sexta-feira, 6 de abril de 2018

Antero de Quental e a demanda da Verdade, o magnetismo e a telepatia, nas Tendências gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX.

                                   
O prof. Armando Narciso em 1938, presidente do 1º Congresso Açoriano reunido em Lisboa de 8 a 15 de Maio de 1938, fez diante dos bustos de Antero de Quental e de Teófilo Braga uma curta alocução, onde a dado passo afirmou: "Antero do Quental, o nosso Antero, o torturado poeta da dor e da bondade, da ilusão e da desilusão, que fez da tragédia humana a sua própria tragédia, que traduziu em palavras, como até ali ninguém o tinha feito ainda, as incertezas do pensamento, o desespero da incompreensão dos grandes e insondáveis mistérios, aqui o tendes recordado no mármore de Diogo de Macedo."
                                     
Embora estas afirmações contenham uma descrição psicológica boa e elogiosa de aspectos essenciais da demanda criativa vivida por Antero de Quental, podemos questionar se ele assumiu e ficou nas incertezas do pensamento e no desespero da incompreensão dos grandes e insondáveis mistérios, como quer Armando Narciso, ou se não terá ele antes alcançado bastante, ou alguma, luz quanto aos mistérios da alma humana e do Cosmos?
Mais do que os Sonetos são as suas Cartas aos amigos e as Tendências gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX quem nos elucida melhor o estado consciencial alcançado por Antero de Quental  filosoficamente nos últimos anos de vida, nos quais, mais maduro e humilde, e assim considerando a realização do Absoluto, ou da Lei suprema das coisas, esse segredo transcendental «apenas relativamente exequível numa adequação do pensamento à realidade, numa verdade limitada, simbólica, relativa», não ficou por isso torturado e desesperado por não poder alcançar mais luz, antes demandava ainda conhecimento tanto sobre os misteriosos processos psico-físicos como os valores e fins últimos.
E assim, face à sua juvenil ânsia grande de Absoluto, da Verdade e da Justiça, se o ter de reconhecer posteriormente que apenas poderia realizar tal limitadamente e na mera adequação do pensamento à realidade pudesse ser-lhe frustrante, não cremos que tenha perdido a busca de conhecimento e de coerência de vida, que o levou, por exemplo, a aceitar uns meses antes de morrer em 1871 a provação da liderança da Liga Patriótica do Norte, contra o imperialismo inglês e o Ultimatum.
Talvez devamos admitir que, não conseguindo reconhecer e valorizar suficientemente a ligação interior, contemplativa e unitiva com o Ser Divino, que é a pessoalização humanizada de tal Absoluto, tão demandado poeticamente por Antero, ele possa ter perdido certa ligação espiritual divina e ficado mais sujeito a sofrer e a enfraquecer com as múltiplas contrariedades que foi encontrando na vida, e que foram mais de natureza político-social, amorosa, afectiva, familiar, esta com as duas crianças de Germano Meireles adoptadas e que no fim, subitamente, as separaram dele...
Filosoficamente, Antero de Quental, aceitando os limites do pensamento e da verdade filosófica, intui que existe um espírito da época em relação com o estado íntimo psicológico de cada período da civilização humana, de modo que há uma complementaridade de todos os sistemas, numa teoria geral do Universo resultante de um ecletismo ou sincretismo e que se aproxima de uma síntese verdadeira.
O que Antero sentiu então como sendo o espírito da época, a atmosfera intelectual e psicológica da segunda metade do séc. XIX, e que na sua juventude se podia resumir para ele na palavra Revolução?
Pois também ainda uma visão muito dinâmica do Universo e, portanto, revolucionária para a época, levando-o a afirmar que em cada ser "o princípio de energia constitui a sua mesma essência" e que há uma unidade da vida física e psíquica na qual a espontânea actividade deve ser a lei e que pode ser reconhecida pela razão:
- "O pensar moderno quebra essas prisões lógicas, faz circular através dos tipos pretendidos irredutíveis uma substância omnímoda, por virtude da qual todos os seres, momentos e modalidades dela comunicam continuamente entre si, influenciando-se mutuamente, opondo-se e, por essa constante e terrível oposição, realizando, não a recíproca anulação, mas a integração de todos os momentos na unidade, cujas diversas potências manifestam."
Pelo que "o universo aparece-nos agora não já somente como o grande ser autónomo e eternamente activo mas como o ser de ilimitada e infinita expansão, tirando de si mesmo, da sua inesgotável virtualidade, de momento para momento, criações cada vez mais completas, mais ricas de energia, vida e expressão, envolvendo-se e desdobrando-se, em voltas cada vez mais largas e sinuosas, na espiral sem termo do seu desenvolvimento. Divino e real ao mesmo tempo, manifesta a si mesmo a sua essência prodigiosa, contempla-se numa infinidade de espelhos e em cada um sob o aspecto diverso (...) O universo, à luz do realismo transcendental dos dois grandes sucessores de Kant [Schelling e Hegel], transfigura-se: o seu movimento aparece como uma sucessão e encadeamento de ideias e a sua imanência define-se como a alma infinita da coisas...»
Esta "essência prodigiosa" que se reflecte como num espelho em cada ser, esta "alma infinita das coisas", uma designação anteriana para os conceitos anteriores de Anima mundi, de Inconsciente (Eduard von Hartmann) e de Vontade (Schopenhauer), vai ser por ele frequentemente aproximada e reflectida, nomeadamente em cartas dirigidas a Carlos Cirilo Machado, a Fernando Leal e a Jaime de Magalhães Lima, três interlocutores com quem todos nós desejaríamos dialogar, restando-nos porém apenas os seus livros e alguma intuição....
Por exemplo, na carta ao jovem amigo Carlos Cirilo Machado, de 1886, afirma tal num termo ou expressão, o Magnetismo, que então circulava nas pessoas mais dadas tanto às ciências ocultas como à ciência experimental e psicologia, e, dizendo que ele conhecera, nomeadamente um padre Chaves e o deputado algarvio Ângelo Sárrea [Souza do] Prado ("eu ocupei-me em tempo com o magnetismo e vi coisas bem notáveis..."), acrescentando ainda que «O magnetismo parece estabelecer uma unidade de consciência entre várias pessoas, ainda que separadas por grandes distâncias, de sorte que o que uma sabe, sabem-no as outras logo.»
                               
