sábado, 26 de fevereiro de 2022

Sabedoria Persa (17, 18). Dois provérbios populares iranianos, comentados por Pedro Teixeira da Mota.

           "O feixe de palha pensa que o mar se agita contra ele."
 
Saibamos não encapelar as ondas, nem criar protagonismos conflituosos nem exageradamente nos considerarmos, seja muito bons e importantes, seja desafortunados ou perseguidos pelo azar, vítimas de invejas e de inimigos imaginários, ainda que os possa haver.
Sejamos sóbrios e auto-conscientes psico-energeticamente, discernindo bem os nossos pontos mais fracos e mais valiosos e os impactos que as energias do dia a dia vão modelando o nosso ser. Saibamos fluir mais com as ondulações do oceano da Vida, saindo das dualidades conflituosas e religando-nos, pelas respirações e meditações, com a harmonia da Natureza ou mesmo com a Fonte Divina...
 
                                    
 "O melhor que se pode trazer das viagens é a si mesmo, são e salvo."

Eis um dito bastante simples, de comum senso, humilde, quase que rasteiro e contudo é verídico, pois se a saúde psíquica e a física diminuírem mais do que o preço das dificuldades normais da viajem poderemos sentir-nos no fim delas menos felizes. Contudo, há outro aspecto do nosso ser e das viagens que deveremos considerar acima do ir e vir são e salvo, isto é, da boa saúde física e mental, e salvos de azares, problemas, ataques, e que é o que aprendemos, realizamos, sentimos, fizemos e expandimos na nossa alma.
As pessoas que conhecemos, as fraternidades que sentimos e as amizades que criamos, os momentos mais intensos vividos, as ajudas e partilhas, os diálogos luminosos, as meditações, compreensões  e visões não se perdem nem são aspectos menores, mas sim essenciais e é por isso que os mestres antigos recomendavam antes de partirmos escolhermos alguns objectivos a serem atingidos com a viagem, como que sendo eles o fruto desejado de todo o labor que é o peregrinar correctamente ou o viajar em justiça e sabedoria.
 
Comentário manuscrito inicial: O melhor que podemos trazer das viagens são os amigos que nelas fizemos, os escritos que nelas brotaram e as sementeiras que em ti resultaram e que deves frutificar.
Uma viagem não começa nem termina num dia pois já vinha de antemão e vai continuar em fios e frutos pelos tempos adiante.
Sabe então discernires o que deves cultivar melhor de tudo o que fizeste, aprendeste, trouxeste, deste, e fá-lo de modos bem conscientes, criativos, luminosos, amorosos, libertadores, unificadores...

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Fontes da Sabedoria Persa (16). Um dito popular: "Não te ponhas num poço que pode ser difícil a Providência tirar-te de lá".

Nestes tempos em que tantos poços, e por vezes bem trágicos, se abriram e muitos se deixam cair e redemoinhar em alguns, mais frequentemente até nas redes sociais (virtuais mas por vezes invisivelmente muito tingidas de emoções), há que lembrar-nos bem como devemos ser cautelosos nas compreensões e adesões que façamos em relação a doutrinas e grupos, acontecimentos e notícias (tantas tão manipuladas) e, sobretudo, nos comentários e críticas que façamos, pois facilmente a água dos poços se encapela e ódios se destilam e, como é algo exíguo o respeito pela intimidade e a individualidade que subsiste neles,  não será fácil conseguirmos estar bem alinhados, interiorizados ou mesmo receber as intuições e inspirações dos mundos espirituais, mais do que nunca necessárias para atravessarmos bem a peregrinação terrena, hoje tão alargada em termos de informações e relações.

O 18º dito ou poema da antologia das Fontes de Sabedoria Persa diz-nos: 

                  «Se saltares para um poço, a Providência não está obrigada retirar-te dele». 

