização do ser amado, denominado mesmo ídolo, que surgindo tão naturalmente,  não deveria ser muito agradável ao "Santo" Tribunal da Inquisição. «Para isso sois vós senhora muito discreta, e eu tão enleado, que nada do que sinto sei encubrir-vos: lanço a alma, e estilo-me de desejos de vossa conversação: velando ardo nestes pensamentos dormindo não me consentem repouso algum, aborreço-me a mim mesmo por o pouco que valho convosco...»
Uma tentativa moderna de adivinhar a vera efígie de Jorge Ferreira de Vasconcelos
 Há toda uma teoria do amor humano, galante, profundo, a ser transmitida já em plena época reformista puritana e tanto católica como protestante e assim ouvimo-lo mesmo clamar, na p. 89 o seu desprezo pelos ricos e riquezas, «vão bugiar os Fucaros, e quanto trato há em Trapizaonda....Não há coisa que chegue a isto, é manjar de alma falar com pessoa discreta, e galante, e acha-se raramente... 
Afirma assim o valor supremo do amor, acima do dinheiro e cristaliza-o e apura-o no Memorial, verdadeiro breviário do amor puro. 
Oiçamamo-lo a teorizar um pouco, na pág. 314 «sendo o amor um desejo de lograr coisa boa», ela explica-se numa linha mágica e neo-platónica como uma comunicação de fluidos e uma operação interior anímica, explicando como é o namoro por fama: «tanto que à nossa notícia vem de ouvidas alguma coisa digna de estima, correm logo os olhos invisivelmente para a contemplação, e na imaginação a vêm e compreendem, formando na sua alma a sua Ideia e figura, com que está esperta e desejosa de a ver por efeito.»
Esta valorização do Amor, através da operação interior da imaginação e contemplação, tão ficiana, inclui contudo a sua concretização no amor sexual e o assim afirmará corajosamente face ao dualismo católico, considerando-se como um degrau para o amor divino, tal na pág. 315, «o amor é perfeito e não pode ser mau. Porque procede de Deus em que não pode haver senão bem, e por amor participamos o bem de Deus e a sua formosura de que a humana é retrato: por amor alcançamos conhecimento de Deus, por o que não somente é bom mas necessário: amor ata as almas em conformidade, e sendo amizade boa, melhor é o amor que a causa: amor levanta os ânimos as grandes coisas que por ele se fazem (…) sem o amor não se conheceria o ódio, como pela paz a guerra...»
Saibamos passar pelo ódio e pela guerra, o mais rapidamente possível, para chegarmos ao Amor e à Paz...
Dante, guiado pela sua alma gémea e Beatriz beatificante, contempla o Sol do Amor Primordial

quinta-feira, 30 de junho de 2022

"O Culto da Árvore", conferência pelo engenheiro agrónomo Alberto Veloso de Araújo, e sua beleza e actualidade.

  As últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX foram das mais criativas da História de Portugal correspondendo a uma explosão de consciência vibrantes e entusiásticas lideradas por intelectuais e cientistas, estudantes e operários, agricultores e artistas, gerando constantes obras novas que foram alterando a paisagem anímica e material portuguesa. Um dos campos que, dado o seu peso económico e a elevada ocupação de população activa, esteve mais em destaque foi a agricultura e em especial a reorganização agrícola, o fomento florestal e industrial, o culto da árvore, a festa da árvore. Vários jornais, revistas, associações e autores brilharam e mencionaremos alguns nomes como António Batalha Reis e Oliveira Júnior, Jaime de Magalhães Lima, Eduardo Sequeira, Francisco Correa de Mello Leotte, C. A. de Sousa Pimentel, Alberto Veloso d'Araújo, Albino Leite, José de Castro, Tude M. de Souza, Guilherme Felgueiras, Joaquim Rasteiro, João Mota Prego, Mário de Azevedo Gomes, Vieira Natividade, José Pequito Rebelo, Sousa Costa, Sant'iago Prezado, etc.


