domingo, 5 de dezembro de 2021

Peregrinações a monumentos, mistérios e encantos da Beira transmontana. Vilar Maior. 26-29-XI-2021.

A Beira Alta abriu-se-nos durante quatro dias para demandas e diálogos históricos, artísticos e sociais, filosofais e espirituais, organizados por Miguel Esperança Pina, advogado e investigador de história e genealogia, sendo a Casa de família em Vilar Maior a base das peregrinações a vários locais, de que ficaram registos nas fotografias. Os convidados foram Teresa Rebelo, livreira antiquária e investigadora, Duarte Seabra Calado, decorador, e eu. O seu colega Castro e Sola, além da sua mulher Helena e o seu filho Rodrigo (do qual gravei dois vídeos a tocar piano, já no Youtube), a pintora e restauradora Joana Burnay (a trabalhar em campanha ao estilo medieval), bem como a sua vizinha frontal, a professora Mariazinha, participaram também. Dos locais, apenas Sortelha, já que a gravei um vídeo, será contemplada num outro artigo do blogue. A curta selecção de imagens mostra bem a qualidade  histórica e estética que as zonas da Beira transmontana  percorridas oferecem, seleccionadas pelo Miguel: Vilar Maior, com o seu castelo, casas nobres e arredores, Miuzela, Reigada, Almeida e Freineda, quartel-general de Wellington nas invasões francesas, e zona onde ocorreram tantas lutas fortes. Nem todos os mistérios que nos desafiavam foram esclarecidos, embora sem dúvida vestígios, inscrições e sepulturas medievais ou anteriores, bem como desenhos geométricos coloridos no chão, dentro de uma mansão filosofal, foram reconhecidos, contemplados e interagidos. Iniciamos com imagens de Vilar Maior, da casa e terreno, e do seu castelo, importante na Restauração e que primitivamente fora um castro ...

Restos de um monumento antigo, ou apenas pedreira com uma obra inacabada?


   A arte maravilhosa de preparar as pedras e erguer os muros duradouros e belos...
Uma inscrição ainda misteriosa, para alguns ligada a Cid el Campeador...

                                                      


                                                    
                   Espiral em cimento, que foi às subtis espirais telúricas, com alguma beleza,  acrescentada, talhada assim sobre e num campo mórfico ressoante pré-existente..
          
A Teresa Rebelo investigando ou mesmo contemplando os mistérios da luz e da sombra, bem vertical.

 A Torre de Menagem despida dos travejamentos e andares interiores, deixa porém entrar raios de luz bem inspiradores...

Algumas marcas dos pedreiros construtores destacavam-se pela sua originalidade...

            Vilar Maior e os seus belos solares cheios de histórias e afectividades, que se respiram, sentem e tocam, sobretudo quando por eles somos bem guiados...
Aspirações devocionais ou sentimentais bordadas por mãos delicadas, pacientes, talhando suas vestes imortais e de paz...

Simbólica das ligações ou encontros energético-conscienciais  entre a terra e o céu, sobre um leito antigo, num culto do Amor perene...

Relicários protectores há séculos em uso, para doenças humanas e animais, ou não fosse a fé uma energia que, poderosa, voluntariosa, facilmente atrai as inspirações e bênçãos curativas... Jesus e Maria, em gravura do séc. XVIII, e um relicário com restinhos de seres santificados... 
Contemplar o mundo da varanda virada ao sul é sempre uma abertura à luz e à esperança, e dela se podem abençoar ou animar os outros...

A fertilidade da Natureza prolongando-se pelo Outono a dentro com as suas belas cores douradas desvanecendo as sombras das chuvas: marmelos que já só os pobres, peregrinos e donas de casa mais diligentes os recolhem e trabalham
    A bela vila fortificada ou amuralhada de Almeida visitada de noite...

               Uma casa nobre do séc. XVIII, em Reigada, e que se manteve na mesma família sem perturbações e revelando uma continuação de objectos e livros amados, animados animicamente pelos seus possuidores ou leitores..

                Uma das salas bibliotecas, com ambiente ainda do séc. XIX. Alexandre Herculano e Victor Hugo pontificam. Gerações e gerações  aqui leram e dialogaram deixando também manuscritos  significativos...
Ambientes culturais de livros enriquecem-se com pequenos objectos significativos, por vezes de grande delicadeza e carregados de afectividade e amor.
  Encantos em bisquit, que guardam os seus segredos a quem os souber discernir e sentir interiormente clarividentemente.
                                            Arredores de Vilar Maior e seus vestígios antigos...
                                                                Sepultura antropomórfica...
         Um dos belos carvalhos da zona. Castanheiros, nogueiras, oliveiras e marmeleiros abundam...
Peregrinar, per agre, pelos campos ir e das bênçãos divinas se impregnar...

