terça-feira, 14 de agosto de 2018

A carta de Antero de Quental a António Molarinho, comentada. E antologia de poesias da "Lira Romântica", de António Molarinho.

                                
Em 1921 sai à luz o livro a Lira romântica.  Meridionais, de António Molarinho, organizado e publicado por Adelaide Molarinho, sua irmã, e Aristides Mendes, os três naturais da mesma terra de Cabanas, trinta anos depois do poeta ter partido precocemente por doença, constituindo uma merecida e bela homenagem ao «bardo sentimental e artista delicado, cuja existência aureolada de talentos e radiante de esperanças, tanto prometia». O jornalista Júlio Brandão (1869-1947), que conheceu António Molarinho, anos mais tarde nas suas memórias, descreve como fora inesperada a morte do belo e forte poeta e como durante esses trinta anos alguns dos poemas circularam entre os que o admiraram ou amaram. Também o excelente historiador, observador e cronista  da época, Alberto Pimentel, referiu Molarinho e a sua presença em tertúlias de café, com outras individualidades valiosas...
                                     
Para além de tal valor, a de ter preservado a poesia e a cosmovisão de António Molarinho, o livrinho (in-8º peq. de 159 p.) transcreve como segundo prefácio uma carta de Antero de Quental a António Molarinho, com transmissões valiosas, até para a compreensão do estado intelectual e anímico em que Antero se encontrava no seu antepenúltimo ano de vida, ou seja, em 1889.
Mas aproximemo-nos primeiro de António Molarinho (27-XII-1860 a 4-I-1890), então com 29 anos, a dialogar com os 47 do já consagrado Antero de Quental, a quem só faltava a aventura quixotesca da Liga Patriótica do Norte, e a paixão final do suicídio na ilha de S. Miguel.
Formara-se António Molarinho com distinção e brilho na escola das Belas-Artes do Porto e era pintor e escultor, tal como na sua família já artistas eram seu tio Arnaldo e sua irmã Júlia Molarinho, notável e premiada pintora.
                             
Calmo, forte em si e nos seus ideais, assumira mesmo idealmente e pragmaticamente o cargo de administrador do concelho de Gondomar. A sua veia poética era contudo forte e os poemas saíam para jornais, tal como A Província, onde Antero também publicava, e revistas, tal como a parisiense Ilustração, de Mariano Pina, espelhando os seus muitos anseio de amor não realizados e, logo, os males da saudade, tristeza e morte (fazendo até a crítica da caça), discernindo-se neles um cansaço e desilusão quase prenunciadores da morte precoce.
A afinidade ou influência anteriana sente-se bem, embora Antero de Quental não tenho cantado tanto a desilusão do amor. O poema intitulado Mors-Amor merece ser comparado ao de Antero de Quental com o mesmo título, pois é uma glosa valiosa, uma paráfrase.
São muitos os poemas verdadeiramente consagrados à desilusão do amor, ao chamamento ou entrega à morte, um culto da época ao pessimismo e fatal em geral, mas que  nascia
também da própria doença e quem sabe antevisão dela, embora aqui e acolá alguns poemas de amor conseguido ou correspondido brilhem momentaneamente.
Oiçamos antes de mais, um pequeno e belo poema, com ligação aos moiros e fadas, para sintonizarmos em amor com a alma de António Molarinho, significativamente intitulado: 
     Confidência
«Quando te escuto a voz alegre e amada
Fico tão satisfeito,
Que algum pesar que mora no meu peito
Deserta como corça amedrontada.

E sonho e rio ao som dessa harmonia
Em íntima absorção
Como se acaso se fizesse o dia
Neste magoado e negro coração.

E assim ando perdido e enfeitiçado,
Ao som dessa voz d'oiro,
Como lendário e romanesco moiro
Dos contos do passado...

