sábado, 5 de maio de 2018

A galeria Verso Branco, do Fernando Sousa, expõe Maia Horta e Mariana Selva. Maio 2018

A Loja de Design, Atelier e Galeria de Arte  Verso Branco, do Fernando Sousa, na rua da Boavista, 132, quase a chegar ao Conde Barão, apresenta, desde a inauguração do dia 3 de Maio 2018, uma bela e por vezes bem arrojada exposição conjunta da Maia Horta e da Mariana Selva, sob as relações entre a mulher, no seu quotidiano, e a arte e a leitura, e assume  títulos ou questões sempre actuais, diremos mesmo perenes, o primeiro, Lar, doce lar, ou seja, só em casa é que podes (se não ligares a alienante televisão), estares à vontade, doce e fluindo, seja trabalhando ou dialogando, lendo ou amando, mas lutando para não ficares demasiado presa nas lides domésticas..
Já  Quando Morrer vou ser Famosa aponta à necessidade de maior valorização da mulher artista, apelando a que a vocação-profissão-missão possa ser  bem prosseguida mesmo casada ou trabalhando e que não se caia no caso tão frequente de tratarem-se mal as pessoas, ou as mulheres, não as sabendo receber e apoiar com condições de criatividade, amor e emulação em vida, pois melhor do que quando elas morrerem e serem então famosas, porque não entrarem na Felix Beatitudinem, no aqui e agora, da presente hora?
Eis algumas imagens da inauguração da exposição de pinturas, colagens, esculturas e instalações, aonde, apesar de amigo da Maia Horta e do Fernando, fui mais movido a contemplá-la por ser instado na hora pelo vizinho Jorge Pires, um peixe no mundo da Arte e que mora com a janela debruçada sobre a Verso Branco nesta zona de ruas estreitas e casas pombalinas ainda tão carregada das auras antigas lisboetas e portuárias.
Os reflexos das luzes impediram melhores fotografias e são poucas também porque não pensara  que iria contribuir para a perenização, com este registo, de alguns bons momentos no Verso Branco da arte e no coração das amizades, da beleza  e dos diálogos luminosos, como aconteceram.
Fragmentos de páginas,  frases,  ideias, em formas misteriosas na sua génese, causalidade e intencionalidade, pela subjectividade de cada leitura ou leitor... Da Mariana Selva..
Possuir a chave do coração, ou mesmo as chaves do céu, sempre foi uma utopia e talvez por isso a Mariana Selva mostra-nos que só as flores espontâneas e de cores intensas brotam do coração amoroso e livre e que são essas que valem...
São muito sugestivas e de bonança divina as frases de cartas escolhidas da mística católica Paula Frassinetti (1809-1882, italiana e já canonizada) pela Mariana Selva para,  em letra pequenina e difícil, testemunhar que afinal o Amor pode ser transmitido por palavras e letras, mas tem de ser pequenas, íntimas, coloridas, sentidas, divinas mesmo. Oiçamos uma ou duas das mais operativas: "Fazer bem e com alma o pouco que se pode". Ou ainda: "Esquecei o passado e abri o coração às maiores esperanças do futuro" ... 
Da Maia Horta, ambientes familiares, continuidade de gerações, celebrações do Amor e da Unidade que rega as flores das almas...  .
Da comunhão amorosa e logo da gestação e curadoria da família e como a artista tem depois de subir por uma escada se quer aproximar-se mais do Cé cristalino ou criativo, o Empíreo.  Da Maia Horta.
O livro espelho que nos torna mais lúcidos e nus na auto-consciência desvenda também as nossas forças e potencialidades. Da Maia Horta, e instalado no chão...
 Da atracção da beleza na aparência exterior e na profundidade da matriz interior..
                    
      
Criar as crianças para crescerem e nadarem no grande Oceano...
O  Hugo, filho do Fernando, com as crianças da Maia, confraternizam com uma cadela jovem mas de já grande humanização ou individuação, capaz de falar pelo uivo harmonioso e de controlar a sua imensa afectividade, exuberantemente manifestada com a chegada de uma amiga da dona...
Tendo como fundo a galeria, as obras e algumas pessoas, a Mariana dialoga, junto a uma das suas instalações, uma ampulheta de um tempo tanto bloqueado pelo peso das pequeninas coisas do quotidiano, como cantante se medido por subjectividades afectivas de objectos domésticos, conchas, botões...
Maia Horta, num tríptico fotográfico ascensional, junto a uma   obra de leitura em miniatura, e um busto seu.
A criatividade como uma obra paciente de olhar o futuro com o coração sempre ardente...
O sorriso que move as montanhas e abre as redomas e projecta na eternidade: "Vidas famosas" em miniatura, a de "Nefertiti"
Uma conjunção do auto-retrato de Maia e a instalação de Nefertiti, por Mariana.
Um texto que explica bem os objectivos dos títulos trabalhados, Lar doce lar, e Quando eu morrer serei famosa, nas obras e nas vidas das artistas e que se querem mais livres e independentes.
O Fernando Sousa dialogando, no seu tão belo quão original espaço de design e galeria. No andar de cima, o Manuel Furtado, da galeria Mute, dialoga.
A Mariana Selva, tendo chegado à conclusão que o Amor não se pode transmitir por palavras nem livros, fez algumas magias e sobretudo alquimias com os corações e os livros, alguns mesmo transmutados em cinzas e em frasquinhos  bem etiquetados...
Quanto aos corações se o livro tinha o título Ele era a Felicidade, e com o tempo tal encanto se torna demasiado pregado, também  o dedal das agulhas da lide domestica se pode tornar um coração demasiado anestesiado por tal forma de acupunctura.
 Discutimos o assunto cadente e perene, do Amor não se transmitir  pelas palavras, algo que discordo, tal como aliás a Maia Horta, já que pela arte e a literatura muito do Amor vivido ou intuído por alguns tem sido recebido e aprofundado por muitos outros. 
Mas certamente não há nada como o encontro do peito, do olhar, do coração, dos seres, livres e em Amor, em comunicação apofática, isto é, sem ou acima das palavras. 
A tal empatia e telepatia magnética, ou Unidade de consciência,  que todos deveríamos desenvolver e que já o Antero de Quental demandou como cavaleiro do Amor...

