segunda-feira, 27 de setembro de 2021

"O Impacto Português sobre a Civilização Japonesa", de Armando Martins Janeira. Resumo valorativo por Pedro Teixeira da Mota.

Em 1970, quando estava prestes a terminar o seu segundo posto diplomático no Japão, o embaixador Armando Martins Janeira (1914-1988) publicava uma das suas obras históricas mais valiosas, O Impacto Português sobre a civilização Japonesa. Após ter conhecido profundamente, cerca de dez anos, o Japão em muitas  vertentes e, sobretudo, a presença e influência portuguesa, sente-se capacitado para mostrar  os  momentos e actores principais dessa dinâmica inter-relação, que sabemos ter-se metamorfoseado de uma fase de grande abertura e receptividade numa de desconfiança e por fim de rejeição total e extremamente violenta das tentativas de evangelizar e, no fim último, mesmo do comércio.

                                    

Podemos  interrogar-nos se os ataques ao Budismo e ao Shintoísmo, com tantas práticas espirituais e tantas harmonizações com a natureza valiosas, se o pôr em causa a ordem feudal nipónica, causados pelos missionários e os cristãos japoneses, poderia ter sido evitado e assim o diálogo entre Portugal e o Japão, o Ocidente e o Oriente ter prosseguido pacificamente?   Podemos interrogar-nos se, além de mostrar os principais intervenientes dessa entusiástica chegada e recepção, com os seus feitos e desventuras, e as influências  que tiveram e deixaram, Martins Janeira também vai equacionar as limitações,  ou mesmo os defeitos de base do cristianismo missionário face a civilizações do Extremo Oriente em vários aspectos muito desenvolvidas, tais como a Indiana, a Nipónica, a Tailandesa, a Chinesa, e com cultos religiosos e concepções espirituais muito especificamente ligadas há milénios com os seus povos e ambientes?

                                   

No prefácio Martins Janeira não nos deixa ficar desiludidos ou frustrados, pois assume uma capacidade de observação isenta e justa  avaliando bem quão funesta foi a persistência de evangelização forçada deseja ou querida pelo rei, conselheiros e jesuítas, face à resistência e repúdio que os dáimios japoneses começaram a manifestar ao fim de algum tempo, antes propondo estes as meras trocas comerciais. E por isso essa evangelização  forte inicial foi com grande crueldade decepada, passando os Holandeses a cumprirem o nosso papel de transmissores da cultura e ciência ocidental, sem tocarem em religião e ordem social, sem demonstrarem proselitismo ou mesmo fanatismo religioso. Rastear e expor essas partilhas de ideias, saberes e civilizações será então o escopo da obra, a que junta a notícia da participação no começo do séc. XX de Wenceslau de Moraes, um dos ocidentais que melhor compreendeu o Japão, e que até mesmo se japonizou em certos aspectos.

A obra, um in-4º de 340 páginas,  está dividida em duas partes, A História, com sete capítulos, o I sendo a Chegada dos portugueses ao Japão, onde se mostra que terá sido em 1542 ou 1543 a chegada de navegadores, ou António da Mota, no dizer dos historiadores da época António Galvão e Diogo Couto, ou Fernão Mendes Pinto, e que quem primeiro usou o nome Jampon foi Tomé Pires, na Suma Oriental, a partir do malaio ou chinês, significando «país originado no Sol». 

                                       

No capítulo II Encontro entre os Portugueses e os Japoneses e o que pensaram uns dos outros,  narra a breve apreciação positiva em algumas crónicas nipónicas do carácter do português, mas não da sua civilidade e etiqueta, e transcreve de Jorge Álvares, um transmontano de Freixo de Espada à Cinta, que andou com S. Francisco Xavier, a sua excelente descrição do povo japonês.  

No capítulo III - O Governo Japonês e a cristianização, narra cronologicamente desde  os começos, com a chegada em 15-VIII-1549 de S. Francisco Xavier ao porto de Yamagawa, em Kagoshima, capital de Satsuma, a sua tentativa frustrada de ser recebido benignamente pelo imperador e a sua escolha acertada de ser  apoiado pelo dáimio ou rei de Yamaguchi que «dá licença aos padres vindos a este país das regiões do Ocidente, de acordo com o seu pedido e desejo que chega, para encontre ou construírem um mosteiro e casa a fim de espalharem a lei de Buda». Foi assim entregue aos jesuítas um mosteiro budista, começando uma época de frutuoso diálogo, anotando Armando Martins Janeiro, em relação a uma carta de S. Francisco Xavier em que «observa que os japoneses não têm conhecimento da criação do mundo. O que mais sentiam era ouvirem dizer que as almas tinham um Criador que as criava. Aqui os missionários acertaram nos dois princípios em que o Budismo  fundamentalmente diverge do Cristianismo: a ausência da ideia de criação do mundo e a inexistência da alma». Significativas também as questões que levantavam, quanto a Deus ter criado os demónios, ou os humanos com "tantos pecados e fraquezas", ou o Inferno onde os fazia sofrer eternamente.  O sucesso foi grande em Yamaguchi, como também com o dáimio de Bungo, que soube aproveitar-se do comércio e das armas, mas depois foi enfraquecendo. Um erro de perspectiva, ser mais importante e mais possível converter a China, levou Francisco Xavier a morrer às portas dela, precocemente, pelo menos nos seus 46 anos, em 1552.  

Seguem-se  os sucessivos governantes: Oda Nobunaga, um guerreiro de grande valor, que unificou bastante o Japão à custa de muitas batalhas e mortes,  simpático e dialogante com os cristãos, sobretudo com o P. Luís Fróis,  de 1569 a 1582, ano em que, face a uma rebelião das suas tropas, decidiu cometer o harakiri ou seppuku;   Toyotomo Hideyoshi, durante cinco anos favorável e desde 1587 contra a evangelização mas não o comércio, devido aos fundados receios de intromissão política «porquanto nós outros estamos já assentados nestas leis dos Camis [espíritos divinos, deuses], não temos para que desejar de novo outras leis», a que se juntaram outros factores e ocorrências, tais as lutas entre franciscanos e jesuítas, ou a arrogância dos Espanhóis (que projectaram conquistar militarmente a China, e com o caso do galeão San Filipe, em 1596), dando-se a 1ª perseguição, destruição (120 igrejas) e martírios em 1597, na futuramente totalmente martirizada Nagasaki.

Segue-se a dinastia xogunal Tokuguwa, fundada em 1603 por Ieysau, quando chega  a haver cerca de um  milhão de cristãos, mas em que de novo por circunstâncias várias o cristianismo é proibido, com o édito de 27-I-1614, que denuncia «o espalharam a má lei, derrubaram a verdadeira doutrina, para assim poderem mudar o Governo e dominarem o país». Sucede-lhe o seu filho  Hidetada, que continua com mais crueldade a perseguir os cristãos, com novo martírio colectivo em Nagasaki. Depois, e reinando de 1632 a 1651, vem Iemistsu, sem dúvida o mais cruel de todos, e que acaba com o Cristianismo visível, estabelecendo mesmo uma Inquisição em 1641 contra os cristão japoneses que ainda se conservavam clandestinamente.   