O autor da palestra que transcrevemos em seguida, o engenheiro agrónomo Alberto Veloso de Araújo, nasceu em 1897 e partiu da Terra em 1952, no Porto, tendo sido director técnico dos Serviços dos Jardins e Arborização da Câmara Municipal do Porto (1923-1926). Foi um amante da Natureza e de Portugal e fundou e dirigiu a revista Agros (1921-1923), colaborando ainda no movimento portuense da Renascença Portuguesa e na sua famosa revista, dirigida por Leonardo Coimbra, Teixeira de Pascoaes e Jaime Cortesão, a Águia, bem como na revista Gazeta das Aldeias e no semanário Estrela do Minho. Deixou alguns livros sobre o Ensino Feminino agrícola, O Minho rural e a agricultura moderna, a Piscicultura, o Turismo em Portugal, etc. Em 1913 publicou num belo livrinho a sua conferência a convite do Século Agrícola para a Festa da Árvore (comemorada nesse ano em numerosas cidades) e resolvemos transcrevê-la, com a ajuda da Cláudia Lopes, e partilhá-la online, já que é obra rara e não estava digitalizada, o exemplar que possuímos tendo mesmo a sua dedicatória, com "profunda estima", a Alberto Carlos Callage.

Escrita numa linguagem acessível, está cheia de expressões e ritmos que mostram bem a grande sensibilidade e familiaridade de Alberto Azevedo d'Araujo com a Natureza e em especial as árvores, os ventos, as aves e as crianças. Que ela possa ser relida e em alguma turma escolar ou alma leitora estimular o amor à Natureza, à ecologia, à agricultura orgânica, às árvores e às aves, eis os nossos votos....

O CULTO DA ÁRVORE

(Conferência realizada, no Salão Nobre do Asilo D. Pedro V, na tarde do dia 12 de Janeiro, do ano corrente [1913], por ocasião da FESTA DA ÁRVORE, promovida pela Associação de Beneficiência e Instrução do Campo Grande, e a convite do “Século Agrícola”)

Por

ALBERTO VELOZO D´ARAUJO

Publicista agrícola e proprietário rural


Tipographia Thirsense –

De José Cardoso Santarém

--- Rua Sousa Trepa, 47

Santo Tirso, 1913 ---

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À minha boa Mécia

esposa modelar!


À minha simpática Guilhermina

dedicada irmã!


À gentil Mariana Dulce

esperançosa afilhada!


Dedico-vos – em primeiro lugar esta conferência: O CULTO DA ÁRVORE!

É um hino caloroso à Natureza, uma saudação enternecida à Árvore, um apelo sentido à Ave!

Sei que amais a Natureza, nossa adorável e boa Mãe; sei que amais as árvores, deliciosas criações tão gratas aos corações bem formados; sei que amais as avezinhas, trovadores das selvas, cantores dos bosques, que tanto animam a vida dos campos pelo encanto dos seus gorgeios e pela beleza da sua plumagem.

E, nessas páginas, singelas, mas sentidas, tracei um retalho do Ideal da minha vida e que é também um capitulo da minha Religião: O Culto da Bondade, da Justiça, da Verdade e da Beleza, exercido no grandioso Templo da Natureza, sob o benéfico influxo da Arte.

Todo vosso

Alberto Velozo d´Araujo

Lisboa, 25-1-913.

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Ao Il. mo e Ex. mo Snr.

Álvaro de Castro Neves

Simpático, activo e inteligente Director do “SÉCULO AGRÍCOLA”

Quis V. Ex.ª honrar o meu acendrado culto à Natureza, o meu devotado entusiasmo à Árvore e o meu radicado amor à Lavoura.

Quis V. Ex.ª deliciar-me pelo convite a uma Festa da Árvore, no meio da alegria cristalina e sã da mocidade das Escolas.

Quis V. Ex.ª que eu traduzisse, em palavras singelas, mas bem sentidas, tudo isso que é grande, nobre e bom e belo!

Desempenhei-me dessa gratíssima missão, em nome do «Século Agrícola» de que V. Ex.ª é competentíssimo Director.

Na modesta alocução foi toda a minha alma, todo o meu coração! E a mocidade das Escolas soube premiar o meu esforço, na intensidade das suas palmas, no sorriso que brincava em olhos duma pureza ideal, em faces duma frescura da alvorada.

Bem haja a sua iniciativa!

Abençoada seja a sua obra!

Saúde e República!

Alberto Velozo d´Araujo.

Casa de V. Ex.ª , Lisboa, 25-1-1913.

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À Associação de Beneficência

e Instrução do Campo Grande!

Souberam V. Ex. as secundar a patriótica iniciativa do «Século Agrícola» .