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Uma Peregrinação Portuguesa ao Irão, 2013, (2ª cap.) por Pedro Teixeira da Mota.

2º capítulo e dia, 26 Abril, 2013. 11:15, já em Teerão (1).  Dormitei uns cinco minutos, ontem na longa viagem de avião,  da ligação Dinamarca-Irão, de resto a trabalhar sempre em leituras ou escritas, pelo que os olhos estão cansados, mas alegre e feliz por chegar e ser acolhido no aeroporto por Nasrin Fahgi e Ali Mohammad Khani (2), que me trouxeram de carro para este apartamento na zona norte de Teerão, junto às montanhas Darband. Um sétimo andar, um quarto maravilhoso, silencioso. Descanso finalmente o corpo deitado. Demos graças. 
A aurora nas montanhas de Darband
19:49, de Lisboa, mas aqui serão uma e meia da manhã (afinal eram apenas 23:30). Pôr o sino-relógio em ordem, arrumar a minha nova casa, espaçosa, de dois andares, na qual me estou a habituar a circular sem luz, com mil olhos, como há pouco: começando a descer a empinada escada, tive uma intuição ou pensamento rápido de pôr no bolso algo que levava na mão e segurar o corrimão e, de facto, de repente, numa curva da escada, senti o pé em falso pois o degrau era diminuto e ia caindo não fora o ter-me agarrado bem ao corrimão.  
Lua Cheia no ar, bela, e já fiz exercícios de purificação no terraço oferecido por esta casa, bem como orações e invocações, tais como a que invento do Jaam-e jam, o Graal da tradição primordial Persa e de Jamshid, a taça da visão do mundo, o mundo como taça, a abertura de mim próprio ao Divino.
Ao ter dormitado, ao entardecer, num dos sonhos o guardião deste edifício, já ancião e com uma curvatura de cara e de corpo condizente com o seu sorriso, apareceu-me a verificar que eu estava a usar também o travesseiro da outra cama do quarto. Como ainda era de dia e ele não estava a dormir, não viajou em corpo astral para me aparecer no sonho. Mas porque não admitirmos que mentalmente a sua aura e alma estão em todo o edifício e particularmente nesta zona agora habitada por mim e que portanto interagiu com o seu corpo psíquico no meu, admirando-se da minha utilização de mais uma almofada, provocando este encontro e diálogo no meu sonho, ou que se me tornou sensível enquanto sonhava?
Sim, talvez possamos dizer que mesmo sem a outra pessoa ter
sonhado nem ter estado a dormir, e portanto sem ter o seu corpo psíquico livre para se mover (consciente ou inconscientemente) nele até mim, ainda assim mentalmente a consciência psíquica não está encerrada no corpo físico limitado mas na sua aura psico-espiritual interage para além das limitações do espaço, tocando-me, comunicando psiquicamente, neste caso no sétimo andar distante do rés-do-chão onde ele habita... 
 Aspiro a que esta viagem seja bastante propulsionadora de um avanço na espiritualidade e nos estudos e traduções comparadas, e sem grandes sofrimentos no corpo, além das narinas agora muito entupidas. Em frente a estes belos cravos pequenos doces e muito coloridos, oferecidos por Nasrin, e que reparti na despedida com ela, ao pensar que estou num sétimo andar, houve uma leve dor do ouvido direito, provavelmente efeito natural das diferentes pressões atmosféricas nos tímpanos a que estive sujeito durante os voos, sobretudo com as descidas.
Só agora é que me apercebi que podia ter escrito no computador que trouxe comigo, mas ligá-lo levará muito tempo e trabalho, a esta hora, e quero sobretudo registar uma ou outra intuição subtil e fugidia das meditações e uma delas é acerca do que Saadi diz, e bem importante psico-espiritualmente, no preâmbulo do seu mítico livro Bustan, o Pomar, e que tenho vindo a ler e a traduzir: a inspiração, dando a energia da vida, que na retenção é bem assimilada, e na expiração faz ou causa alegria ou gozo na nossa natureza mais profunda, que assim realiza o Tawid, a Unidade omnipresente de Deus, ou seja, culminando-se este processo respiratório mais consciente na entrega ou submissão maior a Deus, tal como eu agora sinto, respirando sentado em postura de joelhos sobre o grande e belo tapete persa, bem mandálico, tingido de vermelho, cobrindo o chão do quarto por onde me desloco, sento, medito...
              Ah, e fiz há pouco um poema à rainha, a Lua Cheia: 
 Oh beloved queen of Malakut,
 Full moon that enlives so much
 Our inner word with wonderful
 Images and panoramas,
 With thy soft silver light shining
In the darkness of our ignorance,
Making us praise the Divine beneficience.

[Oh, amada rainha do mundo psico-espiritual,
Lua cheia que tanto animas
Nosso mundo interior com maravilhosas
Imagens, panoramas e ensinamentos,
Com a tua luz prateada  e doce brilhando
Na escuridão da nossa ignorância
Fazendo-nos dar graças pelo Bem Divino.]
 