Será só com à reabertura do Japão ao Ocidente, imposta pela chegada do comodoro norte-americano Matthew Perry, e a sua forte armada, a Yokoyama, em 1853-1854,  que dois portos japoneses, Shimoda e Hakodate, se abrem ao comércio com os norte-americanos e depois aos outros povos ocidentais, ocorrendo também a liberdade religiosa de práticas, esta apenas a partir de 1873, após algumas perseguições que indignaram jornalistas, intelectuais, diplomatas, tal  Léon Pagès, que fora adido na China e que escreveu dois livros sobre o Japão, um sobre os mártires, o outro a pioneira Bibliographie Japonaise, ou Catalogue des ouvrages relatifs au Japon qui ont été publiés depuis le XVe siècle jusqu'à nos jours, 1859, onde cita mais de 700 obras e manuscritos. Detalhando vários dos martírios e o que acontecia  de fervor religioso, Armando Martins Janeira corajosamente põe em causa a justificação da perseguição violenta aos cristãos que acontecera, pois segundo o notável especialista de filosofia e religião comparada, e especialista da Vedanta e do Budismo, Hajime Nakamura (1912-1999, sob uma grande tolerância religiosa imemorial, tal apenas derivara da «incompatibilidade entre o cristianismo e a moral japonesa de total dedicação ao clan e ao imperador», lembrando-lhe que, se tal era verdade religiosamente, já no dizer de Alexandre Valignano (1539-1606), um dos mais preparados e lúcidos missionários, «profundo conhecedor do Japão e do carácter japonês», os Japoneses «são muito cruéis e fáceis em matar, porque por leves coisas matam os seus súbditos e não estimam em mais cortar a um homem a cabeça ou de meio a meio como se fosse um cão», crueldade que  abundará ao longo da história chegando mesmo ao séc. XX, com a Kenpei-Tai, «a política do pensamento».   Apoiando-se em Alice Matsunaga, Budhist Philosophy of Assimilation, presente numa das centenas de notas bibliográficas que enriquecem o livro, Armando Martins Janeira, reafirma: «o carácter de tolerância da religião budista é, porém, inegável. Esta provém  não só da compaixão budista mas também da capacidade de assimilação de outras crenças». Ressalve-se contudo a desvalorização do ser humano, ao não se lhe atribuir um espírito, uma identidade real...

No capítulo IV, A Penetração do Cristianismo na sociedade Japonesa,  Armando Martins Janeira reflecte sobre a rapidez da cristianização e a importância da capacidade de osmose com a população e os seus hábitos: «Para atingirem um maior aprofundamento, mais íntimo contacto com a vibração da alma popular, os missionários imbuíram-se da cultura, adoptaram os hábitos e até a maneira de vestir dos japoneses». Lembremo-nos de Roberto da Nobili e de S. João de Brito, na Índia. Talvez erre quando generalizando o que passou na cabeça de uns poucos de mais messiânicos ou fanáticos, escreve: «Depois que os missionários viram que era impossível submeter o Japão pelas armas, a causa da cristianização do Japão tornou-se uma causa desesperada», tanto mais que dá no livro muitas causas para o falhanço do sonho da evangelização, quanto a mim os principais sendo a percepção por parte dos principais governantes e religiosos dos perigos de destruição da ordem social e religiosa hierarquizada com o igualitarismo fraterno cristão. Neste sentido aliás, cita, aprovando, a visão de Wenceslau Moraes: «não podiam permitir tamanha influência moral, exercida por estranhos, tendente à desintegração da família japonesa, ao fanatismo, à opressão religiosa, à inquisição e certamente, como remate, ao domínio político dos brancos no solo dos mikados». Serões no Japão. p. 134. Valiosa ainda ideia de que os contributos ficaram e no séc. XX frutificaram melhor.


No capítulo V - Os Missionários e a civilização Japonesa,  apresenta os que melhor compreenderam e escreveram sobre o Japão, o povo japonês e a sua vida, história e cultura: os padres João Rodrigues (1561-1634) Luís Fróis (1532-1597), e Alexandre Valignano (139-1606), este tão importante na viagem dos legados dos daimios japoneses à Europa, que tanto sucesso teve. Será já em 1981 que Martins Janeira dará à luz mais aprofundamento deste capítulo dos missionários num livro Figuras de Silêncio. A Tradição Cultural Portuguesa no Japão de Hoje, onde em três partes, Passado e Presente, As Cidades e As Figuras  nos apresenta, na última parte, oito dessas grandes almas do relacionamento luso-nipónico.

No capítulo VI - As relações políticas e diplomáticas entre Portugal e Japão, são  bem apresentadas as aspirações, apoios, encontros, tratados, sucessos, desencontros e final afastamento.

No capítulo VII - As relações económicas, quase um século de comércio Luso-Japonês, mostra a partir da afirmação de Luís Fróis que os padres e cristãos «viviam à sombra da nau» que anualmente vinha de Macau e que gerava o principal comércio com os japoneses,  algumas das vicissitudes, além das boas trocas e os rendimentos que os jesuítas ganhavam para as suas custosas missões.

A Segunda Parte do livro, O Impacto Português sobre a civilização Japonesa, divide-se em  seis capítulos, no 1º O Embate entre a civilização Oriental e Ocidental, em que considera como o impacto foi forte e benéfico. No 2º, O Impacte Português e a Unificação do Japão, demonstra que a presença dos Portugueses provocou no governo xogunal uma mais esclarecida consciência da individualidade da cultura nacional e da necessidade de um poder unificado e nacionalmente obedecido», o que veio a servir após a Restauração  de 1854 para uma absorção rápida do melhor do Ocidente.

No 3º capítulo, A Influência Portuguesa na civilização Japonesa subdivide-se, em três: Cristianismo, Xintoísmo e Budismo. Cristianismo e Confuncionismo. Cristianismo e a alma japonesa, e no 1º caracteriza bem o sincretismo que se alcançou da religião original, o Shinto, com o Budismo, e  como isso «contrasta com a rigidez do cristianismo, que no Japão declarou guerra às religiões xintoísta e budista, destruindo, quando podia, os seus templos.» Alguns erros graves de não aculturação religiosa por parte dos jesuítas são apresentados, tal o de recusarem o culto dos antepassados, algo que hoje o cristianismo no Japão já não impede, ou ainda quanto ao conceito e nome com que se deveria designar Deus, Dainichi, adaptação budista da expressão shintoísta Grande Sol, ou Kami, a tradicional designação shintoísta para espíritos ou deuses, acabando por vencer esta, sugerindo Martins Janeira como a melhor tradução "ser superior". 

Valioso também o trazer à colação o filósofo Suzuki Shôsan (1579-1655) e os seus escritos Perguntas e respostas sobre o Deus Cristão, e Refutação da Cristandade, das quais transcreve algumas das argutas questionações: «"Porque razão Deus não apareceu em todas as nações para a todas as salvar indiscriminadamente? Porque permite Deus a outros Buddhas [que Jesus] pregar diferentes doutrinas? Como pode um homem ser sacrificado para o bem dos homens e ser Senhor do Céu e da Terra? Se Deus é omnipotente e perfeito por que razão criou um universo imperfeito? Porque criou o mal? Como pode Deus ser Todo Misericordioso se permitiu durante os cinco mil anos antes do nascimento de Jesus Cristo que todos os seres humanos fossem para o inferno? E como é possível ser bom e castigar com sofrimentos?".

