segunda-feira, 23 de março de 2020

Poesia Espiritual Portuguesa. Pedro Teixeira da Mota. III-2020

Cruzando o desfiar das tendas ao vento,
Atravessando as encruzilhadas do tempo,
Procuro sem cessar a visão inaudita
Apoiando-me em livros muito antigos,
Caros no custo, dificultosos na leitura,
Por entre as conversas dos modernos
Que se submergem demais no transitório.

A minha aspiração é pela Divindade,
Dela invoco a mais viva desvendação,
Mas tanta dispersão compõe a sociedade
Que atravesso cidades, igrejas e cemitérios
Atravessados por sirenes de ambulâncias,
Numa caminhada algo desgastante
Com pouca auto-consciência flamejante.

Então paro o meu ser que fala e corre
E sento-me sobre os joelhos em humildade
E peço no coração que o Anjo ou o Mestre
Sorriam lá das alturas e interioridades
E que minha alma intensifiquem na unidade.

Sou um peregrino dos livros e das pessoas
Encontrando por vezes delas o menosprezo
Fruto do julgamento das meras aparências
Quando trajamos mais em pobreza
Ou afirmamos as aspirações de justiça.

Acolá encontro a resposta sibilante e dúctil
Daquele que bem vive na acção e na subtileza.
Comerciantes e filósofos, todos por momentos
Na ampla esfera da compaixão são acolhidos.
E algumas almas  afins mais nos alegram
Quando em diálogos no Amor nos elevamos.

Quando regresso a casa e os telefones tocam
Há que ouvir os que mais sofrem e se queixam
Porque graças à distância o amor é expandido
E as vozes estabelecem pontes no eco sentido
E o sonho, a compreensão, a cura podem circular.

Acendo por fim aquele fogo ardente
E meu ser aspira e freme intensamente
Em mais persistente oração e meditação:
Quero ser chama viva e imparável,
 Manifestando já o espírito ígneo e divino.
Ornamento de Bô Yin Râ

Palavras e frases desenhadas, harmonizadoras e fortificadoras. Crie as suas próprias citações valiosas.

Pequenos contributos de algumas palavras e frases simples mas concentradas, para utilizarmos como sementes nas nossas concentrações e tentativas de meditação ou contemplação. Desenhadas sobre papel antigo e coloridas muito amadoramente, com leve configuração mandálica (do sânscrito, mandala, diagrama com círculos) embora com pouca esfericidade no recorte antigo do papel.
Proponho que contemple alguns minutos e saiba de cor a frase e depois, de olhos fechados use-a como mantra, como frase e sonoridade que se repete primeiro em voz alta e depois em silêncio, e pela qual se tenta sentir as energias que tal prática liberta dentro da nossa alma, fortificando o nosso corpo visível e invisível, harmonizando-o.
Certamente que poderá ter as suas intuições ou orientações próprias e rapidamente alterar a frase ou criar mesmo outra. Seja fiel a si própria, na aspiração à harmonia, à espiritualização, ao espírito, a Deus.
  Estas palavras ao serem ditas, pensadas, sentidas, partem do seu interior e tanto se destinam a despertá-lo, como à sua consciência alinhar-se mais com tais níveis mais elevados e subtis do seu ser. São comunhões com as nossas potencialidades, e que se não são trabalhadas em meditações e depois vividas na acção, no quotidiano, acabam por definhar ou pouco se desenvolver.
                                     
 São indicações de algumas palavras ou frases que usei ou uso de quando em quando, e portanto seja também criativo e não se deixe limitar por frases estilo decretos, ou pelo Om que se repete quase mecanicamente, em alta voz ou prolongadamente.  O principal é a interiorização que praticamos, a sensibilidade e visão anímica que desenvolvemos, o despertar do nosso eu e ser espiritual, e a sua ligação ao Amor, à Luz, à Divindade.
Fortifique-se, resista a todas as crises e avance mais luminosamente.
                              
 

sexta-feira, 20 de março de 2020

A Fonte da Vida, cap. VIII d' "O Mistério da Gólgota", de Bô Yin Râ. Tradução escrita e gravada.