Pois, meditando, tive uns momentos de visão interior de paisagens da natureza e casas, como as que me rodeiam nesta zona norte de Teerão, junto à montanha, já na sua encosta, embora daqui não veja os níveis nevados, sempre inspiradores e que praticamente rodeiam Teerão todo o ano… 
2:00, de Terão. Alguns sonhos, acordar e ir beber um chá de ervas iranianas, mistura tradicional ou caseira, encontrado no armário da cozinha.
I can not discover already the remains of the dream, or the memories of the people and land interacted. May be, as in the airplane I was more alone, so there is not so many beings, aspects or scenes to be recapitulated or interpreted, or assimilated, causing the brain and the soul to re-arrange themselves…
[Já não consigo lembrar-me dos restos ou vestígios do que sonhei, ou das memórias das pessoas e terras com que me interrelacionei oniricamente. Talvez, porque tivesse feito a viagem de avião a sós, não houvessem muitos seres, aspectos ou cenas a serem recapitulados, interpretados e assimilados de modo a que o cérebro e a mente por si próprios se reordenem, como sucede com muitos dos sonhos.]

Acabei de ler do místico príncipe mogol Dara Shikoh o Compasso da verdade, Risala-i-Haq nama, escrito espiritual pequeno de 1646, na tradução que fiz do opúsculo publicado em inglês no princípio do séc. XX, e que trago comigo e fui relendo na viagem de avião. A obra contém possivelmente dois ou três versos de Hafiz, embora só identificando como tal um deles. 
Serão certamente dois dos seres que invocarei e que algum modo me acompanharão, tal como Nur Ali Shah, o mestre espiritual do séc. XVIII que ficou no Facebook como a minha imagem de perfil num belo desenho de um tapete persa...
*** Notas:
1-Teerão é a capital do Irão apenas desde o final do séc. XVIII, com um dos Shahs ou reis da dinastia Qajar, não tendo por isso uma monumentalidade antiga, sendo mais do séc. XVIII e XIX a maioria dos seus palácios. Já as mesquitas algumas são anteriores. Está situada a uma altitude de 1.189 metros, protegida a norte pelas montanhas Darband, e com um clima benigno na Primavera e Outono, mas de extremos no Verão e no Inverno. Tem mais de dez milhões de habitantes, estendendo-se pelo horizonte vastamente...

2 - À Nasrim Fahgi, a professora universitária de Literatura, especialista de poesia, que conheci em Portugal na semana Cultural do Irão, em Cascais em Junho de 2012 e em que fomos ambos conferencistas, e que foi quem me desafiou para esta viagem, ofereci a bela rosa vermelha que me deram no aeroporto à  entrada no Irão, um costume hospitaleiro e certamente um bom augúrio para esta viajem e peregrinação.  Ali Asghar Mohammad Khani é o director de uma das unidades  (cerca de trinta em Teerão) do Book City Institute e é uma pessoa muito dinâmica culturalmente e simpática. Serão de certo modo os meus anfitriões no Irão.

terça-feira, 1 de maio de 2018

Uma Peregrinação Portuguesa ao Irão, 2013, (1ª p.), por Pedro Teixeira da Mota.

Uma Peregrinação Portuguesa ao Irão, em 2013, Abril, 25, 1ª parte ou dia.
Peregrinatio ad Persicam animam...
Registo manuscrito de uma peregrinação ao Irão durante trinta dias (alguns deles com escritos em inglês, mas traduzidos) por Pedro Teixeira da Mota, e que teve como fim falar sobre os poetas persas Hafiz e Saadi e conhecer o seu povo, cultura e história.
Pensei, e ainda é possível, publicá-la sob a forma de livro, mas para já irão saindo, no blogue. Pode ser que alguma alma editora e luminosa o queira dar um dia à luz em livro impresso.
Princípio:
«Partindo no momento exacto, cavalgando com os pneus, a gasolina, a trepidação de todo o avião, ergo a taça do coração a partir do fim da coluna vertebral, com língua ora de fora ora para dentro, já feito avião ou ave, entre a terra e o céu, mais perto do mundo espiritual, liberto-me da aura horizontal da terra, subindo a montanha primordial invisível ou o cone triangular que vai da terra ao Divino Ser, a cuja Unidade me entrego e invoco...
 
