quinta-feira, 30 de junho de 2022

"O Culto da Árvore", conferência pelo engenheiro agrónomo Alberto Veloso de Araújo, e sua beleza e actualidade.

  As últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX foram das mais criativas da História de Portugal correspondendo a uma explosão de consciência vibrantes e entusiásticas lideradas por intelectuais e cientistas, estudantes e operários, agricultores e artistas, gerando constantes obras novas que foram alterando a paisagem anímica e material portuguesa. Um dos campos que, dado o seu peso económico e a elevada ocupação de população activa, esteve mais em destaque foi a agricultura e em especial a reorganização agrícola, o fomento florestal e industrial, o culto da árvore, a festa da árvore. Vários jornais, revistas, associações e autores brilharam e mencionaremos alguns nomes como António Batalha Reis e Oliveira Júnior, Jaime de Magalhães Lima, Eduardo Sequeira, Francisco Correa de Mello Leotte, C. A. de Sousa Pimentel, Alberto Veloso d'Araújo, Albino Leite, José de Castro, Tude M. de Souza, Guilherme Felgueiras, Joaquim Rasteiro, João Mota Prego, Mário de Azevedo Gomes, Vieira Natividade, José Pequito Rebelo, Sousa Costa, Sant'iago Prezado, etc.


O autor da palestra que transcrevemos em seguida, o engenheiro agrónomo Alberto Veloso de Araújo, nasceu em 1897 e partiu da Terra em 1952, no Porto, tendo sido director técnico dos Serviços dos Jardins e Arborização da Câmara Municipal do Porto (1923-1926). Foi um amante da Natureza e de Portugal e fundou e dirigiu a revista Agros (1921-1923), colaborando ainda no movimento portuense da Renascença Portuguesa e na sua famosa revista, dirigida por Leonardo Coimbra, Teixeira de Pascoaes e Jaime Cortesão, a Águia, bem como na revista Gazeta das Aldeias e no semanário Estrela do Minho. Deixou alguns livros sobre o Ensino Feminino agrícola, O Minho rural e a agricultura moderna, a Piscicultura, o Turismo em Portugal, etc. Em 1913 publicou num belo livrinho a sua conferência a convite do Século Agrícola para a Festa da Árvore (comemorada nesse ano em numerosas cidades) e resolvemos transcrevê-la, com a ajuda da Cláudia Lopes, e partilhá-la online, já que é obra rara e não estava digitalizada, o exemplar que possuímos tendo mesmo a sua dedicatória, com "profunda estima", a Alberto Carlos Callage.

Escrita numa linguagem acessível, está cheia de expressões e ritmos que mostram bem a grande sensibilidade e familiaridade de Alberto Azevedo d'Araujo com a Natureza e em especial as árvores, os ventos, as aves e as crianças. Que ela possa ser relida e em alguma turma escolar ou alma leitora estimular o amor à Natureza, à ecologia, à agricultura orgânica, às árvores e às aves, eis os nossos votos....

O CULTO DA ÁRVORE

(Conferência realizada, no Salão Nobre do Asilo D. Pedro V, na tarde do dia 12 de Janeiro, do ano corrente [1913], por ocasião da FESTA DA ÁRVORE, promovida pela Associação de Beneficiência e Instrução do Campo Grande, e a convite do “Século Agrícola”)

Por

ALBERTO VELOZO D´ARAUJO

Publicista agrícola e proprietário rural


Tipographia Thirsense –

De José Cardoso Santarém

--- Rua Sousa Trepa, 47

Santo Tirso, 1913 ---

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À minha boa Mécia

esposa modelar!


À minha simpática Guilhermina

dedicada irmã!


À gentil Mariana Dulce

esperançosa afilhada!


Dedico-vos – em primeiro lugar esta conferência: O CULTO DA ÁRVORE!

É um hino caloroso à Natureza, uma saudação enternecida à Árvore, um apelo sentido à Ave!

Sei que amais a Natureza, nossa adorável e boa Mãe; sei que amais as árvores, deliciosas criações tão gratas aos corações bem formados; sei que amais as avezinhas, trovadores das selvas, cantores dos bosques, que tanto animam a vida dos campos pelo encanto dos seus gorgeios e pela beleza da sua plumagem.

E, nessas páginas, singelas, mas sentidas, tracei um retalho do Ideal da minha vida e que é também um capitulo da minha Religião: O Culto da Bondade, da Justiça, da Verdade e da Beleza, exercido no grandioso Templo da Natureza, sob o benéfico influxo da Arte.