 «Estas observações, críticas, são semelhantes às formuladas no Ocidente, o que mostra a agudeza de Shosan, que não tinha quaisquer conhecimentos dos problemas da teodiceia. Outros raciocínios de Shosan são derivados da sua crença budista: Porque Deus não deu alma aos animais (no budismo todos os animais e até coisas têm alma) e deu alma ao homem dotado do poder fazer mal? Tudo no mundo tem uma causa - como pode o milagre ir contra a lei da causalidade? Os cristãos insistem na ideia da existência e incitam a pensar e a sentir; deste modo repetem o ciclo infinito do sofrimento e da ilusão [maya]; se Deus é uma presença real e criou um universo real, o ciclo do ser humano é também real e por isso não pode tender para o último fim, o nada. Daqui em diante Shôsan embrenha-se na exposição e argumentação  budista que não
tentamos seguir.
A argumentação de Sho
san era desenvolvida com notável
habilidade e era largamente admirada. A sua posição era radicalmente racional, criticava o cristianismo como se fosse apenas um sistema filosófico, tal como fazem hoje os cristãos ao criticar o budismo.»
Já no sub-capítulo Cristianismo e Confucionismo mostra bem «como no
Japão o confucionismo servia de justificação a um poder político ilimitado, ao qual o indivíduo devia total subordinação e obediência. Cada indivíduo tinha, por nascimento, o seu lugar rigidamente fixado no corpo social e não existia nada semelhante à mobilidade social estimulada na China pelo sistema dos exames. Apesar de o confucionismo da escola de Chu Hsi ter sido trazido para o Japão pelos monges zen durante a dinastia Ming, e de tal escola ter fornecido ao budismo zen o pensamento ético, que o budismo zen não possuía, o antagonismo entre o budismo e o confucionismo surge repetidas vezes na história do Japão», já que houve tanto as tentativas constantes dos ditadores militares tentarem impor-se como a resistência das seitas budistas, bastante hierarquizadas e independentistas.
No sub-capítulo O Cristianismo e a Alma Japonesa,
demonstra como os jesuítas discerniram muito bem a psicologia japonesa, da qual a História da Igreja do Japão, do P. João Rodrigues, livros I e II, contém pioneiras compreensões e os testemunhos das adaptações. E levanta bem, numa das questões mais tensas: «é a religião católica extensível aos japoneses e podem as suas verdades ser por ele assimiladas? o problema é grave, pois põe em causa a universalidade do catolicismo, a sua própria essência.», trazendo as reflexões do seu amigo cristão Shusaku Endo, prémio Tanizaki de 1966,  e conclui acertadamente com as interrogações do P. William Johnston, o tradutor e introdutor do Silêncio, de Shusaku Endo: «Se o cristianismo helenístico [e sobretudo judaico, por via da associação do Novo ao Antigo Testamento] não servir para o Japão, também ele (na opinião de muitos) não servirá para o Ocidente; se a noção de Deus tem de ser pensada para o Japão (como este romance constantemente acentua) também ela terá de ser repensada para o moderno Ocidente...», sem dúvida nenhuma, a acontecer mesmo...

No capítulo IV A Influência Portuguesa na Civilização Japonesa, escreve em cerca de oitenta páginas, 1º sobre a influência nos intelectuais japoneses, e 2º sobre as Ciências: Medicina, Geografia, Astronomia, Ciências náuticas, Ciência militar;  e as Artes: pintura, música, arquitectura, urbanismo (Nagasaki), tipografia e arte do Chá.  Já o V capítulo trata do Prolongamento da cultura europeia no Japão através dos Holandeses, onde descreve as exíguas condições na ilha artificial de Deshima, cuja monotonia era apenas cortada pela viagem (de 90 dias) anual de submissão ao xogunato em Edo, ou Tóquio. No capítulo  VI - Conclusão, cita em súmula Jiro Numata:«no conjunto, a contribuição da Nambam Bunka [a cultura portuguesa] para o progresso científico japonês foi na verdade momentosa», e acentua a libertação que o Japão conseguiu em relação à influência chinesa e ao confucionismo, citando Fukuzawa Yukichi (1835-1901), sem dúvida algo bem importante e individualizador.  Acrescenta por fim um Epílogo: As relações entre Portugal e o Japão do século XVII, no qual inclui optimisticamente O futuro - Convergência dos interesses luso-nipónicos. Esta excelente livro, reeditado em 1988, com prefácio de Pedro Canavarro, nas Publicações Dom Quixote,  conclui com as extensas e bem informativas notas bibliográficas e com as Palavras japonesas que passaram para a língua portuguesa e as Palavras portuguesas introduzidas no vocabulário japonês. 

 

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Armando Martins Janeira e Luís de Camões: o universalismo ecuménico e místico, nos "Lusíadas" e nos Descobrimentos, de outrora e de hoje.

                                          

Armando Martins Janeira, assim nomeado a partir da sua vivência nipónica, mas do seu natural transmontano Virgílio Armando Martins (Felgueiras,1914-1988), cedo se deliciou com a poesia, pois a sua mãe e avó foram professoras, da qual se veio a tornar um bom conhecedor não só da portuguesa como da universal, desenvolvendo ou escrevendo porém antes, a par do notável desempenho das suas importantes funções consulares e diplomáticas, peças de teatro e livros de ensaísmo e comparativismo, vindo a tornar-se depois um dos nossos melhores estudiosos e autores acerca do Japão e das relações históricas, culturais e religiosas luso-nipónicas.

                                        

Ora um dos seus primeiros mestres foi Luís de Camões, um ser orientalista e universalista, tal como ele próprio veio a ser, e se dezassete anos passou Camões na Índia e no Extremo Oriente, Armando Martins Janeira não ficou distante pois os onze anos passados em duas missões diplomáticas no Japão foram bastante intensos cultural e socialmente, como o próprio grande escritor Shusaku Endo reconheceu, ao referir-se à sua hospitalidade dialogante e ecuménica, no prefácio a uma das obras de Armando Martins Janeira.
O tributo ao pioneiro Luís Camões foi prestado cedo, pois em 1947, na sua primeira obra, sob o pseudónimo Mar Talegre, intitulada Camões, Bocage e Fernando Pessoa, mostra a sua estreita convivência com estes poetas, além de Antero de Quental por vezes referido.

Em 1971, voltará a Camões na Literatura Mundial, numa conferencia realizada em Tóquio, e trinta e dois anos depois, Camões foi de novo tema de uma conferência realizada em Londres, em 1979, e que se encontra online, - Meu Camões - Armando Martins Janeira, http://armandomartinsjaneira.net - onde confessa o seu amor e amizade: “Desde os meus tenros anos que Luís de Camões é meu camarada, meu mestre e meu amigo. Um Camões galante e indómito que me deslumbrou em rapaz; um Camões sereno e amargurado, cuja companhia na maturidade me conforta e ensina.”, e manifesta o seu conhecimento dos estudos biográficos camonianos e da sua multifacetada obra, destacando nela o Humanismo universalista, o equilíbrio entre o sentimento e a razão, a sua poderosa imaginação e força amorosa e mesmo erótica que perpassam nas Rimas, nos Lusíadas e na sua vida, destacando com pioneirismo, e em contraste com a maioria dos interpretes camonianos, este realçar do Eros carnal como fonte de exaltação heróica e de comunhão com o Cosmos Divino...