 - Oh Deus todo poderoso, recebe-me mais, purifica-me mais, torna-me capaz de me ligar melhor à sabedoria Persa e à evolução de alguns seres que me rodearão nesta primeira entrada no histórico e intenso ser espiritual que é a Pérsia ou Irão.
Advancing into Iran, now by the Mediterranean coast, unfortunately not by camel but by airplane… 
[Avançando para o Irão, agora pela costa do Mediterrâneo, infelizmente não por camelo mas por avião...]
By the window, as I changed from the previous seat to be now so well placed, really floating in a landscape of clouds, so milky, so sweet and soft, still with rivers, mountains, streams and tempests... 
[À janela, já que mudei de lugar para estar melhor situado, verdadeiramente flutuando entre uma paisagem de nuvens, tão leitosas, tão doces e suaves, e ainda assim com rios, montanhas, correntezas e tempestades...]
So many graces I give for all that I received and made; now being ready for Hafiz, Saadi, Iran, Wisdom and Love. 
[Tantas graças eu dou por tudo o que recebi e fiz. E agora estar pronto para Hafiz, Saadi, Irão, Sabedoria e Amor.]
Paragem em Dubai, trânsito de duas horas, percorrendo o vasto e luxuoso aeroporto, com funcionários e empregadas de quase todos os povos do mundo, comprando duas caixas de bombons de tâmaras e observando como os romances ou mesmo os ensaios à venda nas livrarias são comuns a todo o mundo e provavelmente a quase todos os aeroportos mais ocidentalizados. Registo algumas obras de auto-ajuda leve, ou de pensamento positivo, com títulos como Active a Alegria, As Regras da Vida, O Poder do Agora, Paz e Prosperidade, Obtenha tudo o que quer. Nada mal tanto prometer… 
Admiro e desfruto brevemente um espaço de árvores, algumas de uns três metros de altura, com água corrente, estilo jardim de harmonia oriental, belo e no meio de tanta matéria inerte e por isso certamente salutar… 
3:00. In the path of Love-Wisdom there is no stopping. We are everyday ignited to be active, ever... So, with the help of the imagination, arise, awake and be creatively and compassionately in Love… 
[3:00. No caminho do Amor-Sabedoria não há paragem. Diariamente somos impulsionados igneamente a  estarmos sempre activos. Assim, com a ajuda da imaginação, ergue-te, desperta e sê Amor criativa e compassivamente...]
Vou relendo as traduções feitas em Lisboa e de versões inglesas de poemas de Hafiz e melhorando-as.
Hafiz is a poet so subtle in his phrases that we are moved all the time between so many possibilities of signification and interpretation that indeed he can appeal to all beings and still each one will find its own reasons of empaty and meaning. And when we are faced with a translation still the images are so rich that even the limitations of the language are not sufficient to dry the Ocean of interpretations and enchantments possible.  
[Hafiz é um poeta tão subtil nas suas palavras e frases que estamos sempre que o lemos movimentando-nos entre tantas possibilidades de significado e interpretação que inegavelmente ele consegue tocar todos os seres e cada um encontrará as suas razões de empatia e de interpretação.]
In the case of one of his most beautiful ghazals, where someone is sending him the cup of wine, we can ask: 
Who is sending the cup where the face of God can be seen? What cup is this? Is it the Jam-e-Jam, the cup of the Cosmos, from the old stories and myths of Persia and the acess to it being by evolution, suffering and age, merits earned by Hafiz in his long life? 
[No caso de um dos seus mais belos ghazal (poema lírico), onde alguém lhe envia uma taça de vinho, podemos interrogar-nos?
Quem lhe envia a taça onde a face de Deus pode ser vista? Que cálice é este? É ele o Jam-e-jam, a taça do Cosmos, dos mitos e histórias antigas da Pérsia, sendo o acesso a ela obtido pelos méritos ganhos ao longo da vida de Hafiz, ou seja, pela sua evolução, sofrimento, sabedoria, amor e idade?]
"Passa-me a taça". "Pass me the cup", or raise the cup, raise thy faith and hope, thy state of Love, thy heart opening, and the Divine Grace will descend on thee, or you will be more conscious of that.
[Passa-me a taça, ou ergue o cálice, ergue a tua fé e esperança, o teu estado de Amor, a abertura do teu coração , e a Graça Divina descerá sobre ti, ou estarás mais consciente dela...]
Who is speaking on the cup and sending the Grace?
[Quem está a falar sobre o cálice e a enviar a Graça?]
Is it the beloved, the Divine Being, his own Spirit, his master, myself?
[É o amado, o Ser Divino, o seu Espírito, o mestre, eu próprio?]
                                                       
Através da dinâmica dos louvores, dos cantos e das brisas, a energia do desejo, da aspiração e do amor movimenta-se, inflama-se, vence as ausências ou distâncias e torna presente (ou sentido) o Amor Divino, ou o que em si mesmo é Divino...»

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Amor e Timidez em Antero de Quental, por Rui Galvão de Carvalho. Antero enamorado ou antes um casto Galaaz?

 Rui Galvão de Carvalho, açoriano (Rabo de Peixe, 3-XI-1903 e Ponta Delgada, 29-V-1991), professor liceal de filosofia, ensaísta e poeta,  notabilizou-se pela grande admiração e dedicação a Antero de Quental, e a perseverante e profícua divulgação, tendo tal amor despertado quando estudava em Coimbra e por influxo do seu mestre Joaquim de Carvalho, um dos mais valiosos anterianos.
É vasta a sua bibliografia, nomeadamente a anteriana, conforme se pode consultar na razoável página que lhe é dedicada na Wikipédia, à qual acrescentei dois títulos e uma correcção.
 (1933) Nota breve sobre a timidez de Antero. Porto, Revista Portucale, vol. VI, nº 35.
(1933) — Três Ensaios sobre Antero de Quental. Coimbra, Imp. da Universidade;
(1934) — Meditação Sobre a Vida e a Morte de Antero. Sep. de O Distrito, Ponta Delgada;
(1949) — Antero de Quental e a Mulher. Ensaio Breve de Interpretação Psicológico­-Literária. Lisboa, Ed. de Álvaro Pinto (Ocidente);
(1950) — Antero Vivo. Ensaios. Lisboa, Ed. de Álvaro Pinto (Ocidente);
(1950) — Primazia do Espírito e Agremiações Culturais. Ponta Delgada, Tip. do Correio dos Açores;
(1957) — Mulher na Lírica de Antero. Sep. de Insulana;
(1961) — Cartas de Antero de Quental a Francisco Machado de Faria e Maia. Lisboa, Delfos;
(1962) — Ordenação Cronológica dos «Sonetos Completos» de Antero de Quental. Sep. de Atlântida. Órgão do Instituto Açoriano de Cultura, Angra do Heroísmo;
(1965) — O génio poético de AnteroBrotéria, Lisboa, vol. 81, n.º 3 (Setembro de 1965): pp. 175 seg.
(1966) As raízes bocageanas dos Sonetos de Antero de Quental. Rev. Gil Vicente, Lisboa, Vol. XVII 2ª s. nºs 11e 12. 1966.
(1980) — Colectânea de Estudos Anterianos. Angra do Heroísmo, Secretaria Regional da Educação e Cultura;
(1983) — Antologia Poética de Antero de Quental. Angra do Heroísmo, Secretaria Regional de Educação e Cultura;
(1984) — O Açorianismo de Antero de Quental. Sep. da Biblos, Coimbra;
(1985) — Antero de Quental: Novos Ensaios. Vila Franca do Campo, Ed. Ilha Nova;
(1989) — Antero de Quental e a Música. Câmara Municipal da Horta. *** E provavelmente outros textos terá escrito e publicado, dispersos por jornais ou revistas terá também trabalhado Antero.