Todo vosso

Alberto Velozo d´Araujo

Lisboa, 25-1-913.

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Ao Il. mo e Ex. mo Snr.

Álvaro de Castro Neves

Simpático, activo e inteligente Director do “SÉCULO AGRÍCOLA”

Quis V. Ex.ª honrar o meu acendrado culto à Natureza, o meu devotado entusiasmo à Árvore e o meu radicado amor à Lavoura.

Quis V. Ex.ª deliciar-me pelo convite a uma Festa da Árvore, no meio da alegria cristalina e sã da mocidade das Escolas.

Quis V. Ex.ª que eu traduzisse, em palavras singelas, mas bem sentidas, tudo isso que é grande, nobre e bom e belo!

Desempenhei-me dessa gratíssima missão, em nome do «Século Agrícola» de que V. Ex.ª é competentíssimo Director.

Na modesta alocução foi toda a minha alma, todo o meu coração! E a mocidade das Escolas soube premiar o meu esforço, na intensidade das suas palmas, no sorriso que brincava em olhos duma pureza ideal, em faces duma frescura da alvorada.

Bem haja a sua iniciativa!

Abençoada seja a sua obra!

Saúde e República!

Alberto Velozo d´Araujo.

Casa de V. Ex.ª , Lisboa, 25-1-1913.

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À Associação de Beneficência

e Instrução do Campo Grande!

Souberam V. Ex. as secundar a patriótica iniciativa do «Século Agrícola» .

E a Festa da Árvore, no Campo Grande, foi uma bela homenagem prestada a esse gesto de progresso e de vida.

A vossa festa teve a torná-la linda a alegria da mocidade e a fazê-la imponente o significado que traduzia: O CULTO DA ÁRVORE!

A vossa obra de bela solidariedade, de sã confraternização, de grande benemerência, esta muito acima dos maiores elogios.

Saúdo-vos, no entanto, com enternecido agradecimento pelas ditosas horas que passei, no meio dos vossos protegidos, a quem dais o pão do espírito, agasalho e carinho.

Bem hajam corações tão bem formados e actividades tão bem impulsionadas!

Saúde e República!

De V. Ex.as m.to respeitador

Alberto Veloso d´Araujo.

Casa de V. Ex.as, Lisboa, 25-1-1913.

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Ao Il. mo e Ex.mo Snr.

Doutor José de Castro

Ilustre iniciador

da ASSOCIAÇÃO DO CULTO DA ÁRVORE!


A V. Ex.ª, esforçado campeão da «Associação do Culto da Árvore», obreiro inteligente, apaixonado e culto do progresso e da beleza da nossa querida e boa terra de Portugal,

o aplauso incondicional, comovido e sentido, dum amigo da Lavoura, dum cultor da Natureza, dum defensor da Árvore!

Alberto Velozo d´Araujo.

Casa de S. Ex.ª, Lisboa, 25-1-1913.

