Valoriza muito o profeta Daniel (significando "Deus é meu juiz", em hebreu), educado com mais três companheiros na corte real da Babilónia, "capaz de interpretar qualquer sonho e visão" e que o rei, consultando-os em questões de sabedoria e discernimento, considerava-os «dez vezes superiores a todos os magos e adivinhos do seu reino». Será Daniel que desvendará o misterioso sonho de uma estátua compósita de Nabucodonosor, pelo que o rei se prostrou aos seus pés e lhe disse: «Em verdade o vosso Deus é o Deus dos deuses e o senhor dos reis e o revelador dos mistérios, pois tu pudeste revelar este mistério»(II, 46,47).
Estamos a ver a manipulação grande no relato do que quer que tenha podido acontecer, pois como seria possível o rei fazer e dizer tal, se logo em seguida Nabucodonosor eleva uma estátua de ouro a si mesmo e queria que todos a adorassem...
Este sonhos e visões imaginativas do religioso hebreu que no II séc. a. C escreveu o Livro de Daniel foram um dos contributos de esperança ou miragem do messianismo judaico do V Reino, o messiânico que havia de vir, em Portugal tornado o V Império.
É em Daniel, VIII que surge a primeira menção de um dos grandes arcanjos da história judaico-cristã, Gabriel, e podemos dizer que foi o anónimo escritor do Livro de Daniel quem de facto inventou nomes e entidades que se tornariam tão famosas e poderosas, tais como Mikael ou Miguel, e Gabriel, este que terá a fortuna tanto de ser o anunciador do nascimento de Jesus a Maria como, uns séculos depois, quem, já com o nome árabe de Jibril, ditará ao profeta Maomé o livro sagrado do Islão, o Alcorão...
Será só no cap. X, quando é relatada a aparição de «um homem vestido de linho, com os rins cingidos de ouro puro, seu corpo tinha a aparência de crisólito, e seu rosto o aspecto de fogo, seus braços e suas pernas como como o fulgor do bronze polido e o som das suas palavras como o clamor de uma multidão. Somente eu vi esta visão...»
O que diz esse homem resplandecente, mais tarde identificado a Jesus?
Aqui é feita a menção pioneira a S. Miguel ("Quem é como Deus?"), a única que há em todo o Antigo Testamento. Mas como poderia ser Jesus, a lutar com o anjo ou arcanjo persa vinte e um dias e sendo ajudado por um dos primeiros Príncipes, Miguel, e referindo a Daniel o teu povo, que não dele?
Seguem-se mais duas aparições de seres parecidos com homens, a última acabando por ser a inicial, pois diz a Daniel:
"Sabes bem” – prosseguiu ele – “por que vim a ti? Vou voltar agora para lutar contra o chefe da Pérsia, e no momento em que eu partir virá o chefe de Javã.* 21. Mas (antes), te farei conhecer o que está escrito no livro da verdade. 22. Contra esses adversários não há ninguém que me defenda a não ser Miguel, vosso chefe."
Vemos assim Miguel a tornar-se, de um dos principais chefes ou príncipes, "o vosso chefe". Que manipulações e interpolações o texto não terá sofrido, só um persverante estudioso deste livro o poderá adivinhar...
Segue-se uma longuíssima descrição de lutas entre povos da região no III e II século, e que trabalho para o pseudo Jesus ter de as estar a prever, e a descrevê-las a Daniel. Quando por fim se entra no cap. XII, reaparece Miguel: «Então se levantará o grande príncipe Miguel tomar a defesa dos filhos do teu povo». Ou noutra versão «que se conserva junto dos filhos do teu povo. Será um tempo de tal angústia qual jamais terá havido até aquele tempo, desde que as nações existem, mas nesse tempo o teu povo escapará, isto é, todos os que se encontrarem inscritos na vida. E muitos dos que dormem no solo poeirento acordarão, uns para a vida eterna, outros para o opróbio, para o horror eterno». Seguem-se depois as histórias de Susana e do dragão e como o Anjo de Senhor levou pela cabeleira o profeta Habacuc até à Babilónia para este dar a refeição que confecionava a Daniel, que estava na cova dos leões... I
Como sabemos, o género de visões apocalípticas são fruto de imaginações frondosas que, por vezes, quanto muito, captaram no mundo astral ou imaginal certas imagens e forças germinantes, e que, de acordo com a sua sensibilidade desejos e receios, criam histórias, que podem mesmo ver, quais sonhos e filmes, e neste caso temos um escritor (aliás mais do que um, pois distinguem-se várias histórias adicionadas) a relatar os feitos e visões de um profeta Daniel, muito provavelmente uma figura ficcional que serviu para fortificar os judeus face a outras religiões e povos, descrevendo mistérios da história, do porvir e do Divino que nem Jesus se atreveu mais tarde a dizer, reservando unicamente ao Pai, seja quem ele for, tal conhecimento.
