quarta-feira, 2 de maio de 2018

Uma Peregrinação Portuguesa ao Irão, 2013, (2ª cap.) por Pedro Teixeira da Mota.

2º capítulo e dia, 26 Abril, 2013. 11:15, já em Teerão (1).  Dormitei uns cinco minutos, ontem na longa viagem de avião,  da ligação Dinamarca-Irão, de resto a trabalhar sempre em leituras ou escritas, pelo que os olhos estão cansados, mas alegre e feliz por chegar e ser acolhido no aeroporto por Nasrin Fahgi e Ali Mohammad Khani (2), que me trouxeram de carro para este apartamento na zona norte de Teerão, junto às montanhas Darband. Um sétimo andar, um quarto maravilhoso, silencioso. Descanso finalmente o corpo deitado. Demos graças. 
A aurora nas montanhas de Darband
19:49, de Lisboa, mas aqui serão uma e meia da manhã (afinal eram apenas 23:30). Pôr o sino-relógio em ordem, arrumar a minha nova casa, espaçosa, de dois andares, na qual me estou a habituar a circular sem luz, com mil olhos, como há pouco: começando a descer a empinada escada, tive uma intuição ou pensamento rápido de pôr no bolso algo que levava na mão e segurar o corrimão e, de facto, de repente, numa curva da escada, senti o pé em falso pois o degrau era diminuto e ia caindo não fora o ter-me agarrado bem ao corrimão.  
Lua Cheia no ar, bela, e já fiz exercícios de purificação no terraço oferecido por esta casa, bem como orações e invocações, tais como a que invento do Jaam-e jam, o Graal da tradição primordial Persa e de Jamshid, a taça da visão do mundo, o mundo como taça, a abertura de mim próprio ao Divino.
Ao ter dormitado, ao entardecer, num dos sonhos o guardião deste edifício, já ancião e com uma curvatura de cara e de corpo condizente com o seu sorriso, apareceu-me a verificar que eu estava a usar também o travesseiro da outra cama do quarto. Como ainda era de dia e ele não estava a dormir, não viajou em corpo astral para me aparecer no sonho. Mas porque não admitirmos que mentalmente a sua aura e alma estão em todo o edifício e particularmente nesta zona agora habitada por mim e que portanto interagiu com o seu corpo psíquico no meu, admirando-se da minha utilização de mais uma almofada, provocando este encontro e diálogo no meu sonho, ou que se me tornou sensível enquanto sonhava?
Sim, talvez possamos dizer que mesmo sem a outra pessoa ter
sonhado nem ter estado a dormir, e portanto sem ter o seu corpo psíquico livre para se mover (consciente ou inconscientemente) nele até mim, ainda assim mentalmente a consciência psíquica não está encerrada no corpo físico limitado mas na sua aura psico-espiritual interage para além das limitações do espaço, tocando-me, comunicando psiquicamente, neste caso no sétimo andar distante do rés-do-chão onde ele habita... 
 Aspiro a que esta viagem seja bastante propulsionadora de um avanço na espiritualidade e nos estudos e traduções comparadas, e sem grandes sofrimentos no corpo, além das narinas agora muito entupidas. Em frente a estes belos cravos pequenos doces e muito coloridos, oferecidos por Nasrin, e que reparti na despedida com ela, ao pensar que estou num sétimo andar, houve uma leve dor do ouvido direito, provavelmente efeito natural das diferentes pressões atmosféricas nos tímpanos a que estive sujeito durante os voos, sobretudo com as descidas.
Só agora é que me apercebi que podia ter escrito no computador que trouxe comigo, mas ligá-lo levará muito tempo e trabalho, a esta hora, e quero sobretudo registar uma ou outra intuição subtil e fugidia das meditações e uma delas é acerca do que Saadi diz, e bem importante psico-espiritualmente, no preâmbulo do seu mítico livro Bustan, o Pomar, e que tenho vindo a ler e a traduzir: a inspiração, dando a energia da vida, que na retenção é bem assimilada, e na expiração faz ou causa alegria ou gozo na nossa natureza mais profunda, que assim realiza o Tawid, a Unidade omnipresente de Deus, ou seja, culminando-se este processo respiratório mais consciente na entrega ou submissão maior a Deus, tal como eu agora sinto, respirando sentado em postura de joelhos sobre o grande e belo tapete persa, bem mandálico, tingido de vermelho, cobrindo o chão do quarto por onde me desloco, sento, medito...
              Ah, e fiz há pouco um poema à rainha, a Lua Cheia: 
 Oh beloved queen of Malakut,
 Full moon that enlives so much
 Our inner word with wonderful
 Images and panoramas,
 With thy soft silver light shining
In the darkness of our ignorance,
Making us praise the Divine beneficience.