Esta comunicação das almas, esta telepatia, mais ou menos conscientes, são então linhas de força de Antero de Quental e da Tradição Espiritual Portuguesa a investigarmos e a desenvolvermos (tanto mais que Antero previa ou adivinhava que nem daí a mais de cem anos se saberia cientificamente como tal se realiza). Pode, talvez por isso, combinar com uma pessoa mais próxima ou íntima que pratique consigo (seja por imagens ou sentimentos, pela fronte ou pelo coração, e por intencionalidade ou deslocação), ou que sintonizem mais consciente e comprometidamente tais afinidades no vasto mundo subtil e espiritual onde temos o nosso ser, hoje denominado por muitos o Campo unificado de energia informação consciência, e que nos sonhos, sincronias e intuições surge por vezes bem interactivo connosco, gracioso ou luminoso.
Outros artigos que se acercam deste tema:
 http://pedroteixeiradamota.blogspot.pt/2016/04/antero-de-quental-o-magnetismo-e.html
 http://pedroteixeiradamota.blogspot.pt/2018/01/a-casa-do-coracao-de-antero-de-quental.html
 Boas comunicações e crescente claridade anímica!

terça-feira, 3 de abril de 2018

As últimas visitas a Agostinho da Silva e as visitações oníricas e angélicas seguintes. Diário de 1994, Março.

Registo do meu diário de Março de 1994 (e ao longo dos anos são dezenas), que passo a transcrever: «Terça, ida a Lisboa. Visito Agostinho da Silva. O velho leão marinho está sentado na sua última lunação. Já não tem rivais à volta a invejarem-no. Pode morrer sozinho, com dignidade. O cérebro lentamente vai-se desagregando, ficam os olhos perfeitos, ora vazios, ora calmos, ora ainda prescrutativos: visitara-o há dias, uma semana provavelmente, mas por pouco tempo, pois estava cansado, fraco. Uns dias antes visitara-o também e aí transmitiu-me as forças de “ter o inteiro amor na vontade” e “é preciso querer para ser.”
Deu-me como dois mantras, duas iniciações, dois presentes.
“Estás a pedir sabedoria? Duvidas da minha capacidade de transmitir ainda?
Estás a estimular-me? Então toma um presente, acolhe, recebe com amor porque com amor te dou!”
Foi a última conversa com o velho e ilustre professor.
Agora cada vez mais o corpo vai-se inclinando, enfraquecendo e ele retirando-se...
Dizem as duas governantes, ou mulheres que o tem ajudado nos últimos tempos, como «ele acordava nos últimos tempos todo preocupado com o trabalho, o trabalho... Sempre foi um grande trabalhador. Há dias já doente, ainda se inquietava pelo trabalho que se fazia.»
O Círculo dos Leitores publicou as suas traduções de Virgílio e enviaram-nas. Li-lhe umas páginas, com ele atento.
Velho capitão-mór, estás-te a libertar.
Longos minutos de mão dada.»
Eis o registo do diário....
Segue-se: «Casa da mãe. Manhã. Nascer do Sol belo. Hora de missa, boa elevação junto ao mar. Se cada pessoa tivesse uns trinta minutos por dia de comunhão com a Natureza pura que gostar, que melhorias na sociedade. Mas não, está quase tudo muito artificializado e alienado.
Agostinho piora, diz-me pelo telefone Luísa de Carvalho, e comunico a Dalila Pereira da Costa.
Anjos da Guarda, Anjos custódios
estai vós em todos os seres
diferentes e de acordo com eles?

Ou sobrevoais a terra e seus mortais
míseras formigas, atarefadas abelhas
que somos nós na nossa ignorância?

Ó quanto custa esta errância
em que só a alma arde
e aspira à visão de vós?
 
Porque ficamos tanto tempo
perdidos na fé e na lembrança
porque não se repetem as visões
que alegraram os nossos corações?

Anjo, quero o que tu queres
calo-me para que tu fales
no silêncio e telepaticamente.