  Iremos abordar o seu primeiro ensaio, publicado na abrangente revista portuense Portucale, quando tinha apenas 31 anos, no qual aborda o tema do amor, da sexualidade e da timidez de Antero de Quental e manifesta uma certa mitificação, bem natural para um jovem bondoso, idealista e formado no Catolicismo e no Integralismo de António Sardinha, visionando-o como um Galaaz, algo que em certos aspectos cavaleirescos de demanda do Graal do Ideal e da Verdade certamente Antero tinha, e gera algumas afirmações senão discutíveis pelo menos boas para nos interrogarmos sobre Antero de Quental, a Mulher e o Amor, sobretudo na vida dele, embora o tema seja vasto e as linhas aqui necessariamente breves...
Do artigo, reproduzido, transcrevemos as afirmações mais importantes, nomeadamente logo de início, ao rebater a ideia em parte lançada pelo médico Sousa Martins de se «considerar o poeta como um misógino, como um inimigo sexual das mulheres», caracterização esta que Natália Correia criticou e reenviou para o próprio Sousa Martins, pois este é que seria o misógino, o desequilibrado.  
Que diz então Rui Galvão de Carvalho: «É um conceito erradíssimo este, tanto mais que, como já afirmamos, a paixão de Antero por a mulher foi um facto real e, em toda a sua vida de peregrino do Amor chama acesa e sempre irradiante, facto que em parte pode até explicar a tragédia íntima do homem que a lenda santificou, do poeta que melhor cantou a Dor humana, do filósofo que mais intensamente viveu a angústia metafísica de Jouffroy, mas que, como o irónico Voltaire, "nos deixou, a todos, o exemplo da tolerância"(Lanson)». 
De realçar as expressões acertadas e belas que sublinhamos, e as referências a Théodore Simon Joufroy (1796-1842, discípulo de Victor Cousin), filósofo e professor, que morre curiosamente uns meses antes de Antero de Quental, com uma obra valiosa sobre a ética e a moral, a filosofia escocesa e os fins últimos da Humanidade, e a Gustave Lanson (1857-1934), historiador sociológico da literatura.
 