 Comentário:
Sabermos fluir no Universo com qualidade implica um constante discernimento, e isso se sintetiza e manifesta no símbolo de "mil olhos", ou seja, o desabrochar maior do corpo espiritual deve ser perseverantemente demandado, para sabermos precaver-nos dos golpes adversários ou acidentais e não causarmos trabalhos, incómodos e sofrimentos aos outros, ou até à Providência Divina, isto é, aos seus mensageiros, agentes e anima mundi.
Certamente que seria muito bom comungarmos com Ela e os seus agentes, mas realisticamente é melhor sermos nós os criadores e transmissores das melhores vibrações e consciencializações do que meros passivos pedintes e receptores de ajudas à última da hora.
Faz desabrochar as tuas potencialidades mais profundas lenta mas seguramente e sê um cooperador dos desígnios Divinos, um espelho ou Graal da Divindade, uma corrente da Sua Fonte Amorosa e sábia, vencendo os ataques insidiosos externos ou os desânimos e preguiças internos.
Que o poço da tua alma seja diariamente enchida de vibração pura e que nela te alegres e possas refrescar, fortificar ou mesmo elevar almas afins...

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

22.02.2022. E 1001 mensagem deste blogue. Um poema espiritual.

 22.02.2022 deveria ser celebrado e comungado e assim nasceu este poema escrito já bem entrada a noite... Também é o 1001 artigo ou mensagem do blogue... Já dá para se ligar às míticas Mil e Uma Noites, em especial para quem lesse as sucessivas mensagens e com elas se abrisse à estrela solar iluminante ou salvífica do meio da noite e do coração...

Tantas vezes que te invoquei

Sem saber bem quem viria.

 

Cada meditação é uma peregrinação

em busca da bênção do Alto.

 

Ora te chamo Espírito, ora Anjo,

ora Mestre, ora Deus, ora um nome-face de Deus,

ou uma Deusa, ou Fátima, de Ali...

 

 Assim segue esta vida misteriosa,

em que muitos vão tombando

e poucos se iluminando.

 

Põe a tua visão e meta no Alto

e avança destemido e contente, ó Pedro,

se queres ser um Cavaleiro do Amor.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Milésimo texto ou mensagem do blogue de Pedro Teixeira da Mota. O caminho ascensional humano, outrora e hoje. Os apoios e os desafios. Aum.