                                           
                                             Uma casa em Miuzela, um alto local miguelista e filosofal...

                        Desenhos geométricos muito perfeitos, cheios de energias subtis e espirituais.
                                                             
                     El-Rei D. Miguel, inspirador de um dos lados da família de Miguel Pina...
            
A ponte de uma das entradas de Vilar Maior..
A casa mór, em Vilar Maior, com partes já existentes no começo do séc. XVI, bem harmoniosa e acolhedora para os melhores diálogos e refeições..
 
                              A casa da Reigada com a sua ampla lareira convivial...
Fotografia da Teresa Rebelo: à direita o Duarte, ao centro o Miguel, e eu.
Finalizemos, invocando as bênçãos da Tradição Espiritual Portuguesa e da Beira transmontana...

Bô Yin Râ. "A Oração": Face a uma tarefa difícil. Tradução do alemão por Pedro Teixeira da Mota

                                                                 

VOR SCHWERER PFLICHT             ANTE UMA TAREFA DIFÍCIL.

Lenker im Lichte!                                  Guias na Luz!

Seht mich bereit!                                    Encontrai-me pronto!

Bereit im Willen!                                    Pronto na vontade!

Bereit                                                       Pronto

Alle Muhe                                               A vencer

Zu uberwinden!                                       Toda a dificuldade!

Zur Tat                                                      Pronto

Bereit!                                                       A agir

                                    

Pflicht erkennend                                    O dever reconhecendo

Werde ich wirken,                                    Irei trabalhar

Was werden will                                       O que se quer manifestar

Aus meiner Kraft!                                    A partir da minha Força!

                  

Was ich vermag,                                      O que posso

Und nicht vermag,                                   E o que não posso

Kommt nun zutag.                                   Vem a cada dia.

 

Das Eure Kraft                                           Que o vosso Poder

Vollendung schaffe,                                    Complete a realização

Wenn ich erschlaffe                                     Se eu fraquejar.


Ist meine Bitte:                                           Eis meu pedido:

Ist mein Gebet!                                           Eis  minha oração!

  

Last mich                                                  Induzi--me

Nichts schlecht tun!                                  A não fazer o mal!

Last alles mich                                          Induzi-me em tudo

Recht tun!                                                  A agir bem!

Last mich nicht wanken!                       Não me deixai vacilar!

Lenkt meine Gedanken!                       Guiai os meus pensamentos!

Lehrt mich                                                    Ensinai-me

Vollbringen!                                                 A realizá-los!

Lasset das Werk                                            Possa a obra

Durch mich                                                   Através de mim

Gelingen!                                                      Triunfar!

Ihr hohen Helfer!                                   Vós altos Ajudantes!

Ihr Lenker                                                    Vós Guias

Im Licht!                                                      Na Luz!

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Bô Yin Râ. Orações: Em provação. "Das Gebet": In Versuchung. Com pinturas de Bô Yin Râ.

Em Provação

«Grandes ajudantes!

Guias da Luz!

Poderosa,

Invisível

Para eu Ser. -

Eu chamo-vos

Da minha angústia!


  Eu clamo por salvamento!

Eu não quero

Perder-me!


Oh!

Possa um

Estar junto a mim,-

Tornar-me

A mim próprio

Livre! --

Um

de vós!

 

Segurar-me

Não me deixar, -

Resgatar-me

Da má ligação

A laços penosos!

Libertar-me 

Da ansiedade e agitação!


Possa ele expulsar

O  flagelo infernal,

O discernimento turvado,

 O engano praticado,

 A desgraça imposto,

 Ao mal conduzindo,

 A mente desnorteada,

A vontade desconcertada!


Ajudai-me

Mestre!

Dai-me mão!

Até eu

a mim próprio

da ilusão

me arrancar.»


IN VERSUCHUNG

Hohe Helfer!

Lichteslenker!

Machtig,

Unsichtbar


Um mich zu sein. –

Euch rufe ich

Aus meiner Pein!

Ich rufe um Rettung!

Ich will nicht

Verloren sein!

Ach!

Das doch Einer

Bei mir sei, –

Mache mich

Von mir selber

Frei! – –

Einer

Aus Euch!


Mich fasse,

Nicht lasse, –

Mich rette

Aus boser Bindung

Qualvollen Banden


Mich lose

Aus Drang und Trieb!

Das er verjage

Hollische Plage,

Die Urteil trubt,

Betorung ubt,

Unheil verhangt,

Zum Argen drangt,

Sinn verwirrt,

Willen beirrt!

Helfe mir

Huter!

Halt’ meine Hand!


Bis ich mich

Selbst

Dem Wahn

Entwand!»


terça-feira, 30 de novembro de 2021

Fernando Pessoa, "Clarim de Portugal", com uma breve hermenêutica espiritual, de Pedro Teixeira da Mota. No dia e hora da sua morte.

