quinta-feira, 20 de março de 2025

O uivar da noite, o yoga das mil gerações, e um poema-oração do amor ao Anjo e a Deus. Dum diário.

Smirnov-Rusetsky. Anjos de vigia.

Da demanda em diários antigos de encontros e diálogos com o Afonso Cautela, para o seu In-Memoriam, vou transcrevendo para o blogue alguns poemas-orações, ou pequenos textos:

«Retomo a escrita neste caderno [diário] pois o outro desapareceu há dias. Hoje são 6 de Fevereiro [de 1990], o vento cobriu a santa noite do seu desesperado uivar e arremessou-se contra as janelas procurando entrar nos quartos, camas e almas.
Acolhi a noite de braços abertos, enlacei-a
na minha procura de repouso e saúde.
Num dos sonhos alguém me dizia que o meu yoga, agora, tinha o poder das mil gerações. Ou seja, [penso eu], que vinha de várias reincarnações. [Ou então, que estou ligado a linhas de tradição imemoriais. Ou que a minha união ou yoga estava mais forte ou perfeita...]


Rezamos poucos, meditamos pouco.
Muito mais faziam-no os cavaleiros do Amor.
Os que nos falta para tal? O fogo do Amor?

Ó meu Deus, ajuda-nos a orar.
Abre-nos às tuas inspirações,
para a nossa alma a Ti se ligar
e aos santos, mestres e anjos.

Que as tuas forças desçam sobre nós
e sobre todos os que precisam delas.
Que a saúde, a paz, a alegria estejam connosco.
Que este novo dia seja feito com a tua Presença.

Ó meu Deus, quero-te amar mais,
quero ver e viver sempre a verdade.
Auxilia-me com o teu discernimento,
Anjo, torna-me mais clarividente.
 

quarta-feira, 19 de março de 2025

Um poema espiritual nos bosques de Sintra. Janeiro de 1993, numa estadia de seis meses na erma Quinta da Tapada.


Horas e dias de grande paz,
O Inverno é Primavera,
as árvores lembram-se da neve,
e sorriem às nuvens claras.

Os arbustos florescem satisfeitos
e o frio não os contrai tanto.
Há discernimento e respeito
nos crescimentos múltiplos de todos. 

O aroma é o do bosque sagrado,
a hora a do fim do dia.
O sol é uma mancha clara ao longe
e o cantar dos pássaros é vário:
atrevimento dos piscos,
receio cauteloso dos melros,
outros dão graças em zarzuelas.

O fumo da lareira é cinza no ar
volátil, caprichosa, perante os troncos imóveis.
Há alegria nos pássaros por verem-me escrever
e o cão não longe uiva de desconforto canino:
não pode voar nem falar.

As camélias estão em flor,
brancas de pureza, vermelhas do amor.
São como almas brotando da Árvore da Vida
e olhando e sentindo o Céu e o Sol distante
que se reflecte porém nas corolas.

Assim vou abrindo o meu coração às distâncias,
e encostando-me aos arbustos e troncos
firmo a minha coluna entre o céu e a terra
enquanto o pisquinho vem feliz aqui cantarolar.

Ao longe a fiada dos cedros do Líbano ou Himalaias
está quieta e serena, talvez com saudades das origens,
ou melhor, comunicando com as montanhas sagradas
pois esta serra de Sintra é também templo do Senhor.

Ó Divindade do Universo,
Talvez para ti se engalanem as árvores e bosques,
se torçam e moldem troncos e ramos,
esvoacem e cantem os passaritos.
E nós humanos aqui perdidos,
os pés e sapatos presos à terra,
nos pensamentos desgarrados
e nas palavras fúteis e inconsequentes.

Dá-nos a Tua Graça, ó Divindade,
para que a alma ressuscite do seu torpor
e o Espírito brilhe, fulgurante na noite,
e a nossa mente se torne capaz dos mistérios
e segredos que todo o universo moteja.

Em frente de mim está uma távola redonda
e estou só no entardecer friorento.
As lides do mundo prosseguem desastrosas
e uma camélia cai poderosa pela gravidade.

Camelot, cameleira, cabe onde a tua alma?
Onde a encerraste e limitaste?
Abro os braços a Deus, ao Infinito,
aos mundos distantes e a todos os contrários
e quero tornar-me Amor divino e eterno.
E assim me ergo do bosque

e me tenho firme e só Um. 