Tanto tempo que clamo por ti
Há quantos anos sem te ver
Mas eis que vem o Natal
A melhor quadra para vos ver
E redobra a esperança
de enfim comungarmos.

Sei que o véu e a separação
são meras ilusões e aparências.
Não estou só, grande é a comunidade,
Ah adoro a Santa Unidade.

Nasça esta luz ardente
no peito de todo o ser fremente
E que as limitações e prisões
se estilhacem em mil clarões,
Porque a Aurora está em nós
Que a Divindade, no íntimo,
esteja a crescer em ti, amigo (a).
«Alguns sonhos ou visões interessantes após meditação prolongada às 5 horas da manhã, com forte aspiração ao anjo e a Cristo. Surgia uma caminhada [ou caminho vivido...] e o aproximar de um arco donde se destacavam uns dois bustos no frontão, cujas figuras ou figura subitamente se animaram tanto para mim como para um companheiro, o que nos regozijou pois não éramos só um a ver a comunicação com o alto. Poetizei o sonho ao acordar:

Caindo os véus nos sonhos
nossa alma avança
passando pelos arcos
onde as assinaturas
desvendam o mistério.

O anjo falou e incendiou-me:
Nós que os petrificáramos
teremos de os despertar das pedras
por ardente e perseverante invocação.

São bustos de religiosos ou anjos
os que subitamente se animam
e revelam num trocar de expressões
que do alto seguem as nossas aspirações.

Esquecemo-nos por vezes
do preço das colheitas.
É preciso tempo e trabalho
e mais devoção para que se
verifique a revelação.

Vestidos de burel da simplicidade
eu e outro peregrino surpreendemo-nos,
participantes de uma mesma comunicação
que do Alto alegrou e alumiou
nossas almas agora em exaltação.

Vou agora mais firme
no dia quotidiano
pois levo no peito o sorriso
que o Anjo trocou comigo.»
 
Post scriptum: O que aqui escrevi sobre o Anjo serve também para os seres que amámos e nos amaram, ou amamos, o caso de Agostinho da Silva e que hoje 13 de Fevereiro 2022 me confirmou a sua sobrevivência espiritual individualizada como sábio da Tradição Espiritual Portuguesa e Universal, e Cavaleiro ou Fiel do Amor...
A Rússia é mais europeia sem qualquer dúvida de que os Estados Unidos da América e a NATO e, actualmente, de que o Reino Unido, uma vez saído da União Europeia... Esses é que são os anti-europeus, diria provavelmente ou mesmo certamente Agostinho da Silva...

sexta-feira, 30 de março de 2018

Anjos e seus ensinamentos, na Exposição "As Ilhas do Ouro Branco. A encomenda artística na Madeira nos séc. XV-XVI.", no MNAA, em Lisboa

    Na exposição temporária no Museu Nacional de Arte Antiga, de Lisboa,  intitulada "As Ilhas do Ouro Branco. A encomenda artística na Madeira nos séculos XV-XVI", encontramos um belo painel de pintura sobre madeira do começo do séc. XVI, onde podemos realçar três elementos principais: os Anjos, que suportam um medalhão circular com as letras IHS, e que não estão sob o olhar e a bênção de uma figuração antropomorfizada da Divindade mas antes a contêm  dentro desse medalhão, constituído por dois círculos, o exterior contendo a representação do Pai ou Fundador da Trindade, de mão erguida num mudra ou gesto de ensino retórico, também adoptado como de bênção, rodeado de seis anjos, que o amam e louvam adorando, e mais dois que elevam e dois que suportam esse monograma ou campo psicomórfico de IHS, de Ihesus, ou Jesus, nome vibratório que se encontra no centro.
 
  Podemos dizer que os Anjos estão-nos a mostrar uma abertura circular para os mundos espirituais e divinos, tendo ao centro como sua chave um dos sons e nomes divinos, IHS, ligado ao mestre Jesus,  bem dourado ou flamejante,  numa esfera vermelha da aspiração de amor, compaixão e unidade, o que se denomina bhakti na tradição indiana...
 A composição é muito dinâmica na sua roda da Fortuna e muito rica de cromatismos, em especial vermelhos e dourados e tanto nos Anjos mais próximos e mais distantes como na aura circular ou mandalica do mundo que envolve o nome Divino, a Palavra, o Verbo, e que sabemos que ao longo dos séculos se prestou a  especulações esotéricas sobre essa Palavra Perdida, mas que em certas tradições, como a dos jesuítas, foi vista e adorada na abreviatura de IHS, passando a ser  suporte de metodologias psico-espirituais,  ao ser desenhada  em mandala e acolhida e contemplada como ícone, tal como esta pintura consegue magnificamente.
 
 Este IHS, que se assemelha a outros mantras da Sabedoria Perene, tais como os gregos IAO e o EI, é também ele abreviatura grega das três primeiras letras do nome de Jesus em grego: iota, eta e sema. Pronunciado e meditado, é um bom meio seja de concentração e sintonização com Jesus, ou no ígneo Amor Divino por ele manifestado, seja no som sagrado, como sonorização da Palavra, Sermo ou Verbo primordial, por exemplo na Índia reconhecido e invocado  como Aum.
 E com o apoio deste  ícone e mandala, tal repetição orante e contemplação pode facilmente alargar, harmonizar e iluminar a consciência do meditante.
 Anjos tenentes, em belas representações das melhores aspirações e intenções, sede propícios à nossa ligação Divina! Possa a nossa contemplação de vós infundir as vossas forças em nós...
         Anjos, tão  lúcidos quão graciosos e serenos, capazes de estimularem o nosso coração espiritual e à Divindade e Fonte nos reenviarem...
  Um espírito celestial que suporta as orbes do mundo, ou as estabiliza para o nosso olhar espiritual as poder contemplar, por vezes representado nas portadas de livros das ordens religiosas ou mesmo em esculturas, qual Atlas e navegador na base da janela do convento de Cristo.
 Saudações amorosas e luminosas aos Anjos da Guarda, ao misterioso ou subtil Arcanjo de Portugal, que não é S. Miguel, e à Divindade... 
Que nos inspirem, iluminem e fortifiquem mais!
Segue-se uma pequena filmagem de dois minutos diante do belo e inspirador painel, bem propício para contemplação curativa e iluminativa...
                       

quarta-feira, 28 de março de 2018

Previa-se hoje chuva mas a formação das nuvens artificiais está atrasada. Lsboa sob os rastos de aviões.

     A atmosfera lisboeta neste dia 28 de Março de 2018 desde a manhã foi muito atravessada e cruzada por jactos dotados de efeitos especiais e ficámos com alguns rastos fortes e duradouros, que talvez contribuam para que o azul do céu pacífico e inspirador seja substituído por certo embaciamento nebuloso e a chuva que estava prevista para estes dias não se demore muito...
Por qualquer incómodo, se sair à rua, pedem-se desculpas...
Quase sem legendas...
Rastos por demais: se comtrails inofensivos, se chemtrails nocivos, persiste a dúvida...
 
   
 
 
 





 

Qual procissão, saibamos caminhar auto-conscientes do espírito, ligando a terra e o céu, a humanidade e a divindade!



Um pouco do arco-íris, algumas cores de esperança e amor na nossa aura e alma... Sorria...

quarta-feira, 21 de março de 2018

"A Conferência dos Pássaros", de Attar, desenhada e pintada por José Pinto Antunes. E sua hermenêutica espiritual por Pedro Teixeira da Mota.