Este poema de Fernando Pessoa, Clarim de Portugaldactilografado em 1934 e dado à luz pela 1ª vez em 1965 por Maria Aliete Galhoz (1929-2020, sábia e com quem ainda trabalhei na decifração de um ou outro texto de Fernando Pessoa, nos reservados da B. N. L.), na 2ª edição da Obra Poética de Fernando Pessoa, na Aguilar, do Rio de Janeiro, é um dos melhores da sua poesia da tradição espiritual portuguesa e contém em si muitos ensinamentos nunca bem compreendidos ou destacados,  em vários casos até  encontrando-se noutros passos da sua obra poética ou de investigação, esta permanecendo na sua totalidade inédita em vida e sido publicada parcelarmente posteriormente, em geral sem os melhores critérios e hermenêuticas, isto é, interpretações profundas, interligações com a sua obra e contextualizações amplas. E neste dia 30 de Novembro de 2021, 86 anos depois da sua partida da Terra, resolvi comentá-lo ao de leve, como encontrará no fim...

Nas sucessivas trinta e uma quadras (a 9ª acrescentada posteriormente à mão), algumas bastante profundas, ocultas, mântricas, ou seja, com forças sonoras e psico-somáticas, para se repetirem e assimilarem até de cor, Fernando Pessoa partilha o seu grande amor a Portugal e algumas das suas crenças e conhecimentos, saudades e esperanças, sentindo-as virem das raízes históricas de Portugal, consciencializando-se do corpo místico português, ou grande alma portuguesa, e projectando-o para um Universo, isto é, uma sociedade e um tempo de unidade ocidental liderado pelos portugueses ou a língua portuguesa, mas que deveria assentar até mais no do estado de religação mais harmoniosa, plena e consciente ao espírito, à alma mundi e à Divindade, o que ainda assim Fernando Pessoa aponta. De qualquer modo, Fernando Pessoa, neste poema, já final na sua vida, ainda que mantendo algo ingenuamente e nacionalisticamente o seu sonho  num V Império português, que em tantos textos especulara, doutrinara e poetizara, lança várias linhas de força operativas e reais no caminho espiritual e na inserção na Tradição Espiritual Portuguesa, esta sim bem mais real e acessível.


Leiamos e oiçamos-las, com fotografias captadas há uns anos no convento de Cristo em Tomar, com ser profundo e no agora e aqui:

                                                         1

«Vibra, clarim, cuja voz diz
Que outrora ergueste o grito real
Por D. João, Mestre de Aviz,
E Portugal!
2
Vibra, grita aquele hausto fundo
Com que impeliste, como um remo,
Em El-Rei D. João Segundo
O Império extremo!
3
Vibra, sem lei ou com a lei,
Como aclamaste outrora em vão
O morto que hoje é vivo — El-Rei
D. Sebastião!
4
Vibra chamando, e aqui convoca
O inteiro exército fadado
Cuja extensão os pólos toca
Do mundo dado!
5
Aquele exército que é feito
Do quanto em Portugal é o mundo
E enche este mundo vasto e estreito
De ser profundo.
6
Para a obra que há que prometer
Ao nosso esforço alado em si,
Convoca todos sem saber
(É a Hora!) aqui!
7
Os que, soldados da alta glória,
Deram batalhas com um nome,
E de cuja alma a voz da história
Tem sede e fome.
 

8
E os que, pequenos e mesquinhos,
No ver e no crer da externa sorte,
Calçaram imperiais caminhos
Com vida e morte.
9
Sim, estes, os plebeus do Império,
Heróis sem ter para quem o ser,
Chama-os aqui, ó som etéreo
Que vibra a arder! 
 10 [mss.]
E os que sonharam enlevados
No Outro Império que sorri
Além do mundo e os céu fechados,
Aqui, Aqui. 
11
E, se o futuro é já presente
Na visão de quem sabe ver,
Convoca aqui eternamente
Os que hão de ser!
 
 12
Todos, todos! A hora passa,
O génio colhe-a quando vai.
Vibra! Forma outra e a mesma raça
Da que se esvai.
  13
A todos, todos, feitos num
Que é Portugal, sem lei nem fim,
Convoca, e, erguendo-os um a um,
Vibra, clarim!
14
E outros, e outros, gente vária,
Oculta neste mundo misto.
Seu peito atrai, rubra e templária,
A Cruz de Cristo. 
 