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Árvore é Riqueza!
Todos sabem que da árvore retiramos lenha, colhemos frutos, obtemos madeira e mil produtos que a ciência, a arte, a indústria e a alimentação aproveitam e necessitam para o bem-estar da Humanidade.
A madeira é, de todos os produtos da Natureza, aquele que maior soma de empregos e maior numero de utilizações representa.
Da adega, do celeiro, do pavimento ao estuque de uma casa, da mais humilde choupana ao mais opulento palácio, a madeira domina imperiosa, numa tal profusão de empregos, numa tal abundância e variedade de serviços que desnorteia e perturba.
No lar familiar, em que arde e coze os alimentos ou aquece o ambiente; no berço ou no leito; nas portas e janelas das nossas habitações; nos móveis em que guardamos os nossos haveres; do carro modesto à carruagem de luxo, ao comboio rápido, ao automóvel opulento e veloz, ao aeroplano que fere os ares, qual ave gigantesca; em toda a parte, e sempre, encontramos a árvore, que se despojou do tronco para nos dar o conforto e o bem-estar da vida moderna.
E, por fim, a árvore que nos amparou e serviu, através da vida, desce connosco ao túmulo, transmutada em pobre ou rico ataúde, de tábuas mais ou menos preciosas.
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A árvore é ainda um grande distribuidor de salários pelo grande numero de indústrias que alimenta.
É curioso, instructivo e proveitoso o conhecimento da extensa série de indústrias que utilizam, dia a dia, a madeira como matéria prima.
A serração desbasta um tronco de árvore e divide-o e subdivide-o em tábuas de várias grossuras, que entrega à industria de moveis; à fabricação de vasilhame para armazenar vinho, azeite e outros preciosos líquidos; à indústria de carros e carruagens; à preparação de caixas para transporte de variados produtos; à fabricação de pianos e outros instrumentos musicais; à feitura de barcos de pesca e de recreio e de navios que sulcam os mares, na troca de mil produtos da actividade humana.
E, se o enorme incremento dado à extracção do carvão de pedra, ou melhor à hulha e à antracite, reduziu em grandes proporções o uso da madeira para aquecer os fornos das fábricas e as fornalhas das máquinas a vapor, no entanto nasceram novas indústrias, que utilizaram a madeira em larga escala e dela fazem um uso constante que, dia a dia, aumenta dum modo extraordinário.
Mas não nos esqueçamos: O carvão mineral, a hulha, não é senão uma prodigiosa reserva subterrânea formada, há séculos e séculos, à custa de florestas que, devido a convulsões do globo terrestre, se subverteram e, ao abrigo do ar, se decompuseram nessa matéria dura, pesada, reluzente e preciosa – a hulha!
Uma das novas indústrias, de recente data, é a preparação da massa de madeira que, triturada mecanicamente ou tratada por processos químicos, fornece uma pasta branca ou cinzenta que nos dá o papel de jornal, o papel de empacotamento, as caixas de papelão e até essas folhas de cartão que, justapostas, coladas e comprimidas, podem dar uma matéria – a ebonite -, bastante resistente, para ser utilizada como rodas de locomotivas.
E a madeira sofre ainda maiores tratos: Pelo calor, pela destilação, extraiam-se-lhe alcoóis, ácidos e alcatrão de grande valor e de diversas aplicações.
E urge não esquecer o larguíssimo emprego das travessas de caminhos de ferro, das escoras das minas de carvão, que exigem troncos quase inteiros, toros, sobretudo de pinheiros; dos postes de telégrafos e telefones, e por fim dos paralelepípedo de madeira, que, nas grandes cidades, tendem a substituir os paralelepípedos de pedra.
E, assim, vejam V. Excelências, o estupendo, o colossal emprego da madeira e o valor extraordinário da árvore na vida moderna de todas as nações do universo.
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Mas não é tudo: A árvore não nos fornece somente lenha para aquecimento e madeira para nossa utilidade.
A árvore dá-nos flores para a medicina como as flores da tília, e para a indústria dos perfumes como as flores de laranjeira; dá-nos a casca que dos sobreiros é a cortiça, de enorme valor comercial e industrial, notável riqueza agrícola para o nosso país; e de diversas árvores, sobretudo dos carvalhos, serve para a industria de curtição de peles; de outras utiliza-se para curar as nossas enfermidades, como a quina, medicamento precioso contra a febre; a cânfora, de dia a dia mais necessária, na farmácia e na industria de explosivos e na fabricação de variados objectos de celulóide; a canela, espécie aromática tão conhecida e valiosa.
Do suco, do latex de certas árvores provém essa substancia dum valor incalculável: a borracha.
Doutras árvores, dos pinheiros, extrai-se a resina ou gema que, purificada por diversos processos, fornece a terebintina, tão valiosa na formação dos vernizes; da destilação da resina obtêm-se a essência de terebintina ou água-raz, que se emprega na preparação das tintas, e dos resíduos da destilação a colofonia ou pêz louro.
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A árvore fructífera – o seu nome o diz – fornece-nos, durante o decorrer do ano, frutos deliciosos, muito úteis à saúde, muito alimentares, que podem dar bebidas boas e higiénicas como a cidra ou vinho de maçã; que as boas donas de casa transformam em saborosas marmeladas, geleias e compotas; que a lavoura reduz a esse liquido preciosíssimo – o azeite -, óleo comestível, inestimável riqueza para o nosso querido torrão natal; que a medicina utiliza, com enorme beneficio, como a noz de cola, produzindo cola granulada; que a indústria transforma em produtos riquíssimos – o cacau e o chocolate; que dão uma bebida deliciosa – o café; que nos fornecem uma polpa branca, fina e saborosa – o coco.
E assim por diante, numa variedade de frutos, que seria muito interessante compendiar, esforço impossível nos estreitos limites duma conferência.
Ah! Minhas Senhoras, Meus Senhores e Gentilíssimas Meninas e simpáticos rapazes, eu não me iludi, não é verdade? A ÁRVORE É
RIQUEZA!