Este conhecimento é íntimo e foi adquirido prolongadamente, confessa: «Tive a sorte rara de ler Camões em vários países da Ásia. Li-o na gruta de Macau. Li-o no Japão de Mendes Pinto; recitei-mo baixinho perto do Eufrates e do Mecong; li-o na ilha de Moçambique, bela e serena, que para ele foi dura e falsa; li-o em vários lugares do mundo por onde ele deixou em pedaços a vida repartida. E li-o no mar, levantando de quando em vez os olhos pensativos sobre o mistério imenso das águas. E também o li no alto do Talegre transmontano, contemplando serranias de onde os maiores navegadores partiram, não podendo resistir ao apelo do mar, o que é mistério ainda maior.»
Ora no livro Camões, Bocage e Fernando Pessoa, um in-8º de
99 págs, impresso como dissemos em 1947,  na saudosa tipografia do Conde Barão, em Lisboa, Armando Martins Janeira tece considerações e apreciações bastante valiosas, por vezes bem originais, embora uma, mais  polémica, estimulou-me a questioná-la...

Nas vinte e oito páginas da Introdução, escritas com bastante originalidade e elevação, divididas em quatro sub-capítulos: Poesia que “é a revelação do Desconhecido, do mundo nebuloso e mágico, oculto sob a superfície da realidade certa”, “a mais rica e mais completa expressão do Homem e do Mundo”; Essência da Poesia, onde valoriza a busca do Mistério por todas as forças racionais e irracionais, e considera linguagem poética a primeira em que se “procurou exprimir a beleza”, sendo “a verdadeira poesia a que apreende a essência das coisas e dos seres e a vibração da sua eternidade”, talvez aqui revelando algo de Teixeira de Pascoaes; Espírito da poesia portuguesa, onde valoriza bastante Antero de Quental e a sua profundidade de pensamento e visão, criticando o conde Keyserling que na Analyse Spectrale de l'Europe (também criticada por Fernando Pessoa que anonimamente o ouviu mesmo em alguma das suas duas conferências lisboetas) vira na nossa poesia apenas lirismo, herdado dos provençais; e Europeidade, onde investiga com originalidade os "princípios essenciais" ou as "linhas mestras" que lhe são fundamentais: «a sua natureza e validade ecuménica, que contém uma força insita para expandir-se universalmente; o predomínio do conhecimento e da exploração do mundo material sobre a do mundo interior (o que nos separa da Ásia) mas dando no entanto a este um rico quinhão (o que nos distingue da América), a combinação harmoniosa da razão com o sentimento; um fundo moral comum que se alimenta do cristianismo, inconciliável com o pensamento filosófico e político e a moral científica que a Europa se criou; a sua incapacidade para actualizar essa base moral, de cujo atraso resulta um desespero metafísico doloroso, mas fecundo, desconhecido de outros continentes», e pensamos que Martins Janeira pensaria não só em Antero de Quental, mas também em vias  negativas e existencialistas posteriores, e que desembocarão nos dias de hoje ainda em muito pseudo-esoterismo, fés cegas e ateísmos, mais ou menos cientistas...
Acrescentará porém outros traços marcantes, talvez algo
idealizados: "a consciência duma essencial missão espiritual, desapegada de interesses terrenos; a contemplação lírica e sensual da natureza, aliada à impossibilidade de integrar-se nela, que leva às conquistas e à recriação do mundo pela ciência; um idealismo prosélito, activo e missionário, terrenal e nunca ingénuo, que iluminou os seus maiores santos, guerreiros e político; uma exaltação épica atrevida e inconsiderada que conduz à aventura pelo sabor dela, ao arrrojo sobre o que se mostra impossível, que foi o fogo dinamizador dos seus grandes feitos históricos e a tessitura das suas lendas; um aferro pagão à vida e simultaneamente um desprezo dela por um ideal (...)», concluindo que tal convergência de correntes, ideias e movimentos criou "uma comunidade de substância espiritual", "que tem a consciência duma missão universal, isto é, a fé em si própria de ser capaz de realizar os seus próprios destinos e os destinos do universo
pela sua inextinguível reserva de forças espirituais».
Resta saber como Armando modificaria este optimismo
ocidental, face ao domínio que a civilização americana, criticada por ele, acabou por conseguir sobre a Europa, desfigurando-a muito, para além da existência de outros povos que têm também consciência das suas missões espirituais e sociais planetária, tal a China, a Rússia, o Irão e que estão a ressuscitar das opressões últimas a que tem sido sujeitos e a libertar vários povos da opressão do imperialismo norte-americano e de certo modo também ocidental e europeu. Veja-se ainda  como a União Europeia tem estado submetida a ditames externos à sua missão de lucidez, independência, diálogo e justiça....

No capítulo dedicado a Camões, de trinta páginas, destaca os três veios da obra camoniana: Em 1º, o Pensamento Europeu, afirmando mesmo «o homem que no Portugal da Renascença mais profundamente revela a sua consciência europeia, é Camões. Como Erasmo, desejava uma Europa unida, e é dos poucos espíritos que então tiveram clara consciência do perigo que a ameaçava e da missão que se lhe impunha de defender a cultura que trabalhosamente se criara», realçando ainda ser um continente cristão que se tinha que defender da ameaça islâmica e otomana. Ressalve-se que Erasmo no seu adágio a guerra só é doce aos inexperientes e noutros textos sobre a guerra e a paz, defendeu que antes de se irem guerrear ou converter islâmicos ou povos pagãos, deviam os cristãos converterem-se às vivências, valores e religações transmitidas por Jesus.

 Em 2º, a Concepção Heróica da grandeza Humana, o valor do da dignidade do ser humano (como defendera Pico della Mirandola, na imagem dum fresco florentinono meio de Ficino e Poliziano), muito bem desenvolvido, afirmando por exemplo que nos « Lusíadas o homem é exaltado até ao sumo da sua humanidade. O espírito, movido pelo ideal e por um ardente misticismo, que é, ainda, uma força do próprio espírito, desenvolve forças poderosas e ilimitadas, capazes de dominar toda a terra e de dominar mesmo a fraqueza da sua misérrima morada corporal», citando alguns dos melhores versos, tais: «Por feitos imortais e soberanos, … Divinos os fizeram, sendo humanos». Mas não esquecerá os mais pequenos na sua obra e muito lucidamente Armando Martins Janeira discerne já em Camões, e em sintonia com António Sérgio «um certo pensamento a que hoje poderia chamar-se democrático», na sua crítica aos mais poderosos, ricos e arrogantes.
Em 3º, o Universalismo, já que Camões soube unir os valores
medievais com os renascentistas, o que, graças à sua experiência e conhecimento da natureza humana, tornam-no “um homem universal, um desses seres extraordinário que se erguem à visão vasta dos problemas essenciais e dos caminhos que conduzem a evolução dum povo ou duma cultura», insistindo ainda que a gesta dos Descobrimentos «dá ao espírito europeu uma extensão ecuménica».
Todavia este universalismo, que Armando Martins Janeira reconhece naturalmente
nos Descobrimentos aos portugueses, tem contudo, nomeadamente na tal dimensão ecuménica, algumas limitações e máculas, sabidas e derivadas da mentalidade fanática ou inquisitorial e que Armando Martins Janeira não considerou necessário mencionar neste seu estudo literário.
Ora, perante o ódio ao Islão, ao ismaelita, que vemos expresso nos
Lusíadas, Armando Martins Janeira consegue compreender e aceitar tal ódio como real e justificado, se bem que eu considere isso em Camões, um fiel do Amor, até mais retórico e de sujeição à Igreja e à censura inquisitorial, e dá-nos as seguintes indicações nessa sua linha de raciocínio: «o amor e o ódio seriam os dois sentimentos mais fortes do ser humano, e é dessa oposição entre os dois polos contrários, o amor e ódio, em que a vibração do espírito camoniano é tão sincera e intensa, que se «alimenta o seu misticismo – porque todo o misticismo é a atingência do ponto máximo de amor, o qual mais sobressai e mais alto sobe quanto mais fundo for o ódio, quer seja o ódio do pecado, quer seja o ódio da fé inimiga.»