A Fonte da Vida, cap. VIII d' O Mistério da Golgota, de Bô Yin Râ. No original, Das Mysterium von Golgatha, Leipzig, 1930.
Tradução, trabalhosa e em aberto, de Pedro Teixeira da Mota. 
No fim, encontra-se em vídeo a leitura comentada de grande parte e fim deste capítulo, com algumas diferenças em relação a esta tradução por escrito, já posterior e portanto melhor.
«Verdadeiramente, é necessário, mostrar
sempre a verdade em imagens novas, a Verdade que  sem imagens e parábolas não pode ser captada porque ela é a Realidade, Ser primordial das coisas, Fonte de toda a vida.
Nada resiste nos nossos dias à confusão dos espíritos.
Todo o testemunho de vivência interior é retirado da podridão dos túmulos, da poeira das bibliotecas e deposto como um oráculo entre as mãos trémulas de quem procura.
O que procura apanha em qualquer lugar tudo o que se apresenta ou que tem a possibilidade de encontrar. Passa noites febris diante de volumosos livros de grandes dimensões, leva nos seus bolsos as mais duvidosas obrazinhas,  como se tratassem de relíquias, escuta com respeito em qualquer local que seja as palavras obscuras de mestres não qualificados, e assim pensa encontrar um dia, por fim, o caminho que conduz à fonte da vida...
As cabeças estão guarnecidas das mais grotescas fantasias geradas por mistagogos disparatados: um ciência bizarra de coisas que nunca se poderão tornar objectos da ciência, exibe-se verbalmente ou por escrito, diante de um mundo admirado; rebuscam-se e esvaziam-se os armazéns de todas as épocas da superstição humana e os fantasmas mais repulsivos tornam-se de novo modernos.
Contudo, toda esta confusão encontra o seu alimento na aspiração ardente de corações que suspiram, e muitas das pessoas que correm com embriaguez atrás do último profeta de feira fazem-no porque estão decididas a não negligenciarem nada que possa dar uma orientação à sua demanda transviada.
Não são certamente os mais maldosos os que se tornam assim as vítimas de desmiolados irresponsáveis e de tagarelas impudentes.
Todavia, muitas pessoas que se deixaram enganar abrem a tempo os olhos apercebendo-se, envergonhadas e indignadas contra elas próprias, que estiveram entregues a uma direcção que ignorava ela própria o caminho, ou mesmo que nunca assumira verdadeiramente a situação de orientarem, mas farejavam apenas astuciosamente a tolice dos seus contemporâneos, maquinando a preparação do anzol adequado à aspiração dos buscadores, para os prenderem nos seus laços.
Mesmo entre os leitores das minhas palavras, deve haver não poucos que se desiludiram gravemente deste modo.
Talvez ainda assim eles pressintam, apesar da sua decepção, que tem de haver um caminho que lhes permita atingir o objectivo a que aspiram.
É sobretudo a eles que estas palavras se dirigem.
Aquele que está preparado, apesar dos caminhos errados que reconhece ter percorrido, e não  esmorece do seu esforço antes de encontrar aquilo a que a sua alma aspira, esse pode encontrar o caminho para a liberdade, a estreita senda que leva à Luz essencial.
Já por várias vezes indiquei este caminho e indico-o de novo a todos os que o querem encontrar.
A orientação é necessária neste caminho, pois este atravessa muitas florestas espessas, onde sendas laterais cheias de emboscadas atraem o viajante desprevenido, e atravessa desertos onde todas as pistas são rapidamente apagadas pela areia, de tal modo que têm de ser preparado de novo por cada um.
Seria ao mesmo tempo tolice e presunção se o que procura quisesse acreditar que graças ao seu próprio julgamento discernirá a verdadeira senda.
Mas será também tanto tolice como presunção esperar atingir o fim mais elevado ao qual aspira, sem suportar primeiro a comprovação das suas forças, provação que ele deverá de novo enfrentar  em cada estágio do seu caminho.
Será por fim tolice e presunção esperar atingir em si o mais alto objectivo, a consciência da unidade com a fonte primordial de toda a vida, sem a ajuda dos que já a atingiram.
Assemelhar-se-ia então a um alpinista que quisesse chegar, partindo da planície, ao mais alto cume de uma montanha, sem escalar os contrafortes que a envolvem, quando é só de de lá que se lhe pode mostrar o caminho certo para o atingir.
Soa às pessoas desprovidas de sentido crítico como muito corajoso quando alguém diz que entre ele e o seu Deus «nada se deve interpor»; mas o Deus que se supõe assim sentir é um Deus enganador, uma criação da representação imaginativa de cada um, e cuja realidade é exactamente do mesmo nível que qualquer imagem de uma representação.
Talvez, um tal Deus, concebido por um sonhador piedoso, possa ser por algum tempo, para quem se apega a ele, uma fonte de consolação, podendo suscitar forças que o confirmam ainda mais na ilusão que se trata da Fonte Primordial de toda a vida, só que em relação à Realidade que permanece eternamente, um tal Deus não é senão uma miragem, e nunca poderá conseguir modificar a mais pequena parcela ínfima do que constitui efectivamente a realidade absoluta.
A pessoa que se satisfaz de um certo tipo de experiência de Deus tem ainda menos possibilidades de encontrar um dia em si o seu Deus vivo que o ateu, que na maior parte dos casos só nega a existência de Deus porque expõe à luz, dum modo ou de outro, a ilusão piedosa onde se submerge aquele que se crê estar "tu cá tu lá" com «Deus», enquanto que só adora um fantasma da sua imaginação.
O negador de Deus está certo quando nega a existência de um tal Deus: o seu erro consiste apenas no facto que depois de ter reconhecido o fantasma como fantasma, negligencia de procurar a realidade.
Pode contudo ser-lhe dada um dia a experiência do verdadeiro Deus vivo nele, enquanto que o crente que se apega à aparência de Deus que criou, só raramente consegue libertar-se das suas cadeias.
Existem porém ainda outras possibilidades de ilusão e muitos dos que procuram caíram nelas.
Devemos falar aqui de uma das mais importantes delas, que tem um papel mais ou menos perigoso na vida da maioria «dos místicos».
Sem o socorro de qualquer orientação, sem qualquer ajuda emanando dos despertos no espírito, toda a pessoa pode ver em si uma estrela flamejante, a qual os monges do monte Athos acreditavam não poder suficientemente venerar se não chamando-lhe a Santa Luz da Divindade.
Mas não só os monges dos mosteiros mas também místicos e procuradores de Deus deixaram-se enganar ao verem nesta luz a prova certa da união da sua alma com o Deus vivo.
Contudo, a experiência que eles viveram era apenas um vago reflexo da mais alta forma de vida: tornaram-se adoradores deles próprios, onde imaginam ter encontrado a Divindade.
O que contemplaram neles era somente esta forma de vida do seu espírito, que só despertará para a irradiação eterna quando o Deus vivo, cheio de força e de realidade, ou realmente no trono da sua Glória,  prepara, no ser humano desta terra, o seu próprio nascimento como «criança da Virgem», anunciada pelos pastores que asseguram a «vigília nocturna», adorada pelos «Sábios do Oriente», os reis-sacerdotes do "Intimo Oriente", capazes de ver "a Estrela", desde que ela se alumia em cima dum estábulo, no qual entre os animais despojados de razão, nasce o rei que vai libertar Israel. [Palestina, não estado político]
Muitos falaram em discursos inebriados do renascimento de íntima amizade da sua alma com "Deus", das "núpcias espirituais" com o «noivo celestial». Muitos que acreditaram que a obra estivesse acabada e o nirvana atingido,  não viram neles próprios senão a imagem da «estrela flamejante» que para irradiar eternamente deve antes receber a Força que só lha pode dar a «Palavra Primordial» que ninguém alcança se não quiser avançar no caminho que Ela lhe preparou a fim de que seja possível ao filho caído do Espírito de novo alcançá-la.
