segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Tolstoi, "Apelo à Juventude". Do livro "Últimas Palavras". Os textos finais e mais revolucionários de Tolstoi. Com um vídeo. Comemorações dos seus 193 anos.

Na  colecção Os Bons Autores, da livraria Bertrand, era publicada, sem data mas na 1ª década do séc. XX uma das últimas obras de Leão Tolstoi, intitulada Últimas Palavras,  que Francisco Barros Lobo (irmão do malogrado Beldemónio) traduziu, certamente da edição francesa Paroles d'un homme libre (dernières études philosophiques), a qual fora traduzida do russo e editada em 1901, em Paris. 

Na revista Occidente, nº 1016, 20-III-1907, a propósito do seu romance Crónica d'Aldeia.


 
A obra contém alguns dos últimos escritos de Tolstoi e dos mais poderosos de afirmação de uma ética viva,  como que o seu canto de cisne de uma vida  de uma criatividade e indagação corajosa da verdade e da justiça social. Vejamos no índice os títulos, onde após o prefácio se seguem alguns textos que na época tiveram grande impacto e que ainda hoje nos fazem sentir, talvez por uma corrente tolstoiana perene, a sua força e actualidade: Não posso calar-me. Persegui-me! Não matarás! A pena de morte e o Cristianismo. A anexação da Bósnia, Amai-vos uns aos outros. Apelo à Juventude. A religião e as religiões. As duas morais. O meu testamento.

 Aquando das comemorações dos 186 anos de Tolstoi, lemos e comentámos em vídeo o Apelo à Juventude, e agora, passados sete anos. resolvemos transcrever o texto. sublinhá-lo e anotá-lo brevemente.

                                             Apelo à Juventude.

«Crede! Crede em vós, rapazes e raparigas, quando, ao saírdes da infância,  esvoaçarem na vossa alma perguntas como:«Quem sou eu? Para que vivo eu? Para que vivem todas as pessoas que me cercam?» E, sobretudo, a mais importante e perturbadora pergunta: «Acaso eu e as pessoas que me cercam vivemos exactamente como devemos viver?»

Crede em vós, quando as respostas que de vós saírem não estiverem de acordo com as que vos foram inculcadas na infância, nem com o género de vida vivido por vós e todos os que vos cercam. Não receais o desacordo: pelo contrário, aceitai-o como a expressão de tudo o que em vós há-de melhor, - o princípio Divino, que é não só a  mais importante, mas a única razão da vossa existência na Terra. Não acrediteis em vós, - indivíduo dum dado nome, - João, Pedro, Luzia ou Maria, filho ou filha dum lavrador, - mas no  princípio Eterno de sabedoria e bondade que em cada um de nós reside e em vós despertou e vos propõe problemas vitais dos quais exige a solução.»

 [Comentário: Este apelo forte à sinceridade e autenticidade das nossas ideias, sentimentos e actos, em suma, da nossa vida, nomeadamente não termos medo de irmos contras as ideias feitas, ou os modos de vida, dos outros, recebe subitamente uma raiz espiritual e não meramente ética: "há dentro de vós um princípio Divino, que é o que há-de melhor em nós". O mais importante é então ouvir e seguir este princípio Divino, e seria bom sabermos a exacta palavra utilizada por Tolstoi, pois pode ser tanto o espírito, a centelha divina individualizada, como pode ser uma espécie de fundo colectivo da alma, ou a voz da consciência tão invocada por Antero de Quental, ou a presença Divina em nós, tal como ele acrescentou: «um Eterno princípio de sabedoria e bondade que em cada um de nós reside», e que em vós despertou ou pode despertar. Sintonizarmos, meditarmos, aprofundarmos este subtil e elevado nível ou princípio é então fundamental para vivermos mais plenamente e harmoniosamente, numa arte criativa e compassiva diária. ]

«Não acrediteis nas pessoas que vos dizem, com um sorriso condescendente, que também elas durante muito tempo procuraram respostas a essas mesmas perguntas, e as não acharam, porque é impossível achar outras soluções que não sejam as admitidas por todos.»

[Comentário: Este apelo tem sido formulado ou dado pelos mestres ao longo do tempo: aquilo que vos foi dito, aquilo em que acreditaste, muda com o tempo e as gerações. Outras perguntas e respostas são necessárias, e temos de ser nós a fazê-las, a descobri-las e a vivê-las, para assim darmos sentido à nossa vida...]

Não acrediteis senão em vós: não temais o desacordo com as opiniões e os pensamentos dos indivíduos que vos cercam, no caso em que os vossos próprios pensamentos resultem, não dos vossos desejos egoístas, mas do anelo de cumprir a vontade da Força que vos enviou à Terra. Crede em vós, principalmente quando as respostas que se vos impõem são conformes aos eternos princípios da sabedoria humana expressos em todas as doutrinas religiosas e, na de Cristo, no seu mais alto significado. Eu lembro-me como, aos quinze anos, vivi esses momentos, como despertei da minha passiva crença infantil nos juízos de outros em que tinha vivido até então, e como pela primeira vez compreendi que devia viver por mim próprio, escolher o meu caminho e ser responsável pela minha vida perante o Princípio que me a tinha dado.