15
Glosam, secretos, altos motes,
Dados no idioma do Mistério —
Soldados não, mas sacerdotes,
Do Quinto Império.
16
Aqui! Aqui! Todos que são
O Portugal que é tudo em si,
Venham do abismo ou da ilusão,
Todos aqui!
17
Armada intérmina surgindo,
Sobre ondas de uma vida estranha,
Do que por haver ou do que é findo —
É o mesmo: venha!
18
Vós não soubestes o que havia
No fundo incógnito da raça,
Nem como a Mão, que tudo guia,
Seus planos traça.
19
Mas um instinto involuntário,
Um ímpeto de Portugal,
Encheu vosso destino vário
De um dom fatal.
20
De um rasgo de ir além de tudo,
De passar para além de Deus,
E, abandonando o gládio e o escudo,
Galgar os céus.
21
Titãs de Cristo! Cavaleiros
De uma cruzada além dos astros,
De que esses astros, aos milheiros,
São só os rastros.
22
Vibra, estandarte feito som,
No ar do mundo que há de ser.
Nada pequeno é justo e bom.
Vibra a vencer!
23
Transcende a Grécia e a sua história
Que em nosso sangue continua!
Deixa atrás Roma e a sua glória
E a Igreja sua!
24
Depois transcende esse furor
E a todos chama ao mundo visto.
Hereges por um Deus maior
E um novo Cristo!
25
Vinde aqui todos os que sois.
Sabendo-o bem, sabendo-o mal,
Poetas, ou santos ou heróis
De Portugal.
26
Não foi para servos que nascemos,
De Grécia ou Roma ou de ninguém.
Tudo negámos e esquecemos:
Fomos para além.
27
Vibra, clarim, mais alto! Vibra!
Grita a nossa ânsia já ciente
Que do seu inteiro vôo libra
De poente a oriente.
28
Vibra, clarim! A todos chama!
Vibra! E tu mesmo, voz a arder,
O Portugal de Deus proclama
Com o fazer!
29
O Portugal feito Universo,
Que reúne, sob amplos céus,
O corpo anónimo e disperso
De Osíris, Deus.
30
O Portugal que se levanta
Do fundo surdo do Destino,
E, como a Grécia, obscuro canta
Baccho divino.
31
Aquele inteiro Portugal,
Que, universal perante a Luz,
Reza, ante a Cruz universal,
Ao Deus Jesus.»


Neste poema, menos extenso  e menos abrangente detalhadamente, que a Mensagem, recuando apenas  aos reis  D. João I e D João II, põe a tocar ou a clamar o clarim que é o povo de Portugal, a sua voz e alma ecoando ao longo dos séculos em altas ou pequenas individualidades, ou em momentos colectivos. A 1ª e a 2ª quadra apresentam-nos o povo a liderar a aclamação do mestre de Aviz, do qual nascerá a Inclita geração, tão importante para o europeísmo e universalismo  português, com a gesta dos Descobrimentos. Na 2ª quadra ressoa o episódio do Adamastor, da Mensagem, na qual o próprio nome de el-rei é um mantra poderoso, uma vontade plena ao leme e, neste Clarim, o remo. Na 3ª quadra o mito em que de algum modo se embebedou do Sebastianismo surge-lhe vivo. A 4ª e a 5ª quadras são das mais fortes da Tradição espiritual portuguesa na sua imensidade e universalidade, e constituem uma evocação poderosa, mágica, da sua presença e bênçãos, nomeando a intensidade e veracidade de tais almas pela sua profundidade de ser e constituindo assim o ser profundo de Portugal, várias vezes evocado e sentido, desejado e mitificado por Fernando Pessoa. 
A 6ª quadra assinala um momento mágico, que no seu mais alto nível é a desvendação de auto-conhecimento e comunhão espiritual, e que Fernando Pessoa caracteriza como esforço alado e concretiza num apelo, numa convocação, tal como no findar da sua perene Mensagem, e intensifica tal no aqui e agora, o iniciático, de é a Hora.

Nas quadras seguintes, 7ª, 8ª e 9ª, Pessoa aponta alguns desses portugueses que esforçadamente da lei da morte se libertaram, servindo a alma portuguesa, a Mátria-Pátria, na parte final da 9ª quadra aludindo mesmo à subtil vibração silenciosa ou por vezes até músical das esferas pitagórica. 

A quadra 10ª, redigida posteriormente a tinta e na margem, parece mesmo auto-biográfica, ou não tivesse ele se deixado enlevar ou mesmo embebedar em tal sonho e aspiração. E na 11ª  quadra menciona a subtil e tão iniciática visão espiritual, supra temporal-espacial, e na 12ª quadra o oculto génio da Nação ou, se  assim o conseguirmos ver, o Arcanjo custódio de Portugal, caldeando as metamorfoses das gerações de portugueses. 

