sexta-feira, 20 de maio de 2022

A mensagem pedagógica de Rabindranath Tagore e "Shantiniketan", por Jaime Tudela de Castro e comentada em vídeo por Pedro Teixeira da Mota.

Rabindranath Tagore, o sábio indiano de Bengala, que foi mesmo prémio Nobel da Poesia em 1913, poucos meses depois do sucesso mundial da sua obra Gitanjali, traduzida por si mesmo para inglês, ganhou nos anos e  décadas imediatas grande voga na Europa e em Portugal, entre nós  destacando-se alguns seres na sua recepção e divulgação, ou porque eram indo-portugueses, goeses em geral, ou porque a espiritualidade e beleza da vida e obra do grande escritor e poeta lhes tocava. 

 Destacaremos como os pioneiros, pelos seus escritos e publicações, Adeodato Barreto  que na sua obra a Civilização Hindu,  de 1935 (reeditado pela Hugin em 2000, bem contextualizado), destaca "Rabindranath Tagore, o apóstolo da união espiritual e do intercâmbio euro-asiático, cria e mantém em Shantiniketan, uma universidade internacional procurando cimentar a fraternidade e a mútua compreensão das duas grandes civilizações", Santana Rodrigues, n' A Índia Contemporânea, de 1926, Telo de Mascarenhas, com Rabindranath Tagore e a sua mensagem espiritual, de 1943, Lúcio de Miranda, Índia e Indianos, de 1936, onde há um extenso capítulo dedicado ao rishi, ou poeta, e Tudella de Castro, com o seu Shantiniketan, que iremos abordar. Anote-se que a revista do movimento democrático Seara Nova, fundada em 1921, teve a sua Secção Indiana, onde alguns deles colaboraram, e  serviu mesmo de editora de suas obras, tal a Civilização Hindu, em 1935, de Adeodato Barreto. De realçar ainda no 1º número do jornal Índia Nova, publicado em Coimbra, em Maio de 1928, uma carta original e um poema de Rabindranath Tagore (traduzidos por Telo de Mascarenhas) a preencherem a 1ª página. 

Quanto a Jaime Tudela de Castro, o autor da obra, sabemos  pouco, e do que escreveu apenas me chegou ao conhecimento a palestra proferida no dia 11 de Maio de 1923 na sede lisboeta da Sociedade Teosófica em Portugal e que foi dada à luz uns meses depois em livro num in-8º oblongo de 65 páginas, ilustrado com a fotografia de Rabindranath Tagore, partilhada por nós ao alto, e que podemos assim ler e anotar, gravar e comentar.  

                            

Anoto contudo os valiosos dados biográficos de Jaime Tudela de Castro, apresentados por Júlio Cortez Fernandes no seu blogue Aguadouro, no qual menciona ter nascido em 20-VIII-1878, na Pampilhosa da Serra, e ter vindo a licenciar-se em Lisboa em 1903, ter colaborado na revista Branco e Negro e ter sido valioso médico pediatra em Lisboa, em clínica privada e na Santa Casa da Misericórdia, com vasta obra social nos lactários e estivadores, tendo casado como Dona Alice Macedo Tudela de Castro, mais nova do que ele 17 anos, e vindo a morrer sem descendência, em 19-I-1944, em Lisboa. É do blogue de Júlio Cortez Fernandes que extraímos ainda, agradecendo de antemão, a fotografia de Jaime Tudela de Castro.


Intitulada Shantiniketan (O Asilo da Paz) agrega três aproximações: A Epopeia Hindu, a Pedagogia Heroica e Shantiniketan. Na 1ª apresenta a sua visão da Índia como o local onde o ser humano primevo se desenvolveu e onde grandes almas espirituais elevaram os seus cantos ao Ser omnisciente e a Agni, o Fogo Espiritual Supremo,  donde o "grito" ou lema Ex Oriente Lux, foi iluminado e corroborado por várias obras que enumera, dos Vedas e Upanishads à Bhagavad Gita e ao Lalita Vistara budista, e por três seres fundamentais Rama, Krishna e Buddha.
Algumas das fontes onde bebeu Jaime Tudela de Castro para esta palestra e artigo estão mencionadas no decorrer dela, seja livros de Rabindranath Tagore, seja autores franceses e ingleses, admiradores ou discípulo do genial escritor e artista, embora haja neste 1º capítulo alguns sinais de que influências francesas, talvez de Saint Yves de Alveydre, e logo do seu mestre Fabre d'Olivet, estarão por detrás da visão histórica dos primórdios civilizacionais e religiosos da Índia, que Tudela debuxa à laia de introdução.
No 2º capítulo Tudela de Castro vai aproximar-se bem de "Tagore na
vida. Sua Pedagogia. Poeta. Músico. Sua Filosofia. Sua Religião. Seu Patriotismo", e poderia ter acrescentado o Pintor, pois também desenhou e pintou bastante, tal como o seu irmão Abindranath Tagore. 
 
