Embora já formado em Leis, e hesitando quanto ao seu futuro, tal como alistar-se nos exércitos autonomistas de Garibaldi, decidiu-se por entrar na realidade social como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional de Lisboa, e parte em Novembro para Paris a fim de ser um operário numa tipografia, mas também para assistir a palestras no Collège de France, vida que contudo não aguenta
muito tempo (dois meses e pouco), pelo que regressa em Janeiro de 1866, recuperando na quinta dos seus condiscípulos José e Alberto Sampaio, em
Guimarães. Persistente, em 1867 regressa a Paris, e encontra-se em Agosto com um dos seus mestres (tal como Proudhon) ou inspiradores, Jules Michelet, não se desvendando porém como o autor do livrinho que lhe oferece. Quando regressa a Lisboa em Novembro de 1868, após quase um ano em Ponta Delgada, valoriza as ideias iberistas de Emílio Castelar, que o chega a convidar a ir para Madrid, e escreve o Portugal perante a Revolução de Espanha - Considerações sobre o Futuro da Política Portuguesa no ponto de vista da Democracia Ibérica, bastante atento às linhas de força que estavam a coalescer: a Revolução Espanhola de 1869 e a proclamação da República em 1871. Esta fermentação espanhola influenciava bastante o meio português, nomeadamente na fundação de jornais e de ideologias, mas mesmo assim o folheto e as ideias iberistas de Antero tiveram os seus opositores, tal como acontecerá sempre em relação às suas obras, sobretudo as mais polémicas. Refiramos apenas, por exemplo, o Almanach Patriótico e Anti-Ibérico para 1869, contendo um artigo Abaixo a União Ibérica, e um poema de Tomás Ribeiro Aos Iberistas, onde denuncia e apela: «E dizem que é Lisboa a filha impura/que invoca essa madrasta destestável!/ Sobre o roto burel veste a armadura/ parte essa louça e surge, ó condestável!»
Inicia então a divulgação dos ideais de Proudhon e do Socialismo, na qual a caverna filosófica foi o Cenáculo, um grupos de condiscípulos e amigos que se reunia em casa de Jaime Batalha Reis, ao Bairro Alto lisbonense na Travessa do Guarda-Mór, nº 19, 1º, na qual épicas dissertações e acaloradas discussões se ergueram, refrescadas peripateticamente no jardim de Alcântara, situado a uns metros e com vista bem abrangente sobre o centro do burgo lisboeta.
Em 1869, de Março a Novembro, vai por barco até Nova Iorque, ambiente que o desilude, e regressa, continuando na escrita de artigos e poemas, e dando à luz em Dezembro no jornal Primeiro de Janeiro poemas do seu pseudónimo Carlos Fradique Mendes, que será posteriormente explorado por Eça de Queiroz. 1870 é um dos anos mais políticos, pois conhece e trabalha com José Fontana, o grande pioneiro do socialismo em Portugal, e Oliveira Martins, dirigindo ou fundando com eles e Jaime Batalha Reis, António Arriaga e António Enes, os jornais República Federal e A República - Jornal de Democracia Portuguesa, numa época de florescimento imenso de tipografias, editoras, jornais, revistas e livros, que ocupavam fortemente o centro das cidades, sobretudo de Lisboa.


Em 27 de Maio de 1871, dois meses exactos depois da eclosão da Comuna em Paris, liderando um grupo de pensadores amigos mais avançados, pronuncia a fortemente crítica conferência sobre As causas da decadência dos povos Peninsulares nos três últimos séculos, a que se seguiram as de Augusto Soromenho e de Eças de Queiroz sobre Literatura, a de Adolfo Coelho, sobre a Questão do Ensino, a 19 de junho, até que o ministro do Reino, Ávila e Bolama, determina proibi-las, obrigando Antero a replicar-lhe contundentemente em 30 de Junho, em mais um dos seus geniais escritos ou folhetos em defesa da liberdade. Dá a luz em Fevereiro de 1872, no meio da sua actividade pública socializante, tanto a revista Pensamento Social, com José Fontana, Jaime Batalha Reis, Oliveira Martins e Jaime Batalha Reis, onde irá escrevendo múltiplos artigos, como o livro Primaveras Românticas, uma escolha da criatividade e vivência mais juvenil e romântica, amorosa e idealista e que contém poemas belíssimos, vários dedicados às musas dos seus amores juvenis.