Parece-me contudo que o misticismo, enquanto sensibilidade, aspiração e amor a Deus, ao espírito, ao mundo espiritual, ao bem e ao Amor primordial, nutre-se bem mais de um desprendimento do mundo, de uma certa solidão, fome e desejo da Divindade, do que do ódio. O ódio conduz mais ao fanatismo do que ao misticismo, e embora haja misticismo fanático, e podemos observá-lo em alguns padres da igreja e até santos, ou que assim foram considerados, tal S. Domingos de Gusmão, ou ainda em membros da famigerada Inquisição, e nos extremismos islâmicos ou de certas seitas modernas, na verdade, a base do misticismo é a aspiração amorosa ao conhecimento ou à relação próxima e unitiva com Deus, ou com os seus intermediários, Jesus, Maria, e até Anjos e santos...
Pelo que a conclusão a que chega em seguida me parece menos curial: «Mas este ódio não estreita o seu humanismo, não diminui a sua larga simpatia humana, porque não é o ódio ao homem, é o ódio à fé alheia pela exaltação da irrompente força mística da própria fé.»
Ora parece-me que o ódio estreita o humanismo humano e diminui a sua larga simpatia humana, pois o ódio à fé alheia abrange os homens que a seguem, que a defendem ou que lutam mesmo por ela. Tanto mais que a «exaltação da irrompente força mística da própria fé» tanto acontece numa como noutra religião, e diga-se que essa força mística irrompente é algo primária e não matura ou elevada, já que misté, significa silencioso, ou seja os místicos eram os que conseguiam ver e sentir mais do espírito, do mundo espiritual e angélico e da Divindade, e calavam pela sua quase inefabilidade e para não deitarem pérolas aos que, não as compreendendo, as podiam menosprezar ou danificar.
Creio assim bem mais que Luís Camões não tinha ódio aos inimigos da fé, nem sequer teria ódio ao Islão em si, embora fosse obrigado a lutar feramente contra os inimigos de Portugal no Oriente, e desferisse alguns ataques, mais por palavras negativas, do que por argumentos, em relação ao Islâmicos, nos Lusíadas, já que eles eram os maiores inimigos dos portugueses, aos quais sucederam os Holandeses, protestantes.
                                        
O universalismo que Camões sentiu pelo seu contacto com povos e culturas e religiões diferentes só poderia nascer se o que o animava era curiosidade, abertura, simpatia, fraternidade e amor e, portanto, uma capacidade de diálogo em busca da verdade, tão patente por exemplo em Wenceslau de Moraes e em Armando Martins Janeira embaixador e amante do Japão, diálogo universalista que teve até na sua época quinhentista uma manifestação bem poderosa nos ditos inimigos islâmicos e exactamente na Índia: os encontros ecuménicos criados pelo clarividente imperador Akbar, em Fatehpur Sikri, na casa de Adoração, Ibadat khana, onde participaram desde 1575 padres católicos vindos de Goa (como vemos na miniatura), num ambiente ora fraterno ora acalorado, mas sem ódios, à parte um ou outro mais fanático, pois os verdadeiros místicos não deixam o sentimento de repulsão extrema e destrutiva, o ódio, instalar-se nas suas almas. Ou por exemplo, em 1893, no 1º Parlamento das Religiões, em Chicago, no qual tanto brilhou, no apelo da fraternidade e unidade da Religiões, Swami Vivekananda, o discípulo de Ramakrishna Parmahamsa...

                                    
Mas certamente cada um entenderá à sua maneira, o "santo ódio"  referido por escrituras, teólogos e santos e que o próprio Jesus teria dito, ou fizeram-no dizer, nomeadamente que "viera trazer a espada". Agora para de que modo a usarmos, e se ela é a do discernimento ou a de aço, fica a questão...
Concluamos com algo da bela e instrutiva interpretação de Armando Martins Janeira da nossa tão fundacional, arquétipa e imortalizadora realização amorosa e divina alcançada por Vasco Gama e os seus heroicos companheiro, na utópica Ilha do Amores, canto IX, dos Lusíadas: «A Ilha divina não é só a recompensa eterna dos navegadores, é a sua iniciação na nova categoria humana que alcançaram pelos trabalhos excessivos - é a sua heroificação.
Por isso a Ilha estará sempre neles, nunca mais perderão a atmosfera divina, o toque divino nem a companhia divina a que se ascenderam, porque ao deixarem a Ilha:

«Levam a companhia desejada
Das Ninfas, que hão-de ter eternamente
Por mais tempo que o Sol o mundo aquente.»

Saibamos "percorrer o caminho da virtude alto e fragoso", até no cimo do alto monte contemplarmos, com a Deusa, Vasco da Gama, Camões, Armando Martins Janeira e outros seres luminosos, a ordem do Universo, o campo unificado de energia consciência, a música das esferas, o Sol Divino, e intensifiquemo-nos ecumenicamente, espiritualmente, universalmente, cosmicamente...
                                              

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Tolstoi, "O meu Testamento". Do livro "Últimas Palavras". E com vídeo. Comentado com ligações a Antero de Quental, nos seus 193 anos. Com o Imagine, de John Lennon.

                       

                  O  meu Testamento, de Lev Tolstoi.

«Não há tempo a perder. Quem andou, não tem mais para andar. Inútil é hesitar e reflectir mais tempo sobre o que tenho a dizer. A morte não espera. A minha existência vai já no declínio, e a cada instante se pode extinguir. Se ainda posso prestar algum serviço à humanidade, se posso fazer perdoar os meus pecados e a minha vida ociosa e sensual, é dizendo aos homens, meus irmãos, o que me foi dado compreender mais nitidamente que eles: - o que me tortura e oprime o coração há muitos anos.
Todos os homens sabem, como eu, que a nossa vida não é o que deveria ser, e que nós nos tornamos mutuamente desventurados.
Sabemos que para sermos felizes e fazer felizes os outros, é preciso amarmos o próximo como a nós mesmos; e se nos é impossível fazer-lhe o que quereríamos que ele nos fizesse, pelo menos é possível não lhe fazer o que não quereríamos que nos fizessem...
É isto o que ensinam as religiões de todos os povos, e a razão e a consciência ordenam.  
 
