sábado, 21 de maio de 2022

Rabindranath Tagore, um poema do "Gitanjali" (Where the mind is without fear) em cinco versões, e com a voz dele num belo documentário do swami Tadatmananda.

Rabindranath Tagore (7/5/1861-7/8/1941, Calcutá), a grande alma bengali, o poeta maravilhoso da natureza e da espiritualidade, o artista de teatro, música e pintura genial, que recebeu o prémio Nobel da Literatura no Inverno de 1913 pela sua obra Gitanjali, Cesto de Flores, ou Oferenda Lírica, teve entre nós grande sucesso, não só na sua obra literária como também como pensador, como lutador pela liberdade, e destacaram-se entre os seus admiradores ou discípulos um grupo de estudantes indianos ou de amantes da Índia, que em Coimbra mas não só dinamizaram a tradição cultural e espiritual,  e que em artigos, traduções e obras partilharam a vida e obra de Rabindranath Tagore. Vários textos e efemérides deste blogue estão consagrados seja a Rabindranath  seja a tais seres, e nomearemos apenas Adeodato Barreto, Telo de Mascarenhas, Lúcio de Miranda e Tudela de Castro, tal como referi recentemente no artigo sobre Tudela de Castro e Shantiniketan, onde há muitos anos eu também peregrinei. 

Ora ao pesquisar sobre  Tudela de Castro encontrei na net um artigo interessante sobre a recepção ou tradução de um poema importante e sempre actual de Tagore, tanto por Tudela de Castro, como por Adeodato Barreto e pelo brasileiro Gasparino Damata, pelo que decidi juntar a minha visão-tradução, que será então a última da série, embora viesse ainda a transcrever a versão bastante livre de André Gide em francês. Será valioso para um comparativista. Já com o artigo quase pronto, numa sincronia bem luminosa, fui encontrar um documentário sobre Rabindranath Tagore que contém este poema (publicado em 1913, como a sua aspiração-visão da Índia já livre do colonialismo inglês) na voz dele próprio, quando o disse em 1917 na abertura do Congresso Nacional Indiano em Calcutá, com voz patriótica e fermente, e que poderá ouvir no vídeo no fim a partir de  16:30, embora seja muito bom todo o documentário realizado e partilhado por  Swami Tadatmananda, do Arsha Bodha Center, no seu canal de youtube, com a sua voz serena.

Do Gitanjali, poema XXXV,  pelo despertar libertador do seu país.

«Where the mind is without fear and the head is held high,
Where knowledge is free,
Where the world has not been broken up into fragments
By narrow domestic walls,
Where words come out from the depth of truth,
Where tireless striving stretches its arms towards perfection,
Where the clear stream of reason has not lost its way
Into the dreary desert sand of dead habit,
Where the mind is led forward by thee

Into ever-widening thought and action,
Into that heaven of freedom, my Father, let my country awake.»

A versão francesa de André Gide, que leio num exemplar da 2ª edição, de 1914, é valiosa, mas lá está o erro de traduzir mind por esprit, que aliás os outros também cometeram e que nem corresponde ao bengali original nem ao próprio inglês de Rabindranath. A fotografia contém um artigo de jornal da época e uma das folhas inseridas, certamente com alguma carga sentimental, por entre a intimidade secreta do interior do livro, mas que infelizmente nos escapa..

"Là ou l'esprit est sans crainte et où la tête est haut portée;
Là où la connaissance est libre;
Là où le monde n'a pa été morcelé entre d'étroites parois mitoyennes;
Là où les mots émanent des profondeurs de la sincerité;
Là où l'effort infatigué tend les bras vers la perfection;
Là où le clair courant de la raison ne s'est pas mortellement égaré dans l'aride et morne désert de la coutume;
Là où l'esprit guidé par toi s'avance dan l'élargissement continu de la pensée et de l'action -
Dans ce paradis de liberté, mon Pére, permets que ma patrie s'éveille."
 