Na quadra 13ª surge a invocação do Portugal inteiro, sem lei e infinito, sem estar sujeito às leis das religiões e estados, e poetiza assim como um cavaleiro da milícia portuguesa, que se vai desvendar na quadra seguinte, a 14ª, e que é central no ocultismo e espiritualidade de Fernando Pessoa, ainda hoje bastante desconhecida ou mesmo menosprezada: a realização da milícia Templária e da Ordem de Cristo, obtida nos portugueses por ressonância de peitos ou corações, feitos de corpos e almas.

A 15ª quadra é talvez a mais valiosa e poderosa em termos de prática, mas a que pouca gente liga e trabalha, pois refere os motes, lemas, mantras, orações ou cantos iniciáticos, sacerdotais, isto é sacralizadores e geradores de clarificações e impulsos luminosos.

Nas quadras seguintes, as 16ª, 17ª, 18ª, 19ª e 20ª, Fernando Pessoa continua na sua invocação mágica dos portugueses mais despertos, corajosos, heróicos, trabalhadores criadores ao longo dos séculos e projecta-os para além das armas e crenças limitadores em Deus.

A 21ª quadra é de novo crucial e neste ir para além da vulgar crença, chama aos cavaleiros e cavaleiras Titãs, os que não se deixam prender nas teias da Lei,  e desenvolve tal nas quadras 22ª e 23ª, culminando realmente na 24ª, em que uma nova concepção de Deus e um novo mestre ou ungido se revelam, ou melhor, apregoa, sem a especificar ou descrever muito bem, pois ele próprio mais não conseguia do que desejar ou imaginar,   continuando nas seguintes a desenvolver o poder dos portugueses de irem mais longe que os impérios e realizações antigas, atingindo o Cosmos e o Divino.

Destacaremos  as quadras 29ª e 30ª pelo que elas repetem ou confirmam ou poetizam várias linhas de força contidas em fragmentos do espólio (como investiguei, transcrevi e comentei nos meus quatro livros de inéditos de Fernando Pessoa, publicados em 1988 e 1989), e que são a universalidade portuguesa e do mundo ou império futuro. no qual todas as religiões serão vistas e tidas ou realizadas como partes do corpo retalhado de Osíris, a concepção de divindade mais antiga nossa de Ocidentais com raízes no Egipto. 

E assim na quadra 30ª esse erguer energético das profundezas, subtilmente invocado na Mensagem e tão fundamental no caminho espiritual, e nos seus poema mágicos, surge associado a Baco, o portador do tirso, e aos seus mistérios iniciáticos báquicos, nos quais Fernando Pessoa libou exageradamente e assim de algum modo se dissolvendo mais precocemente mas deixando atrás de si bastante busca de gnose...

A quadra final, a 31ª, é a do cristão gnóstico: Cristo, face de Deus, e a cruz do Cosmos, astronómica e geométrica, e que complementa e eleva a humana de Jesus, surgem como fundamentais como focos de concentração perante a universal luz que banha todos os que meditam e demandam a Verdade.

Estamos pois diante de um poema de grande valor espiritual, que bem merece ser lido, relido (e será o caso de agora...), e até "de-corado" (pelo e no coração...) em algumas partes.

Comunguemos então mais com Fernando Pessoa e a sua demanda, poesia e sabedoria,  conscientes da nossa inserção na  Tradição Espiritual Portuguesa, da qual ele foi e é um grande cultor, desejando ainda neste dia da sua partida do corpo físico terreno muita realização espiritual e divina na sua alma e espírito. 

Cabeceira de cruz de cavaleiro templário ou da ordem de Cristo existente no convento de Tomar e com o importante ou primordial símbolo da estrela pentagonal e espiritual...

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Interrogações animicas e demanda espiritual. Como resistirmos e o que desenvolvermos espiritualmente. Um contributo.

 Este texto, concluído em 25-11-2021, que seria para o livro em preparação Ensaios Espirituais, é dado à luz antes no blogue, pois talvez seja mais lido do que em livro, uma realidade que teremos contudo de avaliar futuramente, pois poderá um dia, e  aprofundado, ter lugar nele. Cinco pinturas de Bô Yin Râ, bastante apresentado já neste blogue, e um Y pitagórico, ilustram-no.
- Por quanto tempo mais estaremos nós, tu e eu, vivos e com capacidades transformadoras?
- Quantas décadas aguentará o planeta a carga poluente e esgotante da vida moderna humana, e sobretudo das sociedades capitalistas mais ricas ou industrializadas, e das zonas de lutas e guerras constantes? 
- Quanto tempo mais as pessoas aguentarão a manipulação e opressão dos media e dos governos? Ou, pelo contrário, até quando é que haverá resistentes às narrativas, opressões e massificações sociais em curso?
- Como é que pode haver mais seres humanos, comunidades e grupos despertos e harmoniosos com a Natureza, os seres animais, os humanos e angélicos seres e com a Divindade na sua multidimensionalidade? 
 
