Fernando Leal, 1846-1910, numa fotografia de 1906, em Velha Goa. |
Fernando Leal, o desbravador de caminhos africanos, o tradutor e escritor de francês, o poeta e amigo de Antero de Quental, o militar valeroso, já regressado a Goa e casado (a conselho de Antero), quando atingira os 52 anos de idade deixou a sua inspiração anímica elevar-se em bênção, ou invocação de bênçãos para o novo bispo de Cochim, Mateus de Oliveira Xavier, doze anos mais novo que ele, e talvez com tanta força e justeza, que o prelado viria tanto a ascender aos mais elevados graus hierárquicos da Igreja na Índia e Oriente como a manifestar ao longo da vida todas as qualidades ou virtudes invocadas e auguradas por Fernando Leal, que assim cumpria a "sua missão" ou, como se diz na Índia, o seu swadharma, de poeta vidente, de rishi, capaz de ver nos planos espirituais e passar à palavra, ao ritmo, ao sentimento e à mente que movem, isto é, a tornar-se mensageiro e mensagem.
O
poema foi lido e comentado por mim, e encontra-se no vídeo fínal de dezoito
minutos, mas transcrevo-o em seguida, certamente discordando de pequenos aspectos, tal o apontamento distorcido da religião grega, tomando as nuvens por Juno, mas com outros bem valiosos, pelo que invocaremos as bênçãos dos dois, e
enviamos-lhes a nossa gratidão, lembrando que o bispo de Cochim nascera em Vila do Rei em 14 de Outubro de 1858 e viveu abnegadamente até 19 de Maio de 1929...
«Aceita neste dia o meu sincero preito,
Sincero sim, por vir de quem sempre é, por jeito,
Ensino e vocação, melhor fundibulário
Contra magnates maus, do que turibulário;
Mas tu mereces preito, homem simples e bom,
Erudito e modesto, e que falas em tom
Singelo e fraternal a fracos indigentes.
Teus modos são gentis, revelam quanto sentes
Com pureza e humildade, aproveitado aluno
Do humilíssimo Jesus.
Não tens ares de Juno,
O mito da altivez inepta e sobranceira,
A deusa vingativa, orgulhosa e altaneira
Do paganismo heleno, - ou ares de pavão
Que a si mesmo consagra um culto egoísta e vão.
Por isso te respeito, acato, prezo e admiro,
Apóstolo de Cristo!
A púrpura de Tiro
Fica-te bem a ti, e ficar-te-ia a palma
Como prémio devido à tua amável alma.
Sacerdote exemplar de virtudes singela,
Lembras de Zurbaran as sugestivas telas
com vultos monacais de pálidos ascetas,
Cismadores perfis de místicos poetas,
Teu rosto pensativo, espelho da tua alma,
Retrata claramente uma consciência calma.
Vai pois, manso pastor, aguardam-te as ovelhas,
Surgem para Cochim as cambiantes vermelhas
De uma aurora de paz, de crença, amor e esperança;
Piloto de almas, vai levar-lhes a bonança;
Com o farol da fé, vai salvar teus fiéis;
Livra-os do mar da vida e dos seus mil parceis [escolhos];
Cumpre a missão augusta, aponta-lhes a Cruz,
Mostra-lhe que só Ela ao porto nos conduz
Da bem-aventurança infinda e eterna glória;
E mostra-lhe que a vida é pausa transitória
Nesta navegação terrível do infinito;
Que além da morte deve estar o nosso fito;
Que a barca de São Pedro, açoutada pelas vagas,
Num tempo em que a ciência audaz lhe roga pragas,
Não pode naufragar; flutua, não soçobra,
Apesar da impiedade e sua infernal obra...
Vai. Dá pouco dinheiro a pompas vãs da Igreja,
E aos pobres muito, mas sem que ninguém o veja;
Deus quer a caridade, e quer sinceras preces,
P'ra que o diabo não lhe ceife humanas messes;
Mas não precisa Deus de festas dispendiosas;
O criador, que fez estrelas e fez rosas,
Tem o seu templo sempre ornado e perfumado;
É de abóbada azul e todo iluminado
Por candelabro, sois e alâmpadas estrelas,
Como templo nenhum do mundo pode tê-las.
Vai. Prega com a palavra e prega com o exemplo;
Torna fácil ao povo e amado o acesso ao templo;
Hipócrita não és, nem bonzo intolerante;
Tua alma é forte e sã, pura como um diamante;
Tu não olvidarás as procedências tuas;
Além da pátria eterna, o padre tem mais duas,
Aquela onde nasceu, e outra, a Roma Cristã;
Há quem olvide aquela... A tua mente é sã;
Amas a liberdade e a luz, por natureza:
Tu não renegarás a pátria portuguesa;
Honrarás o teu país nessa mesma Cochim
Que viu desbaratado o grande Samorim,
Com todo o seu poder, por um Pacheco intrépido.
*
Quando me lembro dos heróis de Combalão;
Que sublimes heróis, corações de leão!
Povo nenhum os teve assim, nem tem maiores
Que importa, ó pátria minha amada, que hoje chores
O teu abatimento?!
Eia! Ressurgirás,
Terra de meus avós! Bem cedo te erguerás;
Viram-te erguida já, numa atitude bela,
As estranhas nações - em Magul e Coolela!
Os tempos são enfim chegados: Portugal
Renasce, e esta nação revela-se imortal.
Salvé, pátria do Gama e Afonso de Albuquerque!
Se há traidor que te venda e chatim que te merque,
Desfarás com um sopro o pacto vil e os Judas;
No forte coração do povo teus te escudas...
Predestinado nome, é uma profecia.
Nome de evangelista, e apóstolo, Xavier;
Honra o nome que tens, prega a santa palavra;
O torpe sensualismo em todo o mundo lavra;
Combate-o sem quartel na tua diocese;
Faz que o teu rebanho o abandone e despreze.
E ele te elegerá, no fundo da alma, o povo,
Para seu bispo, como ao tempo em que era novo
O Evangelho, os fiéis nomeavam seus prelados,
E quando os dias teus estejam consumados
Eleja-te enfim Deus para a glória celeste,
Por o mal que evitaste e p'lo bem que fizeste».
Amas a liberdade e a luz, por natureza:
Tu não renegarás a pátria portuguesa."
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