Viro-me para as costas do poente
e Vénus a estrela da tarde brilha já.
Dar-vos-ei o meu luzeiro, disse o Senhor
aos que se abrirem a mim em verdade.

Abro bem o peito e os olhos
e comungo com os seres que lá habitam.
Em corpos subtis nos visitamos,
e estou sob um chuveiro de raios e cintilações.

Há tantos mundos e seres no Universo
que devemos é estar desapegados de tudo
e de noite no corpo subtil partir e voar,
com o Alto e o Divino comungar.

E assim me despeço deste dia e de vós:
cesse o canto das palavras e pássaros,
caia a quietude e interioridade da noite
e entremos na paz da Unidade Divina.

terça-feira, 18 de março de 2025

Do vero conhecimento, ligação e amor aos Anjos. Contributos actuais.

                                        

Meditação nocturna razoável. Foquei no Anjo: o Anjo está ao nosso lado, e pode interpenetrar a sua aura com a nossa. E provocar até um pequeno choque vibratório electro-magnético. E pode estar por cima de nós, e atrás de nós, como que sobrepujando-nos. Vive numa pluridimensionalidade e subtileza maior que a nossa.

O anjo não olha para Deus externamente, pois a Divindade está em si internamente.
E não precisa de alimentos porque recebe constantemente a luz divina ígnea e amorosa.

O anjo não pode fazer tudo o que lhe pedimos, mas derrama ou deixa sair de si ou através de si sempre certas energias da sua presença e ser, e da Divindade, quando o invocamos. Temos é de preservar algum tempo para as conseguirmos sentir ou ver, ou acolher. Depois há que complementar o que recebemos pela acção física irradiante nossa. E cultivar alguma gratidão por eles...

A visão dos anjos e demais espíritos celestiais, provinda do Irão mas presente na maioria dos povos, sofreu influências da filosofia e cosmovisão grega, sobretudo do neoplatonismo de Proclus, e gerou no Cristianismo as dez ordens, que na realidade não existem como tal nem com as atribuições variáveis que lhes fizeram, desde os primeiros tempos do Cristianismo já doutrinário e em que dois tipos de escalonamentos ou graus hierárquicos foram apresentados, os de S. Gregório e de Dionísio Areopagita, até aos últimos tempos em que estamos no qual a proliferação da comercialice abateu todos os muros do bom senso e da sabedoria, como vemos em tanto livro estilo new age sobre Anjos, tais os de Doreen Virtue, Monica Buonfiglio, Sylvia Browne e Haziel, e sobre os quais escrevi alguns artigos, tal: https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2017/08/livros-sobre-anjos-os-melhores-e-os.html

Para além dos Anjos e dos Arcanjos, que nos são acessíveis,  e os níveis mais elevados conhecidos como Querubins e Serafins que se admitem como reais, praticamente tudo o que se diz ou escreveu sobre as diferentes hierarquias é pouco de clarividência segura e muito de imaginação, especulação.

Devemos contar com o nosso Anjo da Guarda, e os anjos e arcanjos com diferentes capacidades ou funções, como os da inspiração, da cura, da fortaleza, da liberdade, e mais vastos os da nações, povos e estados. Sobretudo importante e mais acessível é o Arcanjo de cada país, e devemos saudá-lo ou sintonizá-lo com regularidade.

Os anjos tem uma aura especial, luminosa, intensa, e para os recebermos seja os nossos ambientes externos como internos do nosso coração e desejos devem estar o mais harmoniosos, limpos e luminosos possíveis.

Um ser ou um local em que se invocam com regularidade os Anjos permanece com uma vibração mais delicada, grave, serena.

Se abrimos com regularidade o nosso coração aos Anjos, brotam mais facilmente mantras ou jaculatória luminosas do nosso peito e o mundo espiritual interior abre caminho até à nossa consciência, e qualidade dos sonhos melhora.

Se os invocamos, os Anjos podem assistir e cooperar nos nossos empreendimentos e demandas. Por isso se rezava, cantava logo de manhã ao Anjo da Guarda. Em verdade, ao o saudarmos e meditarmos, estamos a elevar a nossa mente e alma, no fundo a angelizá-la, ou seja a fazê-la comungar mais com o Logos divino, a essência do Anjo, mensageiro da Divindade entre nós...

 Temos pois de lhes prestar mais atenção, amor, aspiração, no dia a dia, ou em certos momentos tal o matinal,  o que não é fácil dada a pressa ou a dispersão em que nos movemos ou nos envolve. Termos então algumas imagens dos Anjos na nossa casa, quartos, computador é benéfico, pois esabilizam quartos e salas, sobretudo se as contemplamos e com elas e a elas oramos

"Meu Deus, meu Anjo," é uma jaculatória que se pode repetir frequentemente e com bons efeitos.

Outra é "Anjo da Guarda, Arcanjo de Portugal (ou do Brasil), Deus ou Divindade, eu vos amo e invoco."

Boas respirações, inspirações e visões angélicas! Boas irradiações de discernimento e justiça, de alegria e paz para tanta gente ainda amilhazada. Lux, Pax, Amor!

                            

segunda-feira, 17 de março de 2025

Da razão de ser, riqueza, utilidade e limitações das religiões, e da nossa missão fraterna e espiritual nelas.

                         

As religiões, fundadas ou originadas seja por milenares práticas  de culto das forças e elementos da Natureza, dos espíritos e dos deuses, seja por grandes almas (mahatmas, mestres, profetas, videntes), são dinâmicas de comunhão ou religação cósmica, espiritual e divina e   e estimulam a instrução, educação, aperfeiçoamento e individuação de cada ser, numa pluridimensionalidade física, higiénica, ética,  moral, psíquica, estética e espiritual. 

As religiões tentam estimular as pessoas a aprenderem mais sobre os fundadores, elas próprias e os outros seres e prcessos da Natureza, e sobre os mistérios da vida e da morte, do Cosmos infinito, da Divindade, bem como a vencerem os seus medos e limitações, e assim desabrocharem, aperfeiçoarem-se, iniciarem-se, cooperarem criativa e solidariamente no Cosmos e a sua Ordem. Mas nunca são auto-completas ou suficientes, pois cada uma teve uma origem histórica, geográfica, civilizacional e presta apenas contribuições específicas para o aperfeiçoamento pluridimensional das pessoas que nelas nascem ou as contactam e logo dos povos em que florescem e se conservam, fornecendo-lhes sobretudo certas concepções e cerimónias, orações e práticas que as podem estimular nos seus caminhos de vida, do nascimento à desincarnação.

Um dos erros das religiões, e que afasta pessoas,  é pretenderem alguns dos seus crentes ou dirigentes que elas são perfeitas ou completas, ou as melhores, pois por tal tendência tornam-se competitivas e opressivas, conflituosas e supremacistas, fundamentalistas até, e afastam-se de poderem ser centros de dinamização de espontâneas atrações e vias, ligações e aprofundamentos, realizações espirituais e divinas,  as quais têm sempre de ser individualmente  experimentadas e vivenciadas,  e idealmente em comunidade e em multi-culturalidade, em diálogo ecuménico, como nos nossos dias está tão facilitado...

Mas talvez o maior erro ou drama das religiões seja o das pessoas esquecerem-se que as verdades ou realidades atingidas ou realizadas por tais grandes seres, que se guindaram a certos níveis espirituais, a  determinadas expansões de consciência, e a estados de grande amor ou mesmo ligações divinas, donde emanavam ou agiam eficazmente sobre quem  contactavam, não basta hoje serem serem lidas nos registos dos livros sagrados, ou seguidas nos seus dogmas, ritos e orações, pois elas tornam-se pedras penduradas ao pescoço dos que nelas crêem e se satisfazem desleixando-se da demanda e prática interior psico-espiritual que as realiza, algo que em geral apenas os mais devotos e místicos prosseguem com perseverança diária, e alcançam...

Cada religião, na sua riqueza histórica de tradições e realizações, arte e filosofia, meditações e orações, deveria, depois de ser estudada, conhecida, praticada,  alquimizar-se em cada ser como uma bússola de auto-gnose, um canal de abertura ao alto, uma luz sempre acessa, um termómetro da ligação pessoal com o espírito, ou com a consciência expandida que cada um deveria alcançar, e ainda na ligação com os Anjos, os antepassados, a Divindade,  a Harmonia Cósmica. 

Algumas pessoas pensam deter um conhecimento ou uma relação com Deus, por vezes muito familiar,  mas se cada uma se examinar sinceramente descobrirá que em geral se ilude quanto à sua profundidade ou realidade,  e o fogo do seu amor poderá estar até bruxuleante e a luz que lhe chega ou gera ou emana ser insuficiente para estar plenamente  desperto seja agora na Terra seja nos mundos subtis e espirituais quando desencarnar.

Estamos numa época de crescentes comunicações, interrelações e sínteses, nomeadamente das descobertas científicas, da física quântica, as neurociências e os dados de clarividentes, místicos e iniciados. Elas acontecem mais  com os indivíduos que não se deixam alienar ou absorver pela sociedade dos espetáculos e da informação superficial nem se prender em dogmatismos e antes, abarcando vários domínios do conhecimento interior e exterior, os sabem viver e aprofundar, dialogar e partilhar com qualidade. 

Há cada vez mais aproximações de cientistas, académicos, historiadores e escritores aos domínios do sagrado, do oculto, da comparatividade das religiões, das técnicas iniciáticas, dos estados modificados de consciência e dos que perduram fora do copo físico. Elas necessitam contudo de ser bem joeiradas, ainda que sejam indícios e partilhas úteis  da crescente demanda de luz pela Humanidade que não se quer deixar infrahumanizar e luta por superar os constrangimentos sociais, as narrativas oficiais e as  petrificações dogmáticas, de crenças e de ateísmos, a fim de repensar, meditar e desvendar os mistérios que nos envolvem, vivendo-os por si, em si, para todos, na unidade da Humanidade e do Cosmos.

Os seres são verdadeiramente religiosos e espirituais quando vivem mais criativa e conscientemente a sua alma espiritual e a Anima mundi, ou como se designa hoje, the Field, o Campo unificado de energia consciência e informação, ligando-as, unindo-as, nas suas investigações e diálogos,vivências e meditações,  e são por isso clarificadores e harmonizadores de almas, irradiadores de energias psico-espirituais libertadoras, intermediários entre os mundos invisíveis e visíveis.

Caminham já nem sozinhos nem inconscientes mas em sintonia com outras almas e grupos afins, e acompanhados de seres e forças subtis e espirituais que através deles tentam partilhar ou manifestar mais o Logos, a inteligência e amor divinos, ou mesmo o mistério da presença Divina na humanidade, na Terra. São por isso cavaleiros e cavaleiras do fogo do Amor, levando-o invencivelmente aceso no Graal do seu coração flamejante, por vezes intensificando-o mais em momentos de culto. 

Lute contra a passividade consumista mediática, ressuscite como ser espiritual criativo de amor e sabedoria, e gere lucidez, justiça e paz!

domingo, 16 de março de 2025

Orações aos Anjos e à Divindade. E breve hermenêutica da actualidade mundial, dentro da satsanga, companhia ou demanda da verdade e da justiça.

Gravação matinal dominical de duas pequenas orações tradicionais dirigidas a Deus e aos Anjos lidas de um livrinho de 1841, e muito acrescentadas ou parafraseadas espontaneamente por mim. 

Depois das duas orações alteradas ou parafraseadas,  desaguou-se numa satsanga e numa hermenêutica da actualidade mundial. São trinta minutos (os que a máquina permite) na demanda do Logos, ou Inteligência e Amor divino, e da sua Justiça, na história actual  da humanidade. Em termos sânscritos ou indianos, na demanda da satsanga, da companhia (sanga) da Verdade (Sat), e do Dharma ou dever, geral e o nosso, ou de cada um, o swadharma. Esperemos que sinta que não perdeu o seu tão importante tempo, que ficou menos amilhazada em relação ao actual conflito no centro da Europa, que ouviu algumas indicações valiosas - sobre a agricultura e alimentação biológica, os cinco elementos, a meditação, a religação espiritual - e que assim o nosso potencial anímico despertante e iluminante ficará mais lúcido e dinâmico, justo e verdadeiro.

                        

sexta-feira, 14 de março de 2025

Camões, Inês de Castro e Dom Pedro, fiéis do Amor. Breve hermenêutica da transmissão nos Lusíadas.

Quem relê a narrativa poética camoniana de Inês e Pedro admira-se certamente da classificação de "mísera e mesquinha" que surge no Canto III, estância CXVIII, sobretudo tendo em conta a simpatia que Camões exprime pelo desventurado casal, pelo que é levado a pensar se terá sido mesmo a redação original pois, como cavaleiro de Amor que era Camões, tal como Damião de Goes, Jorge Ferreira de Vasconcelos e outros, podia sofrer os tratos de censura ou mesmo de polé da Inquisição e dos seus esbirros, pelo  que o "mísera e mesquinha" poderia ser expressão derivada da visão de poder do Estado e da Igreja contra o Amor natural não conveniente.

Será Manuel Faria e Sousa  (18.III.1590 a 3.VI.1649)  nos seus  comentários aos Lusíadas, eruditíssimos e por vezes mesmo esotéricos, anagógicos, espirituais quem nos esclarece que a expressão mísera fora empregada em relação a Vénus por poetas greco-romanos e que fora mesmo usada em relação a Maria, mãe de Jesus, por Sannazaro (1458-1530), no De Partu Virginis, fazendo assim Camões uma comparação de sacralização, cripticamente, subterraneamente: Inês como uma ungida do alto.
Camões  apostrofa criticamente o Amor puro por ter causado tal encontro fatal ou desventurado, mas depois vai-nos apresentar Inês com tal doçura, amor e sabedoria, que nos empatiza com ela imediatamente, erguendo-a uma santa
mártir do Amor.
As estâncias 120 e 121 do Canto III dos Lusíadas são maravilhosas de ensinamentos e de evocação ou invocação de Inês:

"Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruito,
Naquele engano de alma, ledo e cego,
Que a Fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuito,
Aos montes ensinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas.

Do teu Príncipe ali te respondiam
As lembranças que na alma lhe moravam,
Que sempre ante seus olhos te traziam,
Quando dos teus fermosos se apartavam;
De noite, em doces sonhos que mentiam,
De dia, em pensamentos que voavam.
E quanto, em fim, cuidava e quanto via
Eram tudo memórias de alegria."

A profunda osmose de Inês com a Natureza e com o seu amado é descrita com grande sensibilidade, e assim os seus olhos, pela doçura amorosa e a saudade, conservam a ligação à correnteza transparente do rio Mondego e extravasam-na no marejamento de felicidade que brota do olhar, enquanto o coração irradia orficamente, ou seja com o poder mágico da palavra, dando o nome, não das próprias ervas como os míticos Adão e Eva deram segundo o Genesis, mas do seu amado, do seu "deus", Pedro, compartilhando o seu mantra-nome, a sua palavra passe para entrar no reino dos Céus na Terra, o do Amor, o que reintegra os dois na Unidade. 

Tal pronúncia de um nome ou mantra com muito amor é beatífica não só para os dois, como benéfica para  todos os que a ouvem e que não são contra ele, que não estão amilhazados em ódios e fobias, que não são contra a verdade e o poder libertador do Amor...
Luís de Camões acr
escenta ainda  que tal presença amorosa em som está escrito no peito, o que quer dizer que está viva no coração afectivo e espiritual, no íntimo e cerne da alma, que está escrito nele pelo efeito do muito o sentir, ver, pensar, amar, pronunciar, meditar, invocar...

Da alma lhe brotam então constantes voos de pensamento para ele, memórias alegres do amor reciprocado, em graças de gestos e comunhão de sentimentos enraizados e que mesmo nos sonhos se concretizam ou então adivinham, traçam e projectam venturas.

Entra em seguida Camões na fase trágica do casal  criticando a  intenção indigna de assassinarem um fraca dama delicada, ou de matarem o fogo acesso do firme amor, esta uma bela descrição do amor firme em si: um fogo acesso que arde sempre...

Na descrição da hesitação do rei Afonso IV, encontramos uma nova analogia com Jesus e Maria,  pois atribui ao povo a vontade de que ela morra, persuadindo o rei com falsas razões para que ela morra. Como se Inês fosse outro Cristo, condenado à morte  pelos próprios judeus.

Ora sabemos e Camões sabia que não fora o povo mas sim os inimigos de D. Pedro, conselheiros do rei seu pai, e chamar-lhes-á mesmo  ministros rigorosos, perante os quais e o rei Afonso IV Inês invoca a Divindade e o corpo místico dos santos e santas, ao levantar para o céu cristalino os seus olhos, ao mostrar os três filhos e ao erguer a voz por ajuda e piedade, num discurso imaginal camoniano que  ainda tem o peculiar valor de apresentar uma solução que satisfazeria as pretensas ou invocadas razões de Estado sem a matar:  - "Desterrem-me na Cítia fria ou na Líbia ardente e onde possa cuidar ou educar os rebentos ou relíquias de nosso amor flamejante".

Não movidos à piedade, o povo e os carniceiros feros que se consideram cavaleiros, e eis uma nova condenação de Luís de Camões ao acto, lançam mão às armas e matam-na, "brutos matadores", "fervidos e irosos", mais uma vez Camões posicionando-se como um cavaleiro do Amor e criticando um crime contra o Amor. 

Ao poder mantrico do nome pronunciado com amor, seja o da Divindade, ou uma das suas manifestações terrenas, tais como o profeta, imam, guru, deus, seja o do Amado, Pedro nesta união, volta Luís de Camões com uma belíssima visão-criação-sugestão do seu poder órfico ou, melhor ainda, psico-mórfico, o da psique ser modeladora das formas materiais: e ei-lo a cultuar o deus Eco, presente nos côncavos vales, humildes e amorosos que acolhem os últimos sons  de Inês,  o nome do seu Pedro, repetindo-o pelas reentrâncias e diremos pela eternidade, "até ao fim do mundo", como o próprio D. Pedro escolheu para legenda da sua maravilhosa estátua jacente, no mosteiro de Alcobaça, junto a Inês.

A comunhão das almas amorosas com a Natureza é ainda testemunhada e realçada poetica e miticamente por Camões, pois depois de os côncavos vales e montes repetirem ou ecoarem o santo nome, também as ninfas e nereidas do Mondego e das fontes não deixam perder as vozes e lágrimas de Inês e  alquimizam o líquido sentimento e sangue amoroso dela fazendo-o correr pelo rio e brotar por uma fonte, na que se virá a denominar a Quinta das Lágrimas.

Perenizada Inês na Natureza sagrada a que ela pertencia, restará a Camões apenas nomear brevemente D. Pedro como um justiceiro, de certo modo apoiando o seu comportamento em relação aos assassinos de sua mulher e futura rainha. 

Não menciona Camões os monumentos imortalizadores de Alcobaça, e cremos que não terá conhecido os sublimes túmulos, senão mais beleza e transcendência conseguiria talvez cantar no amor até ao fim do Mundo de Inês e de Pedro. Mesmo assim porém, ergueu-o magnificamente como o episódio mais longo dos Lusíadas e contribuindo deste modo para a sua sacralização e imortalização  na grande alma Portuguesa, e desafiando-nos a sermos cavaleiros do Amor. E contra os inimigos da alma, da justiça, da humanidade, do Amor, tão activos nestes tempos de manipulação e alienação nas narrativas e instâncias oficiais do globalismo infrahumanista dominante ocidental, sabermos lutar, iluminar, vencer e harmonizar, como fiéis do Amor!

Sejamos fiéis ao Amor de Pedro e Inês, cavaleiros como o de Antero Quental  no seu poema Amor-Mors, e arda invencível em nós o fogo cósmico e imanente do Amor Divino.

quinta-feira, 13 de março de 2025

Poema-oração para um irmão em processo de desincarnação. Dum diário antigo.

Já há umas décadas o  meu irmão mais velho, o Carlos, teve um inesperado aneurisma e entrou num processo de desincarnação.
Escrevi então alguns textos e poemas orações, seja enquanto ele ainda podia sobreviver, seja quando deixara o corpo. Tendo transcrito do diário para este blogue já um, este é outro da fase de luta e oração.
                                        
Pintura de Nicholas Roerich.

Enviámos luzes para o irmão que sofre
e recordei tempos antigos em que vibrámos.
Depois vi o seu corpo subtil luminoso:
Carlos, identifique-se com seu espírito eterno.

Voltei atrás, como ao sair de uma porta
sem fazer barulho, e espreitando, 
 sussurrei-lhe de novo:
Ó Carlos, você é um espírito divino.

A dor rasga os tecidos e traz o mar aos olhos
Somos então obrigados a esquecer
e o fogo do coração a acender.
Ardentes são então os nossos pensamentos
e o espaço treme de comoção.

Carlos, irmão, você é uma estrela,
que seu espírito aspire a Deus e à Luz.
Mulher e crianças, sois ainda seres corporais,
respeitai os testamentos e heranças mortais
que indicam o caminho do aperfeiçoamento
livre mas custe o que nos custar.

Sagradas dores do parto da nova humanidade
e as mortes inesperadas que rompem o ritmo
são sinais da Terra estar agitada por conflitos:
há que criar pessoas e sítios de luz, amor e espírito.

Quem vem lá na curva da estrada?
São os jovens duma nova Era.
Para eles trabalharemos,
almas luminosas a serem educadas
no eterno e luminoso Ensinamento. Ámen...
Pintura de Nicholas Roerich...