Tendo regressado a Ponta Delgada em Abril de 1873 por causa da morte do seu pai, adoece inesperadamente em 1874, só regressando no fim do ano e para começar um longo calvário de diagnósticos e
tratamentos ineficazes (seja um estrangulamento do piloro, que lhe
dificultara as digestões e o sono, seja um estado psicosomático nervoso sujeito
a enfraquecimentos) que o vão diminuindo, e o fazem peregrinar por Lisboa, Açores e Paris em busca de cura. Em 1877 nas termas de Bellevue encontra uma mulher por quem sente uma paixão forte, Clotilde, mas que não avançara, embora gere um dos seus mais belos poemas de amor, Mors-Amor.
Tudo isto aliado a uma certa
desilusão da actividade política e social a que se entregara bastante em 1878 e 1879, chegando a ser candidato pelo Partido Socialista, depois de ter recusado sê-lo no Partido Republicano-Socialista, reforçam algum
pessimismo filosófica e poeticamente. Mas nos
primeiros dias de 1881 sai à luz no Porto, na Biblioteca da
Renascença, do seu amigo Joaquim de Araújo, a segunda edição
aumentada dos Sonetos, que o afirmam rapidamente como a grande voz poética da época. São apenas 28 sonetos, inclusos em 21 títulos, que mostram linhas de força do seu processo crítico de libertação de
mistificações religiosas e de ilusões e medos humanos, numa demanda
intensa e sentida da Verdade, filosófica e espiritualmente,
proporcionadora sobretudo de desprendimento, estoicismo e serenidade...
O seu pessimismo começa a ser ultrapassado de certo modo partir do Outono de 1881, quando instalado
em Vila do Conde, com as duas filhas do seu amigo Germano Vieira Meireles, que adoptara no final de 1879, e a viúva Teresa, as suas inquietações metafísicas e poéticas começam a dar
frutos interiores de transmutação, realizando em
si algo próximo do que chamara seja um “Budismo coroando um Helenismo”,
seja algo da compreensão profunda da alma dos místicos cristãos alemães, seja uma maior união do
espiritualismo com os dados do materialismo científico, seja o panpsiquismo que permeia tudo e todos.

Em Vila do Conde, com as suas pupilas Albertina e Beatriz e a mãe Teresa adoentada, junto ao mar, dá à luz em 1883, para elas e para a juventude o Tesouro Poética da Infância, com um belo poema seu, As Fadas (já abordado neste blogue), onde no prefácio justifica-se:«Este livrinho, destinado exclusivamente à infância,
dedico-a às mães e cuido fazer-lhes um presente de algum valor.
Convencido de que há no espírito das crianças tendências poéticas e uma
verdadeira necessidade de ideal, que convém auxiliar e satisfazer, como
elementos preciosos para a educação - no alto sentido desta palavra,
isto é, para a formação do carácter moral - coligi para aqui tudo quanto
no campo da literatura portuguesa me pareceu, por um certo tom ao mesmo
tempo simples e elevado, ou ainda meramente gracioso e fino, poder
contribuir para aquele resultado, em meu conceito, importantíssimo»
Entretanto vai escrevendo e enviando aos amigos os seus notáveis Sonetos, na forma e no conteúdo, os quais testemunham uma certa evolução espiritual, embora ainda assim bastante aquém do que ele desejaria já sentir, ser e ver de plena luz e conhecimento. Poderemos
pensar que lhe faltou uma prática espiritual meditativa persistente e
uma boa contextualização da Divindade, nisso algo limitado pelo ateísmo,
o inconsciente e o budismo que na altura predominavam. Mas de facto progredira bastante e em Março de 1885, escrevia os sonetos Com os Mortos, e O que diz a Morte, os últimos da sua veia poética e bem significativos de crença na vida depois da morte: «Mas
se paro um momento, se consigo//Fechar os olhos, sinto-os a meu
lado//De novo, esses que amei: vivem comigo,//Vejo-os, ouço-os e
ouvem-me também,//Juntos no antigo amor, no amor sagrado,//Na comunhão
ideal do eterno Bem.» Desses poucos poemas mais clarividente dirá uns dias depois a Francisco Machado de Faria e Maia «cheguei a dar
expressão poética (e creio que ninguém ainda o tinha feito) ao
misticismo moderno, misticismo científico e positivo, se assim se pode
dizer».
Os Sonetos sairão à luz em 20-VIII-1886 e tornam-se uma obra incontornável da poesia moderna portuguesa e, no nível formal ou no filosófico, dificilmente comparável, embora na altura só alguns amigos lhe escreveram elogiando o livro, restando hoje várias cartas das respostas de Antero, de agradecimento maior ou menor conforme tinham compreendido a obra. Uma segunda edição dos Sonetos
enriquecida com traduções em línguas estrangeiras realizadas por
notáveis intelectuais, dá-lhe em 1889 um relativo sabor de consagração...
Uns meses depois da publicação do livro, o crítico literário e lusófono alemão Wilhelm Storck envia-lhe a tradução de alguns sonetos, respondendo-lhe Antero, a 14-V-1887, com uma extensa carta-autobiográfica de grande valor, onde confessa como se sentiu poeta muito cedo e descreve o seu percurso de vida, corpo, pensamento e alma. A dado momento afirma bem o seu posicionamento panpsíquico: «O
Naturalismo apareceu-me, não já como a explicação última das coisas,
mas apenas como o sistema exterior, a lei das aparências e a
fenomenologia do Ser. No Psiquismo, isto é, no Bem e na Liberdade
Moral, é que encontrei a explicação última e verdadeira de tudo, não só
do homem moral mas de toda a natureza, ainda nos seus momentos físicos
elementares.». Em Fevereiro de 1888 repetirá o mesmo em carta ao jovem poeta Carlos de Lemos valorizando muito:«o sossego interior e a placidez crente de quem
encontrou na liberdade moral e no Bem a lei da existência», e aponta-lhe Camões,
Herculano e João de Deus, como os três mestres supremos da poesia
portuguesa, recomendando lê-los por serem "grandes espíritos e profundos
moralistas", podendo ajudá-lo "a fazer-se um homem, que é esse o fim
soberano da vida"....
Tenta então aprofundar e coordenar as suas
ideias e "doutrinas", os seus trabalhos para a Geração nova e a Religião do Futuro,
mas a saúde apoquenta-o e limita-o. Vai recebendo alguns amigos, como por vezes manifesta a sua maravilhosa correspondência, conservada pelos destinatários, e destacaremos Fernando Leal, Luís de Magalhães, Eça de Queirós e António Feijó e desde meados de 1889 começa a escrever o seu testamento filosófico, ético e espiritual, que se encontra também disseminado nas cartas, As Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX, que será publicado na Revista Portugal, no primeiro trimestre de 1890 e virá a ser bem estudada por Leonardo Coimbra, Joaquim de Carvalho e outros.
Quando se dá a 11 de Janeiro de 1890 o Ultimatum do imperialismo inglês, face à reacção cívica dos portuenses e em especial ao convite
dos estudantes, aceita o cargo de Presidente da Liga Patriótica do Norte,
que Luís de Magalhães e mais uns poucos de intelectuais lhe foram pedir a Vila do Conde, com eventos de grande
emoção e civismo, tal a recepção dos estudantes aos vivas diante da casa de Carolina Michäelis onde ficaria hospedado. Escreve artigos para vários jornais e revistas e sai também em folha volante e de grande tiragem o seu tão pedagógico Discurso lido na sessão de 7 de Março da Liga Patriótica do Norte pelo seu presidente Antero de Quental, onde após criticar "o insulto e a vilânia da Inglaterra"
considera necessário "um esforço viril e persistente para sermos de
facto independentes", constatando ainda "entre a nação e os governantes
um verdadeiro divórcio", a realidade triste de que "os
governos, em Portugal, deixaram há muito de representar genuinamente os
interesses e o sentir da nação". E de facto a fraqueza do País e dos políticos acabam por desiludi-lo totalmente,
já que o movimento desapoiado esmorece, abandonando de vez a
participação pública na marcha dos acontecimentos políticos. Regressado
a Lisboa, onde permanece cerca de um ano bastante desiludido com o ambiente geral e em especial a política, volta ainda uns 40 dias a Vila do Conde para encerrar a casa, regressando a Lisboa para se ir despedindo dos amigos e a 8 de Junho partir para S. Miguel, rumo a Ponta Delgada.
Com os seus padecimentos nervosos, a consciência de que a sua missão e inserção terrena estava muito frágil
e sobretudo a situação dolorosa de ter de se afastar
das duas jovens que educara, resolve desincarnar samuraicamente com
dois tiros de pistola, que comprara umas horas antes e embrulhara num jornal, em 11 de Setembro de 1891, pelas 20:00, sentado calma ou, quem
sabe, nervosamente (quem conseguirá ressuscitar tal ambiente interior?), num banco do campo de S. Francisco, debaixo
de uma âncora em relevo no muro da cerca do convento onde estava significativa palavra, essa que acompanha
todos os peregrinos e nobres viajantes, e que talvez o tenha
desamargurado um pouco antes de se lhe abrir a vereda árdua da vida
depois da morte: "Esperança".
Antero
de Quental foi um dos raros pensadores que se aproximou lúcido e imaginativae sensivelmente da ideia da morte e das abismais regiões do Não-Ser, talvez se preparando
nesta linha negativa para vir a experimentar com dificuldade e dor o dito grego "Morrer é ser iniciado", que pouco depois o seu grande amigo Joaquim de Araújo, e posteriormente Fernando Pessoa glosaram com grande qualidade (como pode encontrar em textos deste blogue). Pouco antes
de morrer, desejara ou sonhara fundar uma ordem de contemplativos, a
Ordem dos Mateiros que o crítico literário e pensador Fidelino de Figueiredo realçou como o testamento
anímico de alguém que «teria sido um S. Bento de Portugal, restaurador
da disciplina das almas, iniciador da sua reconstrução pelo recolhimento
meditativo», acrescentando «Três coisas devemos pedir ao recolhimento monástico ou à
sua irradiação: firmeza, paciência e esquecimento. Só para as propagar e
difundir valeria a pena fundar a velha ordem dos Mateiros, de Antero de
Quental - velha, sem nunca ter existido».
Numa
das suas mais belas poesias Antero concluirá: «A Ideia, o sumo Bem, o
Verbo, a Essência, / Só se revela aos homens e às nações / No céu
incorruptível da Consciência»,
cabendo-nos este trabalho perseverante de transformação da nossa
identidade, purificação e estabilização da consciência e religação dela ao espírito e à Divindade, na sua graça...
Os seus panfletos, a obra poética, nomeadamente os Sonetos, a filosófica e, sobretudo, as tão valiosas Cartas dirigidas aos amigos, bem
editadas por Ana Maria Almeida Martins,
sobreviverão sempre na literatura, na filosofia e na espiritualidade
portuguesa, tal como o seu In-Memoriam que, publicado cinco anos depois da sua partida do corpo físico, fá-lo vivo e interactivo connosco dada a qualidade do testemunho de muitos dos vinte e nove amigos, onde se destacam os de Eça de Queirós, Manuel Duarte de Almeida, Jaime de Magalhães Lima, Luís Magalhães, Joaquim de Araújo, etc...