Telo de Mascarenhas foi um notável pensador e escritor nascido em Mormugão, Índia portuguesa, em 1899, e que se veio a licenciar em Direito, na Universidade de Coimbra, em 1930, advogando e traduzindo depois, sendo a sua 1ª obra de poesia, Cantares de Amor. Dinamizador dos movimentos culturais goeses ou indianos em Portugal, podemos dizer que foi um valioso divulgador da sabedoria védica e hindu, já que nas suas obras partilha muitos conhecimentos do Sanatana Dharma, ou da Tradição perene da Índia e fê-lo com um grupo de goeses, nos quais se destacou Adeodato Barreto (3/12/1905 a 6/8/1937), fundando o Centro Nacionalista Hindu (em 1926, ainda antes do Estado Novo...), o Instituto Indiano, e a 7 de Maio de 1928 o 1º número do jornal Índia Nova, com as bênçãos em carta de Rabindranath Tagore, no artigo-editorial assinado por Telo de Mascarenhas, que as traduziu, tal como um poema. Deram à luz também as Edições do Oriente.
Se uma das suas obras, A Mulher Hindu, aparece bastante no circuito alfarrabista,o mesmo já não se passa com o seu livro impresso em 1937, nas tão cuidadas ou belas Edições Oriente, intitulado Kailasha. Contos e Lendas do Hindustão, onde no fim anota nas obras publicadas Cantares de Amor. E a sair brevemente: Índia Mística (Cristna e Buda). Claridades (Perfis e Debuxos), Parvati (Novela de costumes indús), O Pensamento Nacionalista da Índia Nova, que ficaram em projecto ou inéditas. O que publicou mais foram traduções de contos indianos e de obras de Rabindranath Tagore, recriações das lendas e histórias (Rama e Sita), bem como em 1943 a biografia Mahatma Gandhi, História da minha vida, que já deve ter feito comichão aos pulhígrafos da época....
Infelizmente a independência da Índia em 1948, se o fez regressar a Goa, e depois para Bombaim em 1950, onde viveu alguns anos feliz e dinâmico, acabou por o encaminhar para a prisão em Goa, em 1959, sendo depois enviado para Portugal, para a prisão de Caxias, donde só veio a sair em liberdade em 1970, quando o trocaram por um padre português o padre Chico (P. Francisco Monteiro), que se recusava desde 1961 a assumir a nacionalidade indiana e abandonar a portuguesa. Curiosamente, peregrinando na Índia, já há umas décadas estive com ele, o Padre Filinto Dias e o Padre Alberto de Mendonça, em animado diálogo, num lar para sacerdotes no Alto do Porvorém.
Embora tenha sido lastimável que as tão elevadas qualidades de Telo Mascarenhas tivessem sido tão oprimidas, pois só em 1970, com Goa livre do governo português, é que Telo de Mascarenhas pode inspirar e expirar livre e criativamente, até em 1979 partir para os mundos subtis, ficaram-nos contudo imorredoiramente alguns livros seus bem valiosos (o exemplar em cima com a sua bela caligrafia), e é do Kailasha que vamos transcrever a recriação da lenda de Uma Himavat que recentemente, num artigo dedicado a Sri Anirvan mencionáramos, pois este mestre (1896-1978), na sua primeira experiência espiritual, aos sete
anos, viu uma jovem de sublime beleza que o deixou siderado, sem saber se
era visão física ou visão espiritual, tornando-se-lhe um sinal do mistério divino, e a sua musa ou guia no caminho, chegando a dizer que «a
sua graça foi a luz da minha vida durante muitos anos», considerando-a uma visão da Deusa, da Mãe Divina, Uma
Haimavati, descrita na Kena Upanishad, e que teria sido fruto de uma visão intuitiva, prajna.
Ora Uma Himavati, que significa o brilho ou o resplendor dos Himalaias, ou da montanha gelada, e que a discípula e biógrafa de Sri Anirvan, Lizette Reymond, ao narrar porque é que seu mestre Anirvan escolhera tal nome para o ashram ou eremitério onde viveram cinco anos em Almora (onde eu passei indo para o ashram de Sri Krishna Prem, em Mirtola, e dialoguei com o seu discípulo Sri Madhava Ashish), Uma Himavat, explicou-o como a "brancura imaculada da neve que se derrama" na região himalaica. A esta Uma Himavat, mulher ou consorte de Shiva, a auspiciosidade, a quem eu dediquei um poema neste blogue, vai então Telo de Mascarenhas evocar, com a sua sensibilidade e sabedoria, a partir de uma das versões lendárias.
Oiçamo-lo então, com a flor ou graal do coração aberto e para vivermos mais em amor, e sintonizarmos os Himalaias, de que o Kailash é um dos picos mais altos (6.713 m.) e sagrados, e do qual Himavat é tanto o nome mítico da montanha, e do seu ser ou rei, ou ainda da sua contraparte subtil e espiritual, como assevera o autor da última imagem deste artigo, o pintor Bô Yin Râ:
Kailasha
O rei chamava-lhe Parvati; mas a rainha Menaka dava-lhe um nome mais doce, todo encanto, todo carinho - chamava-lhe Uma, quer dizer Mãe.[Ou esplendor, serenidade.]
Um dia Shiva, o Deus sábio, o Deu piedoso e mendicante que erra de porta em porta como o mais pobre dos mortais, chegou ao Himalaya, e quedou-se nas suas meditações longas e calmas como os picos alterosos das montanhas.
Parvati, a graciosa filha de Ménaka, pôs-se ao serviço de Deus, e todas as manhãs enfiava em contas grãos de lótus orvalhados em que Shiva rezava as suas orações.
Parvati amava Shiva, o Deus de cabeleira coroada do crescente e de flores de cássia, donde jorra o sagrado rio Ganges, e em sua honra pintou as unhas do laca, os olhos do anguru colírio, e pôs no seu coração virgem um fundo desejo de se unir a Ele, que era todo bondade, todo pureza.
Enfim, a Primavera aflorou as montanhas doirando as neves eternas e vestindo de galas pagãs a natureza, e o perfume ardente das flores do deodarà [cedro] a cuja sombra o Deus meditava, segredou-lhe o amor de Parvati.
E quando as suas longas e calmas meditações chegaram ao termo, Shiva entreabriu os olhos, e os seus olhos poisaram sobre Parvati sentada aos seus pés humilde e submissa, virgem e núbil como uma oferenda de sacrifício.
E kalpas após kalpas [ciclos de tempo], ao cair da tarde, acompanhado do coro divino, em que Sarasvati toca o viná, Brahmá, os címbalos marcando o compasso, Indra, a flauta, Vishnu, o tambor, e Lakshmi, uma flor de lótus na mão, entoa o cântico da tarde, e rodeado de todos os Deuses, Çulapani, o magnâmimo Deus Shiva, colocando a Mãe dos Três Mundos [físico, subtil e espiritual], a sua divina Esposa Parvati, no trono de oiro incrustado de pedrarias, dança a sua dança do crepúsculo na sua mansão, no cimo do Himalaya, na Montanha de Prata, no Kailasha.»
"Himavat", por Bô Yin Râ. |
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