 Eis algumas das perguntas que ressoam dentro de mim e de ti,  no peito e na cabeça, e em algumas conversas, livros, grupos, reuniões...
A força destas ideias-questões virá provavelmente, para além de serem de toda a humanidade, do espírito suscitá-las ou sustentá-las, não as deixando desvanecerem-se. E por isso elas ultrapassam  as barreiras da efemeridade e manipulabilidade do quotidiano e amoldam-se poderosamente ou subtilmente nos  recônditos do nosso ser e sensibilidade da alma de tal modo que intuímos que nos lançam tarefas profundas: participarmos na alquimia de tais questões e demandas, lutas e desafios actuais.
 Pessoalmente sinto ser uma tarefa  exigente, tanto quanto a afinidades grupais como à forte interiorização e individualização requerida, bem  contrária ao ritmos dos nossos dias, em que predominam as pessoas apressadas ou as turísticas, por vezes tensas, e desgastadas embora  tentando conservar a cabeça erguida, face aos receios dos vírus, que açaimam muitas, a maioria fatalmente arrastada pela luta  pela sobrevivência, mais ou menos egoísta, e que em geral provoca o esquecimento dos seus níveis e estados de alma mais profundos.
Hoje é bastante raro conseguirmos estar com alguém em paz, sabedoria e amor profundos, deixando os corpos e níveis anímicos e espirituais virem ao de cima, em silêncios, olhares, tactos, sentimentos e palavras ressoantes.  No trabalho, as vibrações psíquicas stressadas, as palavras que saem dos carretos ou cânones, as lutas pelo poder e invejas, afectam-nos. O ambiente internacional está igualmente tão perturbado pelo covid, as vacinas, os lockdowns, os desequilíbrios sexuais, as cargas policiais brutais, o imperialismo norte-americano, o sionismo israelita e a criminalidade saudita no Yemen, que ondas de sofrimento e indignação cruzam muitas almas e por vezes tocam-nos.
Reentrarmos então a nossa vista para dentro tentando debruçar-nos a pique e deixar-nos cair-entrar nas profundezas, nos níveis das raízes medulares onde fermentam energias e sensações semi-ddesconhecidas, ou aspirarmos às altitudes da alma, para os níveis das florescências onde despontam pensamentos, visões e intuições, é tarefa que temos de realizar com persistência e diligência, até para trazermos alguma ideia, compreensão ou metodologia nova que nos clarifique e ajude as pessoas a harmonizarem-se, a estarem mais calmas, lúcidas e a conseguirem ligar-se  ao Espírito, à Felicidade, à Divindade, ao Amor...
Se me relembro das  vezes que consegui atingir ou desencadear uma vivência e depois compreensão mais forte do nível espiritual ou ainda da unidade cósmica através da minha interioridade, e a penso partilhar, quantas pessoas a aceitarão valorizando-a minimamente?
Mesmo assim, falemos do que pode acontecer nas meditações, em que com o decorrer da nossa vida na Terra e entrada na curva descendente da força do corpo físico, se nos abrem mais  vistas subtis  sobre espaços interiores, florestas, árvores, flores, plantas e pedras. Ou até  animais, que nos revelam significações, em intuições rapidíssimas a passarem pela consciência lúcida  que as vê como numa espécie de filme em miniatura projectado no nosso ecrã interior,  animais que correspondem humanamente a sentimento destilados, ou a hábitos mantido por longos anos, ou  pensamentos erguido laboriosamente.
"Surpresa, surpresa", exclamaremos nós, face ao sentimento interior discernido e ao que se gera de compreensões, tais como a de que textura e formas dos suspiros das pastelarias têm certas afinidades com alguns sonhos e desejos subtis das pessoas,  capazes de gerarem ondas ou pombas brancas a voar no firmamento interior.
Podemos compreender também a origem dos animais fantásticos nas  obras de Hieronimus Bosh,  ou como o dar nome aos animais dos mundos interiores corresponde a conseguirmos identificá-los, consciencializá-los e, logo, controlá-los, sublimá-los, utiliza-los adequadamente, tal como é o cavalgar o dragão ou o tigre...
 Compreender também que estamos constantemente em encruzilhadas,  que nos fazem ora entrar ora sair de nós próprios, que são desafios sociais, televisivos ou interneticos que tentam atrair-nos, envolver-nos, captar-nos e frequentemente massificar-nos, para passarmos a ser um dos milhões que estarão a ver (e a sofrer) tal programa na televisão, ou tal notícia nas redes sociais, ou a consumir tal produto propagandeado.
Assim a cada momento, a cada escolha, a cada adesão, desistência ou repulsão estamos a sinalizar ao Cosmos e seus seres e a nós próprios  que nível realizamos na ponte entre a terra que somos e o céu de que somos parte e ao qual aspiramos.
                                  