[Comentário: Lev ou Leão Tolstoi (1828-1910), tal como Antero de Quental (1842-1891), foram seres muitos abertos à voz da Consciência, ou da Razão universal, ou ainda do Espírito, que sentiam dentro de si com mais força até que os preceitos de religião, embora estes fossem fortes em Tolstoi, ou os ensinamentos morais. Foram pensadores da verdade e que sentiram que ela se deixava indiciar por uma pequena voz subtil e silenciosa da consciência, ou de uma Razão universal, absoluta, divina. No caso, esta até apenas a materialização do Amor, expresso lapidarmente, no seu estado potencial, o da não-violência: - “não faças aos outros o que não gostarias que te fizessem”, embora saibamos como temos também o dever de criticar ou de nos opor ao mal, à violência, ao ódio. Este testamento que lemos foi escrito como um testemunho sincero já no fim da sua vida do que ele desejava e pensava, acreditava e sabia...]]
 
A morte do invólucro corporal, que a todo o instante nos ameaça, recorda-nos o carácter efémero de todos os nossos actos; de modo que a única coisa que podemos fazer e que pode conquistar-nos a felicidade e a serenidade é obedecer continuamente, eternamente, ao que nos determinam a razão e a consciência, se não cremos na revelação; ou no ensino de Cristo, se nele cremos.
Por outras palavras: se não podemos fazer ao próximo o que quereríamos que nos fizessem, pelo menos não façamos o que não desejamos para nós.
Posto que todos nós há muito tempo conhecemos esta verdade, os homens matam, roubam e violentam; de tal modo que em vez de viverem alegres, em tranquilidade e amor, sofrem, afligem-se e não vivenciam senão medo ou ódio uns pelos outros. Por toda a parte, na Terra, as pessoas procuram dissimular a sua vida insensata, e esquecer e abafar o seu sofrimento, sem poderem atingir tal resultado. Assim o número de pessoas que perdem a razão, e se suicidam, aumenta de ano para ano, porque está acima das suas forças suportar uma vida contrária à verdadeira vida humana...
Mas, dir-se-ia, talvez seja necessário a vida ser assim: - necessária a existência dos imperadores, dos reis ou presidentes, dos governos, dos parlamentos ou assembleias, que comandam milhões de soldados providos de espingardas e canhões, a todo o momento prontos para se atirarem um aos outros; - necessárias as fábricas e oficinas, que produzem objectos inúteis e perigosos, em que milhões de homens, mulheres e crianças são transformadas em máquinas, penando dez, doze ou quinze horas por dia; – necessária a despovoação crescente das aldeias e a acumulação progressiva das cidades com as suas tabernas, seus albergues nocturnos, seus asilos para crianças e seus hospitais; - necessária a prisão de centenas de milhares de homens. Talvez seja necessária que os casamentos diminuam cada vez mais, que a prostituição e os abortos aumentem de dia para dia, e que os homens se deem cada vez mais ao deboche.
Talvez seja necessário que a doutrina de Cristo, ensinando a concórdia, o perdão das ofensas, o amor do próximo e dos inimigos, seja inculcada aos homens por sacerdotes de seitas inumeráveis em lutas contínuas, e isto sob a forma de fábulas estúpidas e imorais, a respeito da criação do mundo e do homem, do seu castigo e da sua redenção por Cristo, e sobre tal ou tal rito, tal ou tal sacramento.
Talvez este estado de coisas seja natural ao homem, como próprio é as formigas e às abelhas viverem nos seus formigueiros e nos seus cortiços em lutas contínuas e sem outro ideal.
Talvez esta seja a lei dos homens, enquanto que o chamamento da razão e da consciência para uma outra vida afectiva e feliz não passará dum sonho, e que se não possa, enfim, imaginar e realizar tal como esta de hoje...
É assim, que falam certos opinativos...
Mas o coração humano não quer crer em tal: está sempre em revolta contra a mentira, e tem sempre, sempre, convidado os seres humanos a deixarem-se guiar pela razão e pela consciência. E em nossos dias
faz esse apelo com mais intensidade que nunca.
Não existimos durante séculos, durante milhares de anos, uma eternidade; mas, depois, eis-nos na Terra vivendo, pensando, amando e desfrutando da vida.
Ora nós podemos viver até aos setenta anos, - se, aliás, chegamos a essa idade, porque podemos não viver mais que alguns dias, algumas horas – em pesares e ódios, ou em alegrias e amor; podemos viver com a consciência de mal-fazer, ou de cumprir, imperfeitamente que seja, o que podemos julgar ser o nosso dever.
-«Tende mão em vós!... Fugi à tentação! » - bradava aos homens João Baptista,
-«Fugi à tentação! » - dizia a voz de Deus pela voz da consciência e da razão.
Antes de mais, detenhamo-nos a meio de cada uma das nossas ocupações, de cada um de nossos prazeres, e perguntemo-nos:- «Fazemos o que devemos, ou desbaratamos inutilmente a nossa vida, - esta vida que nos foi dado passar entre duas eternidade do nada?»
 
[Comentário: Esta afirmação de Tolstoi é algo dramática pois vemo-lo sem uma certeza de uma vida espiritual antes e depois da vida no corpo físico terrestre. Apesar de algumas vezes a ter admitido, ou mesmo a reencarnação, e ter-se dedicado à compilação de frases de sabedoria de muitos povos e tradições já no fim da sua vida, eis uma dramática confissão, que contudo ainda mais valoriza a sua luta constante por seguir a voz da consciência e da razão, sem outro motivo que o dever ser, embora a chegue a designar por Voz de Deus. Mas na sua luta contra os aspectos negativos da religião católica e ortodoxa acabou por não conseguir manter uma relação mística íntima com a Divindade. Antero de Quental, teve bastantes semelhanças com Lev Tolstoi, e assentou bastante a sua linha de conduta e de ética neste princípio do dever, do bem impessoal, embora algumas vezes tivesse afirmado a sua crença na imortalidade da alma e da vitória do amor sobre a morte, como alguns poemas finais retratam excelentemente, poucos para o que ele desejaria, como mais de uma vez afirmou, embora na sua adolescência tal fé e amor brilhasse mais pura e não diminuída. 

Tolstoi está assim a tentar chamar as pessoas a uma conversão mas talvez sem as fundações necessárias, que seriam: há uma vida depois da morte, o que semeias colhes, viverás num corpo psico-espiritual e num plano que estará de acordo com o que foste, sentiste, fizeste, pensaste, acreditaste.]
 
Eu sei muito bem que, devido a incitamentos ou estímulos da sociedade, nos parece impossível parar para reflectir ou meditar alguns momentos.
Uns dizem-nos: - «Basta de reflexões! Actos é que se querem!
Outros afirmam: - «A gente não deve pensar em si, nos seus desejos, quando a obra ou missão ao serviço da qual nos achamos é a da nossa família, da arte, da ciência, do comércio, da sociedade, - tudo pelo interesse geral.»
Outros sustentam: - «Tudo foi pensado e ponderado há muito tempo. Ninguém achou melhor. Tratemos de nós, e acabou-se».
Outros, enfim, pretendem: - «Reflectir ou não reflectir, tudo é um. Vive-se, depois morre-se. O melhor é portanto viver gozando. Quando uma pessoa se põe a reflectir, chega à conclusão de que a vida é pior que a morte, e mata-se. Por conseguinte, tréguas às reflexões! Viva cada um como poder!»
 
[Comentário: Sabemos como houve e há pessoas que pensaram tal em relação Antero de Quental: de tanto matutar, de pouco rir e desfrutar, melancolizara-se e fragilizara-se, e de facto a falta de maior fogo do amor em si, e um progressivo isolamento e desilusão precipitaram-no no abandonar da missão terrestre.]
 