E a Festa da Árvore, no Campo Grande, foi uma bela homenagem prestada a esse gesto de progresso e de vida.

A vossa festa teve a torná-la linda a alegria da mocidade e a fazê-la imponente o significado que traduzia: O CULTO DA ÁRVORE!

A vossa obra de bela solidariedade, de sã confraternização, de grande benemerência, esta muito acima dos maiores elogios.

Saúdo-vos, no entanto, com enternecido agradecimento pelas ditosas horas que passei, no meio dos vossos protegidos, a quem dais o pão do espírito, agasalho e carinho.

Bem hajam corações tão bem formados e actividades tão bem impulsionadas!

Saúde e República!

De V. Ex.as m.to respeitador

Alberto Veloso d´Araujo.

Casa de V. Ex.as, Lisboa, 25-1-1913.

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Ao Il. mo e Ex.mo Snr.

Doutor José de Castro

Ilustre iniciador

da ASSOCIAÇÃO DO CULTO DA ÁRVORE!


A V. Ex.ª, esforçado campeão da «Associação do Culto da Árvore», obreiro inteligente, apaixonado e culto do progresso e da beleza da nossa querida e boa terra de Portugal,

o aplauso incondicional, comovido e sentido, dum amigo da Lavoura, dum cultor da Natureza, dum defensor da Árvore!

Alberto Velozo d´Araujo.

Casa de S. Ex.ª, Lisboa, 25-1-1913.