Defende o autor do livrinho, Na Hora de S. Miguel, Gabriel Bosco ainda que já antes de David se aponta a intervenção de S. Miguel «ocultando aos judeus o corpo de Moisés, para que aquele povo, propenso como era à idolatria, não caísse nesse erro, tributando ao corpo do seu libertador honras só devidas a Deus». É claro utra mistificação, pois Moisés morreu e foi enterrado, e não veio um Arcanjo esconder o corpo ou levá-lo num lençol para o céu. Também seria Miguel o anjo que teria aparecido a Josué depois da passagem do rio Jordão, pois apresentou-se: «Eu sou o príncipe dos Exércitos do Senhor.» Era o tempo de Jehova, o deus das batalhas e dos extremismos, um deus muito cioso das suas ordens e culto, uma concepção primitiva e nacionalista de Deus, que Jesus repudiou, apresentando antes uma concepção de Deus bem mais harmoniosa...
A fortuna do pseudo-profeta Daniel, um dos primeiros visionários apocalípticos, logo a seguir a Ezequiel, e o criador de Arcanjos tão importantes no futuro, foi grande e chegou até à Europa cristã, em especial à Inglaterra dos puritanos e da V Monarquia e ao Portugal das fantasias do V Império, de ambas estando bem conhecedor Fernando Pessoa, como já antes o P. António Vieira. É de Daniel também, por exemplo, que vem a ideia e a expressão «Será salvo todo aquele que estiver inscrito no Livro da Vida», bem como a maluquice da ressurreição da carne e dos corpos físicos, que a tantas religiões e seitas se estendeu, pois não teve mão restrita nas suas visões e profecias. A obra é muito violenta, por exemplo, pondo os anjos a rachar a cabeça ao meio de dois anciões que tentaram possuir a casta Susana. É com Daniel que termina o profetismo do Antigo Testamento, talvez porque foi tão extraordinária e pesada a avalanche de visões que ele criou que mais ninguém se atreveu a levantar a voz como profeta visionário em nome de Deus. Teremos de aguardar algum tempo, para já no seio do Cristianismo, o mesmo veio hebraico apocalíptico se manifestar, fazendo-o em nome do apóstolo querido de Jesus, João, sabendo nós que é uma obra de um judeu cristão, um zelota ou extremista, por volta de 80 d.C.
O autor do Apocalipse (e certamente não foi o apóstolo João, tal como Erasmo já no começo do séc. XVI provara e a crítica textual actual confirma) não conheceu Jesus, mas sim e muito bem as visões e profecias de Isaías, Ezequiel e Daniel, utilizando-as frequente mas discretamente na feitura da sua obra imaginativa, provavelmente escrita para afastar os cristãos de estabelecerem acordos ou acomodações com outras comunidades religiosas e para dar continuidade de valor aos profetas do Antigo Testamento, em riscos de serem destronados, caso o Cristianismo nascente conseguisse ter cortado com o Antigo Testamento, o que desgraçadamente sabemos que não aconteceu, enredando em pessoas em muita história e concepção errada e violenta...

Quanto à relação do Arcanjo de Portugal e o arcanjo Miguel, algo que vários têm procurado, com diversas motivações e esoterismos, refere Gabriel Bosco que embora no Congresso Internacional da Mensagem da Fátima, no Ano Santo [1951], o eng. Varela Cid pretendesse «provar ser S. Miguel o Anjo de Portugal», e que ele próprio também o desejasse, «não tem nenhuma revelação divina, autenticada pela Igreja, a confirmá-la». Menciona antes as três estátuas principais do Anjo Custódio de Portugal, em Évora, Bucelas e igreja da Encarnação em Lisboa, ainda hoje existentes. Não mencionou outras bem importantes, tais como as do convento de Tomar, a da Sé de Braga, a da igreja de Santa Cruz em Coimbra, da autoria de Diogo Pires, reproduzida em seguida.

