Não escutei estas vozes: a todo este arrazoado, respondei simplesmente:
«Atrás de mim vejo a a eternidade durante a qual eu não existia; adiante, sinto a mesma noite infinita em que morte a todo o instante me pode tragar. Actualmente vivo e posso, - sei que posso! - fechando voluntariamente os olhos, cair numa existência cheia de miséria, mas sei que abrindo-os para olhar à volta de mim, posso escolher a melhor e mais feliz existência. De modo que, digam o que disserem as vozes, quaisquer que sejam as seduções que nos atraiam, por muito tomado que eu esteja pela obra que tenho em mão, e agitado pela vida que me cerca, paro, examino e reflicto.»
Eis o que eu tinha a dizer aos meus semelhantes antes de regressar ao infinito.»

                                                  
[Comentário: Assim escreveu Tolstoi no final da sua vida, quando deixava num testamento legal os direitos de muitas das suas obras ao povo russo, ou seja, dava-os à universalidade dos seres na gratuitidade do amor e da sabedoria. Não são contudo palavras de tão grande sabedoria face à morte, e constituem sobretudo um apelo a que, por preceitos religiosos, nomeadamente os de Jesus Cristo, ou por uma intuição da Razão cósmica, ou uma audição da voz da Consciência, saibamos agir em amor e vencermos a instintividade (as "tentações", para ele tão forte e culpabilizante no seu aspecto sexual), a superficialidade de vida, a possessividade, a violência, os hábitos e costumes sociais negativos que tanto controlam ainda a humanidade, em muitos casos explorados pelos governos, os grupos económico-ideológicos e os meios de informação e desinformação tão vendidos e manipulantes....
Prestes a deixar a Terra, Tolstoi não se afirma como um mestre espiritual conhecedor vivencialmente de que é um espírito imortal, ou que existe a vida depois da morte, ou uma justiça cósmica, antes simplesmente pede para que saibamos parar e meditar de quando em quando, a fim de discernirmos se estamos a caminhar na direcção certa e nos melhores modos, aqueles que tornam a existência dos seres e a nossa melhor, mais sábia, amorosa e feliz, mais em 
harmonia com o querer Divindade...

Possam a Luz e o Amor divinos e a comunhão com os grande seres alimentarem a sua alma, possa o seu ser estar agora bem mais consciente e a vivenciar as luminosas dimensões espirituais e reais em que o amor e a não-violência que ele tanto quis, e em parte conseguiu, viver e transmitir, brilhem e possam reflectindo-se nele chegar até nós...

                        

 Imagens finais do túmulo verdejante de Tolstoi, na Iasnaia Poliana (Clareira dos Freixos), aonde o tolstoiano Jaime de Magalhães Lima, "discípulo" dilecto de Antero, foi em peregrinação dialogante, narrada no seu belo livrinho, Cidades e Paisagens, 1889, cf:. (teixeiradamota.blogspot.com/2015/01/jaime-de-magalhaes-lima-as-doutrinas-do.html), seguida de uma pintura dos mundos espirituais pelo mestre alemão Bô Yin Râ (1876-1943). Utilizamos para o texto a tradução de Francisco Barros Lobo, circa 1906, com pequenas correcções. O texto foi também gravado e comentado e pode ouvi-lo em:  https://www.youtube.com/watch?v=MxAVZYVV9dQ&t=1s

Segue-se um vídeo do Imagine, de John Lenon, um mártir precoce, tal  como Sócrates, Jesus, Ali, Sohrawardi, Dara Shikok, S. João de Brito, Mahatma Gandhi,  Martin Luther King, Qassem Soleimani, Daria Dugina e tantos outros... Aum! Amor!

                        

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Tolstoi, "Apelo à Juventude". Do livro "Últimas Palavras". Os textos finais e mais revolucionários de Tolstoi. Com um vídeo. Comemorações dos seus 193 anos.

Na  colecção Os Bons Autores, da livraria Bertrand, era publicada, sem data mas na 1ª década do séc. XX uma das últimas obras de Leão Tolstoi, intitulada Últimas Palavras,  que Francisco Barros Lobo (irmão do malogrado Beldemónio) traduziu, certamente da edição francesa Paroles d'un homme libre (dernières études philosophiques), a qual fora traduzida do russo e editada em 1901, em Paris. 

Na revista Occidente, nº 1016, 20-III-1907, a propósito do seu romance Crónica d'Aldeia.


 
A obra contém alguns dos últimos escritos de Tolstoi e dos mais poderosos de afirmação de uma ética viva,  como que o seu canto de cisne de uma vida  de uma criatividade e indagação corajosa da verdade e da justiça social. Vejamos no índice os títulos, onde após o prefácio se seguem alguns textos que na época tiveram grande impacto e que ainda hoje nos fazem sentir, talvez por uma corrente tolstoiana perene, a sua força e actualidade: Não posso calar-me. Persegui-me! Não matarás! A pena de morte e o Cristianismo. A anexação da Bósnia, Amai-vos uns aos outros. Apelo à Juventude. A religião e as religiões. As duas morais. O meu testamento.

 Aquando das comemorações dos 186 anos de Tolstoi, lemos e comentámos em vídeo o Apelo à Juventude, e agora, passados sete anos. resolvemos transcrever o texto. sublinhá-lo e anotá-lo brevemente.

                                             Apelo à Juventude.

«Crede! Crede em vós, rapazes e raparigas, quando, ao saírdes da infância,  esvoaçarem na vossa alma perguntas como:«Quem sou eu? Para que vivo eu? Para que vivem todas as pessoas que me cercam?» E, sobretudo, a mais importante e perturbadora pergunta: «Acaso eu e as pessoas que me cercam vivemos exactamente como devemos viver?»

Crede em vós, quando as respostas que de vós saírem não estiverem de acordo com as que vos foram inculcadas na infância, nem com o género de vida vivido por vós e todos os que vos cercam. Não receais o desacordo: pelo contrário, aceitai-o como a expressão de tudo o que em vós há-de melhor, - o princípio Divino, que é não só a  mais importante, mas a única razão da vossa existência na Terra. Não acrediteis em vós, - indivíduo dum dado nome, - João, Pedro, Luzia ou Maria, filho ou filha dum lavrador, - mas no  princípio Eterno de sabedoria e bondade que em cada um de nós reside e em vós despertou e vos propõe problemas vitais dos quais exige a solução.»

 [Comentário: Este apelo forte à sinceridade e autenticidade das nossas ideias, sentimentos e actos, em suma, da nossa vida, nomeadamente não termos medo de irmos contras as ideias feitas, ou os modos de vida, dos outros, recebe subitamente uma raiz espiritual e não meramente ética: "há dentro de vós um princípio Divino, que é o que há-de melhor em nós". O mais importante é então ouvir e seguir este princípio Divino, e seria bom sabermos a exacta palavra utilizada por Tolstoi, pois pode ser tanto o espírito, a centelha divina individualizada, como pode ser uma espécie de fundo colectivo da alma, ou a voz da consciência tão invocada por Antero de Quental, ou a presença Divina em nós, tal como ele acrescentou: «um Eterno princípio de sabedoria e bondade que em cada um de nós reside», e que em vós despertou ou pode despertar. Sintonizarmos, meditarmos, aprofundarmos este subtil e elevado nível ou princípio é então fundamental para vivermos mais plenamente e harmoniosamente, numa arte criativa e compassiva diária. ]

«Não acrediteis nas pessoas que vos dizem, com um sorriso condescendente, que também elas durante muito tempo procuraram respostas a essas mesmas perguntas, e as não acharam, porque é impossível achar outras soluções que não sejam as admitidas por todos.»