Nós seres humanos não estamos isolados na existência. Somos todos apenas o resultado de uma força criativa eterna e como consequência unidos uns aos outros por milhares de fios secretos.
O que quer que seja que desejemos alcançar, nenhum de nós o pode sem a ajuda dos outros e é nesta acção recíproca harmoniosa que se atingem todos os grandes fins do esforço humano.
Queiramos a todo o preço obter algo sós e sem ajuda demonstramos então apenas que não compreendemos ainda como somos na realidade e também quem éramos pela eternidade  antes da nossa queda.
 Estaremos  então a ir erradamente, mesmo esforçando-nos pelo mais alto, com a melhor vontade e o coração mais puro.
Também o mais elevado que o ser humano possa prosseguir, a união vivenciada com o seu Deus vivo, cheio de força e de realidade, é-lhe sempre inacessível se ele crê poder estar desprovido da orientação que a sabedoria eterna e o amor misericordioso previram em sua intenção.
Ele tem necessidade desta orientação, pois ela é a lei na vida cósmica do Todo. O seu valor não se encontra minimamente diminuído pelo facto de ele pedir ajuda espiritual, tal como não será aumentado o valor daquele a quem couber dispensar-lhe tal ajuda, pois também ele outrora teve de ser ajudado antes de poder ajudar os outros.
Há sempre uma mão que estende a outra o que ela recebeu um dia e ninguém tira apenas de si o que precisa agora de dar a alguém.
Apenas da Palavra Primordial irradiante brota a palavra do Senhor que se derrama por todos os países" e cria em todos os tempos os Irradiantes da Terra, capazes de trazerem aos seus irmãos ainda não despertos, a Luz nas trevas. O homem que não foi preparado, bastante antes de nascer aqui em baixo no seio de sua mãe, não consegue, com efeito, depois da queda, captar esta luz que brota unicamente da Palavra Original, e só consegue transformar-se em palavra aquele que milhares de anos antes de a terra lhe dar como revestimento o seu corpo carnal,  se encarrega, por um acto de vontade livre, do fardo pesado de ser carregado por um homem terrestre e que, raramente, um ser que sofreu a queda assume ainda assim por compaixão e piedade para com a humanidade aqui em baixo.
Só quem foi  preparado para se tornar «Palavra» tem o direito de ensinar  o ensinamento supremo aos seus próximos, quando é necessário, e em todos os tempos tal ensinamento autêntico foi dispensado à Humanidade por instrutores cuja palavra estava enraizada em Deus.
Nenhum ser humano, que ao longo dos séculos a Terra teve e alimentou, alcançou o objectivo supremo, nenhum chegou a ter consciência da união com o seu Deus vivo, sem a ajuda espiritual dos que foram preordenados a tal pela Palavra Original.
Só neles se deve confiar, e sem qualquer dúvida a voz do coração permite saber se nos encontramos efectivamente em presença de um deles, desde que tal voz não foi abafada por ensinamentos enganadores aos quais, sem os questionarem primeiro, um dia se entregaram, ficando feitos prisioneiros da ilusão...
Neste domínio não são os milagres que nos dão provas evidentes e nunca se verá perante os seus próximos um verdadeiro Ajudante  vangloriar-se de truques de fakir.
É inegável que ele pode chegar a dominar forças que a maior parte consideram como sobre-humanas e maravilhosas, só que em tal caso não se trata que de fenómenos secundários da sua acção, regidos entre outras causas por certas características do seu organismo psico-físico, mas tais acções nunca provam ser ele um chamado.
A autenticação daquele que foi verdadeiramente mandatado para ajudar, encontrar-se-á só nas profundezas arqui-íntimas de quem procura ajuda e as quais não mede qualquer linha de sonda nem penetra o ponto de vista corriqueiro e os estereótipos do pensamento...
Aquele que põe à prova as palavras do seu mestre, procura a resposta nas profundezas do seu ser sem se deixar enganar pelas miragens dos ensinamentos forjados de várias peças, sem ficar prisioneiro da opinião de outrem, esse nunca se deixara ludibriar por falsos instrutores.
Conduzi-lo-ão à Fonte da vida, a esta Luz Primordial que se conhece a ela própria como Palavra Primordial e pronuncia de eternidade em eternidade as suas palavras sob a forma de essências espirituais vivas.
De modo igual ao que poeta com as palavras da linguagem humana forma cantos, epopeias e hinos, assim também a Palavra Original a partir das suas palavras e da sua própria força criativa cria também literalmente o seu hino eterno de louvor sob a forma de inumeráveis hierarquias de entidades espirituais das quais o último grau corresponde aos irmãos da Loja Branca, a qual desde a origem dos tempos procura espalhar a Luz sobre a Terra, tendo  apenas os seus membros a autoridade espiritual para testemunharem o espírito a partir do saber mais íntimo, da experiência mais profunda.
Assim saem da Palavra que é Deus, todos os raios, da expressão de si mesmo da eterna Luz Primordial, todos os raios que desde sempre procuraram iluminar a terra.
 Isto parecerá incompreensível ou duvidoso apenas aos que não percepcionam ainda interiormente este Ser que está acima de todo o poder de representação e que na sua forma mais alta, se reconhece como Deus.
É preciso saber um pouco dos graus desta vida eterna, das suas formas de existência, se queremos indagar o que em verdade é Deus e como o Deus vivo, real, numa auto-geração infindável se extrai do seu próprio ser para eternamente criar uma forma de ser renovada.
O ser humano deve saber o que o distingue, Ele que reina sobre todos os cimos e abismos,  pois  contém em si tudo o que é, daquele Deus tal como o ser humano o concebe e que frequentemente, infelizmente, é sonhado sobre os aspectos mais estranhos.
Há muitos que disseram já: «Tudo é Deus», «É em cada átomo deste mundo de aparências que deveis descobrir Deus». «Todo este mundo exterior é apenas aparência e na realidade as coisas não são coisas mas Deus».
Pode-se exprimir-se assim é claro e desde que se queira compreender da maneira correcta tais palavras elas podem ser consideradas verdadeiras, se bem que esta verdade arrisca-se a ser objecto de interpretações muito duvidosas.
Mas tal jogo com as palavras dará poucos frutos ao ser humano para a compreensão do problema .
Se queremos chegar ao mais alto conhecimento da verdade, devem então as coisas permanecerem para nós coisas, e se bem que elas não sejam o que parecem ser, todavia não devemos idolatrá-las mesmo que na forma mais sublime.
A ser assim testemunharíamos um respeito divino a uma forma de representação da vida eterna, - a partir da qual a Divindade se modela eternamente - pela simples razão que ela ultrapassa o entendimento do homem e podemos apegar-nos de tal maneira a esse nível de visão, que se nos torna impossível para sempre reencontrar a verdadeira Divindade na sua majestade irradiante...
De três modos se manifesta esta vida eterna, a qual se torna o alimento da Divindade em cada uma das suas formas de representação: como natureza física universal, como reino da alma fluídica e como reino do Espírito.
Nenhum ser criador fez qualquer destes reinos.
 Tudo é apenas uma forma de representação da vida única, eterna que estando acima destas três formas de representação, cristaliza-se a si própria na sua mais alta consciência  como a Luz Primordial, como a suma essência, que o ser humano pode sentir com comoção no fundo de si mesmo, como a fonte original de toda a vida – como o seu Deus vivo.