E ora vê lá como estas coisas são!
- Eu que não cria em nada
De encantos... - trago agora o coração
Preso por uma fada!...»
 Os valiosos poemas nas suas dedicatórias cobrem ou invocam alguns dos seus amigos, vários também de Antero de Quental, tais como Oliveira Martins, num poema da vitalidade campestre que Molarinho sente infundir-se no seu coração fraco e remoçá-lo, Guerra Junqueiro, Luís de Magalhães, Manuel Duarte d'Almeida, José Pereira Sampaio (Bruno), Luiz Botelho, Fernando Maya. E será já nas páginas derradeiras do livro, na página 130, que surge o poema "Hora Triste (ao senhor Antero de Quental)", bem doloroso e desalentado, amaldiçoando a vida,  transcrito na antologia final que selecionamos.
A tónica triste, desolada, sem esperança, algo em moda na época em que a tuberculose dizimava tantos, quase de constante chamamento e pressentimento da morte, prossegue, ainda que com um ou dois poemas de grande alegria de unidade com a Natureza e,  de novo, alguns que parecem ser ecos ou glosas a Antero de Quental, tal o "mais vale sofrer do amor que levar o coração morto", e que certamente nos desafia a despertarmos mais o amor na nossa vida terrena para que não cheguemos ao além com o corpo espiritual mortiço....
 O poema final da Lira Romântica é o mais filosófico e está dedicado ao republicano, publicista, positivista, maçónico e ocultista, nisto algo pioneiro, José Pereira Sampaio (Bruno), que colaborou na Liga Patriótica do Norte presidida abnegada e quixotescamente por Antero de Quental, e nele tece uma concepção de vida quase oriental, de menosprezo pelas excitações da vida, oferecendo no conjunto dos poemas tão melancólicos um equilíbrio final, menos desanimado e mais filosófico...
Oiçamos agora a maravilhosa carta escrita por Antero de Quental, em 26-VIII-1889, a António Molarinho, e que se tornou o prefácio do seu livro, infelizmente já póstumo, sendo de relembrar porém que já em 1888, a 3 de Fevereiro, numa carta a Oliveira Martins, Antero de Quental mencionara o valor potencial de Molarinho, ao lado de Jaime de Magalhães Lima. Teria António Molarinho sabido desta amizade inter pares, do afecto e consideração que Antero tinha por ele? Ter-se-iam cruzado no Porto das tertúlias literárias do final do século XIX?
 «Meu caro Poeta.
Afinal, creio que faz bem em coligir e publicar em volume os seus versos.
Representam a sua mocidade, são o fragmento da sua vida e, porventura, o melhor. Há-de encontrar quem lhos leia, como poetas querem ser lidos, com simpatia. E o Molarinho também há-de rele-los de vez em quando, em horas de saudade, em horas de melancolia há-de por momentos, abrigar-se neles das intempéries da vida positiva, e novamente sonhará com os sonhos extintos, novamente chorará com as lágrimas passadas, passadas mas não de todo enxutas...
Sim, o seu livro será sempre para si uma sombra querida, entre sorridente e magoada, magoada no seu sorriso, sorridente na sua mágoa, a sombra da poética mocidade, que a sua alma evocará do túmulo entreaberto, muita e muita vez, por essa vida adiante, pois creio que é daqueles que nunca renegam, ainda na velhice, a loucura sagrada dos anos juvenis, nem se envergonham de terem sido poetas.
Felizmente para si, ou infelizmente?
Ai de mim! confesso-lhe que já não tenho fé nem ânimo para responder afirmativamente.
Pois o que é a poesia - digo poesia, digo sentimento vivo e alado, imaginação caprichosa ou profunda contemplação intensa do vasto universo e da própria alma, universo mais vasto ainda no seu mistério; digo poesia e não só versos - neste nosso mundo actual? E o que será ela no mundo novo que se prepara e cujo vulto ainda indistinto, mas já terrível e estranho, entrevisto a espaços, faz descorar os pobres poetas, os que ainda restam, como se curvam e estremecem as pobres flores, que tardias desabrocharam no outono, ao passarem hostis as primeiras rajadas do norte assassino?
O rugido do oceano já próximo faz emudecer os rouxinóis.
E todavia essa iminente condenação da poesia pelo destino da história é talvez, no fundo justa. Quero, pelo menos, crer que o seja, para não renegar da fé nas leis superiores do desenvolvimento da humanidade. Essa pesada democracia, esse mundo de trabalho material e de ciência quase tão material como ele, esse monstro de esforço e cálculo, brutal e sem estranhas como agora nos parece, traz talvez em si alguma grande ideia da justiça, que compense à farta as delicadezas e as ternuras que lhe faltam. A poesia tem embalado, com a sua divina melopeia, as dores da humanidade, tem adormentado o sentimento acerbo das suas inenarráveis misérias; mas essas dores, essas misérias não as pode ela suprimir. A ciência e a democracia suprimi-las-ão talvez. Como não sei. Ninguém sabe. Mas é essa a fé deste século audaz, e a fé tem sido sempre o pressentimento dalguma grande renovação histórica, dalguma nova revelação da humanidade. Quero ter eu também essa fé e quase direi com Tertuliano: credo quia absurdum.
 Com tudo isso, meu caro poeta, o momento presente é triste, é amargo. Sentimo-nos tão deslocados! Parece-nos este mundo tão pouco o nosso mundo! Quase que temos a consciência duma gradual fossilização, da transformação lenta da nossa carne e do nosso sangue numa substância estranha, morta, mineral, sentimos que alguma coisa nos soterra e a pouco e pouco nos reduz ao estado de seres paleontológicos, representantes dum período já obsoleto na sucessivas estratificações históricas da humanidade.
É que somos, com efeito, os representantes duma espécie prestes a desaparecer - e é força que se cumpram os decretos do destino...
Desapareçamos pois de bom grado. Não se aflija. No fundo do verdadeiro poeta há sempre um crente. Apele para as energias superiores da sua alma, pense que a arte, por bela e sedutora que seja, não é ainda assim mais do que um reflexo, um símbolo do ideal supremo da vida moral, e que esse ideal, subsistente por si, não precisa de formas, caducas afinal ainda as mais esplêndidas, para se afirmar, pois o que é tira-o de si, da sua substância inesgotável, espiritual, infinita.
Depois a vida, a nossa vida individual e humana, é tão pouca coisa! Se não pode passar cantando, passa-se de outro modo. E ás vezes vale mais isso. Creia que a virtude pode mais e é mais que a arte. E dura mais também: dura eternamente. As obras do bem, ligadas indissoluvelmente à substância do Universo, absorvidas, desde o momento da sua produção, para nunca mais saírem dele, vinculadas, pela cadeia duma casualidade superior, a todas as suas evoluções através dos tempos, dos espaços, dos mundos, vão aumentar o tesouro da energia espiritual das coisas, fecundá-las nos seus mais íntimos recessos e, sempre presentes, sempre activas, eternizam, nessa sua perene influência, a alma donde uma vez saíram. O Universo só dura pelo bem que nele se produz [sublinhado nosso]. Esse bem é às vezes poesia e arte. Outras vezes é outra coisa. Mas no fundo é sempre o bem e tanto basta.
Ame pois a poesia, mas não ponha nela senão aquela parte da sua alma e do seu coração que razoavelmente se pode pôr nas coisas frágeis e caducas deste mundo. Fazendo assim, a poesia o consolará de muitos desgostos e não lhe dará nenhum.
Creia-me muito do seu coração,
Praia da Granja,
26 de Agosto de 1889
Anthero de Quental. 
                 O que poderemos realçar ou comentar nesta bela carta: 
1º a concepção ou visão bem profunda da poesia: «poesia, digo sentimento vivo e alado, imaginação caprichosa ou profunda contemplação intensa do vasto universo e da própria alma, universo mais vasto ainda no seu mistério». Ou seja, a poesia nas duas vertentes anterianas principais: como imaginação volúvel ou "caprichosa", e nesta tónica Antero e Molarinho algo se poderão ter enfraquecido, e como tentativa intensa de contemplar os vastos domínios da alma e do universo, com seus mistérios, certamente a melhor faceta da musa filosófica e espiritual de Antero, com a qual ele aspirava a realizar a poesia do futuro, e da qual nos diz ter conseguido em alguns sonetos finais infundir tal qualidade. E seria interessante sabermos mais precisamente quais ele considerou mais aperfeiçoados ou verdadeiros nesse sentido, e porquê, ainda que nos dê algumas pistas na sua correspondência...
2º, a sua ideia, crença ou fé, mais de que uma vez repetida, que a poesia tenderia a desaparecer no futuro por desnecessária, pois a democracia e a ciência, com o conhecimento, a justiça e a liberdade, trariam a resolução dos problemas humanos, das suas "dores e misérias", crença que admite poder ser absurda ou irreal (como se tem vindo a verificar...), mas mesmo  assim aceita-a nesse perigoso contexto do "creio por ser absurdo" e que tanto serviu para se manter as maiores patranhas e mistificações nas mentes das pessoas e nas suas ideias religiosas.
3º, a ideia de que as artes são meros símbolos  de um ideal moral, de ética, de virtude, esse sim eterno, o qual deveremos cultivar, desprendidos das formas mutáveis e transitórias, pois o ideal de si mesmo retira as suas energias espirituais, infinitas. Está Antero a dedilhar uma das suas ideias mais difíceis de se aplicar, uns dos seus ideais mais árduos de se realizar: a do sacrifício do transitório, do pessoal, do individual ao Ideal e à Realidade do Todo, do Bem universal, da Virtude, primado axiológico que desenvolveu no seu valioso ensaio as Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX. Este idealismo ético tão elevado e dinâmico não se tem porém  confirmado muito na evolução social, e talvez Antero tivesse sido mais preciso ou certeiro se fosse apontando mais para a realização do próprio Espírito, e tal frase dissesse respeito seja a uma auto-consciencialização maior da centelha divina no ser humano, seja do Espírito divino em si, e não tanto apenas ao ideal que fazemos ou intuímos de um Bem absoluto e poderoso, mas que dificilmente se reflecte e afirma não só nas mentes das pessoas como sobretudo nas tão falíveis, injustas e cada vez mais manipuladas, controladas e oprimidas "democracias" humanas.
4º, a valiosa ideia e tão belamente expressa, que o bem ou a virtude nunca se perdem, e que as obras emanadas vibratoriamente de uma alma humana atravessam o Universo, entretecidas com a  própria substância dele, em ressonâncias subtis, enriquecendo o Bem do mundo. É certamente entre nós das mais originais visões e expressões da comunicação do Bem, em geral ou artístico, na ordem do Universo, na substância do Cosmos, uma afirmação da Unidade dele, algo tão afirmado pelos místicos e iniciados das várias religiões e tradições e hoje até por alguns estudiosos da psique humana e da física quântica.
5º, se a ideia da imortalidade do bem, está claramente afirmada, já a da imortalidade individualidade só tremulamente se pode adivinhar pois quando Antero diz magnificamente que tais actos bons «vão aumentar o tesouro da energia espiritual das coisas, fecundá-las nos seus mais íntimos recessos e, sempre presentes, sempre activas, eternizam, nessa sua perene influência, a alma donde uma vez saíram», a alma parece ser só perenizada pelos seus actos e consequências (que levam o seu nome ou substância) mas não pela sua própria identidade ou essência espiritual divina, reconhecimento escassamente alcançado e afirmado por Antero na sua odisseia ou demanda, de facto conseguida mais ética e filosófica (e muito tingida pelo budismo e a filosofia do inconsciente, com a extinção do eu individual) do que mística e espiritual, embora tivesse para esta também grande potencial e apetência, frequentemente bem manifestada, nomeadamente na sua fabulosa epistolografia, e nomeadamente nesta carta a António Molarinho, mas que numa época tão dualista antagonicamente entre a Igreja e a Revolução, o positivismo e o misticismo, era bem mais difícil de desenvolver, aprofundar, realizar e, em muitos casos, assumir-se exteriormente...
         Antologia  das poesias citadas de António Molarinho:

                         HORA TRISTE (ao senhor Antero de Quental)
 
«Nas minhas horas tristes, tantas são,
Que todas quase as conto deste modo!...
Sinto invadir-me o peito e enchê-lo todo,
Uma funda, mortal consternação...

 
Estendo o olhar cansado, - alongou-o em vão
Através deste mar de fel e lodo...
E nem uma só flor ou vão engodo
Há a doirar o meu triste coração...

Cerro os olhos e penso... e nessa treva
Translúcida, que faço em pleno dia,
Mais alta ainda a minha dor se eleva!...

E oiço então em mim a voz dorida
Dos meus desfeitos sonhos, na agonia:
-Ai de nós! Ai de nós! - Maldita a Vida!...

   II
A tristeza da Vida!... Ir-se levado
De sonho em sonho... nem eu sei aonde...
E ver quando se sofre e ainda se esconde
Aquilo mesmo que se há sonhado!...

Amolece a Vontade... e desolado,
Por mais que o Entendimento indague e sonde
Ninguém a nossa dor ouve – ou responde
Numa hora de aflição ao nosso brado...

Meditai, uma a uma, as agonias,
As tristezas da Vida... esta ansiedade
Que nos consome... e ainda as fugidias

Horas felizes, - mesmo a mais serena...
E dizei-me depois, bem em verdade,
Se nascer para isto vale a pena...

         III.
Ai! Meu celeste amor! - Leal estrela
Que à Vida prendes esta vida triste...
- No mesmo nosso amor é que consiste 
A dor que no meu peito brada e vela...

A tristeza da Vida... quanto anela
A nossa aflita alma e quando existe
Em nós de aspiração ... tudo se gela
Na própria ânsia vã que nos assiste..

A tristeza da Morte... ir-se levado
À incognoscível paz da terra fria,
Pelo trilho da Vida atribulado!...

Maldita seja a Vida... Ai! quem pudera
A luz desses teus olhos, dia a dia,
Viver... que o seu mal então esquecera.»

***
    Hora de Paz  
 (A José Pereira de Sampaio).
 
«Não vale a pena dar o peito à dor
Nem rendermo-nos fáceis à alegria...
- Encaremos a Vida com amor...
Mas como coisa frágil, fugidia...

Nem um instante de gozo encantador
Nem os prantos chorados na agonia
Perturbem nossos passos no pendor
Em que o destino os leva em cada dia...

- Certo que as vossas asas de oiro, poetas,
Em torno aos astros, em ronda às Julietas
Não vos mostram os países pressentidos, -

       II
Em verdade que mais nos fere e assiste
O mal do que a alegria... e bem pensados
Todos os nossos íntimos cuidados,
Para dores é mais a vida triste...

Mas se não há mudar nem se resiste
Aos desígnios cruéis dos nossos fados,
Pensemos que nem só o mal existe
E nem só para a dor fomos gerados.

Não ergamos castelo no céu alto...
Aguardemos sem susto ou sobressalto
Em cada dia o Mal apercebidos...

Não é dor em si que nos faz mal...
Mas apenas a insânia dum ideal
Que os corações nos leva pervertidos!...»
 
Saibamos pois purificar e orientar os afectos e aspirações do coração, fraterna, espiritual e divinamente, avançando na vida desprendidamente, bela e criativamente!
 
Do pintor e mestre alemão Bô Yin Râ... Luz e Amor para António Molarinho e Antero!

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Sobre a Oração, a Meditação, a Religião, o Amor, o Espírito, a Divindade. E o Caminho espiritual.

A oração-meditação é um momento anímico, ou um processo na biografia histórica e tendendo a superar as limitações do espaço e do tempo, pelo qual tentamos ligar-nos mais com o espírito, o mundo espiritual e a Divindade, ainda tão pouco conhecidos e vivenciados...
É uma invocação ou aspiração de comunhão do misterioso espírito, das energias e qualidades espirituais e divinas. E logo dos seres subtis, mestres, anjos, deuses ou faces da Divindade.
É também uma invocação e sintonização com o nosso ser mais pleno, com o ambiente subtil luminoso que nos rodeia ou ao qual aspiramos e com o corpo místico da Humanidade...
É um respirar mais profundo e consciente, inspirar e expirar energias, fazer circulá-las, verticalizar-se, fortificar-se, plenificar-se, ser, irradiar. 

É o invocar tais bênçãos, seja dos Espíritos da Natureza, seja dos mestres e Anjos e fazê-las descer sobre os alimentos e as refeições, os campos e as sementeiras, ou no nascer e no pôr do sol e comungar das energias e da beleza que unem a Terra e o Céu.
É dar graças por uma realização, uma purificação, uma cura, uma amizade, um diálogo, um amor...
É começar bem o dia, com a oração meditação sintonizante e recarregante, e fechá-lo, com a revisão do dia, pitagórica e harmonizadora, e a gratidão por tudo e a última aspiração a uma boa navegação onírica ou mesmo a ensinamentos nocturnos...
Assim, a oração-meditação-gratidão é união da Terra e do Céu...
Há muitos tipos de orações possíveis e  cada um deve encontrar a sua, ou as suas, a cada momento, com os companheiros dela (onde dois ou três se reunem em meu nome [Amor-Espírito]- eu estou neles) ou com os destinatários ou as intenções mais diversas, embora certamente a principal seja harmonizar-nos e poder ligar-nos mais ao espírito e a Deus, emanando tal estação elevada ou bênção...
Suponhamo-nos no Ocidente cristão: Podemos rezar o Pai nosso, adaptando-o até à nossa sensibilidade e religião pessoal, ou usando até apenas uma das suas petições e demorando-nos nela o tempo que sentirmos adequado a gerar o estado orativo, recolhido, iluminado. Mas a oração simples ao «Anjo da Guarda, minha doce companhia, guiai a minha alma de noite e de dia» também poderá ser muito luminosa e harmonizadora para nos aproximarmos do espírito e do Anjo e logo da bênção Divina. 