Lembro-me que sentia então, posto que muito vagamente ainda, mas em todo o caso muito profundamente, que o fim principal da minha vida era ser bom, bom na acepção evangélica, - sacrifício e amor. Diligenciei então viver assim, mas a minha tentativa durou pouco. Não acreditava em mim, mas na imponente, presunçosa e triunfante sabedoria humana, que actuava em mim conscientemente, e inconscientemente pelo meio ambiente. E o meu primeiro despertar foi substituído pelo desejo determinado do ser poderoso, sábio, rico, forte; isto é, tal como o mundo, e não eu, o achava bom.

Não tinha então confiança firme em mim. Só à custa de perseverantes esforços, gastando dezenas de anos na realização de fins terrenos, nunca atingidos, é que  dei pela vaidade deles, muitas vezes pela sua nocividade, e compreendi que o que eu sabia há sessenta anos, e no qual não acreditara, podia e devia ser o único fim sensato da energia cada um.

E quão diferente, mas alegre para mim e mais útil para os outros, teria podido ser a minha vida, se eu acreditasse e seguisse então a voz da verdade, isto é, a voz Divina, quando ela primeira falou na minha alma, pura ainda de toda a tentação!

Sim, mocidade querida: tu que despertas a tomar [consciencializar] toda a importância da tua missão na vida, e isto não sob uma acção exterior mas pela tua própria iniciativa, não creias naqueles que te disserem que as tuas aspirações não passam de sonhos irrealizáveis da idade juvenil; que te assegurem que também eles sonharam e procuraram, mas que a vida cedo lhe demonstrou que tem as suas exigências, que é inútil criar quimeras, que é preciso cada qual esforçar-se por fazer concordar o melhor possível os seus actos com a maneira de viver da sociedade existente, a fim de ser um membro útil dessa sociedade.

Não te deixes de modo algum seduzir, ò gente jovem, pela miragem em moda, fazendo crer que a missão do homem é reorganizar a ordem de coisas estabelecida, em tal ponto e em tal época, recorrendo a toda a espécie de processos, algumas vezes contrários à moral. Não acredites em tal! Esse fim é ínfimo, comparado ao esforço que devemos fazer para manifestar em nós o princípio Divino que a nossa alma encerra em estado latente: fim de reorganização esse que também é mentiroso se permite a gente afastar-se dos princípios da bondade que a alma contém.

Não acredites que te seja impossível educares-te isoladamente na bondade e na verdade. Isso não somente é possível, como ainda toda a tua vida, a tua como a de todos as pessoas, para aí tende. A melhoria moral de cada um de nós conduz não só à melhoria social, mas ainda ao Bem universal que a humanidade pode atingir, o que não se realiza senão pelo esforço pessoal de cada indivíduo.

 [Comentário: São muito actuais e de meditarmos estes conselhos tolstoianos de não deixarmos influenciar pelas novas modas e directrizes materialistas e apelidadas de transformistas que a elite que deseja uma nova Ordem Mundial opressiva global  tenta impor na Humanidade graças ao seu domínio dos meios de informação e das duas moedas principais em curso ilimitado. Escapemos a tal manipulação, sobretudo televisiva...
Importante ainda a sua ideia,
e que Antero de Quental,  em vários aspectos afim de Tolstoi, embora tolstoiano fosse o seus discípulo Jaime de Magalhães Lima, meditou e escreveu por vezes excelentemente,  de que a melhoria moral ou ética da Humanidade e de cada um ela só se  realiza  pelo nosso esforço pessoal de intuirmos ou discernirmos a Verdade e o Bem universal, no fundo o princípio e plano Divino, e de tentar vivê-lo e testemunhá-lo.]

Sim, mocidade: crê em ti, quando no teu coração sentires ou ouvires falar o desejo de ser melhor, e não o de ir além dos outros, - ser poderoso, notável, - salvar os homens da sua má organização da vida; tem fé em ti quando sentires manifestar-se em ti o princípio divino, ou, como dizem os moujikes, "viver em conformidade com Deus". Vivendo assim, farás tudo o que podes fazer em teu próprio benefício e do da humanidade.

Procura o reino de Deus e a sua verdade, e o resto te será dado por acréscimo. 

Tem fé em ti no grave momento em que na tua alma pela primeira vez se acenda a consciência luminosa da tua origem divina. Não apagues essa luz;  pelo contrário, cuida preciosamente dela, até que ela por si se extinga [fisicamente, à hora da morte]. É nesta extensão da luz que reside o único, o grande e o belo sentido de vida de todo o ser humano.»

Realcemos, para concluir, parecer-nos Tolstoi considerar o princípio divino como sabedoria e a vontade de ser bondoso e fazer-se o bem (entre nós emblematizado no talent de bien faire, do Infante D. Henrique e depois de Fernando Pessoa nos seus textos de ressurreição espiritual), e o querermos ser melhores, evoluirmos mas não em competição mas sim em não-violência e amor. E que para tal será preciso vencermos as modas, manipulações e opressões exteriores, sendo fiéis a nós próprios (como muito valorizava Agostinho da Silva), ouvir e seguir a voz da consciência, ou do coração, diremos, e assumir e nutrir a luz tanto da verdade extrínseca como a interior e subtil da identidade espiritual, a de espíritos filhos ou filhas da Divindade, em cuja assunção e vivência apenas se verifica, ao morrermos, a extinção do corpo físico e do cérebro mas não da nossa consciência luminosa, que pelo contrário se vai estender ou expandir...
Sejamos pois jovens eternamente nesta fé ou vontade de avançarmos luminosamente no caminh
o do Bem, da Verdade e do Amor rumo à Fonte Divina, ao Sol Primordial....

Encontro na Luz, de Bõ Yin Râ.

                  

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