Esta aspiração, este fogo interior, é o que nos faz deter em certos momentos, em encruzilhadas, pelos antigos pitagóricas simbolizadas no Y ou bivium, a forquilha da escolha  de um dos dois caminhos, num dos quais nos densificaremos ou obscureceremos. Assim podemos criativamente escolher como iluminar as nossas  almas e ambientes pelas mais opções mais coerentes, éticas, ecológicas ou harmoniosas, que põem e acção  capacidades  ou actividades de manifestação do espírito divino, luminoso e feliz, que é a nossa essência e para a qual o famoso e tão discutido (e diminuído...) livre-arbítrio fundamentado é fundamental...
Mas como melhor esclarecer  práticas, ou descrever metodologias, que possam em verdade e concretamente ajudar as pessoas e a Humanidade a tais consciencializações e harmonias?
Aproximemo-nos da alma, da luz, do céu, das cores, dos seres subtis...

Este céu interior, que nos chega de quando quando em visões de azul imenso e dourado, é accionado pele espírito, pois é ele e a abertura dos centros da alma que se tornam as portas para a Divindade, para as Suas Faces divinas, para os mestres, anjos e arcanjos  nos poderem tocar já que eles emanam vibrações e imagens tão ricas de cambiantes, significados e impulsões que  ficamos muito deslumbrados e gratos quanto tal merecemos...
Se fechamos os olhos e persistimos em deixar passar ou assentar as nuvens e neblinas dos pensamentos superficiais e quotidianos, podemos por vezes receber certas cores e formas, ou captar certas correntes minúscula de imagens, ou ainda aperceber-nos dum ouvir interno que, mais do que os diversos sons do exterior que chegam, regista o som do rio perene que corre pelo nosso crânio e que, sintonizado pela nossa consciência, nos pode  servir como fio de meada para a desejada comunhão com o mítico som primordial, vibração ou palavra divina.
  Sim, a subtil música das esferas de Pitágoras, ou o misterioso Reino de Deus, subtil mas firmemente, dizem-nos: - "Para além de todas as dores e dificuldades que atravessas na tua vida humana, lembra-te que pela audição do silêncio, pela aspiração à verdade, ao bem e à misteriosa Divindade, te aproximas da comunhão interior com os mundos e seres espirituais."
Quando sentimos isto podemos quase verter lágrimas, sobretudo quando atravessamos momentos difíceis e constatamos que não somos esquecido do Alto interno, profundo e universal. E há que fazer então algumas sintonizações do silêncio e da respiração e logo voos ou subidas para o Alto neste espaço silencioso tanto  interior como exterior que é o substracto do imenso e variado Mundo, tanto das ondas e partículas como dos sonhos, visões e actos, e que tão pouco conhecemos conscientemente nas suas características e causalidades.

Alguns gestos ajudam-nos, e em todas as religiões e tradições os encontramos, assim o erguer os braços é-nos natural, embora por vezes as dores das fracturas e feridas os baixem de novo à terra e humildemente tenhamos de reconhecer o valor da purificação em todo o caminho de conhecimento e de verdade. Mas claro, respiração e gesto ou movimento, como no Tai-Chi ou Hatha Yoga, ou nas nossas criatividades são meios valiosos para nos alinharmos, fortificarmos ou harmonizarmos...

Todavia, a imobilidade é o que permite mais entrarmos interiormente no coração em oração de gratidão e conciencializar-nos dos ritmos numerosos que atravessam os corpos físico e subtil, e deixarmos que eles venham ao de cima e respirem ou suspirem de alívio, graças à restauração das circulações em zonas do corpo afectadas, e que se libertam assim da lividez das sobrecargas, tensões, medos e más posições do quotidiano. É pela respiração aprofundada e o coração sintonizado que descobrimos uma pulsação ou ritmo por todo o nosso ser silencioso e sensível, o qual pode abrir-nos a sentirmos ou intuirmos, nos níveis subtis da alma, energias e inspirações luminosas.

O nosso coração pode tornar-se então uma grande abertura onde ora um sol dourado esparge os seus raios ora um oceano sem limites envolve-nos,  convidando-nos a uma natação suave e beatífica.

Também a fronte abre-se em olho e pode tornar-se ora um telescópio que nos faz ver o longínquo no sistema solar e no Cosmos, ora um caleidoscópio onde belas cores ou formas voltejam.

Se nos verticalizamos bem, somos como que arrancado a nós  próprios e a alma sente-se como energia cósmica presa como um papagaio colorido por um cordel ao braço ou âncora do corpo, qual barca da glória ou no caminho para a Luz, Kvarnah ou Xvarnath, na tradição zoroástrica e persa.