[Oh, amada rainha do mundo psico-espiritual,
Lua cheia que tanto animas
Nosso mundo interior com maravilhosas
Imagens, panoramas e ensinamentos,
Com a tua luz prateada  e doce brilhando
Na escuridão da nossa ignorância
Fazendo-nos dar graças pelo Bem Divino.]
 
Pois, meditando, tive uns momentos de visão interior de paisagens da natureza e casas, como as que me rodeiam nesta zona norte de Teerão, junto à montanha, já na sua encosta, embora daqui não veja os níveis nevados, sempre inspiradores e que praticamente rodeiam Teerão todo o ano… 
2:00, de Terão. Alguns sonhos, acordar e ir beber um chá de ervas iranianas, mistura tradicional ou caseira, encontrado no armário da cozinha.
I can not discover already the remains of the dream, or the memories of the people and land interacted. May be, as in the airplane I was more alone, so there is not so many beings, aspects or scenes to be recapitulated or interpreted, or assimilated, causing the brain and the soul to re-arrange themselves…
[Já não consigo lembrar-me dos restos ou vestígios do que sonhei, ou das memórias das pessoas e terras com que me interrelacionei oniricamente. Talvez, porque tivesse feito a viagem de avião a sós, não houvessem muitos seres, aspectos ou cenas a serem recapitulados, interpretados e assimilados de modo a que o cérebro e a mente por si próprios se reordenem, como sucede com muitos dos sonhos.]

Acabei de ler do místico príncipe mogol Dara Shikoh o Compasso da verdade, Risala-i-Haq nama, escrito espiritual pequeno de 1646, na tradução que fiz do opúsculo publicado em inglês no princípio do séc. XX, e que trago comigo e fui relendo na viagem de avião. A obra contém possivelmente dois ou três versos de Hafiz, embora só identificando como tal um deles. 
Serão certamente dois dos seres que invocarei e que algum modo me acompanharão, tal como Nur Ali Shah, o mestre espiritual do séc. XVIII que ficou no Facebook como a minha imagem de perfil num belo desenho de um tapete persa...
*** Notas:
1-Teerão é a capital do Irão apenas desde o final do séc. XVIII, com um dos Shahs ou reis da dinastia Qajar, não tendo por isso uma monumentalidade antiga, sendo mais do séc. XVIII e XIX a maioria dos seus palácios. Já as mesquitas algumas são anteriores. Está situada a uma altitude de 1.189 metros, protegida a norte pelas montanhas Darband, e com um clima benigno na Primavera e Outono, mas de extremos no Verão e no Inverno. Tem mais de dez milhões de habitantes, estendendo-se pelo horizonte vastamente...

2 - À Nasrim Fahgi, a professora universitária de Literatura, especialista de poesia, que conheci em Portugal na semana Cultural do Irão, em Cascais em Junho de 2012 e em que fomos ambos conferencistas, e que foi quem me desafiou para esta viagem, ofereci a bela rosa vermelha que me deram no aeroporto à  entrada no Irão, um costume hospitaleiro e certamente um bom augúrio para esta viajem e peregrinação.  Ali Asghar Mohammad Khani é o director de uma das unidades  (cerca de trinta em Teerão) do Book City Institute e é uma pessoa muito dinâmica culturalmente e simpática. Serão de certo modo os meus anfitriões no Irão.

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