 E a dado passo, no desenvolvimento da sua teoria ou visão anteriana, apoiado em Freud e em Gregório Marañón, conclui Galvão de Carvalho: «varão perfeito, másculo, a sua pudicidade derivava de um excesso de virilidade; a sua reserva traduzia-se numa sublimação sexual segundo a terminologia de Freud; enfim: a sua timidez «se deve a uma situação de superioridade do instinto, a uma diferenciação exagerada do mesmo; a um verdadeiro complexo de superioridade sexual»...
Para quem não conheceu pessoalmente Antero de Quental, que é o caso de Rui Galvão de Carvalho e de todos nós, conseguirmos discernir plenamente as fontes da timidez ou pudor de Antero é certamente difícil e apenas podemos tentar apresentar alguns factores ou aspectos, sem que talvez haja sequer grande razão em se fazer tal, por respeito à intimidade que ele bem prezava e logo preservava
O que é inato, como genética, temperamento ou tendência, e o que se recebe da educação e ambiente familiar, serão factores determinantes, e certamente  em Antero o seu grande amor e ligação à mãe, bem assinalada em cartas e em especial quando ela morreu, foi talvez um factor amplificador de maior discrição, reserva e pudor quanto a falar da sua sexualidade. Mas talvez antes de tudo se deva considerar o seu génio, a sua natureza de filósofo e místico, a sua individualidade própria e livre e pouco desejosa de ser devassada e limitada, como ao longo da vida frequentemente manifestou ou exprimiu, e que naturalmente o retraía.
A tal devemos acrescentar as suas leituras e reflexões, espelhadas por exemplo no juvenil e algo romântico primeiro ensaio publicado na revista conimbricense Prelúdios Literários, nº 13, em 1859, A Educação das Mulheres, onde os seus verdes e idealistas 17 anos, mesmo com o afluxo de ideias  colhidas em Coimbra (destacando-se neste texto o moderado e platónico idealista Louis Aimé Martin, discípulo do sonhador Bernardin de Saint-Pierre e por este de Jean-Jacques Rousseau), mostram a afinidade e a opção romântica e cavaleiresca de ver a mulher como ser frágil a ser protegido. 
Mas já noutros passos manifesta uma percepção não paternalista «pois tais como somos, é a mulher que assim nos faz», ou mesmo algo tântrica ou shakta, ou seja, de culto da energia feminina: «Bebemos, com efeito, nos seios da mãe, nos olhos da amante, nos braços da esposa todas as virtudes e os vícios, com que depois surgimos no mundo: sendo a mulher o misterioso guia e mestre da nossa educação moral, em todas as fases da nossa vida, claro é, o que formos no bem ou no mal, a ela o devemos», referindo ainda numa expressão (trabalhada depois na carta a Cirilo Machado, já por nós publicada) psico-energética operativa "a influência deste magnetismo sobre a alma do homem".
Sabemos pouco dos seus amores, e pouco também ele transmitiu da sua vida amorosa nas centenas de cartas que trocou com amigos, certamente  por respeito com as mulheres com quem mais amor sentiu, e a fim de preservar tal intimidade de apreciações e julgamentos exteriores de então e quem sabe até do futuro...
  Discernirmos razoavelmente o grau de valorização da intimidade afectiva, nos namoros, e nas comunhões amorosas e sexuais, que Antero  de Quental teve  é então difícil mas podemos crer que desde sempre muita da sua energia psicosomática foi direccionada simultaneamente para a realização de objectivos filosóficos e artistas, embora na sua adolescência e em certas épocas da vida o seu amor e ardor, romantismo e idealidade,  estivessem muito activos  e gerando, para além dos dois ensaios de defesa e valorização da mulher, belos poemas e sentimentos, diálogos e vivências, namoros e desejos.
Infelizmente no seu riquíssimo epistolário, como já dissemos, só encontramos breves  alusões a tal vida afectiva, já que conforme confessava a Oliveira Martins, em Fevereiro de 1871, em relação a uma desilusão amorosa, «duas vezes tentei já escrever-lhe [a si, Oliveira Martins], sempre se me negou a escrever a pena o que verbalmente não me custaria a dizer. Desculpe-me isto, que é uma das repugnâncias instintivas, de que a gente não pode dar explicação, mas que são invencíveis, e que você apreciará». E teríamos neste não escrever, não confessar a alguém tido como muito amigo, uma posição de  prudência, na preservação da intimidade afectiva, seja pelo sagrado íntimo amoroso que sentia, a dois e pelos dois, seja face a opiniões e julgamentos de outras pessoas, que sabemos serem frequentemente superficiais, senão mesmo críticos ou maldizentes.  
Sabe-se, mais ou menos ao certo, que para além das aventuras normais de estudantes universitários conimbricenses, Antero de Quental sentiu o amor mais intensamente por três vezes: a primeira, por quem foi a sua Beatriz de adolescente, uma jovem coimbrã e casada e a quem dedicou o belo poema Beatrice, e sobre a qual escreverá, diferenciando o amor, os sentimentos e a paixão, a António de Azevedo Castelo Branco. a 14-III-1866, quando partia para os Açores; «fujo a um amor sem futuro que já me tem levantado muitos tumultos de sentimentos para que não tema que em breve chegasse às alturas tempestuosas da paixão - e de paixão inútil».
 Maria  Ana Porto Carrero, numa fotografia da colecção de Alexandre Ramires e partilhada por Ana Almeida Martins na sua incontornável Fotobiografia. Avisado esteve Antero em admitir que talvez não fosse mesmo a sua alma-gémea...
Uma segunda,  a M. C.,  a quem dedica quatro sonetos, e que serão duas das iniciais de Maria Ana Porto Carrero, e com quem não sentiu ousadia de querer assumir as limitações do casamento mas que amava e que ela, com a sua partida para França durante quase um ano, acabou por aceitar o namoro e  casar-se mesmo em 1868 com o  conterrâneo e condiscípulo de Antero na Universidade,  Filomeno da Câmara de Melo Cabral.
A terceira, quase dez anos mais tarde, foi uma senhora nobre e bem culta, francesa, Clotilde Seillière, então em processo de divórcio, que Antero conheceu em França quando esteve em 1877-78 nos arredores de Paris em tratamentos de hidroterapia sob orientação do famoso especialista de doenças nervosas Charcot (1825-1893). 
Foram três encontros e conhecimentos de mulheres e almas afins que, nas condições limitativas em que se apresentaram, vivenciou mais como amores que foram  discernidos rapidamente com poucas hipóteses de avançarem, e se aprofundarem e estabilizarem, fazendo-o sofrer, dizendo mesmo do terceiro relacionamento, talvez o com mais possibilidades ou afinidades e certamente o mais aprofundado e maduro, «que eu sofria tanto que estava estonteado», afirmando mais tarde Oliveira Martins, mas certamente exagerando, que ele teria pensado em suicidar-se.
Será que desde 1874 com a morte do pai e o aparecimento das suas maleitas psico-somáticas, ou em 1876 quando morre a mãe, e no fim do ano adopta as crianças de Germano Meireles e pouco depois a mãe delas morre, ou sobretudo desde 1880, quando abandona a paixão-amizade com a baronesa Clotilde Seillière,  que diminuiu bastante o seu desejo esperançoso pela mulher? 
Ou será ainda mais tarde, apenas com o envelhecimento e enfraquecimento psico-somático derivado das suas doenças e, sobretudo da desilusão, que a chama do seu amor fenece? Ou tal nunca desapareceu, apenas a sua desilusão da vida e enfraquecimento psico-somático não o galvanizaram mais à esperança do Amor e o levaram por fim à desistência da pesada vida terrena, mas que as asas de Cupido sempre aligeiram e que certamente o teriam ajudado a vencer as circunstancialidades adversas que o fizeram sucumbir antes do termo natural da sua vida?
Um pouco mais documentados com esta breve visualização da trajectória amorosa do nosso poeta e espiritual, podemos interrogar-nos então: Antero de Quental era algo misógino, e não num sentido de inimigo da mulher (como queria o positivista Sousa Martins), mas de ser  interiorizado, casto e sublimando-se, quase desde o início da sua vida, como nos quer fazer crer Rui Galvão de Carvalho, ou foi-se tornando tal com o tempo, com as suas dores, dificuldades, desilusões?  Ou nunca o foi, e apenas tinha pela sua grande demanda de verdade e de coerência e pela sua natureza algo de solitário ou mesmo monge, uma menor capacidade e  apetência de envolvimento afectivo e familiar-social duradouro?
Anote-se que Galvão de Carvalho, quando afirma que Antero de Quental sempre foi casto, não quer dizer com isto que ele negasse a sexualidade, escrevendo mesmo com certeiro discernimento o longo passo que transcrevemos: «Antero amou, amou apaixonadamente, paixão que lhe fez vibrar os nervos, aquecer mais o sangue, palpitar mais fortemente o coração, tornar mais rica a imaginação irrequieta: sintomas naturais da sua virilidade requintada, do seu instinto sexual, e, ao mesmo tempo, causas da sua tragédia íntima, do drama psicológico, das suas crises sentimentais.
Vemos então em Antero: manifesta timidez, escrupuloso recato, severa pudicidade. 
Conservou-se ele por esse facto sempre casto? Incontestavelmente.
Antero, na verdade, procurou conservar-se casto, - o que não quer dizer que ele não tivesse rendido culto à Carne e ao Prazer, mas esse culto fora passageiro. 
Os homens superiores, eminentemente superior, são castos, cultivam a flor da castidade, para equilíbrio dos sentidos, pureza da alma e higiene do espírito.
O genial florentino Leonardo Vinci escreveu algures:"Aquele que não refreia a voluptuosidade confunde-se com os animais"» 
 