      A Árvore é Beleza!
Ela veste a campina, guarnece a montanha, orla o rio, o regato, o lago; engrinalda e adorna os jardins e parques, as praças e os caminhos, as ruas, avenidas e os caminhos de cidades, vilas e aldeias.
Pela variedade de folhagem, diversidade de colorido e forma, pelo modo como distende as ramarias e alarga os braços e forma as cômas, a árvore oferece ao olhar, amante da perspectiva, da cor e da Natureza, um vasto campo de estudo e um infinito tema aos sublimes arroubos da Poesia e às divinas sugestões da Arte.
O Sol, o lindo Sol, bate na folhagem e reflecte-se e refracta-se em ondulações prateadas umas vezes, outras em pulverizações de fino oiro; na hora calma e suave da alvorada, há nas folhas das árvores o orvalho do amanhecer, pranto das noites estreladas, e, então, a luz do sol decompõe-se, numa sementeira de diamantes e pérolas.
Se a folhagem das árvores é brandamente tocada pelas asas dos zéfiros ou beijada pelas auras mais fagueiras, ela canta, sussurra docemente, ouve-se um murmúrio que é um dos mais belos sorrisos da Natureza.
Mas, se o vento sopra rijo, indomável, se ele brame e se transforma em vento de tempestade, de procela, de ciclone, então a harpa eólica da brisa volve-se em uivos, em lamentos, em gemidos ou mesmo em roncos formidáveis.
A floresta parece um mar impetuoso, ameaçador, iracundo, truculento!
Há entre o vento e a árvore uma aliança de amigos doidejantes de harmoniosos cantares, mas que por vezes se zangam e soltam imprecações de ódio, de rancor, de futuras vinganças.
Prossigamos, sem demora, para não perdermos a ilusão passada, porque, em verdade, a árvore é beleza!
E a árvore – não o olvidemos: A árvore é Bondade!
Ela veste-se para nos dar sombra, refrigério, protecção.
Se o Sol dardeja, no verão, sobre a face da terra os seus raios de fogo, a árvore dá-nos deliciosa sombra, e as suas folhas são leques, de lindos desenhos, de finas nervuras, de delicadas varetas, de suaves tintas, a refrescarem a atmosfera!
Se cai das alturas, uma chuva que alaga a terra ou ao menos tudo molha, batida pelo vento, a árvore acolhe, desculpa e tempera a nossa imprevidência. É guarda-chuva protector que o vento não vira nem quebra.
Mas a árvore não nasceu só para nós!
Ela é o grande protector, o seguro amigo, o celeiro e o restaurante, o abrigo das aves!
Entre a árvore e a ave há também um contracto de eterna amizade.
Ao romper da alva, quando a luz indecisa do crepúsculo matutino mal deixa descortinar na face da terra as diversas coisas que a enchem, a avesita, que dormiu oculta na espessura das ramarias, sacode as penas, agita-se, estende uma pernita e logo outra, distende o pescoço, abre o bico, penteia-se, faz a sua toilette e solta à Natureza, terna e boa Mãe, um trinado, um gorjeio, um trilo, que é uma saudação, uma prece e que eu traduzo assim:
«Avé! Natureza! Cheia de encanto, de magia e de graça! A fecundidade, a força, a beleza e a bondade são contigo! Benditos são os frutos do teu eterno Amor, da tua eterna Beleza, da tua eterna Bondade!
Eu te saúdo, oh! Natureza, caridosa Mãe! Avé!»
E, depois, a avesita saltita, de ramo em ramo, e, ao fim dum certo exercício, vê que a mãe Natureza acendeu no espaço esse luzeiro soberbo que aquece e ilumina, eterna fonte da Vida: o Sol!
E descobre, sem tardança, a mesa posta: Aqui, rutilam bagas como rubis – são cerejas e ginjas; ali, lourejam tangerinas e laranjas; além, descobre nozes e castanhas, peras, maçãs e ameixas.
Se quiser descer ao rés-do-chão, ao restaurante da horta, do jardim, do campo, encontra legumes, hortaliças, sementes e insectos, para variar de acepipes.
Mas a minha avezinha não é exigente: na árvore se regala e reconforta.
Almoçou planturosamente, copiosamente.
Palita o bico num ramo e conversa com outra avezita que escolheu para companheira e testemunha-o dos seus trilos, gorgeios e trinados.
Percebo tudo, porque a sua linguagem é a linguagem do amor, universal, comum a todas as criaturas.