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Árvore é Riqueza!
Todos sabem que da árvore retiramos lenha, colhemos frutos, obtemos madeira e mil produtos que a ciência, a arte, a indústria e a alimentação aproveitam e necessitam para o bem-estar da Humanidade.
A madeira é, de todos os produtos da Natureza, aquele que maior soma de empregos e maior numero de utilizações representa.
Da adega, do celeiro, do pavimento ao estuque de uma casa, da mais humilde choupana ao mais opulento palácio, a madeira domina imperiosa, numa tal profusão de empregos, numa tal abundância e variedade de serviços que desnorteia e perturba.
No lar familiar, em que arde e coze os alimentos ou aquece o ambiente; no berço ou no leito; nas portas e janelas das nossas habitações; nos móveis em que guardamos os nossos haveres; do carro modesto à carruagem de luxo, ao comboio rápido, ao automóvel opulento e veloz, ao aeroplano que fere os ares, qual ave gigantesca; em toda a parte, e sempre, encontramos a árvore, que se despojou do tronco para nos dar o conforto e o bem-estar da vida moderna.
E, por fim, a árvore que nos amparou e serviu, através da vida, desce connosco ao túmulo, transmutada em pobre ou rico ataúde, de tábuas mais ou menos preciosas.
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A árvore é ainda um grande distribuidor de salários pelo grande numero de indústrias que alimenta.
É curioso, instructivo e proveitoso o conhecimento da extensa série de indústrias que utilizam, dia a dia, a madeira como matéria prima.
A serração desbasta um tronco de árvore e divide-o e subdivide-o em tábuas de várias grossuras, que entrega à industria de moveis; à fabricação de vasilhame para armazenar vinho, azeite e outros preciosos líquidos; à indústria de carros e carruagens; à preparação de caixas para transporte de variados produtos; à fabricação de pianos e outros instrumentos musicais; à feitura de barcos de pesca e de recreio e de navios que sulcam os mares, na troca de mil produtos da actividade humana.
E, se o enorme incremento dado à extracção do carvão de pedra, ou melhor à hulha e à antracite, reduziu em grandes proporções o uso da madeira para aquecer os fornos das fábricas e as fornalhas das máquinas a vapor, no entanto nasceram novas indústrias, que utilizaram a madeira em larga escala e dela fazem um uso constante que, dia a dia, aumenta dum modo extraordinário.
Mas não nos esqueçamos: O carvão mineral, a hulha, não é senão uma prodigiosa reserva subterrânea formada, há séculos e séculos, à custa de florestas que, devido a convulsões do globo terrestre, se subverteram e, ao abrigo do ar, se decompuseram nessa matéria dura, pesada, reluzente e preciosa – a hulha!
Uma das novas indústrias, de recente data, é a preparação da massa de madeira que, triturada mecanicamente ou tratada por processos químicos, fornece uma pasta branca ou cinzenta que nos dá o papel de jornal, o papel de empacotamento, as caixas de papelão e até essas folhas de cartão que, justapostas, coladas e comprimidas, podem dar uma matéria – a ebonite -, bastante resistente, para ser utilizada como rodas de locomotivas.
E a madeira sofre ainda maiores tratos: Pelo calor, pela destilação, extraiam-se-lhe alcoóis, ácidos e alcatrão de grande valor e de diversas aplicações.
E urge não esquecer o larguíssimo emprego das travessas de caminhos de ferro, das escoras das minas de carvão, que exigem troncos quase inteiros, toros, sobretudo de pinheiros; dos postes de telégrafos e telefones, e por fim dos paralelepípedo de madeira, que, nas grandes cidades, tendem a substituir os paralelepípedos de pedra.
E, assim, vejam V. Excelências, o estupendo, o colossal emprego da madeira e o valor extraordinário da árvore na vida moderna de todas as nações do universo.
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Mas não é tudo: A árvore não nos fornece somente lenha para aquecimento e madeira para nossa utilidade.
A árvore dá-nos flores para a medicina como as flores da tília, e para a indústria dos perfumes como as flores de laranjeira; dá-nos a casca que dos sobreiros é a cortiça, de enorme valor comercial e industrial, notável riqueza agrícola para o nosso país; e de diversas árvores, sobretudo dos carvalhos, serve para a industria de curtição de peles; de outras utiliza-se para curar as nossas enfermidades, como a quina, medicamento precioso contra a febre; a cânfora, de dia a dia mais necessária, na farmácia e na industria de explosivos e na fabricação de variados objectos de celulóide; a canela, espécie aromática tão conhecida e valiosa.
Do suco, do latex de certas árvores provém essa substancia dum valor incalculável: a borracha.
Doutras árvores, dos pinheiros, extrai-se a resina ou gema que, purificada por diversos processos, fornece a terebintina, tão valiosa na formação dos vernizes; da destilação da resina obtêm-se a essência de terebintina ou água-raz, que se emprega na preparação das tintas, e dos resíduos da destilação a colofonia ou pêz louro.
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A árvore fructífera – o seu nome o diz – fornece-nos, durante o decorrer do ano, frutos deliciosos, muito úteis à saúde, muito alimentares, que podem dar bebidas boas e higiénicas como a cidra ou vinho de maçã; que as boas donas de casa transformam em saborosas marmeladas, geleias e compotas; que a lavoura reduz a esse liquido preciosíssimo – o azeite -, óleo comestível, inestimável riqueza para o nosso querido torrão natal; que a medicina utiliza, com enorme beneficio, como a noz de cola, produzindo cola granulada; que a indústria transforma em produtos riquíssimos – o cacau e o chocolate; que dão uma bebida deliciosa – o café; que nos fornecem uma polpa branca, fina e saborosa – o coco.
E assim por diante, numa variedade de frutos, que seria muito interessante compendiar, esforço impossível nos estreitos limites duma conferência.
Ah! Minhas Senhoras, Meus Senhores e Gentilíssimas Meninas e simpáticos rapazes, eu não me iludi, não é verdade? A ÁRVORE É
RIQUEZA!