Deixemos agora Rui Galvão de Carvalho, após este mais aberto mas também sempre sublimante passo do seu ensaio,  e admitamos que com a sua maturação no tempo  Antero de Quental deixou-se revestir de uma maior aura de asceta e de sofrimento e, como diminuía a vitalidade psico-somática, terá sentido menos desejo e  esperança de relacionamentos ou uniões, os quais potenciam ou animam tanto a afectividade e a sexualidade como a própria sobrevivência...
Assim, quando regressado ao torrão natal se viu deprimido pelo ambiente atmosférico, afastado das duas pupilas, Beatriz e Albertina (certamente quem mais terá sofrido...), e a ter  de voltar ao corrupto ambiente de Lisboa, desanimou e lançou-se ao mar alto e do além que envolvia a sua ilha, onde não se conseguira inserir, provavelmente convencido, orgânica e psiquicamente,  de que a sua missão na Terra terminara.
 E assim debaixo da âncora da Esperança, junto à cerca do convento, "samuraicamente", nesse anoitecer de 1891, apenas com 49 anos de desabrochamento espiritual, Antero de Quental abraçou e foi levado pela "casta" irmã Morte que tanto poetizara e namorara.
Com que grau suficiente de auto-consciência, a cavalo da sua alma sofrida, Amor vencendo Mors, estaria ele, qual cavaleiro Galaaz, rumo ao ideal e portal da Morte libertadora?
Poderia ele ter sido mais abraçado e enlaçado amorosamente na vida, ou o seu percurso e quase destino de mártir solitário do livre pensamento da época "cristificava-o" daquela feição e hora necessariamente trágica?
 
  Saibamos estar mais em amor, criativa, esperançosa e perseverantemente, e votos de muita Luz e Amor Divinos em Antero de Quental e  Rui Galvão de Carvalho!

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Breve reflexão ética e espiritual sobre o 25 de Abril, no seu dia em 2018.

Um pequeno texto escrito na alvorada do 25 de Abril de 2018, que é uma leve reflexão, uma pequena flecha mensageira desferida no Facebook, e por alguns apreciada, e agora para o Blogger mais perenizante transcrita, a fim de poder de ser consultada posteriormente e gerar alguns efeitos meditativos ou salutares na alma de Portugal e nos seus membros.
Com as imagens que a acompanharam... 
Por entre as nuvens ergue-se a Senhora da Graça, nosso Fujiyama, entre a terra e o céu, fogo da aspiração terrena e humana à Luz do Sol, ao Amor e à Divindade e suas faces...
Das faces animadas dos raros castanheiros centenários que têm sobrevivido...
«Precisaremos de um outro 25 de Abril? 
Esta classe política desacreditou-se completamente com o seu envolvimento nos roubos públicos e bancários escandalosos, em grande parte impunes, das últimas décadas e que comprometeram bastante o presente e o futuro de Portugal? 
É possível inverter a desgovernação de certos sectores de Portugal, nomeadamente os mais frágeis sob as arremetidas de interesses económicos destrutivos, exploradores ou poluidores, tão visível no rio Tejo, nas árvores urbanas, nas florestas, nos eucaliptais, nas medidas preventivas e de combate aos incêndios? 
É possível existir de novo um conceito ou ideia de Estado Português acima dos interesses e dos compadrios partidários, o qual verdadeiramente eduque e inspire a implementação do Bem Comum e não o de uns poucos? 
Tem Portugal avançado e dado bons exemplos nos sentidos primaciais do 25 de Abril, e que foram os de melhor democracia e igualdade, fraternidade e liberdade, educação e cultura, paz e plenitude?
Educar na, e para a, sensibilidade e o amor, a criatividade e a plenitude, em harmonia com a Natureza e não na sua exploração, e em paz e diálogo com todos os seres humanos e não humanos, bom como todos os povos e países, tradições e culturas...
Têm os representantes de Portugal sido a voz na cena internacional do não-alinhamento nas fake news e guerras da angloamericanice, no seu bullying da Rússia de Putin e de outros Governos, sintonizando e assumindo corajosa e luminosamente a Tradição Espiritual Portuguesa e os seus elos?
Eis boas questões para meditarmos na alvorada (e no seguimento) do dia de uma revolução purificadora, hoje no seu rio já muito mordomizada e manipulada e que pede, como então, a nossa adesão criativa, acima dos egos e corajosa, ao coração da Fraternidade Divina e planetária...

Da Harmonia do microcosmo no macrocosmo, dos seres e cidadãos na Natureza de vários níveis e mundos, em corpos, almas e espíritos bem desenvolvidos e justos, fraternos e livres...

sábado, 21 de abril de 2018

Aniversário do nascimento de Sa'adi, 2018. Evocação e poemas, por Pedro Teixeira da Mota.