Mas o que é a oração, o que se entende pelo estado de oração sem cessar,  tão valorizada por Erasmo de Roterdão no seu belo livro Modo de Orar a Deus (que eu traduzi com Álvaro Mendes e contextualizei comentei) são questões a  investigar e aprofundar, relembrar e assumir no dia a dia, com perseverância, criatividade e até algum diário ou diálogo...
A mecanicidade com que se ora em geral não está muito de acordo com o que deve ser a essência da oração, genuína, profunda, verdadeira, e com os mistérios que nos rodeiam quanto à alma, ao espírito, à vida eterna, à Divindade...
A oração é uma aspiração do ser humano a uma melhoria de si próprio, dos outros e do que o rodeia em múltiplos níveis, é uma aspiração a mais Luz e clareza e deve envolver todo o nosso ser e brotar do interior, e ser sentida ao ser exprimida...
É uma invocação ou aspiração a que a sua essência espiritual desça mais sobre si, das alturas e profundidades em que ela se encontra.
É uma tentativa de harmonizarmos os pensamentos dispersos, as emoções instáveis e de conseguirmos no silêncio, na concentração, reflectir ou incarnar mais o espírito.
Muitas orações existem nas religiões que podemos utilizar, tal esta universal: Ó meu Deus, vem nascer em mim.  Mas nas indianas, tão ricas de mantras e da valorização do som subtil, o Anahata Nada, alguns como o Om Mani Padme Hum, o  Om Tat sat, o Tat Twam Assi são bem reconhecidos. Podemos também ir para atributos ou virtudes, ou as afirmações da unidade como o Islão e o sufismo desenvolveram,  tal o Allah Hu, como o universal expressado no:  Que o amor e a pureza nasçam ou estejam mais em nós. 

Om Mani Padme Hum, pintura de Bô Yin Râ
 O que é a tão primordial noção, no sagrado religioso, da pureza?  Para além das purificações e interditos tradicionais, outrora bem desenvolvidos nos Mistérios, é nós acreditarmos e sentirmos que a Divindade de algum modo está dentro de nós, é evitarmos o que dificulta  acolhermos ou sentirmos tal presença e é valorizar o que nos aproxima Dela e o que nos faz evoluir espiritualmente e que, portanto, verdadeiramente nos satisfaz, alegra e harmoniza animicamente. É saber cultivar tal no dia a dia, com os cinco elementos, com a ordem e beleza e com uma consciência mais alargada do ambiente que nos rodeia, da nossa aura e dos sentimentos e pensamentos que por ela circulam, abrindo canais para o alto e criando transparência e luz em nós...
Quem são o Buda, o Cristo, por exemplo? 

A palavra Buddha vem do sânscrito bodh que significa a qualidade de sabedoria, discernimento, iluminação,  designando  um ser que atingiu bastante, muito, plenamente tal nesta vida, o mais famoso sendo Gautama Buddha..
A palavra Cristo provem do grego Kristos, e significa ungimento, descida de energia espiritual ou divina em alguém, ou em especial num ser. É a tradução do hebreu Messiah e surge no Antigo Testamento aplicada a Ciro, rei dos persas ou iranianos, e ainda nas profecias visionárias de Daniel e Isaías da vinda de um Ungido,    sofredor num caso e  triunfante noutro, sendo por fim aplicada e reconhecida, para o Cristianismo e a maioria das outras religiões, na pessoa de Jesus.
Além deste sentido geral primitivo, pode ter o de ser a 2ª pessoa da Trindade na dogmatização trinitária cristã, a qual tem certas analogias com outras Trindades ou Tríades, tal a de Pai, Mãe e Filho, a do Positivo, Negativo e Neutro, ou ainda Céu, Terra e Humanidade, e poder-se-á considerar então seja como um ser seja como um nível psico-espiritual, caracterizável como amor-sabedoria,  o Filho,  a Luz, a Palavra que perpassa por tudo e todos, conforme  o início do Evangelho mais gnóstico de S. João. Os Cristãos dirão que Jesus foi a encarnação, ou descida à carne, única, de tal nível ou ser. 

Mas como se sabe tão pouco com certeza de tais níveis divinos, e como tal é bastante pessoal e subjectivo na alma de cada um, e não podemos esperar certezas científicas mas temos de ser nós a adquirir a ciência ou conhecimento que nos satisfaça e pacifique, devemos com paciência e equanimidade irmos avançando na demanda do Graal da Verdade neste mundo moderno onde tantos factores desequilibrantes se introduziram numa natureza harmoniosa mas que por culpa dos egoísmos e imperialismos é bombardeada e explorada, menosprezada, esgotada e queimada.
Venha a nós o Vosso reino, ou consciência, ou unidade, e Que o Amor divino brilhe em todos os seres são então  pedidos orativos  feitos não só à Providência Divina,  à Divindade e aos seus espíritos celestiais e humanos mas também a cada um de nós: 
- Tu, também tens um reino de Amor e Sabedoria em ti, no teu ser.  Desenvolve, cultiva e partilha tal potencialidade e realidade.
Que a maior consciência do sagrado da vida e da Presença Divina  se manifeste e venha até nós, desabroche a partir do coração espiritual,  pela nossa decisão e vontade, intencionalidade e perseverança amorosa e esperançosa.
Então oramos interiormente e exteriormente, na alma espiritual e no corpo social, o qual bem precisa pois está tão dilacerado e explorado pelas elites económicas e pelo partidarismo dos partidos e seus executores egoístas e superficiais, em geral os mais ambiciosos e menos religiosos e ecológicos, espirituais e fraternos.
Vemos assim a actualidade de aprofundarmos individualmente a oração e meditação, a religião e a espiritualidade, sem nos deixarmos cair nas novas eras superficiais e ilusivas, com tantas canalizações, alucinações e mistificações e, calma, racionalmente, espiritualmente, unindo os vários campos e níveis do saber e do  conhecimentos, tão em rede actualmente, para não nos deixarmos guiar por cegos e pseudo-iluminados, nem massificar e alienar pelos espertalhões de que área forem, de modo a irmos desabrochando por nós próprios, naturalmente sem drogas nem poções mágicas, nem dependências e sectarizações.
Descobre mais a Luz em ti e deixa que a luz ilumine o teu olho espiritual, ser e corpo, em comunhão com a Divindade, o Campo unificado de energia consciência, a Alma do mundo, a Tradição espiritual portuguesa, ou outra, a Perene...
E como a oração é também um acto social, ambiental, sem limites definidos na sua subtil irradiação convirá ainda interrogar-nos: a eficácia da nossa oração, seja por vivos seja por mortos, seja por causas, assenta em que factores?
Factores nossos, dos outros e do que os envolve e do que nos une e se comunica, em processos telepáticos, osmóticos e de ressonâncias que ainda sabemos pouco, como o genial poeta, infelizmente sem ter conseguido aperfeiçoar a sua oração e meditação, Antero Quental já há mais de 100 anos constatava e afirmava...
Estarmos com saúde, bem e logo com forças, parece importante, pois a nossa oração pode ser vista como irradiação energética, emotiva, psíquica e espiritual...
Se estamos doentes, fracos, com pouca energia, a força dinâmica da nossa oração por si só é mais escassa, embora as virtudes e méritos psico-espirituais possam ser grandes e por aí ela ter eficácia.