      A Árvore é Beleza!
Ela veste a campina, guarnece a montanha, orla o rio, o regato, o lago; engrinalda e adorna os jardins e parques, as praças e os caminhos, as ruas, avenidas e os caminhos de cidades, vilas e aldeias.
Pela variedade de folhagem, diversidade de colorido e forma, pelo modo como distende as ramarias e alarga os braços e forma as cômas, a árvore oferece ao olhar, amante da perspectiva, da cor e da Natureza, um vasto campo de estudo e um infinito tema aos sublimes arroubos da Poesia e às divinas sugestões da Arte.
O Sol, o lindo Sol, bate na folhagem e reflecte-se e refracta-se em ondulações prateadas umas vezes, outras em pulverizações de fino oiro; na hora calma e suave da alvorada, há nas folhas das árvores o orvalho do amanhecer, pranto das noites estreladas, e, então, a luz do sol decompõe-se, numa sementeira de diamantes e pérolas.
Se a folhagem das árvores é brandamente tocada pelas asas dos zéfiros ou beijada pelas auras mais fagueiras, ela canta, sussurra docemente, ouve-se um murmúrio que é um dos mais belos sorrisos da Natureza.
Mas, se o vento sopra rijo, indomável, se ele brame e se transforma em vento de tempestade, de procela, de ciclone, então a harpa eólica da brisa volve-se em uivos, em lamentos, em gemidos ou mesmo em roncos formidáveis.
A floresta parece um mar impetuoso, ameaçador, iracundo, truculento!
Há entre o vento e a árvore uma aliança de amigos doidejantes de harmoniosos cantares, mas que por vezes se zangam e soltam imprecações de ódio, de rancor, de futuras vinganças.
Prossigamos, sem demora, para não perdermos a ilusão passada, porque, em verdade, a árvore é beleza!
E a árvore – não o olvidemos: A árvore é Bondade!
Ela veste-se para nos dar sombra, refrigério, protecção.
Se o Sol dardeja, no verão, sobre a face da terra os seus raios de fogo, a árvore dá-nos deliciosa sombra, e as suas folhas são leques, de lindos desenhos, de finas nervuras, de delicadas varetas, de suaves tintas, a refrescarem a atmosfera!
Se cai das alturas, uma chuva que alaga a terra ou ao menos tudo molha, batida pelo vento, a árvore acolhe, desculpa e tempera a nossa imprevidência. É guarda-chuva protector que o vento não vira nem quebra.
Mas a árvore não nasceu só para nós!
Ela é o grande protector, o seguro amigo, o celeiro e o restaurante, o abrigo das aves!
Entre a árvore e a ave há também um contracto de eterna amizade.
Ao romper da alva, quando a luz indecisa do crepúsculo matutino mal deixa descortinar na face da terra as diversas coisas que a enchem, a avesita, que dormiu oculta na espessura das ramarias, sacode as penas, agita-se, estende uma pernita e logo outra, distende o pescoço, abre o bico, penteia-se, faz a sua toilette e solta à Natureza, terna e boa Mãe, um trinado, um gorjeio, um trilo, que é uma saudação, uma prece e que eu traduzo assim:
«Avé! Natureza! Cheia de encanto, de magia e de graça! A fecundidade, a força, a beleza e a bondade são contigo! Benditos são os frutos do teu eterno Amor, da tua eterna Beleza, da tua eterna Bondade!
Eu te saúdo, oh! Natureza, caridosa Mãe! Avé!»
E, depois, a avesita saltita, de ramo em ramo, e, ao fim dum certo exercício, vê que a mãe Natureza acendeu no espaço esse luzeiro soberbo que aquece e ilumina, eterna fonte da Vida: o Sol!
E descobre, sem tardança, a mesa posta: Aqui, rutilam bagas como rubis – são cerejas e ginjas; ali, lourejam tangerinas e laranjas; além, descobre nozes e castanhas, peras, maçãs e ameixas.
Se quiser descer ao rés-do-chão, ao restaurante da horta, do jardim, do campo, encontra legumes, hortaliças, sementes e insectos, para variar de acepipes.
Mas a minha avezinha não é exigente: na árvore se regala e reconforta.
Almoçou planturosamente, copiosamente.
Palita o bico num ramo e conversa com outra avezita que escolheu para companheira e testemunha-o dos seus trilos, gorgeios e trinados.
Percebo tudo, porque a sua linguagem é a linguagem do amor, universal, comum a todas as criaturas.
Diz assim: «- Amiguinha! A árvore, a bendita árvore, deu-nos agasalho, é a nossa choupana; também nos serviu fresco e gostoso almoço. E não tarda a Primavera! O ar é tépido e balsamizado por mil perfumes; zumbem nos ares milhares de insectos de asas irisadas ou cor de fogo. Olhemos o dia de amanhã! Começamos a envelhecer! E se preparássemos a nossa renovação?! Não devemos deixar sem habitantes a árvore amiga!»
E as avezitas começaram a construir o ninho dos seus amores, o berço para os filhitos, a nascerem, em breve!
Que de canseiras! Que de trabalho, de tantas horas, em muitos dias!
Os materiais vêm de longe, são variadíssimos e entretecidos com os bicos e as unhas.
Por fora, ásperos, resistentes ao vento e a diversos inimigos. Mas, por dentro! Que macieza! Que flacidez! São musgos e lichens e penas arrancadas ao próprio peito!
E, dentro em breve, lindos ovinhos opulentam esse escrínio, esse tesouro, que encerra uma das maravilhas da Natureza: A ave!
O calor das avesitas, ora do papá, ora da mamã, vai fazendo crescer um pequenino ser que rompe a casca e fica esgotado de tal esforço. Não tem penas e os olhos estão fechados à luz acariciadora do sol.
O tépido regaço dos pais acalenta e protege tanta fraqueza.
E, no entanto, a árvore amiga sustenta e defende aquele grupo de cantadores.
E assim cresce aquela família que a árvore uniu, alimenta, protege e agasalha.
E, deste modo, quem protege e ama a árvore deve proteger e amar a ave.
E a ave agradecida a tanta dedicação, dá-nos um exemplo emocionante de reconhecimento e de mútua estima.
Mil parasitas, mil insectos ou suas larvas invadem a árvore e trituram-lhes as folhas; outros introduzem-se na casca e procuram penetrar no tronco para comer o seu tecido.
Então, as avesitas devoram esses cruéis, temíveis e numerosos inimigos da árvore.
As aves e as árvores são bons amigos!
Sede vós, também, gentis ouvintes, avesitas implumes, que ainda balbuciais as primeiras palavras da ciência da vida e na vida dais os primeiros passos; vós, que tanto precisais do tépido regaço, do carinho, dos afagos e das canseiras de vossos pães e de vossos professores; sede vós, também, digo, os melhores defensores da árvore e da ave.
Através da vossa existência, observai a vida, nos campos, em plena Natureza, contemplai as árvores e olhai as avesinhas.
E, então, pensareis como eu que é dever e interesse nosso e um belo gesto de gratidão amar doidamente as árvores e defender as avesitas tão amigas das árvores e dos homens, limpando as plantas, que nos são queridas e preciosas, de mil bichinhos que procuram destruí-las.
Não vos esqueçais, oh! Meus amiguinhos!
Durante a vossa vida, que eu desejo muito longa, muito feliz e sobretudo muito rica em bem fazer, em boas acções, guiadas pela Justiça e norteadas pela Verdade, não vos esqueçais:
A Árvore é Riqueza! É Beleza! É Bondade!
Protegei a Árvore! E protegei também a ave!
A árvore e a ave são bons amigos!
Sede os seus padrinhos, os seus defensores, olhai-as com carinho, cobri-as com um olhar amoroso e terno; deixai-as morrer velhinhas, quando o bom Deus lhes recolher essa parcela de vida que faz parte da vida universal, palpitante, à face da Terra!...»

 Assim terminava em 1913 a sua bela e comovedora conferência  Alberto Velozo de Araújo, e, face a tanto arboricídeo e incêndio, tão actual ainda no estímulo ao amor das árvores e das aves, que as crianças e as pessoas podem dele receber impulsos para cooperarem mais  na harmonização da Humanidade com a Natureza. Com ele pronunciemos esta Avé Maria da Natureza,  intuída pelo Alberto com as aves e as árvores nossas: «Avé, Natureza! Cheia de encanto, de magia e de graça! A fecundidade, a força, a beleza e a bondade são contigo! Benditos são os frutos do teu eterno Amor, da tua eterna Beleza, da tua eterna Bondade!
Eu te saúdo, oh! Natureza, caridosa Mãe! Avé!»

terça-feira, 28 de junho de 2022

On the spiritual path, some reflections...

 The paths for spiritual awakening have been laid in all traditions and religions for centuries but no one is sure of trodding them well unless the inner fruits appear (either of peace, love, joy, discernment, clairvoyance or inner light) so it is natural some unrest in the seekers when thy try to undertstand if they are really on the right treck.

Unfortunately in most of the cases only when people will die they will be sure how well was done their life, and how are their state of  soul and to what levels in the subtle worlds they can reach or attain. But, surely, there will be disapointments, as so great is in our days the spiritual marketing, the fake gurus, the so many lured in  beliefs of religions that are already not appropriated to us, if we do not realize the symbolic and spiritual meanings that they can hold still...

In the XX and XXI centuries a growing mouvement towards freedom, independence, liberation from dogmas, moral authorities has been happening and fostered and so people choose now their own paths and pratices, sometimes with much ingenuity or even foolishness, as the path of spiritual or God realization is indeed very difficult to be attained without perseverance and discipline, and that, without the proper guidance, is very rarely attained. 

Indeed that was given in former times by the traditional relationship of the spiritual master with the disciple, so present in eastern traditions even in our days. But now, many people think they don't need at all a spiritual master, or the transforming forces that the Divine Being shares with Mankind through the gurus or masters in order to adapt Her-Him strong spiritual forces with the limited capacities and resistance of human beings incarnated on the planet Earth.

In fact the Path is mostly done and attuned inside each soul, and each one of us has to discover how to approach and then open its heart and soul to the streams of Divine Light, or of the Fire of Love. And there is no inconvenient time, as Erasmus had asked, to the soul who is unceasingly in prayer, or aware of being a spiritual entity connected to higher sources, and so when we awaken at the middle of the night that will be thr right time to enter more in silence and to call the Divine with all our love and will, or just feel and then radiate  the fire of Love from our being...

Via Marie Lila

The path is indeed within and both the road and the door are like final goals to be reached by awareness, deeds and meditations, and by a inner conscious unification of soul forces, surely to be realized in the middle of works and duties.

If the appropriated actions and a harmonious life are not so difficult to be discerned and  accomplished, already the right prayers and meditations, the correct inner awakening, the right opening to the spiritual realm is not so easily attained and everyone has in each new day or night to dig within his breast in order to approach the living streams of God's Light and Love. 

Mumuksha, is called in yoguic tradition that aspiration to the blessing of the Divine within, and the doctrine of the ihsta devata, the rebirth of the living personnal God, was affirmed by some of the masters as being of summum importance...

So our main task is to discover the pratices that suit each one of us:  how to develop the inner feeling and the concentration, contemplation or prayer  that can lead us to animic experiences of unity with our  spiritual being and body, with the other, with the cosmos, with the Divine.

In our days of so chaotic fightings bewteen love and hate, racism and fraternity, and so many doctrines, countries, organizations, individuals clashing for the control of humans, it is a must that these inner pratices of aspiration and opening of the heart to the blessings coming from the Divine, from the celestial beings and from the masters or guides can happen in most possible people and in every time we can, and so morning prayer and meditation, even for a few minutes, are indespensable to get more attuned and inspired for all the daily way.....

May we all attain them with sucess and joy...

sábado, 25 de junho de 2022

Interrogações sobre a missão de Jesus e as suas curas. Com vídeo nocturno de 8 minutos, na noite de S. João.

A revisitação sensível e lúcida, assente em geral no estudo, meditação-oração e intuição, das principais figuras históricas religiosas, e suas vidas, ensinamentos e interpretações, é sempre útil e até muito actual nesta 3ª década do século XXI, quando duas narrativas oficiais tornaram-se obsessivamente únicas e indiscutíveis.
Ora se no século XXI, o do post-modernismo, após todo o crescimento das ciências e das reformas e alargamento de ensino mundiais, após a profusão de universidades, de doutorados, de artigos científicos, de institutos, de fundações, nós assistimos a tão grandes manipulações e mitificações, a afunilamentos corrompidos em direcção a narrativas que satisfazem os interesses dos mais poderosos ou ricos, deveremos então reler com cuidado muitos relatos tidos como sacrosantos para os crentes das religiões.
Não vamos questionar se os nascimentos, de alguns dos fundadores das religiões, de mulheres virgens, como se tornou a narrativa oficial, não serão apenas símbolos seja da pureza eterna do principio feminino seja do  grau elevado e santificador consciencial dos casais que os geraram e se tal posição anti-natural de seres nascerem sem relação sexual não espelharia as tendências ascéticas contra a relação sexual e o machismo que predominaram tanto ao longo da história religiosa da Humanidade.
A alma pura ou virgem recebe ou gera o ser ungido....
Nem se os relatos dos que foram arrebatados para os céus no Médio Oriente mais não serão do que indicações do que a sobrevivência do ser humano num corpo espiritual, após a morte corporal ou física, com o qual efectivamente tais seres se guindaram à vida post-mortem individualizada nos planos subtis do Universo.
Mas foi sobre as curas milagrosas de Jesus, de que o Novo Testamento está tão cheio, que antes me interroguei, quando acordei a meio da  passada noite de S. João, num pequeno vídeo improvisado de oito minutos e que encontrará no fim, tendo escrito agora esta breve introdução ou contextualização.
Jesus foi um mestre que nasceu para fazer evoluir os seus contemporâneos, fazendo-os sair de uma religião tribal, formal, legalista e sem amor e despertando-os e libertando-os para as suas dimensões espirituais, fraternais, universais.
Aceitou discípulos, ensinou-os a orar, a meditar, a desprenderem-se, a serem corajosos, e a dominarem as suas energias psico-somáticas, a despertarem enquanto seres espirituais e ligados ao mundo espiritual, a um, ou ao, Ser divino que já não era o exclusivista e cruel Jehova mas sim o misterioso Pai, ou segundo S. João, a Fonte do Amor e da Luz do Cosmos.
Ora se nesse seu mister de despertar os discípulos e crentes, e de exemplificar a vida em acção dos seres despertos ou ressuscitados, deparamos com muitos casos de curas psico-somáticas, por vezes verdadeiramente assombrosas e milagrosas, podemos questionar tanto o eventual exagero ou ampliação de factos, como também o que aconteceu real ou causalmente nesses momentos de cura.
Sabendo nós que os Evangelhos são relatos sobre relatos e que a necessidade de afirmar a divindade de Jesus se espelha neles, teremos certamente de aceitar essa aura de invencibilidade divina que os milagres carregam em si, como uma das tintas empregues pelos sublimes redactores de tão piedosas legendas que ao longo dos séculos têm comovido e convertido tanta gente.
Seria contudo um exagero, um excessivo racionalismo limitador não reconhecermos curas miraculosas operadas nos seres que sentiam fé por ele e logo quiseram e conseguiram curar-se. Numa época em que a medicina ocidental grega já estava relativamente desenvolvida com Hipócrates, a Judeia estava bastante mais atrasada e não há portanto sequer um choque entre um magistério de cura pela fé e um magistério científico psico-somático e até dietético que se exercesse em paralelo. Mais forte foi sim a sua luta contra a submissão formalista às Leis de Moisés, pelas quais seria, por exemplo, proibido curar ao Sábado.
Jesus emana de si o que ele realizou em si: forças espirituais de luz, de cura e de harmonia,  e o fundamental da sua intenção e missão seria "salvar" da ignorância e do egoísmo as almas (ou ainda de estarem possuídas por entidades), a cura física surgindo dentro desse plano geral e na unidade psico-somática que Jesus viria clarividentemente, embora por vezes seja apenas a compaixão pelo sofrimento do outro a movê-lo. Por isso surge a recomendação de não se voltar a pecar, a doença vista várias vezes como consequência de uma má actuação na vida, o que se veio a subsumir-se algo dualisticamente como pecado. E como metodologia para se curar o jejum e a oração.
Cremos então poder discernir com probabilidade elevada os seguintes factores de cura: 1º um corpo físico e etérico ou vital de Jesus bastante forte e que irradiava naturalmente para os que o rodeavam, e que poderiam até apenas tocar na sua roupa e aura e com fé curarem-se, seja absorvendo tais energias dele, seja despertando em si as forças de vontade e as circulações curativas necessárias, ou abrindo-se eventualmente a elas no Cosmos ambiental e elemental.
2º a energia psíquica forte e harmonizadora que tinha e que pela fé os outros recebiam e assim se curavam, e que ele accionava mais ou menos intencionalmente: "A tua fé te salvou", "acreditaste e assim se fez", pois a energia segue o pensamento, a fé, o querer poderoso, afasta os grandes obstáculos ou montanhas.
3º O seu vasto amor, a sua grande realização da essência divina e espiritual que é Amor e que ele vivia consciente e intensamente podendo pois as suas mãos ou a mente terem uma força curadora muito grande, nomeadamente desbloqueando energias ou traumatismos psíquicos ou afastando presença indesejáveis subtis. Certamente que é difícil e não será agora ocasião afortunada para tentarmos discernir entre os que seriam milagres mitificados dos que se poderão ter realizado mesmo.
Creio serem estas as fontes principais da cura, mas certamente deveremos acrescentar, e a oração do Pai Nosso assim o indica, o pedido ou oração à Divindade, ao mundo espiritual (com os seus seres celestiais), para que a vontade mais luminosa e harmoniosa, que se visualiza, deseja e merece,  se realize. 
Possamos nós nas nossas vidas trabalhar para sermos curados ou curar em todas estas dimensões e níveis, e possamos comungar com o mestre Jesus e os outras grandes almas que tentam inspirar a Humanidade no seu caminho luminoso e mais amoroso e verdadeiro na Terra..