O belo poema metafórico de Attar, aliás Farïd al-dîn 'Attâr (1142-1221, em Nichapour, no Khorassan, Irão, e que foi um perfumador, ervanário, curador), intitulado Mantiq al-Tayr, o Colóquio ou Linguagem das Aves, ou ainda Conferência dos Pássaros, extenso nos seus mais de quatro mil e seiscentos versos, foi de todas as obras de Attar a que teve mais sucesso ao longo dos séculos, conhecendo-se algumas versões em diferentes línguas desde esses remotos tempos. No Ocidente, em França, houve traduções em 1819 e 1863, e no século XX e XXI alargaram-se.
Corre entre nós uma das versões, mas abreviada e má, da
obra, sob o nome de Conferência dos Pássaros, editada pela Cultrix, sendo uma tradução da versão inglesa de C. S. Nott, que traduziu da tradução francesa de Garcin de Tassy, de 1863, realizando nos USA em 1954 tal feito de retalhar e alterar substancialmente, retirando muito da espiritualidade da obra. Uma lástima. Hoje já há outras versões em português, de melhor qualidade.
Depois de ter sido um boticário de perfumes e ervas, impressionado pelo desprendimento e comando do corpo e alma de um dervishe, Attar foi iniciado na via espiritual pelo sheik Mudj al-din, de Bagdad, e da sua demanda restam-nos cerca de uma dúzia de obras das quais as mais valiosas são o Pand-Nama, Livro dos Conselhos, Asrar-Nama, O Livro dos Segredos (a sua última obra, e da qual há uma tradução comentada excelente de Christiane Tortel), Elahi-Nama, o Livro Divino e o Tadhkarat al-Auliya, Memórias dos Santos, esta contendo histórias e ensinamentos de 142 sufis do Irão, do Egipto e da Arábia, entre os quais Jafar Sadiq, a iraquiana Rabia Basri, Junayd, Hazrat Abdul Jilani, Mansur al-Hallaj, todos eles verdadeiramente entregues ardentemente ao Amor Divino.
O grande especialista de mística islâmica e persa Louis de Massignon foi um estudioso e admirador de Attar, e realçou
a afirmação do famoso Jalâl-ud dîn Rûmî: dois séculos depois da desencarnação de al-Hallâj a sua luz (nour), ou alma espiritual, manifestara-se em Farîd 'Attar, tornando-se o seu mestre espiritual.  
Não sabemos ao certo se assim terá sido, mas a comunhão dos amigos de Deus, a comunidade dos santos ou sufis, a auliya, é conhecida, é real, todos os que meditam mais profunda e intensamente vivenciam-na de um modo ou outro por graça, pelo que naturalmente Attar foi abençoado pelo Alto e o Divino, pelos sufis, sendo Mansur al-Hallaj, um mártir no Islão da afirmação da não-dualidade entre o humano e o divino, certamente um potencial inspirador dele e, quem sabe, o seu mestre ou guia invisível. Rumi, que segundo algumas versões ainda se teria encontrado com Attar, quarenta e cinco anos mais velho que ele, diria ainda que Attar era a sua alma íntima, tal como Sana'i o seu olho espiritual. 
Attar, na Conferência ou Diálogo dos Pássaros, agora entre nós inspirando o pintor José Pinto Antunes [e muita luz e amor para ele, prematuramente falecido no entretanto] em a ilustrá-la em mais de cem desenhos, compila numerosas histórias tradicionais e acrescenta algumas novas, adicionando sobretudo comentários de ordem moral e espiritual, e propondo a tradicional ascese e renúncia ao mundo e aos seus prazeres e seres (uma metodologia talvez hoje discutível quando se expressa de modos algo humanamente egoístas: «Enquanto não morrermos para nós próprios e não formos indiferentes às criaturas, a nossa alma não estará livre. Um morto vale mais que aquele que não está inteiramente morto às criaturas, pois ele não poderá ser admitido para o outro lado da cortina»), em troca ou em prol do amor ardente pelo Divino, o único que merece e perdura.
O amor a Deus (bhakti, prema, na tradição indiana) é então o objectivo e a necessidade máxima e muitos exemplos são dados de amor extraordinários ou intensíssimos entre os seres e pares humanos e como daí podemos tirar impulsos para a nossa 
caminhada de amor para Deus, neste século XXI cada vez menos propenso a amores devocionais como outrora flamejaram no Cristianismo e no Islão medievais ou mesmo posteriores.
Entre as partes mais fracas, ao olhar do séc. XXI, está a ideia da superioridade do Islão, sobretudo sobre 
o cristianismo e também o hinduísmo, pois adoram ídolos, havendo portanto algumas histórias divertidas mas urdidas nesse sentido reprovador delas... 
Há histórias belas, há reflexões valiosas, e seria bom discernirmos melhor o que veio da tradição sufi, o que ele próprio gerou, ou mesmo o que al-Hallaj lhe inspirou, embora a parte final sendo a mais unitiva, deva ser a mais relacionável com ele e a que merecerá maior meditação e aprofundamento, ao tratar do nosso encontro tanto com nós próprios espíritos como com a Divindade e a Unidade.
A Conferência dos Pássaros congrega então milhares de aves na demanda de acesso ao misterioso ser, Simurgh, a qual as vai levar, com dúvidas e diálogos esclarecedores, por um caminho de individuação e iniciação longo e árduo (per aspera ad astra) até Simurgh, onde apenas chegam trinta delas, as que acreditaram na mestra poupa e nelas próprias e mantiveram a chama da aspiração e do Amor unitivo mais fortemente. 
Simurgh em Portugal
 José Pinto Antunes, apreciando esta obra, decidiu inspirar-se nela e desenhá-la em aguarelas e pinturas a óleo, e o seu quadro de Simurgh é particularmente excelente, e em boa hora o Instituto Superior de Psicologia Aplicada resolveu acolher a exposição na sua livraria, em parceria com a Galeria Hélder Alfaiate, pois não poderia haver melhor local que a galeria de uma livraria ligada à Psicologia, o Logos da Alma, para expor e evocar a legendária obra de Attar. 
 Quem guia e aconselha as milhares de aves na sua demanda de individuação ou realização é então a poupa, com as suas características quase de realeza («tinha no peito o sinal que testemunhava a entrada na via espiritual e sobre a cabeça a coroa da verdade. Na verdade, entrara com inteligência na via espiritual, discernia o bem e o mal»), e vai narrando-lhes histórias da tradição sufi, cheias de psicologia e moral, ética, ascetismo e discernimento, que as ajudarão a libertarem-se das ignorâncias, ilusões e armadilhas dos seus nafs ou instintos e do mundo, e a chegarem ao distante mas também íntimo Simurgh.
 Estamos então numa peregrinação, numa demanda interior de desidentificações, qualidades e realizações vivas, na qual a paciência, o desprendimento, a determinação, a luz, a verdade, a unidade se vão desvendando. E assim cada uma das aves irá expondo e vendo clarificadas as suas especificidades interiores e dificuldades. De igual modo, nesse sentido, quem as desenhar, terá de exercer quase a visão de um Hieronimus Bosh para discernir quando uma delas leva dentro de si um cão ou uma serpente, quais estão mais divididas e atadas, e quais espelham mais as limitações dos humanos e as suas lutas e aspirações ou o amor, a liberdade, a unidade.
O caminho apresentado por Attar é simples e puro, ou não fosse uma das possíveis etimologias de sufi a lã branca trajada por tais ascetas e místicos: é o amor de Deus, da Fonte primordial e Unidade subjacente a tudo, o mais importante pois é o único que dura sempre e é a destinação ou meta final; por isso, a Ele devemos aspirar, não nos deixando envolver demasiado no mundo e nas suas pessoas e actividades, desprendendo-nos delas e dos nossos desejos e egos e unificando as nossas forças anímicas numa só vontade de reintegração ou união divina, sem dúvida uma tarefa hercúlea, já então mas sobretudo no séc. XXI. 
Nestes sentidos das múltiplas forças que nos constituem, o José Pinto Antunes também capta e em finas sobreposições desenha nas aves e nas histórias envoltas ou em simbioses com os elementos da natureza, com as condições ambientais, com os mistérios dos mundos anímicos subtis, no espaço imenso e infinito da peregrinação na manifestação divina da vida, o qual no poema é atravessado em sete vales, estágios ou fases do Caminho das almas e aves, denominados sucessivamente Talab, o vale da Demanda, Eshq, o do Amor, Marifat, o da Gnose ou Conhecimento espiritual, Istighnah, o do desprendimento, Tawhid,  conhecimento da Unidade, Hayrat, admiração, Faqr, desnudamento e, finalmente, Fana, extinção ou transmutação do ego e união com a Divindade ou a Unidade Primordial.
Em muitos dos desenhos (e na sua origem foram 120), mais forte ou mais suavemente traçados e aguarelados, ou então pintados mais carnal ou intensamente nos óleos, sentimos que eles são janelas
para tais vales e estados, comuns a outras tradições embora com outros nomes, das almas-aves do poema e de nós, que os peregrinamos, vivenciamos e neles ao mais profundo ou elevado aspiramos. 
Talvez se tivermos um bom discernimento, ou mesmo uma boa intuição, consigamos chegar a descobrir que ave, vale ou estado anímico está representado nos sucessivos desenhos de José Pinto Antunes, interrogando, pintando e glosando com Attar a maravilhosa peregrinação dialogante humana de auto-realização, rumo ao mistério supremo, do fim que é também o princípio, pois o Simurgh procurado é a Fonte da qual somos um espelho, uma ave, um canto, uma parte, metáforas do mistério da nossa demanda e participação histórica na Unidade Divina e Cósmica, tão vivida e proposta pela tradição islâmica sufi e persa e hoje tão potencialmente actual, por exemplo, na noção em comprovação científica do campo unificado de energia-informação-Consciência.
Fiquemo-nos com alguns dos melhores ensinamentos, os dois primeiros relativos à respiração consciente psico-espiritual:
Fim do cap. XXV: «Cada uma das respirações que medem a tua existência é uma pérola e cada um dos teus átomos é um guia para ti em direcção a Deus. Os benefícios deste teu Amigo cobrem-te da cabeça aos pés; eles manifestam-se visível e maravilhosamente em ti.»
Fim do cap. XXIX: «Aquele a quem os seus desejos subjugam, esse não consegue respirar um instante sequer em companhia da sua alma».
O que a mestra poupa, no começo do cap. XXXV, transmite a uma ave interrogante é muito prático e eficaz, e ilustra a prática comum a várias tradições religiosas e espirituais da oração ou lembrança persistente ou repetitiva de um nome, mantra, dikr ou frase :
«Enquanto viveres, respondeu a popa, está contente por te lembrares (dikr) reconhecidamente de Deus, e evita as conversas e palavras superficiais. Se a tua alma possuir este contentamento, preocupações e tristezas esfumar-se-ão. Tal é, nos dois mundos do visível e do invisível, o que é mais próprio para o contentamento dos seres humanos. É por ele que a abóbada celestial está em movimento. Permanece contente na Divindade e move-te como o Sol por amor a Ela».
Ou a bela história narrada nesse mesmo capítulo: «Um homem sábio dizia: Há setenta anos que estou constantemente em êxtase de contentamento e de felicidade e, neste estado, participo na majestade soberana e uno-me mesmo à Divindade. Quanto a ti, que te preocupas em encontrar as faltas ou erros dos outros, como te alegrarás da beleza do mundo invisível? Se procuras as faltas com um olhar perscrutador, como poderás jamais ver as coisas invisíveis? Desembaraça-te primeiro de tuas falhas para que sejas verdadeiramente rei pelas coisas invisíveis. Separas em dois um cabelo para veres as faltas dos outros, mas és cego para as tuas próprias faltas. Ocupa-te dos teus próprios defeitos: então, mesmo que tenhas obscuridades ou culpas, serás agraciado por Deus…»
Acerca do vale da Gnose, do conhecimento esotérico, Ma'rifa, ou Irfan, cap. XL, Attar aconselha-nos a comermos e a dormirmos menos e a despertarmos mais:
«Se te privares de dormir durante a noite e se não comeres durante o dia, poderás encontrar o que procuras. Procura até que te percas na procura abstendo-te de comer durante o dia e de dormir durante a noite. Não durmas, se estás à procura das coisas espirituais; mas se contentas de falar delas, então o sono convém-te. Guarda bem o caminho do coração, pois há ladrões à volta. O caminho está cercado por ladrões do coração, preserva portanto a joia do teu coração destes bandidos.
Quanto tiveres a virtude de saberes guardar o teu coração, o teu amor pela ciência espiritual manifestar-se-á prontamente. Este conhecimento virá indubitavelmente à pessoas que vigia no meio do oceano do sangue do seu coração. Aquele que suportou longamente a vigília tem o seu coração desperto quando se aproxima de Deus. Já que é necessário privar-se do sono para ter o coração desperto, dorme então pouco a fim de conservares a fidelidade do coração.Tu deves repetir a ti mesmo, quando a tua existência se estilhaçar: «Aquele que se perde no Oceano dos seres não deve deixar escapar um gemido de queixa. Os amantes verdadeiros partiram todos para o mergulho do sono inebriados de amor. Bate na cabeça, pois os seres excelentes fizeram o que tinham a fazer. Aquele que realmente tiver o gosto do amor espiritual possui na sua mão a chave dos dois mundos».
E terminemos com o capítulo final, estimulando-nos a não temermos a misteriosa, fana, extinção, e com o começo do seu epílogo, em que se despede de nós:
«Quando o sol da pobreza ou nudez espiritual brilhou sobre mim, ele queimou os dois mundos mais facilmente que se fosse um grão de milho painço [millet, cereal muito rico que se vende bom e biológico na Miosótis, em Lisboa). Quando vi os raios desse Sol, não fiquei isolado, a gota de água retornou ao Oceano.
Ainda que no meu jogo eu por vezes tenha ganho e outras perdido,  acabei
todavia por deitar tudo na água do Oceano. Fui apagado, desapareci; nada restou de mim mesmo; não era mais do que uma sombra, não restou de mim o mínimo átomo. Era uma gota perdida no oceano do mistério e actualmente nem sequer encontro esta gota. Ainda que não seja dado a toda a gente desaparecer assim, pude-me perder na aniquilação, com muitos outros que foram como eu. Há alguém no mundo, do peixe à lua, que não deseje aqui perder-se?
Epílogo, começo:
«Ó tu que avanças no caminho espiritual, não leias o meu livro
como uma produção poética ou de magia, mas lê-a como se relacionando com o amor espiritual, e julga, por uma só sensação do teu amor, o que podem ser as minhas cem dores amorosas. Lançará até à meta a bola da felicidade, quem ler este livro animado deste amor. Deixa lá a abstinência e a vulgaridade; aqui só é preciso o amor, sim, o amor e a renúncia. Quem possui este amor, não tem outro remédio que renunciar à sua alma» e avançar no amor para ver ou encontrar Simurgh.
  Perguntada a mestra poupa, por uma ave, o que se podia oferecer, ou com o que se deveria chegar, ao divino Simurgh, respondeu ela: «Leva o ardor da alma e o esforço do espírito, porque ninguém deve dar outra coisa.»

terça-feira, 20 de março de 2018

A Primavera e o Amor dos livros aproximam e inspiram as pessoas criativamente. Da biblioterapia e criatividade.

1º dia da Primavera: o Amor dos Livros aproxima e inspira as pessoas. 
20 de Março de 2018, Nowruz!
Livraria Gostar de Ler, de Lurdes Paiva, no Porto.
 Os livros,  sendo quantitativamente no planeta os seres mais estáveis e sábios embora ora controversos ora calmos, qualitativamente são muito  catalizadores de movimentações e encontros, seja na pessoa em si mesma que os lê, seja nas livrarias onde entramos e apreciamos, seja nas apresentações que fazemos ou assistimos, seja ainda nos diálogos ou debates à volta deles.
Em si próprios, na verdade, os livros, enquanto meios de comunicação de ideias, sentimentos, vivências, imaginações e imagens, são bem poderosos em despertar nas almas leitoras respostas de afinidades que não se limitam ao espaço e tempo actual e ao dinamismo transformador que podem ocasionar, mas também recuando-as e ligando-as a seres antigos e pelo que podemos assim encontrar pessoas apaixonadas por escritoras e escritores, heróis e heroínas, ou por tempos  e épocas, já remotos da História da Humanidade.
Mas também são grandes catalizadores no presente e há muitas pessoas que por afinidades no amor aos livros ou a autores  se comunicam desde grandes distâncias e trazem ao de cima por essa afectividade partilhada não só estímulo na leitura, investigação e diálogo de certos temas, autores ou livros mas também uma qualidade cardíaca ou anímica valiosa, que é a de tornarem-nos almas inspiradoras e fortalecedoras, reciprocamente, da criatividade e voluntariedade pelo bem e a beleza, a verdade e o amor.
Este amor ou amizade entre os que amam os livros e a sua sabedoria proporcionou ao longo dos séculos valiosas correspondências afectivas ou amorosas que se concretizaram em cartas, artigos, textos, livros, telepatias, dedicatórias, presentes, etc... E que por sua vez podem dar origem a novos livros que manifestam essa reciprocidade amorosa e sábia, seja apenas na reprodução da correspondência, seja ainda em vida em trabalhos a dois, livros gerados nupcialmente ou cooperativamente...
No fundo arquetipicamente o livro  existe como transmissão de algo por amor aos seres, e está sempre, com o espaço branco da sua potencialidade em múltiplos níveis, apelando aos escritores e futuros leitores. Daí a febre da escrita de alguns, ou a admiração de outros por grandes obras e autores, participantes mais ou mesnos conscientes desse apelo primordial ou imemorial que atravessa a noite dos tempos pedindo que a palavra e a luz se façam, se comuniquem, invoquem e evoquem...
De igual modo os seres amam os livros  não só porque serão abençoados ou harmonizados pela palavras neles contidas mas também porque as pessoas são também livros, nelas se escrevendo ou imprimindo diariamente o que foi dito e pensado, sentido e vivido, numa escrita invisível que só alguém mais clarividente poderá discernir, adivinhar, intuir...
Algo disso manifesta-se no simples diário que milhões de seres ainda cultivam e que tem de quando em quando a sua intensidade aumentada, gerando poesia, sentida para alguém ou para certos seres, coisas, ideias, ideais, mas que preserva da efemeridade do dia a dia cada vez mais vertiginoso algumas palavras, imagens, cores, sons, ritmos, intuições, para uma certa perenidade, como o livro em geral permite..
No fundo os livros, já escritos ou impressos, ou ainda virtuais, potencializam desabrochamentos e trocas de ideias, de sentimentos e energias anímicas entre as fontes de inspiração e os autores, leitores e comentadores, num emaranhamento imenso entre o passado, o presente e o futuro de milhões de seres potencialmente afectados, inspirados, fortificados, curados, iluminados por tais livros.
Há seres que têm fios de ligação com muitos seres ou assuntos e estão constantemente a gerar impulsos, visões, ideias e logo páginas de escrita neles ou noutros e que um dia poderão tornar-se livros. Mas, de novo, só alguém muito clarividente é que poderá intuir que tal conversa ou tal vivência interior irá aparecer numa página de um livro futuro, ou que dela se gerarão acções bem valiosas e criativas, e de novo em  livros reflectidas, incorporadas, ligando quem sabe o a terra e o céu, os inspiradores e os escritores.
  Claro que a melhor fonte de inspiração é a Divina e não é por acaso que os livros mais lidos do mundo, como a Bíblia ou o Alcorão foram tidos, sobretudo antigamente e antes dos estudos críticos e intertextuais. como escritos por revelação divina. E embora não saibamos bem os meandros da sua feitura e inspiração, sabemos que certamente nenhum deles foi escrito ou revelado por Divindade, e que devemos nós tentar religar-nos ao espírito e à Divindade, na nossa interioridade e também pela leitura desses e outros livros  inspiradores. E, quem sabe ainda, para algumas pessoas,  pela leitura-escrita daquele livro da nossa vida que desentranhamos do nosso peito, aspiração e amor.
Para isso é fundamental volta e meia fecharmos os olhos, silenciarmos e tentarmos tornar-nos um eixo entre os mundos e abrir-nos à inspiração espiritual, nem que esta seja apenas acalmar-nos, centrar-nos, e dessa ora multiplicidade ora unidade podermos discernir melhor que pensamentos e sentimentos iremos em seguida desenvolver, que páginas escrever, que livros avançar.
Todos nós já sentimos também como humanamente podemos ser inspirados quando alguém nos responde a algum escrito ou livro de modo apreciador e como isso pode potenciar a nossa criatividade. 
E quando essa pessoa é alguém que nós gostamos, ou sentimos com mais afinidades comuns, tal apreciação pode suscitar mesmo o desabrochar de sentimentos interiores e, logo de imagens e palavras que alguns mais sensíveis poderão mesmo sentir como orações ou poemas brotando nas suas almas e se evolando para essa pessoa e para o Cosmos: "Graças, graças, graças", as Três Graças, isto é, "escreveu, apreciou, agradeceu e elevou", assim se contribuindo para o Grande Livro invisível do Amor.
A almas dessas quereria agora que este texto fosse sentido como contendo flores e perfumes, cantos de pássaros e brisas primaveris, determinações e coragem, neste dia da Primavera de modo a que elas possam abrir as janelas das suas almas e inspirarem-se, sentirem-se e determinarem-se mais criativamente e melhor para o Bem Comum e Cósmico...
Visualizo em abstracto uma alma leitora ideal e tento-a a sentir na sua inteireza e verticalidade, unidade única e graciosa, e para ela ergo a taça do  Graal plena do vinho do Amor divino na palavra e aos seus lábios e ouvidos faço chegar esta invocação da substância divina no Cosmos,  tão cantada pelos melhores poetas do Oriente do Ocidente, tão impregnada em milhões de inscrições e gravuras, páginas e livros..
Almas muito afins, as duas páginas de uma folha, num diálogo unificador de um poema de descobrimento e amor, o vento soprando inspirações e folhas, deixando-as abertas onde elas devem mais profundamente escreverem, escreverem-se...
Possam as páginas todas dos livros das nossas bibliotecas estremecer um pouco de amor, possam as nossa almas expandir-se e abranger todos os livros que lemos ou que leremos, que tocamos ou tocaremos e assim intensificar-se a energia vibratória amorosa em todas as salas, estantes, livrarias, bibliotecas e almas. 
Possa nelas se sentir o grande oceano do Amor-Sabedoria Divino que a todos nos envolve e substancia...
A  leitura, a escrita, a poesia que pode erguer-se em cada ser a cada instante é única nesse momento, a isto chamavam os japoneses ichi-go ichi-e, e felizes os que sabem criar, receber ou merecer as melhores conjunções e espirais de energias que soltarão as liras e as ressonâncias das cordas anímicas da beleza, sabedoria e amor.
 De tal modo que vendo-as ou ouvindo-as interiormente ou intuitivamente, possam depois reproduzirem-nas em palavras e ritmos, imagens e ideias, animando orficamente os livros, a Terra, as almas e espíritos, na Fraternidade humana e na Unidade primordial e divina...