Mas mais importante será a capacidade de termos entrado já na nossa dimensão de seres com corpo e coração espiritual  e com intencionalidade e unidade, conseguirmos ver e visualizar, invocar e evocar o que será bom para os outros e o planeta...
Qual a pessoa que poderá rezar melhor por mim no mundo? Por quem posso eu rezar melhor? Quem neste momento precisa mais da minha oração, ou seja, de algumas energias psico-espirituais luminosas para a sua alma, ou ainda invocações da graça divino-espiritual? 

Sabermos orar e meditar melhor, ou seja, com mais eficácia, com mais energia do coração e com mais ressonâncias e bênçãos concretizadoras é então importante...
Devemos reconhecer que há certas pessoas que têm mais canais ou laços,  afinidades ou proximidades íntimas entre si e connosco e assim podendo-se apoiar e fortificar mais...
Embora seja difícil deduzirmos e quantificarmos tais factores ou aspectos, tais como o conhecimento há mais tempo, a maior intimidade vivida, por quem sentimos mais amor e quem o sentiu muito por nós, família espiritual vibratoriamente, ainda assim volta e meia devemos pôr esta questão e ir dedilhando alguns mantras e orações e deixar que venha ao de cima, por entre a potencialidade geral dos destinatários amigos, quem sabe surgindo no nosso olho espiritual, a pessoa
cujo cálice ou alma precisa mais de algumas energias que através de nós a poderão iluminar, fortificar, elevar....
Chakra do olho espiritual. Pintura em batik por Teresa Mester, professor de yoga.
 Alguns dos seres que já morreram e que foram nossos amigos podem precisar de nós, e tecer algumas orações e mantras na intencionalidade de os ajudar é bom, cruzando o no man's land, abrindo luzes e calores por entre as brumas do desconhecimento.
Saibamos ter um coração flamejante sempre a irradiar amor em geral e capaz de o concentrar para quem mais precisar de ser abraçado e cuidado, ampliado e iluminado.
Que o Amor divino arda e brilhe benigna e sabiamente em nós...
Que estejamos em oração incessante pela consciencialização do coração espiritual e da comunhão na Luz, no Amor e no Som ou vibração divina...
Demos graças, vivendo harmoniosamente,  à Natureza, à Humanidade, aos seres espirituais e angélicos e à Divindade, e às Suas manifestações, faces e atributos, amorosamente, luminosamente.

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Dos espíritos da Natureza, das árvores, dos incêndios, das reflorestações boas ou más e da Esperança.

Pintura do dinamarquês Hans Andersen Brendekilde e enviada por Gisele Verilo.
Esta fada, hamadrídade, ou espírito da natureza, pictograficamente humanizada, fala-nos de um nível subtil de seres e de vida que é completamente ignorado nas cíclicas discussões inconsequentes acerca das tragédias e prevenções dos incêndios florestais - das suas causas, descoordenações, incompetências, interesses ou agentes ocultos e criminosos -, e que ano após ano arrasam, calcinam e destroem partes importantes e vastas do corpo terrestre de Portugal, cada vez mais desertificado e artificializado, reduzido já numa proporção significativa nas cidades e eucaliptais a uma manjedoura turística e a pasto da indústria do papel...
Os milhares de Espíritos de Natureza, para não falarmos de insectos, de aves, de animais, que desaparecem ou morrem com os arbustos e as árvores, algumas delas centenárias e que deveriam estar protegidas, vivenciam nos incêndios grande sofrimento, e tudo isto é uma tragédia incalculável que só quem percorre as zonas a arderem ou pouco depois de ardidas é que pode ter alguma subtil e fugaz sensação ou intuição...
Fotografia tirada no Gerês transmontano, de zona ardida e a arder. VII-2018
Mas como nem casas nem animais frequentemente contam, para não falarmos das pessoas quando os fogos são ateados criminosamente, também falar do sofrimento das árvores em si e nomear os espíritos da natureza, gnomos e duendes, fadas, sílfides, elfos, dríades e devas que possam estar ligados a elas ou aos seus ambientes naturais, pouco ou nada dirá à maioria das pessoas, se é que não as fará rir...
Mas quem tem mais experiência, conhecimento ou clarividência afirmará a existência de tais seres e como a mentalidade materialista, consumista, superficial, tecnocrática e insensível está destruir o planeta e de vários modos a humanidade, em cadeias de reacção que apenas agora estão a ser mais notadas devido à excessiva perturbação dos equilíbrios e ritmos climáticos pelo aquecimento global e pela brutalidade de bombas e mísseis que diariamente explodem no planeta, em grande parte devidos ao America first, logo seguidos da Inglaterra, da Nato, da Arábia Saudita e de Israel, com os seus coligados e terroristas, que têm posto sobretudo o Médio Oriente, mas também a Ásia e a África (em especial o povo do Yemen, pelos carniceiros governantes sauditas, armados pelos ingleses, espanhóis, canadianos e norte-americanos) a ferro e fogo, causando ainda uma mortandade, sofrimento e destruição imensa, para além de um êxodo de refugiados que buscam o paraíso europeu ou Ocidental mas tragicamente morrendo ainda muitos na travessia dos desertos e mares.
O que podemos nós fazer? Pouco à grande escala, na realidade, pois a classe política, em geral mas especialmente a dos já mencionados países, está em grande parte surda e cega à natureza e à humanidade, vendida ao dinheiro, a posições e ambições, sistema capitalista opressivo e imperialista.
E a maior parte dos partidos só estão interessados em defender-se, se estão no governo, ou atacar se não estão, mas verdadeiramente sensibilidade à terra, à agricultura biológica e à floresta natural mediterrânica, aos parques e zonas de reserva agrícola, encontrar-se-á, em Portugal, talvez no PAN e numa ou outra das deputadas do Bloco de Esquerda e eventualmente numa mão pouco cheia de deputados de outros partidos...
Sem se poder esperar muito, apesar das cíclicas promessa pré-eleitorais, de uma classe política refém do dinheiro para os seus partidos, ordenados, reformas e parcerias, pouco sensível, culta e bastante incompetente na sua maioria, dependente de quem lhes  manda ou paga, cada pessoa terá então de localmente de tentar harmonizar os ambientes, as terras, as comunidades, não se deixando alienar, vender, manipular ou algemar e, resistindo aos fogos, às eucaliptizações, à desgovernação florestal nacional, criar redes de informação, partilha e ajuda, desenvolver plantações e semeaduras das espécies autóctones e resistentes, cooperar com comunidades alternativas e finalmente participar em encontros, feiras, mercados, associações...
Eis um pequeno requiem pelos seres da Natureza, para não falar dos seres humanos de Pedrogão ou de um ou outro bombeiro, tombado algo ingloriamente numa batalha na qual não se vê da parte dos governos ou dos ministros, ou até municípios e munícipes, vontade de verdadeiramente vencer...
Talvez se possa dizer ainda que lamentavelmente as prioridades nacionais estão muito distorcidas e o dinheiro nacional e internacional é mais aplicado em pensões e reformas elevadas, na protecção do bancos e dos seus gestores corruptores e corruptos, em espectáculos e partidos, enquanto a terra portuguesa se deixa ao abandono ou a arder pois os eucaliptos (secantes e desertificantes) crescem rápido e rendem mais que os sobreiros ou carvalhos, castanheiros ou nogueiras, freixos ou oliveiras...
Haja contudo esperança numa revolução ou evolução das mentalidades e na muita gente nova que está já a viver no campo e desenvolvendo permacultura, a agricultura biológica, a biodinâmica e, comunhão com a Terra e os seus espíritos da natureza, preservando a sacralidade ou divindade da Terra e das árvores em Portugal e não deixando ficar reduzida a écrans de telemóveis ou de computadores a visão subtil dos portugueses, antes harmonizando-se com os nascer e pôr do Sol, as flores e árvores, os regatos, os cantos das aves ou dos animais, as joaninhas, os bosques e jardins encantados, os espíritos da Natureza e o Arcanjo de Portugal... 
Assim a grande Alma Portuguesa não ficará demasiado calcinada ou seca pelos incêndios, eucaliptos e alienações modernas, mas poderá viverá mais harmoniosa e inspiradoramente nos ambientes e em muitos de nós... 
Pintura do alemão Bô Yin Râ
                                           Post-scriptum
Como este texto nasceu da calamitosa destruição da belíssima e tão fragrante serra de Monchique e dos seus eco-sistemas, um ano depois de outra mítica zona florestal, o pinhal de Leiria ter ardido, duas tragédias imensas, duas amputações tremendas no corpo psico-mórfico de Portugal e que só num país da bola, da alienação televisiva, do partidarismo cego ao Bem Comum, e da impunidade financeira e política, acontecem ainda, partilho uma imagem única da alma sensível e subtil Monchique, dos seus bosques e arvoredos, desenhada a carvão em 1920, por esse notável  pintor algarvio Carlos Augusto Lyster Franco, certamente tristíssimo do outro lado da existência com a incompetência e insensibilidade dos dirigentes políticos e de tantos agentes económico e sociais... 
                           Como se reflorestará a serra de Monchique? 
Só há dinheiro para tapar os buracos dos gestores políticos e financeiros, ou para os seus ordenados, benesses e reformas, ou finalmente utilizar-se-á algum dinheiro pelo Portugal perene e far-se-á  não a gananciosa e destrutiva eucaliptização mas a correcta reflorestação autóctone e uma melhoria dos parques e zonas protegidas? 
Esperemos que sim. 
E que assim as fadas e duendes, dríades, elfos e demais espíritos da natureza se alegrem e dinamizem a natureza viva, colorida e alegre...