 A versão do Tudela de Castro provém duma conferência na Sociedade Teosófica de Portugal, proferida no  dia 11 de Maio de 1923, acerca de Rabindranath Tagore e de Shantineketan, o seu centro pedagógico,  e publicada em livro. E oiçamo-lo:

«Lá, onde o espírito está sem receio e a fronte erguida;
Lá, onde o conhecimento é livre;
Lá, onde o mundo não foi dividido por estritas paredes;
Lá, onde as palavras dimanam das profundezas da sinceridade;
Lá, o esforço infatigável estende os braços para perfeição;
Lá, onde a razão clara não se afastou mortalmente para o árido e triste deserto da convenção;
Lá, onde o espírito por ti guiado se alarga na expansão continua do pensamento e da ação;---
Nesse paraíso de liberdade, meu Pai, permite que a minha pátria acorde.»

         

No 1º número da Índia Nova, dado à luz pelo Instituto Indiano  na Universidade de Coimbra, fundado por Adeodato Barreto (1904-1936)  e Telo de Mascarenhas (1899-1979), saiu outra tradução, por Telo Mascarenhas, reproduzida em cima e que transcrevemos:

«Lá onde a fronte se ergue altiva e o espírito vive tranquilo;
Lá onde o conhecimento é livre;
Lá onde o mundo se não fragmentou ainda entre estreitas e acanhadas muralhas;
Lá onde as palavras se brotam das profundas da sinceridade;
Lá onde o esforços incansável estende os braços para a perfeição;
Lá onde a corrente límpida da Razão não sofreu ainda um letal desvio para o árido e sóbrio deserto do costume;
Lá onde espírito guiado, por Ti,
Avança para o alargamento contínuo do pensamento e da acção;
Nesse paraíso de liberdade, meu Pai, permite que a minha Pátria desperte !»

                                        

 No Brasil, Gasparino Damata traduziu Gitanjali e portanto este poema em 1969, para a  Coordenada Editora, de Brasília. Oiçamo-lo:

 «Onde o espírito vive sem medo e a fronte se mantém erguida;
Onde o saber é livre;
Onde o mundo não foi dividido em pedaços por estreitas paredes domésticas;
Onde as palavras brotam do fundo da verdade;
Onde o esforço incansável estende os braços para a perfeição;
Onde a fonte clara da razão não perdeu o veio no triste deserto de areia do hábito rotineiro;
Onde o espírito é levado à tua presença em pensamento e acção sempre crescentes;
Dentro desse céu de liberdade, ó meu Pai, deixa que se erga a minha pátria.» 

Finalmente a minha versão:

«Onde a mente não tiver medo e a cabeça for mantida alta,
Onde o conhecimento é livre,
Onde o mundo não está partido em bocados por estreitos muros domésticos,
Onde as palavras brotam da profundeza da verdade,
Onde o esforço incansável estende os braços para a perfeição,
Onde a corrente clara da razão não perde o seu caminho
Na temível areia do deserto dos hábitos mortos,
Onde a mente é por Ti impulsionada para pensamento e acção sempre mais abrangentes,
Neste céu de liberdade, minha Fonte Divina, que o meu país desperte.»
 
Saibamos libertar a alma ou psique nossa, e contribuir para a da Pátria-Mátria, das ignorâncias e narrativas mentirosas, injustiças, opressões e medos. Despertemos fraterna, criativa, búdica e libertadoramente, e em aspiração-comunhão da Divindade e seus elos mais luminosos, tal a Ishta devata e as grandes almas, como Rabindranath Tagore. Aum... Que nos inspirem e abençoem...

                     

2 comentários:

Isabel Simoes disse...

Pedro gostei muito e li as várias versões

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Graças muitas, Isabel. Sincronicamente publiquei hoje mesmo no Youtube uma gravação sobre Ramakrisna Paramahansa, outro grande mester indiano, em que falo do encontro dele com o pai de Tagore, Devendranath: https://youtu.be/EyMbX1JXGwQ Talvez escreva um texto para o partilhar para o blogue. Boas inspirações!