Causa primordial de si própria esta vida eterna encontra-se em todas as suas formas de manifestação, mas só se realiza no seu mais alto Ser acima de todas as formas de representação, apesar de que cada uma elas faça parte do seu Ser, e sirva como um oceano de renovação, donde ela se gera-se de si própria graças ao Poder que se deu a si mesma.
Acerca disto, diz-se: «Como  alimento Brahma formou este mundo», só que não se deve, influenciado por um modo de pensamento exotérico, pensar-se aqui num criador ou escultor e a sua criação, pois estas palavras dos Vedas dizem para o conhecedor, infinitamente mais: elas desvendam-lhe a mais profunda Realidade, elas desvelam a lei inerente da auto-propagação de Brahman, a essência do Ser um e absoluto, que é por si mesmo, Vida eterna e que serve de alimento ao mais alto e abrangente auto-conhecimento como Divindade, as suas formas de representação
Eternamente em fecundidade criativa, agem as forças inerentes às formas de representação da Vida eterna, enquanto natureza física universal, modelando as formas e destruindo outras para criar uma nova.
Em cada momento, mundos surgem e outros tombam em partículas no Todo, mas nunca houve um começo nem um fim do Todo, do que é em si mesmo Vida, do que em si mesmo age criativamente enquanto vida e que inclui em si o crescer e o declinar de mundos eternamente.
Tal como existem, nesta manifestação da vida eterna centros de forças que nenhum microscópio ou instrumento, por mais aperfeiçoado que seja, revela ao espírito humano, assim também se encontram invisíveis portadores da mais alta inteligência, cujas faculdades ultrapassam na força o mais potente pensamento humano, tal como o pensamento de um filósofo do nível de Espinosa ou de Kant ultrapassa o de um negro da floresta virgem.
Mas ao mesmo tempo há nestas mesmas formas representativas de vida também seres invisíveis cuja inteligência ultrapassa com dificuldade a dos animais que o ser humano utiliza como bestas de trabalho.
Todas estas entidades invisíveis não são contudo de modo algum de natureza espiritual e mesmo na sua forma mais alta, de modo algum são imortais, se bem que a duração de sua vida individual possa atingir milhares de anos.
Para as mais elevadas destas entidades, em muitos cultos de tempos antigos veneradas como Deuses, não existe qualquer enigma da natureza.
Tudo o que visível ou invisível determina a forma de representação física da Vida eterna é conhecida por estas entidades nos seus detalhes mais ínfimos, pois elas são totalmente intelecto.
Mas tudo o que se estende acima desta forma de representação – todo o reino imenso da alma fluídica e o reino do Espírito – é para elas apenas nada absoluto.
Elas não conhecem a Divindade e menosprezam os esforços intelectuais do ser humano tendentes a provar a existência de Deus, pois elas sabem que para o intelecto não existe efectivamente qualquer Deus.
É à influência delas que se deve atribuir toda a excessiva valorização do pensamento humano, cada hipertrofia do intelecto na humanidade.
No plano físico das formas representativas de Vida eterna, a própria vida conhece-se apenas enquanto natureza física eterna, sem se tornar consciente das suas formas de representação mais elevadas, como a alma e o espírito.
Agudamente distinto da forma de representação como natureza física universal, separada dela como por um abismo intransponível através da faculdade de sentir, e penetrando contudo esta primeira forma de representação, manifesta-se o reino da alma fluídica com as suas inumeráveis formas sensíveis de entidades e forças.
Estas têm todas consciência tanto da existência da natureza física universal como também do reino do espírito, no sentido que elas sentem os efeitos, tendo a capacidade de percepcionarem num e noutro domínio.
Por sua vez nitidamente distinto do reino da alma movente como também do reino da natureza física universal, ainda que penetre estas duas formas de representação da Vida eterna, está o reino do Espírito que contém inumeráveis hierarquias de seres puramente espirituais, auto-conscientes, auto-sensitivos, pensando e sentindo e conhecendo, graças a uma visão directa eterna, e retirada da impermanência da sua individualidade, a mais alta forma de sentir a pluralidade na Vida Eterna.»
Numa sequência incontável de níveis elevam-se uns acima dos outros os círculos de perfeição, até que, falando no modo humano, o mais alto cimo deste cone de luz numa auto-consciência da vida eterna no seu mais elevado auto-reconhecimento, que engloba todo o seu ser, brilhou, tendo-se conhecida na Luz Primordial, tendo experienciado o Ser da Luz Primordial e tendo-se tornado nele a Palavra Primordial, tornando-se a auto-expressão do Ser Absoluto, a qual de novo interage a vida nas três formas de representação apropriadas à Vida Eterna.
Eis-nos chegados à Fonte da Vida, a esta fonte que eternamente brota de si mesma e que eternamente deixa refluir nela o que derramara.
Estou bem consciente das limitações que levam a linguagem humana a estar condenada a balbuciar, quando procura descrever estas coisas, que não são alcançáveis que em espírito e graças a um modo de ver directo e contudo penso que muitos que lerão estas palavras sentirão despontar como a aurora dum pressentimento longínquo, confirmado num eco jubiloso pelo que há de mais profundo neles, e susceptível de lhes abrir, melhor que se me tivesse calado, o caminho que leva para o mais alto fim do espírito humano, caminho que me esforcei por descrever de tantas maneiras.
Certamente, só procedo aqui por via de alusões, mas é preciso não esquecer que na sua grande parte tal assunto escapa muito ao domínio do discurso, e permanecerá necessariamente por isso um mistério, mesmo se eu sonhasse consagrar uma obra importante para cada uma das palavras utilizadas aqui. Cheio do mais profundo respeito pelo inexprimível grandeza do que eu trato, tenho por outra parte evitado, na medida do possível, as expressões convencionais que o pensamento humano forjou na sua procura de um conhecimento especulativo do Eterno.
Creio ter-me cingido à promessa que o título desta exposição permitia. Mas só tirará proveito do meu ensinamento aquele que se ponha ele próprio em demanda da fonte da vida e que só descansará quando encontrar o traço dela em si próprio, mesmo que a sua água viva não lhe possa chegar que pelos canais que ela própria abriu, para se tornar alcançável, nesta terra, ao espírito humano, - a fim de que ele reclame ou exija mais, e que um dia, após tempos infinitos, ele eternamente goze a vida eterna em todo a sua plenitude.
Aquele que deu na Golgota a sua vida outrora e morrendo dirigiu de novo na existência terrestre a mais alta força de amor das profundezas primordiais abriu o caminho, para todos os que querem verdadeiramente segui-lo, que leva à fonte da vida.
O que ele fez outrora pela humanidade só pode ser compreendido pelo que se empenhou no caminho da sua própria libertação e sente então o poder que através da obra do grande ser amante lhe aflui abundantemente no caminho que escolheu...
Saberá o significado do que o mestre sublime disse:
«E eu, quando for elevado acima da terra, atrairei tudo a mim».
Só tal pessoa será capaz de utilizar esta força magnética que faz retornar para o ser Original e que este Irradiante outrora fendeu das suas cadeias graças ao seu Amor sem fronteiras...»
                       

quinta-feira, 19 de março de 2020

Mensagens das nuvens e céus de Portugal face ao sar corona e seus receios...

                                            
Dia algo coberto e acinzentado, de manhã cedo, e mesmo ao meio dia dificilmente a luz do sol rompe livre e poderosa a neblina persistente...
Parece mesmo que o ambiente do céu e as nuvens são também gerados ou afectados pelos seres humanos e logo andam tristes, algo apreensivos até, pelo sofrimento que o misterioso vírus (por uns chamado de chinês, por outros norte-americano,  natural ou laboratorial), está a criar em milhões de pessoas...
Há contudo bastante prana ou partículas luminosas nos ares e céus lembrando que a respiração profunda, psicosomática e espiritual, é ainda um dos melhores meios de nos fortificarmos e harmonizarmos. 
 Os ares estão bastante menos poluídos, os ruídos são escassos, a agitação consumista, colectivizante e desportista dimminuiu bastante, os brotos das árvores vão emergindo dos troncos num ritmo invisível mas persistente, milenário e a Primavera está quase a bater à porta com todas as suas promessas de florescimento e frutificações, calor e amor, borboletas e gorgeios de pássaros (as andorinhas ainda não chegaram, pelo menos a Lisboa...), convidando-nos a abrir as janelas ou mesmo a estarmos na Natureza, nos jardins, junto aos rios e cascatas, lagos e mar, e respirarmos fundo, alimentando e fortificando, na retenção do ar e das partículas ou átomos do éter solar, os chakras e o hara, nossos centros energéticos subtis mas bem importantes...
                                   
Não nos deixarmos abater por receios, fundamentados ou não, mas manter-nos saudáveis, confiantes, luminosos é fundamental e para isso convém não nos expormos às televisões e seus noticiários tão assustadores, evitarmos seus locutores de voz ou vibração mais negativa, perturbada e perturbante ou mesmo irritante, pois o medo baixa a nossa intensidade vibratória, afecta a  circulação sanguínea, perturba as hormonas e células nervosas, enfraquecendo assim o sistema imunitário e abrindo o corpo à doença.
Corpo que deve ser protegido pelas recomendações higiénicas especiais e fortificado por uma boa alimentação natural (de preferência sem químicos), exercício  e lavagens adequadas, e mais uso do sal integral,  gengibre, curcuma, cominhos, folhas verdes, chás de ervas, etc., etc., discernindo-se ainda muito bem como se deve reagir, lutar e vencer os eventuais estados gripais, febris ou virais... 
Aproveitar o estar em casa mais tempo para a pôr em ordem, para lermos, convivermos e dialogarmos com mais profundidade, e também  orarmos (nomeadamente por outros ou pelas bênçãos gerais), meditarmos e contemplarmos a fim de que a harmonia dos nossos três níveis (corpo físico, o psíquico ou alma e o espírito) seja mais realizada e recebamos até nesses momentos de silêncio e de quietude, no nosso olho espiritual, coração ou mente, inspirações e orientações.
Assim avancaremos no caminho da imortalidade consciente (como o anjo da emblemata nos lembra) e da harmonização ambiental e planetária, que certamente vai ser infinitamente desafiante, pois a oligarquia e a USA a obstaculizam por tantos meios violentos e agentes corrompidos pelo dólar inesgotável e tão mal usado... Oremos!
Saibamos então invocar ou merecer os antepassados, os mestres, as santas e santos, os Anjos, o Arcanjo de Portugal ou de cada país, os Kamis, os Devas e espíritos da natureza mais luminosos com as nossas orações, aspirações e irradiações psíquicas, para que os céus exteriores e interiores se abram límpidos e o azul  pacificante e a estrela dourada  iluminante nos abençoem e inspirem na comunhão do Graal da Verdade, do Amor e da Graça Divina...
Aum...
Gravura do notável mestre pintor Bô Yin Râ

quarta-feira, 18 de março de 2020

A aspiração e ligação ao Anjo e o erguer do santo Graal, nos nossos dias. Um contributo...

Embora o Anjo esteja na vizinhança potencial da Divindade, ou pelos menos em planos espirituais muito luminosos, donde provavelmente nunca perderá a vista ou a  possibilidade de aproximação da contemplação unitiva, não lhe desagrada, ou gosta mesmo, poder aproximar-se da consciência do espírito humano incarnado que o chama, precisa ou o merece, harmonizando-a, elevando-a, iluminando-a... 
 Assim quando meditamos e oramos e o invocamos, tal pode acontecer, seja em vislumbres luminosos ou sentimentos transitórios, mas que operam uma transformação lenta, paulatina mas iluminante...
Podemos então dizer que o Anjo é a Luz sobre a Luz, porque quando nós, meditando e orando, temos acesso à nossa luz, ao invocarmos o Anjo e ele se aproximar, uma Luz desce sobre a nossa luz, Luz sobre a Luz...
 O Anjo redimensionaliza-nos para Deus, expande a nossa alma, aspiração amorosa e  concentração psíquica para a Harmonia, a Sabedoria e finalmente Divindade, seja para a sentir, a adorar, a querer ver, ou por Ela nos melhorarmos
O Anjo comunga connosco na meditação, aspiração, amor, adoração à Divindade, e alegra-se e alegra-nos.
Passado o tempo de meditação, oração ou contemplação, o Anjo fica de certo modo mais em nós porque ele é tanto um ser e uma presença, como um princípio, e portanto fica em nós como um princípio de ordem, coerência, beleza, para além de que algumas das suas energias e raios permanecem em nós, certamente de modos subtis e misteriosos..
Por exemplo, como um impulso mais consciente de Ordem dentro de nós, e de ordem à volta de de nós. E quem diz ordem diz harmonia, pureza, estética, beleza, graça, coerência, discernimento.
A nossa alma foi orientada por ele, ordenada, redimensionada espiritualmente e tal vai permanecer durante algum tempo, em parte de acordo com o grau concentração, aspiração e  adoração interior que conseguimos. E com que persistimos e actualizamos a abertura, invocação e ligação.
Poderemos  dizer que tal persistência é de acordo com o oferecimento e erguimento ou aspiração-elevação nossa, e logo o correspondente enchimento do cálice ou taça do santo Graal que acontece no nosso interior.
Este Graal, que todos temos potencialmente no nosso ser e coração espiritual, em alguns seres cresce mais, aumenta e enche-se e então temos um portador do santo Graal, do qual os paradigmas passam pelo real Jesus, o mítico Galaaz e outros mestres mais conscientes do Amor e da Luz divina neles.
Trabalharmos com o Anjo, pensarmos a vida angélica, cultivarmos o santo Graal, é então bem importante, aproveitando-se seja os momentos de mais paz e amor, seja os dias de maior recolhimento forçado e vencendo-se os receios de doença, sofrimento e morte. 
 De qualquer modo, os Anjos sempre nos dirão: "mortais, em vós está também a possibilidade de imortalidade consciente" e esta mensagem de alerta, de redimensionamento identificativo, de trabalho meditativo e unificativo sempre foi soprada por eles, seja no silêncio interior seja em alegóricas trombetas de ressurreição, tão visíveis na pintura religiosa e simbólica, seja pelos mestres que os ecoaram...
Saibamos então atravessar harmoniosamente as descidas aos subterrâneos de doenças ou limitações para renascermos mais luminosos, mantendo-nos atentos e activos nas necessárias acções exteriores, e na acção psíquica, ou mesmo psico-espiritual, que podemos desenvolver pelo pensamento e a palavra, sentimentos e intenções ao vivo, tal como ao comunicarmos pela web, pelas redes sociais, evitando a  exposição passiva à televisão atemorizadora e sepultante e a noticiários metralhados e, pelo contrário, antes de tais manipulações e opressões nos libertando...
Será então assentes, ou frequentemente rearmonizados pela meditação, oração ou outra prática, ou mesmo pelo adequado contacto com os cinco elementos da Natureza e o Sol, que podemos navegar na web e redes sociais e eventualmente participar (com conta, peso e medida...) nas batalhas importantes de informação verdadeira face à desinformação-manipulação opressiva (coexistindo com contornos enganadores), munidos do discernimento tão necessário  face à muita maluquice de esoterice, de zeitgeist, de profecias, ou mesmo de meditações e consultas on-line a pagarem-se, e em talvez 90% dos casos por pessoas com pouca realização espiritual....
Saibamos discernir bem e batalhar, mantendo firmes os fios de respiração e consciencialização do princípio de ordem angélica, mantendo ou intensificando a ligação com a presença interior e o santo Graal, e a comunidade dos mestres, numa comunhão luminosa com o Amor, o mundo espiritual, celestial e o Sol Divino.
Sempre vivificador e purificador, e a Ele atraindo a vegetação, as árvores e os seres,  o Sol Divino é o mais importante de ser realizado, comungado ou amado e defendido  ou soprado. Saibamos orá-lo e invocá-lo...                 

sexta-feira, 13 de março de 2020

Exposição de pintura "Da Mesma Raiz..." de Madalena Leal. E vídeo das palavras minhas. Porto, 5.III.2020

 
Madalena Leal, junto ao quadro Amor, com a sua grande amiga  Flora Guimarães Faria.
Madalena Leal, licenciada em Pintura, pela Faculdade de Belas Artes do Porto e com mestrado e doutoramento realizados na Universidade de Vigo, é uma artista já com um bom percurso de pesquisa, criatividade e partilha, e por isso oferece agora em Março-Abril de 2020, no Porto, sua terra natal, uma exposição no espaço Altice, sob o título Da mesma Raiz, onde uma série de composições bastante originais mostram a sua grande atenção, sensibilidade e ligação com a Terra, com as texturas geológicas, com a memória arqueológica dos locais,  com os números e geometrias que configuram a manifestação e com  o ouro que  habita em nós e que podemos ora reconhecer ora infundir no que nos rodeia. Mas também está presente a sua ligação com todos os materiais da contemporaneidade, reciclando até o que aparentemente seria já sem valor ou uso, incorporando-o nas suas obras.
É visível nesta sua última exposição a alegria pelo Universo que a Madalena Leal partilha, a par de uma tristeza pela transitoriedade dos seres, nomeadamente os que mais amamos e partem, como recentemente lhe sucedeu, o que envolve muitos seres num labirinto saudoso e interrogativo, que talvez se possam também encontrar ecos em certas paisagens ou expressões de animais....
Contudo, o Amor é afirmado fortemente, e num dos quadros  até com este título  sugere que o encontro é não só dos seres corporais mas sobretudo das almas e seus campos de energias  ou auras, para gerarem mais amor e harmonia num Cosmos infinito e em que os espíritos são imortais...
Cada pintura é na verdade uma janela para uma representação artística do mundo da artista, mas também para a nossa própria alma, pois cada um de nós vai reagir de acordo com a sua sensibilidade e estado anímico. 
 Quando contemplamos mais demoradamente certas obras, sobretudo algumas mais ricas de conteúdos, sugestões, geometrias, harmonias, beleza, bem maiores são os efeitos e os impulsos que elas em nós suscitam ou abrem, contribuindo para que o tal ouro consciencial, ou o tal coração espiritual, venham mais ao de cima e sintamos um estado expandido de consciência ou mesmo de felicidade e amor, um alinhamento maior com as forças divinas e criativas.
Esta é uma das funções mais elevadas da arte e certamente que algumas das pinturas da Madalena Leal têm essa operatividade anímica forte.
Tendo sido professor de Agni Raja Yoga dela há muitos anos no Suribachi da rua do Bonfim, mantive um certo contacto com ela já que a Madalena dinamiza um espaço de artes na rua Valadim, onde fiz mesmo há uns anos uma palestra nas celebrações da Rainha Santa Isabel, além de manter algumas amizades desses tempos. 
 Daí ter-me convidado para dirigir algumas palavras, o que fiz depois de ela já ter sido apresentada enquanto pintora pela directora do espaço galeria, a Manuela Oliveira, de a soprano Beatriz Pereira ter cantado algumas árias e a Maria do Céu Alves ter lido três poemas.
                                     
Ficou o registo das palavras minhas e as finais da Madalena e da directora, além de uma ária. No Youtube podem-se ouvir os outros cantos da Beatriz e os poemas da Maria do Céu.
E boas visitas à exposição....
                                 

terça-feira, 10 de março de 2020

Antero de Quental e Matias Lima. E o poema sinfónico "Antero de Quental" por Luís de Freitas Branco.

Matias Lima foi um escritor portuense dedicado aos estudos literários, poesia e livros antigos, deixando neste último campo uma obra pioneira e apreciada sobre as encadernações portuguesas e os seus encadernadores.
Vivendo entre 1885 e 1957, em 1918 escreveu Medalhões Nacionais (poetas e prosadores), publicado no Porto na livraria Chardron de Lelo & Irmão, numa homenagem a quarenta escritores do século XIX, reproduzindo uma pequena imagem-busto de cada um e comentando-a com um poema ou soneto de sua lavra. 
Começa em Almeida Garret, Castilho e Herculano e termina em António Feijó, António Fogaça (a quem consagramos um artigo), Eduardo Coimbra e António Nobre, passando por Camilo, João de Deus, Cesário Verde e Antero de Quental, etc.
Juntamos no fim do artigo a ligação musical ao poema sinfónico de Luís de Freitas Branco dedicado a Antero de Quental, que pode começar a ouvir já...
Vamos então transcrever a primeira quadra do soneto que Matias de Lima lhe dedica, no qual tenta resumir o ser e vida de Antero, e comentá-la. Mas se quiser ler o soneto, primeiro, sem comentários, abstraia deles...

«Quanta amargura a sua musa estampa!
A dor fez-se arte, a soluçar no verso...
Ensombrou o seu génio, sempre imerso
Na visão torturante do Além-campa.»

Comentário:
Valiosa esta ideia que a Musa, mais do que ser meramente a inspiradora, é a que imprime, estampa, determina, efectiva. Sai-se de um mero registo de namoro com a musa platónica, uma inspiradora que se acolhe,  para uma reactividade activa e geradora de luz visível.
Claro que podemos interrogar quem é a Musa (para além da mulher que nos possa inspirar),  se um ideal poético, se um outro dentro de nós com quem dialogamos ou que nos inspira, se uma entidade, um anjo, um espírito ou finalmente. se um conjunto de ideias, sentimentos e aspirações que se unifica num todo e que nos inspira, ou seja, a quem nós nos podemos abrir e receber um fluxo criativo...
Matias Lima vai retomar esta linha de interrogação sobre a essência e força que em Antero «ensombrou o seu génio», já que pôs a dor a soluçar nos seu versos, e prendeu-o num visionarismo torturante do mistério do Além.
Embora este Antero de Quental seja bem visível nos Sonetos, embora tenhamos que discernir o que ele vivia e o que ele poetizava, lembremo-nos da sua fase inicial lírica e depois a revolucionária e socialista, só depois, e também pela sua doença nervosa, começando a deixar que os mistérios do Destino, da Noite e da Morte  fossem ensombrando em parte a sua genialidade, abrindo-o  demasiado ao vazio,  ao nada, ao inconsciente e impedindo-o de se ligar mais aos níveis espirituais ou ao seu espírito divino, acabando por ser vítima dos seus pensamentos e nervos. Contudo, Antero não fez um estudo forte sobre o mistério do além, embora tivesse participado ou visto algumas experiência psico-magnéticas e espíritas, antes o sondou pela filosofia e o sentir e crer do seu coração.
            A segunda quadra diz-nos:

«Caminhou pela vida - estreita rampa,
inquirindo o mistério do Universo;
Buscando a luz, um só clarão disperso
que à lage tumular erguesse a tampa.»

Comentário: Uma bela caracterização da vida como uma estreita rampa  e lembra-nos Miguel Torga, um voluntarioso), a tal via estreita, num caminho ascendente, na qual haveria essa busca da luz «rompendo a treva que poderia afastar as limitações do conhecimento do mistério da morte».
Sem dúvida que Antero de Quental pesquisou os mistérios da vidas, mas se formos ver a sua biblioteca ou mesmo a sua correspondência, não encontramos tanto essa busca de Luz específica, espiritual, ainda que tivesse apreciado os místicos medievais da Theologia Germanica, e vemo-lo a laborar mais por um sistema filosófico, «a sua doutrina», que combinasse a ciência, a filosofia e a religião.
Primeiro terceto:

«O que é o Ser? É poeira dum momento?
Espírito liberto? Eternidade?
Em quem confiar: na Fé ou na Razão?»

Comentário: Matias Lima resume bem algumas das hipóteses que Antero de Quental cogitou, dualizando entre o nada, o niilismo, o ser que é pó e o espírito imortal que se acreditaria pela Fé, avançando com esta no caminho da libertação e da eternidade. Porém, a equação optativa apontada: ou de seguir a Fé ou então  a Razão em tal demanda não é muito correcta, embora mesmo Antero seguisse ou sentisse um pouco tal dualismo.
O que necessário é o conhecimento interior, a experiência espiritual, a gnose, a visão com o olho da alma, o desabrochar dos sentidos espirituais, a criação de uma relação pessoal com a Divindade, que seja sentida e vivida, e não apenas acreditada pela fé ou então ao contrário pensada, raciocinada.
 O último terceto sonda já o mistério da sua morte, seja das causas seja desse preciso instante:

«A luz não lhe beijou o pensamento...
Buscou a morte em gritos de ansiedade
por não poder viver na escuridão!»

Comentário: Muito provavelmente a luz tenha várias vezes estado forte em si e nos seus sentimentos e pensamentos, e constatamo-lo em muitas das cartas que dirige aos amigos e em alguns poemas e sonetos. Talvez possamos dizer que talvez seja mais o Amor que lhe faltou, provavelmente até por uma ou outra desilusão sentimental ou de amizades. Amor que não o aqueceu suficientemente,  seja guiando-o na aspiração e meditação espiritual, seja descobrindo sempre novos férteis campos para a sua força de vida e pensamento, seja dando-lhe forças para resistir às desilusões circunstanciais.
Enfraquecido pela misteriosa doença nervosa e a má alimentação, e desanimado com os últimos momentos da sua vida, sobretudo o de ficar sem as duas crianças que adoptara, filhas do seu grande amigo Germano Vieira Meireles, e ter de regressar a Lisboa que já pouco lhe dizia,   preferiu "samuraicamente" matar-se, ou seja, entregar-se à morte misteriosa, escolhendo o momento do encontro da morte -  ser e estado que ele tanto cultuara, meditara e amara até.
"Gritos de ansiedade por viver na escuridão", não nos parece  acertado. Poderá ter gritado a sua vontade de estar em amor, em paz, a sua vontade de estabilidade, mas não vemos gritos, excessos de sentimento e sensibilidade contra o seu estado cognitivo ou mundivivência de então.
Antero não estava na escuridão. Apenas desiludido e perturbado orgânica, neurológica e emocionalmente.
Mas certamente será sempre um mistério qual era o seu pensamento quanto a se Deus, ou a Ordem do Universo, ou a Verdade aceitavam e teriam como bem ou justa a sua morte voluntária...
Poderemos contudo admitir, na linha de Matias Lima, que Antero quis deixar o estado semi-obscuro desta vida pelo que de mais Luz pressentia, acreditava, desejava...
Fica  ainda a questão se realmente, ao matar-se, passou a sofrer menos ou mais, ou se entrou para uma Luz maior ou não...
Pelo sim pelo não, recomenda-se em geral e prudentemente tanto que as pessoas não se matem, como que oremos pelas que fizeram isso, pois dizem certos mestres que passarão muitos anos no invisível sofrendo...
Luz e Amor divinos brilhem então intima e fortemente em Antero de Quental, Matias de Lima e Luís de Freitas Branco...
 Segue-se o belo, profundo e solene poema sinfónico que Luís de Freitas Branco,  jovem de 19 anos, dedicou a Antero de Quental, sob o impacto da sua leitura, a qual, tal a de Luís de Camões, muito apreciava, sendo tocado pela 1ª vez em 11 de Abril de 1915. Aum...