Diz assim: «- Amiguinha! A árvore, a bendita árvore, deu-nos agasalho, é a nossa choupana; também nos serviu fresco e gostoso almoço. E não tarda a Primavera! O ar é tépido e balsamizado por mil perfumes; zumbem nos ares milhares de insectos de asas irisadas ou cor de fogo. Olhemos o dia de amanhã! Começamos a envelhecer! E se preparássemos a nossa renovação?! Não devemos deixar sem habitantes a árvore amiga!»
E as avezitas começaram a construir o ninho dos seus amores, o berço para os filhitos, a nascerem, em breve!
Que de canseiras! Que de trabalho, de tantas horas, em muitos dias!
Os materiais vêm de longe, são variadíssimos e entretecidos com os bicos e as unhas.
Por fora, ásperos, resistentes ao vento e a diversos inimigos. Mas, por dentro! Que macieza! Que flacidez! São musgos e lichens e penas arrancadas ao próprio peito!
E, dentro em breve, lindos ovinhos opulentam esse escrínio, esse tesouro, que encerra uma das maravilhas da Natureza: A ave!
O calor das avesitas, ora do papá, ora da mamã, vai fazendo crescer um pequenino ser que rompe a casca e fica esgotado de tal esforço. Não tem penas e os olhos estão fechados à luz acariciadora do sol.
O tépido regaço dos pais acalenta e protege tanta fraqueza.
E, no entanto, a árvore amiga sustenta e defende aquele grupo de cantadores.
E assim cresce aquela família que a árvore uniu, alimenta, protege e agasalha.
E, deste modo, quem protege e ama a árvore deve proteger e amar a ave.
E a ave agradecida a tanta dedicação, dá-nos um exemplo emocionante de reconhecimento e de mútua estima.
Mil parasitas, mil insectos ou suas larvas invadem a árvore e trituram-lhes as folhas; outros introduzem-se na casca e procuram penetrar no tronco para comer o seu tecido.
Então, as avesitas devoram esses cruéis, temíveis e numerosos inimigos da árvore.
As aves e as árvores são bons amigos!
Sede vós, também, gentis ouvintes, avesitas implumes, que ainda balbuciais as primeiras palavras da ciência da vida e na vida dais os primeiros passos; vós, que tanto precisais do tépido regaço, do carinho, dos afagos e das canseiras de vossos pães e de vossos professores; sede vós, também, digo, os melhores defensores da árvore e da ave.
Através da vossa existência, observai a vida, nos campos, em plena Natureza, contemplai as árvores e olhai as avesinhas.
E, então, pensareis como eu que é dever e interesse nosso e um belo gesto de gratidão amar doidamente as árvores e defender as avesitas tão amigas das árvores e dos homens, limpando as plantas, que nos são queridas e preciosas, de mil bichinhos que procuram destruí-las.
Não vos esqueçais, oh! Meus amiguinhos!
Durante a vossa vida, que eu desejo muito longa, muito feliz e sobretudo muito rica em bem fazer, em boas acções, guiadas pela Justiça e norteadas pela Verdade, não vos esqueçais:
A Árvore é Riqueza! É Beleza! É Bondade!
Protegei a Árvore! E protegei também a ave!
A árvore e a ave são bons amigos!
Sede os seus padrinhos, os seus defensores, olhai-as com carinho, cobri-as com um olhar amoroso e terno; deixai-as morrer velhinhas, quando o bom Deus lhes recolher essa parcela de vida que faz parte da vida universal, palpitante, à face da Terra!...»

 Assim terminava em 1913 a sua bela e comovedora conferência  Alberto Velozo de Araújo, e, face a tanto arboricídeo e incêndio, tão actual ainda no estímulo ao amor das árvores e das aves, que as crianças e as pessoas podem dele receber impulsos para cooperarem mais  na harmonização da Humanidade com a Natureza. Com ele pronunciemos esta Avé Maria da Natureza,  intuída pelo Alberto com as aves e as árvores nossas: «Avé, Natureza! Cheia de encanto, de magia e de graça! A fecundidade, a força, a beleza e a bondade são contigo! Benditos são os frutos do teu eterno Amor, da tua eterna Beleza, da tua eterna Bondade!
Eu te saúdo, oh! Natureza, caridosa Mãe! Avé!»

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