Uma pintura de Rabindranath Tagore, em geral bastante catárticas das tristezas que atravessou.
Depois de traçar a sua vida, nascido a 6 de Maio de 1861 do grande sábio Devendranath Tagore, numa família principesca, culta, espiritual,   bastante sofrida pela morte da mulher e dos dois filhos mas com grande sucesso como poeta, intelectual e figura moral reconhecida universalmente, um mestre, Tudela Castro vai discernir com sensibilidade os originais valores pedagógicos vividos por Rabindranath Tagore, e diz-nos deles: «Duas coisas são acima de tudo necessárias aquele que quer compreender a função do educador: uma natureza infantil  que possa vibrar em uníssono com a criança e captar-lhe a simpatia, e uma afeição paternal que lhe alimente a chama viva - principal e única manifestação desse ser frágil - e que se denomina curiosidade, aspiração pelo saber», valorizando em seguida a consciência libertadora do poeta:«eu creio num princípio de vida e na alma do ser humano acima de todos os métodos. Julgo que o objecto da educação é a liberdade de espírito, que não pode ser obtida senão pelo caminho da liberdade - ainda que esta tenha os seus riscos e responsabilidades, como a própria vida.» E complementa esta liberdade no conhecimento com uma ética viva e amorosa de harmonização com o que nos envolve: «Pode-se adquirir o poder pela ciência, mas é pela simpatia que se chega a uma plenitude de vida. A melhor educação não é aquela que se limita a informar-nos, mas a que nos harmoniza com tudo o que existe».  Esta empatia ou amor com que devemos olhar e sentir tudo o que nos rodeia, mormente as maravilhas na Natureza e dos seres, é sem dúvida muito importante de ser relembrado cultivado constantemente, pois é fácil e habitual deixar-nos prender-nos mentalmente em preocupações e conflitos e perdermos a irradiação natural do peito e do coração espiritual...

                                          A força do oriente vinda da poesia e das canções de Rabindranath Tagore

Quanto ao divórcio entre a informação intelectual e a vida espiritual, tão predominante na educação ocidental, lemos na gravação do vídeo partes importantes, restando-nos acrescentar as ideias certeiras de Jaime Tudela de Castro quanto ao segredo do sucesso de Rabindranath Tagore na educação das crianças ser o da simpatia por elas e a vontade de as tornar felizes, de modo que na escola de Shantiniketan «o medo e o constrangimento são preteridos pelo esforço de proporcionar-lhe todas as liberdades tendentes a facultar-lhe o despertar de boas energias existentes em todas elas em maior ou menor grau».
É bem valioso o resumo que Tudela de Castro faz do Jardineiro do
Amor, uma das obras primas de Rabindranath Tagore e onde ele canta e aprofunda o amor em si, entre o homem e e mulher e entre os humanos e os animais e a Natureza. Quanto a Gitanjali, Oferenda Lírica (da qual Fernando Pessoa possuía um exemplar, com uma anotação-sublinhado inicial e alguns esboços de tradução de poemas), e Sadhana, ou A Realização da Vida,  diz-nos que «são o testemunho mais concreto da sua constante comunhão com o Brahman», a Divindade. Já a Casa e o Mundo, também traduzida entre nós, considera-a como um magistral romance de crítica aos nacionalismos fanáticos, e finaliza sintetizando esta segunda parte da conferência e livro com um dos famosos poemas de Gitanjali, no qual partilha a sua visão da liberdade para a sua pátria-mátria, e que brevemente apresentaremos e comentaremos neste blogue.