Podemos sentir então a paisagem ou ambiente da alma como uma foz,  e vamos numa barca, entre o rio e o mar, por entre remoinhos rítmicos, e subimos e descemos até de repente sentir-nos já como uma gaivota célere, livre, aspirando ao divino e infinito.

Por vezes, no vento que nos empurra,  vemos imagens ou intuímos  palavras sob a forma subtil de correntes energéticas nas quais, ao mergulhar ou entrar, podemos identificar as proveniências particulares: se uma constelação celestial ou um espírito celestial poderoso, ora ainda os mundos arquétipos e geométricos derramando virtudes divinas em raios e formas geométricas... 

Transformadoras e benéficas  são estas descobertas, estas vivências internas, pois quando abrimos de novo a consciência à horizontalidade da vida e do quotidiano observamo no nosso ser amor e paz profunda e até olhos, corações e ouvidos como que tremelicam ou latejam ainda com as cintilações donde viemos, e sentimo-nos com mais capacidades e vontade de ajudar os que nos rodeiam e que sofrem e aspiram a harmonizar-se e iluminar-se mais...
Assim vamos vivenciando o que foi ensinado pelos instrutores e mestres, ao longo dos séculos, dum modo que não nos perturba nem egotiza, antes ganhando sempre forças e paciência para as descidas às caves do nosso ser, às contas do passado, às dores e sofrimentos corporais e afectivos, às injustiças, sofrimentos e opressões e inépcias político-sociais, que tanto sanguesugam o melhor da Humanidade e de Gaia.
E a cada provação, a cada boa meditação,  o nosso ser perene vai talhando a sua consciência e forma e emanando harmonias. A certeza da vida futura no post-mortem e a da realidade do espírito e de Deus tornam-se medulares, ou colunas, do nosso ser e por vezes podemos tentar até introduzir tal consciência nos nossos  ainda assim frágeis e tão esquecidos ossos, de modo a verdadeiramente ressuscitarmos ou animarmos as nossas pedras de fundação últimas corporais.
É importante compreender que a vida é uma aventura, uma missão espiritual para todos os seres, mas que quase todos acabamos por a encerrar em limites tão estranhos aos seus fins originais de religação e libertação, e tão estreitos face a sua dimensão infinita e universal que quase todas as religiões e filosofias se tornam as práticas e os recreios de escolas primárias ou, vá lá, secundárias, embora nelas alguns mais devotos ou conhecedores as aprofundem muito bem pelo amor e a sabedoria, para a fraternidade, a liberdade e o Divino...
Com poucos seres poderemos compartilhar esta sabedoria que em nós renasce constantemente, pois a maioria  deseja ainda muito as ilusões e atracções externas da vida: riqueza, poder, prazer, posses, prestígio, distracções...
Temos então de deixar apenas que essas energias superiores passem  por nós, ou se ergam em centros específicos internos, e irmos pelos dias e ruas ora como aves em voo sereno, ou caminhantes peregrinos na calma atenta e forte que só se expande mais na afinidade com algum reencontro mais luminoso e afim, seja humano, da natureza ou da arte...
Certamente que por vezes devemos escrever, focalizar no papel, gerando mapas, as correntes subtis e profundas do oceano da alma, alertar algumas pessoas para estas lutas e explorações tão importantes e significativas para o auto-conhecimento, a realização imortal e  a harmonia dos seres. Como se as explorações ora fascinantes ora alarmantes dum comandante Cousteau tivessem o seu acompanhamento condigno nos níveis invisíveis, com tantas fossas do Mindanau inacessíveis à luz dos olhos, cheias de fogos subterrâneos, paixões e fanatismos que urge compensar com educação para a não-violência, ética e descidas da Luz mais divina e amorosa..
Escrevo assim porque me parece curial e transmissível o apelo espiritual que eternamente nos penetra, mas a que tão pouco ligamos, pois também nas alturas se travam batalhas para que a poluição terrestre não só não estilhace a camada do ozono e aqueça demasiado a terra, como pela sua densidade e confusão psíquica a humanidade não seja isolada das energias luminosas que tentam elevar e espiritualizar as consciências humanas, ainda tão sub-animalmente limitadas e destrutivamente desequilibradas por múltiplos hábitos e interesses egoístas.
Entrem pois as correntes espirituais, musicais e luminosas pelas nossas almas, peitos e ambientes. E como seres espirituais ergamo-nos para as tarefas e desafios que nos cabem, sabendo inter-comunicarmos e agirmos unidos e luminosamente, e em cada novo dia conscientes de podermos manifestar mais qualidades divinas que podemos e devemos desenvolver para uma melhor peregrinação e evolução de todos rumo à Divindade...
Eis o propósito final deste escrito, que deposito na sua alma leitora e afim.