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

A letter of Carl Gustav Jung critical of some spiritual teachers: Blavatsky, Steiner, Bô Yin Râ, Gurdjieff, Ouspensky and their books. 1954.

A significative letter of Carl Gustav Jung (1875-1961), already in his maturity, expressing his thoughts about some of contemporary spiritual teachers, like Gurdjieff, Ouspensky, Rudolf Steiner and Bô Yin Râ, and also about the Communists, was published in the Letters, vol. 2, pp. 179-180:
«13 July, 1954
Dear Herr [Fernando] Cassani
Best thanks for your friendly letter. I can only tell you that none of my books represents a "syntesis or foundation of my work" at least not in my view. I am not a philosopher who might be able to achieve something as ambitious as that, but an empiricist who describes the progress of his experiences; thus, my work has no absolute beginning and no all-encompassing end. It is like the life of an individual, which suddenly becomes visible somewhere but rests on definite though invisible foundations, so has no proper beginning and no proper end, ceasing just as suddenly and leaving questions behind which should have been answered. You do not know my later (and perhaps more important) works yet. I therefore enclose a list of them.
As for the writings of Ouspensky and Gurdjieff, I know enough to satisfy me that I have no time for them. I seek real knowledge and therefore avoid all unverifiable speculation. I have seen enough of that as a psychiatrist. You might as well recommend Mme. Blavatsky's Isis Unveiled or the compendious opus of Rudolph Steiner or Bô-Yin-Râ (why not Schneiderfranken?). Anyway, I thank you for your good intentions.
It is so difficult to establish facts that I detest anything that obscures them. You can attribute this to a déformation professionelle.
I naturally agree with that you say about freedom of thought. The Communist doesn't come into this category, since he doesn't think, but his actions are a danger to the public. If he thought, he would have found out his deceit long ago.
Hope you will excuse my freedom of thought,
Your sincerely, C. G. Jung.»
Let us give some more attention to this important quotation of Jung's letter: «As for the writings of Ouspensky and Gurdjieff, I know enough to satisfy me that I have no time for them. I seek real knowledge and therefore avoid all unverifiable speculation. I have seen enough of that as a psychiatrist. You might as well recommend Mme. Blavatsky's Isis Unveiled or the compendious opus of Rudolph Steiner or Bô-Yin-Râ (why not Schneiderfranken?)»
Gurdjieff
 We see that Carl GustavJung feels satisfied with what he knows and that he avoids what is not possible to verify, considering that the teachings of Gurdjieff (1866-1949), Ouspensky (1878-1947), Blavatsky (1831-1891), Rudolf Steiner (1861-1925) and Bô Yin Râ (1876-1943) are mostlty inverifiable, and that may lead to some psychiatric troubles, as himself as doctor and psychiatrist had already faced and helped to cure, or normalize in many or some cases...

At the end of the letter, Carl G. Jung gives a kind of justification for his severity of judgements: a déformation professionelle. In other words, he is so much a psychiatric that he sees easily possibilities of psychic problems in the life of the persons, coming from their occult, or religious beliefs or even, worst, visions and revelations... 
It is interesting to note the caracterization of the work of Rudolf Steiner, at that time already dead (1861-1925), as "compendious work", or, in other words, some books and many conferences that will become too much books. But we have in another letter of Jung's correspondance more condennations of Rudolf Steiner's teachings and clairvoyance, as he could read the Atlantean inscriptions but not the archeological ones of the Hittites:
"So long as Steiner is or was not able to understand the Hittite inscriptions yet understood the language of Atlantis which nobody knows existed, there is no reason to get excited about anything that Herr Steiner has said" – Letters, vol. I, pp. 203-4, a statement a bit exagerated as Rudolf Steiner could be misguided by his intuitions in many cases but that doesn't rule out the ones where he was really clairvoyant. And if in fact sometimes he went away from the truth with some imaginations or the successive reincarnations, in our days there is still many people aplying and feeling well his teachings on Waldorf education and health, using Weleda organic products and bio-dynamic agriculture, worldwide. About Blavatsky, Q. Judge and others, Isis without Veil, C. Gustav Jung is correct as the work is a patchwork of hundreds of books and thousand of informations, many obscure, decontextualized and mystified.
Rudolf Steiner...
About the spiritual painter and master Bô Yin Râ (1876-1943), that was born in a simple family of peasants of Baviera as Joseph Scheiderfranken, after questionning if he ever read any of his works (and it seems not) there is what seems a sort of irony, with a bit of class superiority, as he asks: "why he doesn't say that his name is not Bô Yin Râ, but the more prosaic Schneiderfranken, a tailor?"
Bô Yin Râ
 We feel bad with this kind of critic, just because he changed his name, arguing that its name of familly was a prosaic one, a tailor, probably saying that his ancestors were tailors. Even if that was true, what is the bad of having good manual artists as ancestors?
 Anyway Bô Yin Râ explained more than one time why he received that particular name, according to the caracteristic energies of his spiritual soul, from the oriental master who  initiated him when he was in Greece. 
Didn't Jung know that pratice from the Eastern tradition, or even in the West and christianity, or is he doubting about the reality of that claim and making Bô Yin Râ just a mystificator? 
Interesting is the fact that there is no word about his teachings, only the general inclusion in the inverifiable ones, when Bô Yin Râ so differently from many, asked people just to learn and realize and then know and affirm.
As the teachers mentioned have all passed away at that time of the writing of the letter, 1954, we can see that C. Gustav Jung is mostly desqualifying the teachings and the books, and in a response to Fernando Cassani who probably asked him about these teachers and their teachings. 
At the end of the letter Carl G. Jung goes a bit too much also against the common communist person saying that is someone who doesn't think and so his actions are dangerous for the public. We may feel the conservative side of Jung more visible in this way of expressing, probably also (or he want to believe) in a exagerated ironic sketch as we know of so many great thinkers and artists that were communists...
To finish, Jung asks forgiveness to Fernando Cassani, not for the expressions used, neither for the critical aspect or "déformation professionelle" showed, but for his freedom of thought...
A freedom fighter?
In a certain way, yes, as Jung is surely fighting against the possibility of errors and mystifications of occultism and of pseudo-spiritual teachers and teachings, so prevalent in the modern new Age mouvements and in most of the gurus, teachers and channelers of our days,  and against the Communism, with its good and tragic aspects for the evolution of Mankind, and in our days supersed by the omnipotent massification and alienation of people by the Media at the service of forces and beings of a elite surely against freedom and justice, truth and love. But most probably his psycho-spiritual limitations also blinded  him to see better in the spiritual realms and give truer judgements on the spiritual path and their teachers.
So, let us proceed with caution, either reading Carl G. Jung or the others, as human ignorance is still so vast, and let us be humble and search with eagerness and aspiration that inner Light of the Star (as in the engraving of Bô Yin Râ) in the path of Truth, and surely with mens sana in corpore sano as stone foundation.

domingo, 5 de agosto de 2018

Uma biografia de Johann Strauss por Higino da Costa Paulino, na "Gazeta Musical" de Abril de 1885.

    Johann Strauss, breve texto biográfico na Gazeta Musical, Jornal Illustrado Theatros, Musica e Bellas Artes, 1885, por Higino da Costa Paulino.
«Se a popularidade é uma das grandes bases para se atingir o imortal, Strauss tem, sem dúvida, nesse vantajoso elemento, a força bastante para que o seu nome floresça eternamente, circundado de grinaldas imurchecíveis, onde, por entre as rosas brancas e aframadas [avermelhadas] que lhe inundaram o túmulo, a palavra Saudade reflorirá a cada momento, sempre luminosa, qual estrela fulgurante, reflectida por milhares de corações, que a meio do Beau Danube Bleu, do Aimer, boire et chanter suspiram eflúvios de ternura, de êxtase, de paixão, que se convertem em homenagem imorredoira ao talentoso maestrino.
Para nós, Johann Strauss, não representa somente uma originalidade como músico, é um casamenteiro sem igual! O prestígio dele ascende, nesta segunda acepção, a regiões superiores às do taumaturgo português [S. António], e cremos bem que às do padroeiro de Amarante [S. Gonçalo]. No giro de uma das suas valsas, quando a musica vibra entusiástica e ardente, quando desliza mórbida e sonhadora, quando os braços se enleiam, os olhares se encontram, as frontes se tocam, e os corpos se apertam, quantos prelúdios amorosos se não entoam, quantos protestos loucos se não trocam, quantos contactos sagrados se não firmam!
Strauss é um propagador do matrimónio, e quando a sua inteligência deixar de produzir, a humanidade sentirá inquestionavelmente a ausência desse hercúleo sustentáculo da escola romântica, mais forte, mais invencível, mais invulnerável que os próprios Flaubert, Zola, Droz ou Daudet. Les Joies de la vie, bastam para destruir as impressões colhidas, durante horas de leitura, na Bovary [Madame Bovary, de Gustave Flaubert], na Raquin [Therese Raquin, de Emile Zola], no Nababo [de Alphonse Daudet] e no Monsieur, Madame e Bebé [de Gustave Droz]! 
Depois do realismo cru e positivo dos grandes reformadores da literatura exiba-se uma valsa de Strauss, alegre e fascinante, ver-se-á a transformação repentina que se opera! O idílio fulge no seu máximo esplendor, e não há a combatê-lo, quando a sedução pouco a pouco se infiltra no coração daqueles que se deixam arrastar pelos gorjeios dessa sereia que se chama valsa, pelo estilo desse cupido que se chama Strauss!
Se um dia a realidade volver a condenar o excesso de frases trocadas nesses momentos em que a loucura suplanta a sensatez, se ela vos exprobar, caros leitores, a precipitação com que fizestes a vossa escolha, num instante de alucinação, aplicai-lhe o Feu devorant, ou as Fantasies de poëte, e vereis como os tempos de outrora volverão a subjugar a incompatibilidade dos génios, a atenuar as deficiências da ménage.
Johann Strauss concentra no seu espírito toda a fortaleza dessa ciência musical que fez do seu pai um maestro distinto, e que preparou os seus irmãos José e Eduardo para os grandes triunfos alcançados em Viena. Johann foi mais longe do que eles, e se a Alemanha, a Rússia, a França e a Inglaterra conhecem pessoalmente o inspirado maestrino, o mundo inteiro o aplaude, porque as suas composições, são por todas ouvidas com um entusiasmo febril, como se uma alma nova, despreocupada, risonha, se infundisse nos corpos de todos que se embalam aos sons festivos e atraentes dessas músicas únicas na sedução!
Era para o comércio que o papá Strauss destinava o seu primogénito, mas a sua esposa, que reconhecia as tendências artísticas do pequeno, opôs-se tenazmente, e, não faltamos à verdade se dissermos que a primeira produção do Johann lhe custou alguns castigos bem severos, e até poucos animadores da parte do progenitor. Isto porém não lhe destruiu a vocação, e tanto assim, que devido aos conselhos do eminente Drexler professor de harmonia e regente de música sacra, que reagiu contra a opinião do pai, favorecendo as pretensões do pobre do rapaz, de maneira tal que aos 19 anos, em 1844, depois de alguns concertos públicos em que tomou parte, depois de haver recebido numerosos aplausos como compositor, debutava como regente dessa orquestra, que durante quinze anos se conservou debaixo da sua direcção, conquistando desde logo a fama invejável que desde então enflora o seu nome. Chanson d'amour, Ver luisant, e Sons de Rhadamante foram as primeiras valsas que revelaram o gosto exquis do estimado autor vienense.
Hoje sobem a mais de 400 as composições de Johan Strauss, e nem uma deixa de ser notável, apreciada, original e encantadora. Quatro editores ainda existem em Viena, que enriqueceram com as populares produções deste maestro, e se de começo não tivesse prosseguido na tentativa da música deste género, sua especialidade, a fortuna não lhe sorriria tão lisongeiramente. Como sorriu e sorrirá por longo tempo.
Casando em 1863 com a cantora Jelly Treffz, de quem enviuvou, Strauss cedeu a direcção da sua orquestra a seu irmão Eduardo e, retirando-se à vida particular, raras vezes aparece em algum concerto, não deixando contudo de se aplicar a novas composições.
É notável que sendo músicos todos os três irmãos, não exista paridade alguma na escola que cada um professa.
Johann Strauss, que nasceu em Viena aos 25 de Outubro de 1825, só encontra inspiração para esses trechos de baile, para tudo quanto denuncie alegria, vertigem e voluptuosidade.
José Strauss, já falecido, nasceu na mesma cidade aos 20 de Agosto de 1827. Na sua imaginação só havia lugar para o estilo melancólico, apaixonado, lacrimoso. Les Hirondelles du Village, bem confirmam esta verdade.
Edurado Strauss, que nasceu aos 15 de Março de 1835, bem pouco iguala a inteligência dos seus irmãos, entretanto o seu amor pela música inclina-se mais para o género clássico.
Hanslick, o célebre crítico musical alemão, assevera que se deve a Johann Strauss, e a ele só, o grande desenvolvimento moderno da walsa, que prometia finar-se nas antigas e acanhadas formas de que dispunha. Diz mais que o Danube bleu tomou as proporções de um canto nacional. Que todos entoam à maneira de um hino patriótico! É a Marselheza dos vienenses.
Entre as composições de Johann Strauss, com quanto todas sejam notáveis, as que mais célebres se têm tornado, e que recomendamos às nossas leitoras, são:
Valsas: - Le beau Danube bleu, Chanson d'amour, Ver luisant, Sons de Rhadamante, Les Feuilles du matin, La vie d'artiste, Les bonbons de Vienne, Les joyeux etudiants, L'echo des montagnes, Le Telegramme, La Renommée, Les mille et une nuit, Les joies de la vie, Legendes de la forêt, Le sang viennois, Les bals de la cour, Les Fueilles volantes, Bella Italia, Les Contes de fée, Aimar, Boire et chanter, Souvenirs de Convent garden, Sur les montagnes, Vienne nouveau.
Polkas: - Message de Pierrot, Hommage à Vienne, Madgyares, Fantasie de Poëte, Feu devorant, Sympathie, L'Eletrique, Polka des masques, Polka des echarpes, Express-polka.
Polkas-mazurkas: - Hommages aux dammes, Plaisanterie, Ville et campagne.
Quadrilhas: - Bal champêtre, Mascarade, sans souci, Slovianska, e ainda outra sobre motivos franceses.
Marchas: - Marche persanne (https://www.youtube.com/watch?v=33hbO3OEOSQ), Marche egypcienne, Marche russe, Fraternisation, Fête polonaise.
Operetas: - Femmes joyeuses, Reine Indigo, Carnavalle de Rome, Chauve souris, Cagliostro, Mathusalem, Reveillon, Collin Maillard e Orgie, todas cantadas com entusiasmo em Viena, Berlim, Berlim Paris, Londres, Hamburgo, Bruxelas e Amárica. O Barão Zingaro é a última produção do talento de Strauss e que breve vai ser sancionada pelo aplauso do público.»
Gino 
Assim escreveu, com toda a sua riqueza de vocabulário e estilo, Higino da Costa Paulino para o número 5º do 2º Ano da Gazeta Musical, da qual era o Director Literário, dado à luz na Quarta-feira 30 de Abril de 1885,  acompanhada do desenho de Strauss da autoria de Columbano Bordalo Pinheiro e já inserto no texto. 
 Gazeta Musical que se publicou durante dois anos, tendo como directora musical a sua amiga e notável artista Joséfine Amann, sendo a redacção e administração bem no centro de Lisboa, no Largo do Loreto nº 1, e tendo como sucursais em Lisboa Lambertini & Irmão, e E. Amann, e agências no Porto, a de Pastor & Cª e no Rio de Janeiro, a de Laemmert & C.ª. 
Higino e sua filha Helena, minha avó materna, em Goa.
São de destacar na biografia a originalidade das comparações de Strauss, mais casamenteiro que S. António e que S. Gonçalo de Amarante, ou ainda o emprego por Higino de expressões hoje muito olvidadas na banalização massificada crescente da linguagem, tal como o primeiro parágrafo  contém, gerando imagens e sentimentos interiores bem fortes e espirituais:
«Se a popularidade é uma das grandes bases para se atingir o imortal, Strauss tem, sem dúvida, nesse vantajoso elemento, a força bastante para que o seu nome floresça eternamente, circundado de grinaldas imurchecíveis, onde, por entre as rosas brancas e aframadas que lhe inundaram o túmulo, a palavra Saudade reflorirá a cada momento, sempre luminosa, qual estrela fulgurante, reflectida por milhares de corações, que a meio do Beau Danube Bleu, do Aimer, boire et chanter suspiram eflúvios de ternura, de êxtase, de paixão, que se convertem em homenagem imorredoira ao talentoso maestrino.»
  Ainda mais uns 14 anos o maestrino viveu, nesta altura já  com a sua terceira e última mulher Adele Deutch e gerando cerca de uma centena de obras, morrendo de uma pleuro-pneumonia aos 73 anos...
Da sua vida sentimental talvez se possa acrescentar que, seis semanas depois de ter morrido a  Henrietta Treffz em 1878, referida por Higino,  casou com a atriz Angelika Dittrich. Infelizmente não se conseguiram dar bem. O divórcio não tendo sido concedido  pela Igreja Católica Romana, obrigou-o a mudar de religião e nacionalidade, e  a tornar-se um cidadão de Saxe-Coburg-Gotha, em Janeiro de 1887, casando-se pela terceira vez em Agosto de 1887, finalmente com alguém com muitas afinidades,  Adele Deutsch, uma musa que o acompanhou e inspirou poderosamente para algumas das melhores obras finais. De destacar ainda as várias obras cinematográficas consagradas a Johann Strauss ou à família Strauss.
 As suas obras continuam a ser muito tocadas e apreciadas, e mesmo as valsas, sobretudo na Europa Central e na Áustria, não definharam como danças. A diversidade etno-musical da Humanidade é realmente de uma vitalidade prodigiosa e sem dúvida Strauss é de uma enorme alegria dinâmica...