Na Tradição Espiritual Portuguesa, afim da Tradição Perene de outros povos, observamos que em alguns místicos ou seres de coração houve a consciência clara de que Deus está potencialmente ou presencialmente no interior de cada ser; e em alguns deles, tal Antero de Quental (que nisso se filiara pela linha grega de Pitágoras, Sócrates e Platão e pela obrinha medieval Theologia Germanica que durante alguns anos foi de sua cabeceira), sonhava-se que o ser humano se deveria tornar uma consciência ascendente englobante ou expandida para a sociedade,  ambiente, o universo, o mundo espiritual e divino. Um lema anteriana proclamava: «O Homem deve ser a consciência do Universo em ascensão para Deus».
Contudo será só o Homem e Mulher da Terra ou devemos contar com outros homens e mulheres noutros planetas e sistemas solares, também eles consciência no universo e consciência do Universo se calhar bem mais desenvolvidos que nós na Terra, tão condicionados em tal busca da Verdade seja pela nossa ignorância e a historicidade condicionante das mensagens das grandes religiões quer pela opressão que os governos mais sinistros fazem, apesar dos biliões que se vão gastando na arrogantemente denominada conquista do Espaço, ou nos armamentos sem fim?
E tal consciência do Universo será a meramente material, mental, digital, dos meios de comunicação e instrumentos de ponta científicos, ou bem mais profunda, vista, sentida e vivenciada por dentro, talvez chegando mesmo à consciência supra-sensorial do Universo e do Uno, que subjaz e coroa o diverso múltiplo e pluridimensional do Universo?
Se o Absoluto e a Divindade são a origem emanadora do Cosmos e de tudo, se tal é a Fonte Una que a multiplicidade da manifestação e a sensorialidade cerebral ilusoriamente tanto escondem, há que reconhecer que o acesso consciencial a tal está de tal modo sepultado pela corporalidade, as ideologias, os pensamentos e actos humanos que poucos são os seres que sentem e intuem, vivem e comungam das forças mais subtis e espirituais ou mesmo das bênçãos divinas.
A ideia de ascensão perpétua a que Antero de Quental se refere e que por exemplo também Sri Aurobindo, Teillard Chardin ou Ismael Quilles desenvolveram, indica a existência de um movimento de elevação organizacional, consciencial que perpassa o universo, dando por isso razão ao panteísmo na sua modalidade espiritual e divinizante que ao longo dos séculos vários pensadores, filósofos e místicos pensaram ou constataram, frequentemente com as suas limitadoras idiosincracias.
Tal fenómeno de aperefeiçoamento, evolução, reintegração do ser humano vai ter consequências bem importantes pois significa que desenvolvemos um corpo espiritual, o organizamos, lhe damos forma consciente e unificadora, e lhe permitimos um crescimento orgânico, nomeadamente dos seus sentidos espirituais, algo fundamental e que é esquecido pela grande maioria dos seres, que ignoram que são um ser espiritual com um corpo anímico, além do físico a que tão facilmente se reduzem. E que muito do melhor das religiões se encontra no que de algum modo movimenta, afecta ou impulsiona tais níveis e órgãos subtis ou anímicos do ser humano.
Se a entropia física é um facto, se a degradação corporal é tão visível no ser humano como em cada sistema solar ou universo, então devemos admitir que só havendo tal desenvolvimento subtil espiritual esta ascensão se verifica a um nível interior anímico, consciencial e espiritual e que poderá perdurar. 
E que portanto por tal desenvolvimento deveremos então lutar ou esforçar-nos diariamente, reservando até espaços consagrados de tempo para tal reorganização, alinhamento e fortificação nossa, sobretudo quando tantas são as energias ou influências adversas que os grandes grupos económicos, políticos e mediáticos lançam tão insidiosa, alienativa e opressivamente sobre a Humanidade e sobre as suas capacidades conscienciais e psíquicas, na realidade cada vez mais sepultadas pelo famigerado jornalixo que pontifica na sociedade moderna, sobretudo ocidental...
Que evolução da consciência social, amorosa, espiritual e divina poderemos discernir nos que habitam no planeta, ao longo dos últimos séculos da história humana? Se há mobilizações para certas causas, outras tragédias, repressões e prisões são intocáveis, tal como vemos no Médio Oriente ou em Jules Assange. Por outro lado há um decrescimento de crenças míticas e infundadas, mas quanto ainda subsiste fanatismo religioso e de seitas? E quanto à quantidade de seres mais auto-realizados espiritualmente, de mestres bem iluminados que houve bastante em alguns países há séculos, tal a Índia e a Pérsia, haverá hoje mais?
E se na altura os céus eram bem mais limitados na sua extensão, hoje que dominamos a observação de galáxias a biliões de anos e calculamos os seus movimentos, vida e características físicas ou quânticas, deveria já haver  mais correspondência de conhecimentos quanto às
profundezas e alturas do ser humano no Universo, tal como Antero de Quental em carta de 7-IX-1888 afirma estar-se a reconhecer que «O espírito humano não é um fragmento truncado e incompreensível ou uma coisa à parte isolada no meio do Universo, mas sim um elemento fundamental dele e a mais alta potência e expressão da sua essência.»  
Conseguiremos descortinar, indo mais além da ânsia de consciência
patente em todo Universo, que Antero de Quental detecta ou pressente e em certos sonetos transmite, tais mistérios e riquezas espirituais tal como, por exemplo,  alguns seres das tradições cristã, yogui, sufi e persa, mais capazes de visão espiritual e de amor a Deus, conseguiram?
Conseguiremos nós discernir, valorizar e desenvolver mais essas ou as  linhas claras de evolução consciencial e de crescente revelação divina amorosa, enquanto unidade, afectiva, sábia e solidária que é trabalhada pela  vida do dia a dia e pelas  práticas espirituais, e de que os conceitos de anima mundi, panpsiquismo, alma da criação, campo unificado de energia consciência nos falam como oceano nutritivo, sábio e amoroso, a deusa Fortuna e da Providência?
Importante nesta melhor compreensão e captação de quem é o ser humano e quais são as potencialidades a desenvolver para se harmonizar e abrir
ao ambiente, a Gaia, ao Universo e ao Divino, será então a nossa maior assimilação dos ensinamentos que os mestres que mais fundo foram na demanda espiritual conseguiram realizar de tais níveis e transmitir. Todavia a generalidade dos seres pouco sabe com claridade de tais seres e de tais práticas e estados conscienciais que ficam assim reduzidos a figuras, frases, clichés, ritos, costumes das religiões, que certamente podem ter ainda hoje efeitos morais e éticos valiosos ou civilizadores.
No fundo teremos de reconhecer que cada ser tem por si próprio de conhecer e vivenciar a seu modo o Quem sou eu, o que é ou quem é o Jivatman e o Brahman indiano, o Nirvana budista, o  Pai e o Eu que somos um, de Jesus Cristo, tarefas como já vimos nada fáceis perante tanta informação e desinformação a acontecer acerca das vias espirituais e suas realizações, tão carnavalizadas por pseudo-esoterismos, novas eras e tanta comercialice...
Apesar de já terem decorrido tantos séculos sobre a passagem na Terra de tantos grandes seres, nomeadamente os fundadores das religiões, e depois, frequentemente mais importantes ainda, os seus filósofos místicos e mestres, continua a generalidade das pessoas a saber ou a vivenciar pouco o Divino (e dizia Antero Quental em carta de 17.X.1875: «Deus, dizia-se há perto de dois mil anos, é o Alfa e o Ómega; depois de muitos trabalhos e meditações, durante esse longo curso de anos, somos levados hoje a dizer que Deus é o Ómega e o Alfa...»), ou a pouco saber também sobre o Espírito e a vida depois da morte, ou mesmo como melhor desenvolver o auto-conhecimento, o auto-controle e vivenciarmos mais a saúde natural, a alimentação biológica, a ecologia sóbria, o equilíbrio psico-somático, a justiça, a solidariedade, o bem, o amor, a verdade, numa harmonia dos corpos físicos, subtis e espirituais, a demanda essencial da vida e para a qual a educação oficial pouco contribui ou prepara.
Como vemos e sentimos, muito a ser trabalhado por todos nós, um desafio constante que pede respostas criativas e dialogantes, ecológicas e espirituais, tanto individuais e familiares como grupais ou comunitárias ou mesmo nacionais e que não devemos deixar sepultar ou abafar sobre toda a inutilidade e superficialidade que os meios de informação despejam alienadora e manipuladoramente, ou que os partidos e governos superficialmente ou subordinadamente tentam implementar
Reaja pois a tanta manipulação e opressão, corte com a televisão, escolha a sua própria informação na net, e religue-se mais harmoniosamente com a Terra e o Céu e as suas energias, seres, antepassados, guias, anjos, arcanjos e mestres, trabalhando e vivendo mais criativa e libertadoramente no Amor,  na Verdade,  na Unidade, e  mesmo mais com a Divindade. 
Oremos ou meditemos com o Aum, ou com o que mais sentir... Lux.

Sabedoria Persa (15). Um aforismo de Nizami: "à noite mais sombria sucede o dia luminoso", comentado. Com o seu poema Leyli e Madjoun musicado, com a letra e bela iconografia.

Nizami entrega um dos seus poemas a um governante culto. Miniatura do séc. XVI.

Nizami, ou Nizame, ou Muhammad Ilyas ibn Yusuf ibn Zaki Mu'ayyad, foi um sábio persa, nascido em 1141 em Ganja, na zona do sul do Cáucaso, actual Azerbaijão, de pai iraniano de Qom e mãe curda, e que levou uma vida discreta e calma até 1209 (embora com três casamentos felizes mas sucessivamente cortados pelas Parcas), devido à sua grande sabedoria e arte literária, já que os sucessivos governantes (grande valorizadores das bibliotecas, kitabdar) o souberam apreciar devidamente, escrevendo obras que pela sua perfeição e conteúdo influenciaram toda a literatura posterior persa, árabe, urdu, curda, indiana, turca. 

Haft Peykar, o rei sassânida Bahram V e suas princesas sábias: a indiana. Mss. iluminado do meados do séc. XVI, safávida, da Freer Gallery of Art.

Inspirando-se em tradições e temas anteriores, pré-islâmicos, conseguiu recriá-los com grande beleza e intensidade, e os seus cinco masnavis ou poemas, épicos e líricos, denominados Khamse (cinco joias ou poemas), sempre tingidos de amor, sabedoria e moralidade, tiveram um sucesso tal que foram representados em miniaturas de pintura persa e cantados por bardos, atravessando os séculos a fazendo vibrar os leitores ou auditores deles.

Makhsan ol-Asrar, a ascensão de Mohamed. Mss. de 1620. B.N.F.

O Makhsan ol-Asrar, ou Tesouro dos segredos, com as suas orações, visões e vinte e um longos discursos de filosofia moral,  Khosrow o  Shirin, o imperador e a sua amadaHaft Peykar, ou As Sete belezas (ou o Pavilhão das sete Princesas), ao estilo das Mil e Uma Noites, considerada a sua melhor obra, Eskandar-nameh, ou A Vida de Alexandre Magno, o mestre dos dois mundos, ou o que tem dois cornos, Zoul-Qarnayn, apresentado como conquistador e profeta ou visionário) e, por fim, o poema do amor tão desventurado nesta vida terrena, Leyli o Madjnum, tão glosado ou cantado por tantos poetas e músicos e que no fim podemos ouvir.

Num dos poucos reencontros amorosos Leily beija os pés de Madjnoun. C. 1622

Deixou ainda alguns ghazals e dos seus livros compilaram-se ditos editados com regularidade, os Aforismos, donde pode ter vindo o seguinte da antologia que temos vindo a comentar, Fontes da Sabedoria Persa:

                  "A noite mais sombria tem um fim luminoso" 


Comentário:
Que o teu intelecto e ser seja sábio, isto é, bem consciente, amoroso, e previdente, capaz de pressentir as consequências maiores de qualquer acto ou pensamento. De modo a que, na adequada frequência consciencial, possas dirigir-te ou orientares-te de acordo com os melhores desígnios de harmonia de vida, justiça, misericórdia e amor que possas realizar.
Miniatura da Vida de Alexandre,  quando na busca da fonte de imortalidade encontra dois mestres
 
No teu coração, no seu mais íntimo, está a Divindade, ou o teu acesso a Ela. Esforça-te então, com as bênçãos dos mestres ou anjos, por meditares mais profundamente, até as trevas nocturnas  se dissiparem e no teu olho espiritual a Luz Divina veres. E que toda a ordália, dor ou provação seja vencida pela tua sabedoria, paciência, estoicismo, humildade, aspiração e religação espiritual e Divina.
                

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Sabedoria Persa (14); "Bebe e alegra-te". Um ghazal de Hafiz, o poeta nacional do Irão amoroso, comentado por Pedro Teixeira da Mota

« Bebe, Hafiz, e vive alegre!
Não sejas como o hipócrita
que imagina disfarçar a sua astúcia
       com o Alcorão citado em voz alta.»