[Comentário: Este apelo tem sido formulado ou dado pelos mestres ao longo do tempo: aquilo que vos foi dito, aquilo em que acreditaste, muda com o tempo e as gerações. Outras perguntas e respostas são necessárias, e temos de ser nós a fazê-las, a descobri-las e a vivê-las, para assim darmos sentido à nossa vida...]

Não acrediteis senão em vós: não temais o desacordo com as opiniões e os pensamentos dos indivíduos que vos cercam, no caso em que os vossos próprios pensamentos resultem, não dos vossos desejos egoístas, mas do anelo de cumprir a vontade da Força que vos enviou à Terra. Crede em vós, principalmente quando as respostas que se vos impõem são conformes aos eternos princípios da sabedoria humana expressos em todas as doutrinas religiosas e, na de Cristo, no seu mais alto significado. Eu lembro-me como, aos quinze anos, vivi esses momentos, como despertei da minha passiva crença infantil nos juízos de outros em que tinha vivido até então, e como pela primeira vez compreendi que devia viver por mim próprio, escolher o meu caminho e ser responsável pela minha vida perante o Princípio que me a tinha dado.

Lembro-me que sentia então, posto que muito vagamente ainda, mas em todo o caso muito profundamente, que o fim principal da minha vida era ser bom, bom na acepção evangélica, - sacrifício e amor. Diligenciei então viver assim, mas a minha tentativa durou pouco. Não acreditava em mim, mas na imponente, presunçosa e triunfante sabedoria humana, que actuava em mim conscientemente, e inconscientemente pelo meio ambiente. E o meu primeiro despertar foi substituído pelo desejo determinado do ser poderoso, sábio, rico, forte; isto é, tal como o mundo, e não eu, o achava bom.

Não tinha então confiança firme em mim. Só à custa de perseverantes esforços, gastando dezenas de anos na realização de fins terrenos, nunca atingidos, é que  dei pela vaidade deles, muitas vezes pela sua nocividade, e compreendi que o que eu sabia há sessenta anos, e no qual não acreditara, podia e devia ser o único fim sensato da energia cada um.

E quão diferente, mas alegre para mim e mais útil para os outros, teria podido ser a minha vida, se eu acreditasse e seguisse então a voz da verdade, isto é, a voz Divina, quando ela primeira falou na minha alma, pura ainda de toda a tentação!

Sim, mocidade querida: tu que despertas a tomar [consciencializar] toda a importância da tua missão na vida, e isto não sob uma acção exterior mas pela tua própria iniciativa, não creias naqueles que te disserem que as tuas aspirações não passam de sonhos irrealizáveis da idade juvenil; que te assegurem que também eles sonharam e procuraram, mas que a vida cedo lhe demonstrou que tem as suas exigências, que é inútil criar quimeras, que é preciso cada qual esforçar-se por fazer concordar o melhor possível os seus actos com a maneira de viver da sociedade existente, a fim de ser um membro útil dessa sociedade.

Não te deixes de modo algum seduzir, ò gente jovem, pela miragem em moda, fazendo crer que a missão do homem é reorganizar a ordem de coisas estabelecida, em tal ponto e em tal época, recorrendo a toda a espécie de processos, algumas vezes contrários à moral. Não acredites em tal! Esse fim é ínfimo, comparado ao esforço que devemos fazer para manifestar em nós o princípio Divino que a nossa alma encerra em estado latente: fim de reorganização esse que também é mentiroso se permite a gente afastar-se dos princípios da bondade que a alma contém.

Não acredites que te seja impossível educares-te isoladamente na bondade e na verdade. Isso não somente é possível, como ainda toda a tua vida, a tua como a de todos as pessoas, para aí tende. A melhoria moral de cada um de nós conduz não só à melhoria social, mas ainda ao Bem universal que a humanidade pode atingir, o que não se realiza senão pelo esforço pessoal de cada indivíduo.

 [Comentário: São muito actuais e de meditarmos estes conselhos tolstoianos de não deixarmos influenciar pelas novas modas e directrizes materialistas e apelidadas de transformistas que a elite que deseja uma nova Ordem Mundial opressiva global  tenta impor na Humanidade graças ao seu domínio dos meios de informação e das duas moedas principais em curso ilimitado. Escapemos a tal manipulação, sobretudo televisiva...
Importante ainda a sua ideia,
e que Antero de Quental,  em vários aspectos afim de Tolstoi, embora tolstoiano fosse o seus discípulo Jaime de Magalhães Lima, meditou e escreveu por vezes excelentemente,  de que a melhoria moral ou ética da Humanidade e de cada um ela só se  realiza  pelo nosso esforço pessoal de intuirmos ou discernirmos a Verdade e o Bem universal, no fundo o princípio e plano Divino, e de tentar vivê-lo e testemunhá-lo.]

Sim, mocidade: crê em ti, quando no teu coração sentires ou ouvires falar o desejo de ser melhor, e não o de ir além dos outros, - ser poderoso, notável, - salvar os homens da sua má organização da vida; tem fé em ti quando sentires manifestar-se em ti o princípio divino, ou, como dizem os moujikes, "viver em conformidade com Deus". Vivendo assim, farás tudo o que podes fazer em teu próprio benefício e do da humanidade.

Procura o reino de Deus e a sua verdade, e o resto te será dado por acréscimo. 

Tem fé em ti no grave momento em que na tua alma pela primeira vez se acenda a consciência luminosa da tua origem divina. Não apagues essa luz;  pelo contrário, cuida preciosamente dela, até que ela por si se extinga [fisicamente, à hora da morte]. É nesta extensão da luz que reside o único, o grande e o belo sentido de vida de todo o ser humano.»

Realcemos, para concluir, parecer-nos Tolstoi considerar o princípio divino como sabedoria e a vontade de ser bondoso e fazer-se o bem (entre nós emblematizado no talent de bien faire, do Infante D. Henrique e depois de Fernando Pessoa nos seus textos de ressurreição espiritual), e o querermos ser melhores, evoluirmos mas não em competição mas sim em não-violência e amor. E que para tal será preciso vencermos as modas, manipulações e opressões exteriores, sendo fiéis a nós próprios (como muito valorizava Agostinho da Silva), ouvir e seguir a voz da consciência, ou do coração, diremos, e assumir e nutrir a luz tanto da verdade extrínseca como a interior e subtil da identidade espiritual, a de espíritos filhos ou filhas da Divindade, em cuja assunção e vivência apenas se verifica, ao morrermos, a extinção do corpo físico e do cérebro mas não da nossa consciência luminosa, que pelo contrário se vai estender ou expandir...
Sejamos pois jovens eternamente nesta fé ou vontade de avançarmos luminosamente no caminh
o do Bem, da Verdade e do Amor rumo à Fonte Divina, ao Sol Primordial....

Encontro na Luz, de Bõ Yin Râ.