                                                Sa'adi Shirazi... Sa'adi, de Shiraz, Irão.
Sa'adi num roseiral, numa miniatura mogol
Homenagem em 2018, no seu dia de nascimento, e segundo o calendário lunar, móvel, a um dos génios (com Hafiz e Rumi, Sohrawardi e Attar) tutelares do Irão: Saadi, de Shiraz (1208-1291), autor de uma vasta obra de pequenas histórias e poesias, contidas especialmente no Gulistan, o Pomar, e no Boostan, o Roseiral, e um Diwan de ghazals, isto é uma antologia de poesia amorosa, após uma vida longa e bem aventurosa que o levou por vários países e continentes, destilando de tais viagens e encontros, amores, vivências e meditações uma grande e bem disposta sabedoria que partilha nos seus escritos.
Sa'adi inspirando-se e gerando o Roseiral.
 Seguem-se algumas traduções que fiz com a ajuda de almas amigas iranianas, seja quando lá estive um mês, em 2013, seja pela net.
                                                     
 Uma das suas ekaya ou histórias, não vegetariana:
 "Conta-se que, ao ser assada uma presa de caça para Nushirvan, o Justo, durante uma caçada, não se encontrou sal, pelo que um rapaz foi enviado à aldeia próxima, recomendando-lhe o Nushirvan: «Paga o sal, para que não se crie o costume contrário e a aldeia seja arruinada».
Ao perguntarem-lhe que mal poderia resultar de uma opressão tão pequena, Nushirvan replicou: «A fundação da opressão no mundo foi pequena mas todos os que vieram depois aumentaram-na de tal modo que se atingiu a magnitude presente…»

Se o governante come uma maçã do jardim de um cidadão,
Os seus funcionários arrancar-lhe-ão a árvore pelas raízes.
Por cinco ovos que o governante deixar serem roubados pela força,
O povo pertencente ao seu exército porá mil galinhas alheias no espeto.
Um tirano não permanece para sempre no mundo,
Mas a maldição ficará nele para sempre."

Moralidade, comentada por nós: Saibamos caminhar com justiça, harmonia e amor na vida, respeitando as propriedades e as ideias, os sentimentos e as religiões dos outros, mas denunciando ou lutando contra as injustiças e violências mais clamorosas ou graves...
E que os governantes, executivos, gestores e políticos se lembrem tanto que a memória histórica não ficará sempre manipulada como que há uma vida depois da morte... 
 Outra história (19) do Gulistan:
«Perguntei a um homem ilustre a causa deste dito tradicional: “Considera como um inimigo a paixão que está entre os teus dois rins .” Ele replicou: “A razão é porque qualquer inimigo que tu propicies torna-se teu amigo, enquanto que quanto mais te entregares a uma paixão, mais ela se oporá a ti.”

O ser humano atinge a natureza angélica comendo moderadamente.
Mas se ele se torna voraz como o animal selvagem então cai como uma pedra.
Aquele cujos desejos tu cumprires, obedecerá ao teu comando,
Contrariamente à paixão, que te comandará se for obedecida».
Que o Roseiral floresça no teu ser e coração
Da Introdução do Roseiral, Gulistan.
«A tradição é a de que sempre que um adorador pecaminoso e aflito estende a mão do arrependimento com esperanças de ser aceite na corte celestial, Deus o Altíssimo não dá conta dele; mas quando tal pessoa continua a implorar a misericórdia com súplicas e lágrimas, Deus, o Santíssimo, diz: - Ó meus Anjos, verdadeiramente eu estou envergonhado do meu servidor e ele não tem mais nenhum Senhor senão eu. Em concordância com isto, eu perdoei-o completamente.

Vede a generosidade e delicadeza de Deus.
O servo cometeu um pecado e ele está envergonhado.»

Moralidade nossa:
Por vezes Saadi é muito ousado e de modos subtis faz-nos suspeitar que a generosidade ou o Amor divino são bem maiores que nós pensamos. E para sociedades muito rígidas nas suas crenças e códigos morais, afirmar que Deus pode perdoar os piores crimes ou sustentar os seus inimigos, é sem dúvida de uma grande liberdade e liberalidade.
De Eugène Flandin, o mausoléu de Sa'adi, hoje bem diferente pois visitei-o em 2012
Continuando com Sa'adi:
«Aqueles que oficiam permanentemente no templo da Sua glória confessam a imperfeição da Sua adoração e dizem: - Não Te adoramos de acordo com os requerimentos da Tua adoração. 
E os que descrevem o esplendor da Sua Beleza são arrebatados em espanto dizendo: - Não Te conhecemos como deverias ser conhecido.

Se alguém me perguntar pela Sua descrição,
O que poderei dizer eu, tão desesperado pelas minhas limitações, do Um que não tem forma?
Os amantes foram mortos pelo Amado,
Voz alguma brotou do morto.

A um dos devotos que mergulhara profundamente a sua cabeça no capuz da meditação e estivera imerso no oceano das visões, quando estava a sair desse estado, perguntou-lhe um dos seus companheiros, com vontade até de o animar: “- Que presente belo trouxeste para nós do jardim em que estiveste?” 
Ele replicou: “Ao chegar ao roseiral eu tencionava encher as abas da minha veste de rosas, como presentes para os meus amigos, mas o perfume das flores intoxicou-me de tal modo que deixei cair as abas”.

O pássaro da manhã, aprende o amor da borboleta
Porque ardeu, perdeu a sua vida, e não encontrou voz.
Esses pretensiosos andam ignorantemente à procura Dele,
Porque quem obteve conhecimento não volta…

Ó Tu que estás acima de todas as imaginações, conjecturas, opiniões e ideias,
Acima de tudo o que as pessoas disseram, ouviram ou leram,
A assembleia terminou e a vida alcançou o seu termo
E nós, como ao princípio, permanecemos sem poder para Te descrever.» 

Por estes excertos podemos sentir um pouco e comungar com o grande Amor divino que ardia em Sa'adi e em muitos outros persas e místicos da sua época, mas que através dos séculos se comunica de peito a peito, de coração a coração, por tantas almas amorosas, por tantos Fiéis do Amor, pelo que tenhamos confiança nas vitórias da Verdade e do Bem, em nós e na cena mundial...
Que Abū-Muḥammad Muṣliḥ al-Dīn bin Abdallāh Shīrāzī,  ou mais simplesmente Sa'adi, nos inspire e intensifique a poesia e a cultura, a fraternidade, a paz e o Amor, e o conhecimento e a ligação a Deus na Terra...