                                   

Comentário:
Alegra-te. Não te castigues com reprovações e penitências. Descontrai-te e bebe da taça diária que a existência, a prática espiritual e a fortuna te possam oferecer, harmoniosamente, sem regras opressivas, sem expectativas frustrantes nem diminuições.
Beber o vinho, na linguagem de Hafiz e dos sufis ou espirituais do Islão, e em especial do Irão dadas as raízes masdeístas (com o seu cálice graal,  jam-e jam, ou Djam Djehan Nema), significa sintonizar com amor os seres e Cosmo, viver em amor, sentir a presença ou a ligação Divina, estar livre das hipocrisias de querer parecer isto ou aquilo, ultrapassar os formalismos e fluir na naturalidade inspirada.
Quem bebe o vinho místico, quem cultiva o amor à Divindade e até se inebria nele, é sincero, fala transparentemente e entrega-se sem falsidade ao diálogo, à fraternidade, à compaixão, ao caminho espiritual, à demanda da Divindade Amada, ao Amor. 
 
Bebe e come, anda e fala com consciência, amor e gosto. Não te afirmes ou mascares de asceta ou renunciante quando sentires que o convívio pode trazer mais luz aos que contigo querem dialogar.
O Espírito sopra ou (explique-se) pode ser respirado ou sintonizado, em toda a parte, e tanto as tabernas como os jardins, o quarto íntimo ou a cela do convento podem ser locais de hierofanias, isto é, de momentos de hiero, sacro, sacralização, consciencialização tanto do Amor divino em acção como do espírito que, no mais profundo ou íntimo de nós, culmina ou coroa a Manifestação e é a nossa razão de ser...
Tua deve ser a via universal que consegue abranger e dialogar com todos, e ainda que discernindo o justo e o injusto, repudiando-o, sabe complementarizar os extremos que se digladiam, frequentemente desnecessariamente.
Que a tua alma e corpo espiritual sejam capazes de se ir abrindo e expandindo no universal, com o fogo do amor divino mais forte e profundo a arder e inebriar-te de quando em quando, ou mesmo a tocar e inspirar outros.

                                   

O conteúdo desta quadra de Hafiz (de seu nome, Sams-al-Din Moḥammad, já que Hafiz significa que sabia o Alcorão de cor, viveu entre 1325-1390)m um dos poetas místicos mais amado do Irão e dos que amam a civilização persa, extraída do seu Diwan, repete-se bastante na sua poesia e nas dos Fiéis do Amor como ele, tal Ibn Farid, Maulana Rumi, Saadi, Jami, Attar, Sheik Bahai e outros, e põe em causa os ortodoxos, os seguidores das narrativas oficiais, os que seguem os hábitos ou vestes que não fazem monges, e se esquecem do silêncio e mergulho interior para resgatarem o fogo divino do Amor e nele se intensificarem e poderem consumir mais  o que os separa da harmonia, da justiça, do espírito e do Ser Divino e Amor Primordial...

                                     

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Um poema de amor espiritual e divino, escrito a ouvir Homayoun Shajarian - Gholabum همایون شجریان و سهراب پورناظری - تصنیف قلاب

Um Poema do Amor Espiritual ao Divino, por Pedro...

Ó Fonte de Tudo,

Misteriosa Entidade Primordial,

Raiz de todo o Eu

que nos universos se afirma,

Escuta a nossa aspiração,

responde à nossa oração,

Brilha no nosso coração.


Como te discernir, ó Númeno,

Por entre a multidão dos fenómenos?

Será que o amor do meu coração

o transforma num graal para a Tua bênção?


A noite vem avançando sobre o dia,

e à semana sucedem-se os meses e estações.

Aonde me devo estacionar para te acolher

senão neste coração que ferido canta por ti,

tingido desta aspiração de sangue e ardor,

pela qual é ti,  Amor Um, me posso religar?


Como chegar desta multiplicidade dos sentidos,

mesmo que todos aspirem ou em Ti intentem,

à unidade e subtil Seidade tua que me emanou?

 

Oro, canto, ardo, aspiro e chamo-Te pelo coração,

corpo e alma dançam, vibram ou tremem ao vento,

tal como as canas verdes que exalam o Teu som.


Assim chego à unificação de mim em Ti,

um teu Nome se pronunciando em mim

E me estilhaçando e galvanizando em Ti.

 

Assim seguirei discreto em paz e ardor,

na caravana das almas fiéis de Deus Amor.