A 3ª e última parte, a mais pequena, intitula-se A Escola de Tagore ou a vida do ashram e, embora na gravação de vídeo tenhamos lido e comentado alguns aspectos, acrescentaremos agora ainda em transcrição dois parágrafos valiosos: um no qual Rabindranath Tagore, acerca da metodologia de sucesso que um professor de 19 anos tinha com os alunos, escreveu: «ele lia-lhes coisas que a si próprio interessavam, sabendo perfeitamente que nunca é indispensável que as crianças as compreendam à letra e em todos os detalhes, mas o que o que é preciso é que os seus espíritos [e diríamos almas] acordem».
No texto logo a seguir  Jaime Tudela de Castro reflecte o seu amor às crianças, tanto mais que era pediatra, e  é bem valioso para quem
se interessa pelo despertar e orientar das jovens almas: «Efectivamente uma das inovações de Shantiniketan é a forma como ali se administra o ensino: a maior parte dos conhecimentos são adquiridos pela acção  indirecta do sub-consciente.  O extracto duma carta do Poeta diz: "Nós fiamo-nos mais na influência da Natureza sobre o sub-consciente, nas associações de ideias que o ambiente suscita e na vida diária de adoração que levamos, do que em qualquer esforço consciente para ensinar." E isto porque Tagore está convencido "que na criança a mentalidade inconsciente é mais activa do que o intelecto consciente..." que a necessidade fundamental é haver "uma atmosfera de cultura e não um método formalista de ensino".» E de facto podemos dizer que mesmo nos nossos dias, estas atmosferas harmoniosas e inspiradoras faltam bastante em muitos locais e instituições onde se ensina e aprende, onde se lê e dialoga, até porque muita gente liga pouco ao ambientes psíquicos e naturais em que está ou é envolvida, por falta de  autoconsciência e discernimento activos.
Rabindranath Tagore ensina de preferência os seus alunos a
aprenderem directamente pela contemplação das belezas da criação, deixando os livros para segundo lugar, pois como ele diz, " o livro tem os seus limites e os seus perigos. No período inicial da sua educação é sobretudo à Natureza que criança deve ir buscar o seu conhecimento.»
Concluamos: «Qualquer que seja o ideal dos habitantes do ashram,
pois entre eles há pessoas de religiões diferentes, uma única voz as une na sua oração suprema: "Shantam, Shivam, Advaitam", Paz eterna, Bondade Eterna, Único!», e que nos traduziríamos por Paz (shanti), Beatitude ou Felicidade (Shiva, embora Shiva signifique também um dos três Deuses da Trimurti, e auspicioso e consciência pura e beatífica) e Unidade ou não dual (Advaita)!

Anote-se que em três das vezes que compulsei ou li este livro de Jaime Tudela de Castro sobre a abóbada da Paz de Rabindranath Tagores, anotei-o, deixando-lhe assim uma valiosa marginália. Eis a da segunda, que hoje já 15/08/22, subitamente descobri e transcrevi: «Om, hoje 10 de Junho, Domingo, anotando na agenda [diário] para a nova viagem os escritos sobre Tagore, abro-te aqui, ò livro, ò incarnação passada. Cá estamos de partida, a 16 de Junho de 1995, para a Índia. Entre este escrito e o anterior quatro viagens à Índia, certa evolução espiritual, mas em quê? Desapego, não ilusão, aspiração a Deus, os livros [de inéditos de Fernando Pessoa] feitos e sobretudo uma capacidade maior de iluminação, que espero actualizar fortemente agora na Índia. Escrevo ao sol da Av. de Sintra 923, [Cascais]. Penso ir a Shantiniketan, vibrar lá, escrever e um dia voltar aqui a esta página e acrescentar as impressões e impulsões adequadas para mim e para ti. Om.»... 

19.VIII. 20023. Espero cumprir tal voto e  passar para o computador um dia destes, já que estive mesmo em Shantiniketan, alguns diálogos registados no diário manual dessa peregrinação à Índia em 1995.

E eis o vídeo acerca do livro, com suas partes lidas e aqui não transcritas:

                       

Sem comentários: