segunda-feira, 22 de março de 2021

Poesia de Amor, de Pedro Teixeira da Mota. No rescaldo do dia mundial da Poesia de 2021

No dia seguinte ao dia Mundial da Poesia, aproveitemos para passar de um caderno escrito nestes últimos anos poesia que vale pelo amor sentido e partilhado, tanto mais que nos tempos actuais o que se tenta fazer sentir mais nas pessoas é o medo e não o amor. Logo, sejamos Fiéis do Amor...
                                                     
            Subitamente resplandeceste no céu da minha alma:

            Vinhas leda pelo jardim com teus cabelos luminosos

            E a tua face divina como a lua sorridente brilhava.

            Não pude deixar de te reverenciar e falar

            E na tua voz calma e olhar inteligente

            Discerni uma alma de eleição, um ser do coração.

 

            Conseguimos atravessar a barreira dos desconhecidos,

            E subitamente encontrarmos tantas afinidades

            É como um arco-íris no céu instável citadino.

            Como que dois peregrinos para a mesma Meca

            Que se encontram no caminho e se estimulam

            Para vencer as dificuldades e intensificar a Luz.

 

            Vou agora pelos dias com teu nome a vibrar em mim

            E o amor que por ti brota é comum ao Anjo e a Deus.

            Até onde, por quanto tempo, em que direcções,

            Que descobertas, curas, harmonias e felicidade?

            Confiantes, crentes, amantes, no Divino Ser

            Nos encontramos, comunicamos e comungamos.   

                                                  *****


Chegaste e entraste

Na minha alma e vida,

Na minha casa e ser.

Quem diria que por fim chegarias.


Vou pelo corredor e antevejo-te,

Contemplo as nuvens belas à janela

E o teu nome aparece escrito no beiral.

Chove leve e o meu coração é um Graal.


Tudo se transfigura pelo amor

Estamos prontos para tudo,

Até mesmo para morrer.

Sentimos a grande unidade

Pois um mais um são três.


Estou como o Anjo, Deus e Tu,

O coração arde e irradia.

A tua voz por dentro de mim

Circula e acalma, inspira e guia.


Quanto ao sorriso dos deuses gregos

Ou o mistério das estrelas humanas

Mesmo isso tu incarnas e desvendas,

Ser de Luz, ser de Amor, ser de Paz.

*******

Para ti, meu Amor, para ti

Flui a minha alma e coração,

Raios e sorrisos brotam dela

E fortificarem-te e alegrarem-te

Aspiram, desejam e querem.

 

Meu Amor, Teu ser misterioso

Subitamente irrompeu em mim

E fiquei de tal modo encantado

Que tenho de abrir bem os olhos

E erguer-me, dançar, voar até Ti.

 

Já o dia da vida passou o seu meio

Já numa síntese das 4 estações vivemos

E contudo quanta peregrinação contigo

Meu ser aspira a pôr em acção.

 

Que posso dizer de ti e teu interior,

E do teu sentir para comigo

Senão desejar que a reciprocidade

Nos eleve e aprofunde até à Divindade,

Em criatividade no Bem e na Felicidade.

 

Atravesso o dia por vezes clamando o teu nome,

Ao andar penso que estás ao fim da estrada.

As nuvens brancas já compõem o céu azul.

Assim possam as nossas almas se intensificar 

E ao máximo de Verdade, Amor e Divindade chegar!

                                      

domingo, 21 de março de 2021

Dia Mundial da Poesia de 2021: Um poema oferecido por Pedro Teixeira da Mota.

 

POESIA

 Palavras buscadas no céu das ideias,

Associações de ideias e aspirações,

A criatividade infinita em acção,

Ninguém sabe a conclusão...

 

Mistérios dos seres e eventos,

Infinitas vontades em lutas subtis.

Quem consegue manter-se livre,

Justo, criativo e capaz de amar?

 

Coração vivo e flamejante

Em quantas almas arde livre?

O apelo a Deus crepita em ti,

Desejas o amor pleno e perene?

 

Então luta, persiste e confia.

A chama do teu coração brilhará

Mesmo nas noites e sofrimentos

Abrindo caminho no mundo espiritual.

 

A comunhão da amizade é um farol:

- Se estás sós, lembra-te dos que amas

E sentirás o corpo místico da Humanidade

E em comunhão abrir-te-ás à Divindade. 


Quis abraçar-te mas a distância é muita.

Recebe então as subtis asas angélicas:

escreve as palavras nas batidas do coração

e sopra-as com força na respiração e oração.

 

Que a Divindade e o Amor brilhem mais em ti,

Em nós, numa Humanidade fraterna,  no mundo! 

                                                    Aummm....

             * Dia da Poesia. 18:00, 21-3-2021, nas margens do Tejo e de suas Tágides.  Caligrafia de Pedro Teixeira da Mota, na transcrição digital com pequenas alterações da única redacção manual. Vinheta de Bô Yin Râ, colorida por mim, abençoadora...

sábado, 20 de março de 2021

Dara Shikoh, um dos pioneiros e mártíres da unidade das religiões e vias iniciáticas. Dia dos seus anos e começo da Primavera, Nowruz. Nour!

                                                      
                                Dara Shikoh, um portador do santo Graal ecuménico.
O príncipe mogol Dara Shikoh, filho primogénito do imperador Shah Jahan (1592-1666) e da sábia e bela persa Arjumand Banu, ou Mumtaz Mahl (27 Abril 1593 – 17 Junho 1631), nasce a 20 de Março, numa segunda-feira, em 1615, perto de Ajmer, na Índia, então sob o domínio do seu avô o imperador mogol Jahangir, que deixará Terra quando ele tinha 12 anos, tendo até então grande amizade com ele. Teve vários irmãos e irmãs, nestas destacando-se Jahanara Begum, uma mística, muito amiga de Dara Sikon e autora de uma biografia do mestre (na linhagem) de ambos, Abdul Qadir Al Gilani (1078-1166).

Jahanara Begum. Muita Luz e Amor nela e através dela em nós...
 
Akbar...
Na linha do seu bisavô Akbar (1542-1605), Dara será um ardente advogado da unidade de Deus e das religiões e vias iniciáticas, e um místico entusiástico, discípulo dos mestres sufis Miyan Mir (1550-1635, e que já impressionara muito seu avô Jehangir) e Mullah Shah (na miniatura em baixo), ambos da Ordem Qadria ou Qadiriyya, fundada pelo já referido mestre persa Abdul Qadir Gilani,  fraternidade a que pertenceu, tal como a sua irmã, e que davam bastante importância às práticas de oração mantrica, o zikr ou dhikr, a respiração (com associação na expiração a La Illaha, e na inspiração a Illalah), a concentração interior e a audição do silêncio ou som interno, muito cultivada pelos yogis e sufis...
Yogi Baba Lal Das Bairagi e Dara Shikoh
  Certamente tendo como exemplo e impulsão até genética o que o seu bisavô Akbar realizara de diálogos desde 1567 na Idabat Khan, a Casa da Adoração, em Fatepur Shikri, com representantes das várias religiões e os missionários jesuítas vindos de Goa,  Dara fê-lo com hindus, jainas e cristãos, especialmente o padre flamengo Henrique Busée, sendo um ecuménico e sobretudo um pioneiro do comparativismo religioso frutífero internamente.  
De facto foi muito pioneiro e profundo o diálogo místico e comparativo de sufismo e yoga realizado entre 1652 e 1653 com o Yogi Baba (ou Bawa) Lal Dayal Bairagi (na miniatura em baixo), e donde brotou um livrinho em 1653, o Mukalima-i-Dara Shikuh wa Baba Lal, de registo de sete encontros fabulosos que tiveram.  
 E na sua quarta obra Hasanat-ul-Arifin, Dara Shikoh, consagrada só a santos e mestres do Islão, citará um dito  bem ecuménico de novo de Bawa Lal Dayal: «Bawa Lal Mandiya é um perfeito Arifs;  não vi ninguém na comunidade hindu que seja igual a ele em majestade e firmeza. Ele disse-me: "Em cada comunidade há arifs e seres perfeitos através dos quais Deus partilha o conhecimento libertador ou salvífico",»e que portanto se deveriam respeitar todas asreligiões e comunidades.
Bawa Lal Dayal e o jovem Dara Shikoh.
 
Teve também um relacionamento preservado em algumas cartas com um judeu persa Sarmad, que se convertera ao Islão, passando a ser Muhammad Saheed, e que se tornara também um mestre espiritual na Índia. 
Do grande amor à sua mulher Nadira Banu Begum, filha do sultão Parvez Mizra (2º filho de Akbar, a quem não sucederá) e ainda sua prima, com quem casou para sempre e unicamente em 1-II-1633 (com descendência), ficou um testemunho preservado na dedicatória do álbum de caligrafias (em que ele era  bom executante) e de miniaturas pintadas por artistas persas, mogóis e da Ásia Central escolhidos por ele: «Este álbum foi dado como presente à sua mais íntima e querida amiga a Senhora Nadira Begum pelo príncipe Muhammad Dara Shikoh, filho do Imperador e Victorioso Shah Jahan no ano de 1646». Após algumas peripécias o álbum acabou por ser levado pelos ingleses (como milhares de outras obras de arte e livros) e encontra-se hoje na British Library, em Londres. Contém 68 pinturas de jovens, sufis e eremitas,  pássaros e flores, com a preciosidade da caligrafia e assinatura de Dara Shikoh que, tendo sido coberta com ouro, acabou com o tempo por vir ao de cima:
O médico italiano que esteve algumas vezes em Goa, Niccolao Manuci (1638-1717), deixou na sua Storia do Moghor, ao ser médico particular de Shah Jahan e de Dara Shikoh, bastantes dados sobre a época e as grandes almas que eram Shah Jahan e Dara Shikoh, e que liam muito tanto os poetas persas antigos e contemporâneos como os indianos, já que sabiam hindi, conhecendo-se alguns dos nomes dos indianos que mais privaram com eles, tais como Sundara Das, Acharya Kavindra e Chintamani. Dara Shikoh deixou-nos ainda o seu próprio Diwan, antologia de quartetos e ghazals,  que andou bastante tempo perdido, e que ainda hoje inspira almas no Caminho, como foi o meu caso em dois poemas que estão neste blogue...
Numa nota autobiográfica sobre o seu avanço no caminho interior, confessa-nos: «Este Dara Shikoh pertence à classe de devotos que são atraídos naturalmente para Deus, sem a realização de quaisquer austeridades. Ele veio a conhecer os mistérios da Divindade, através da graça dos santos e amigos de Deus. Beneficiou da sociedade desses Mestres, e investigou a verdade dos seus ensinamentos».
Escreveu algumas obras notáveis de espiritualidade, duas de vidas de santos sufis, outra de aforismos deles e que já referimos, depois ainda a Bússola da Verdade, de ensinamentos iniciáticos e, finalmente, o Majma' ul-Bahrain, Acerca da Junção dos dois Oceanos, uma das primeiras obras de religiões comparadas, no caso sufismo islâmico e yoga vedanta indiano, que traduzi do inglês e comentei em vídeos no Youtube.
Dara Shikoh com sábios...
 
Fez traduzir em persa da espiritualidade indiana o Yogavasisha, a Bhagavad Gita, o Prabodha Chandrodhaya, A Lua Nascente do Conhecimento, de Krishna Misra, por Banvali Das, o Ramayana por Ibn Har Karan e ordenou e coordenou em 1657 a primeira  tradução de cinquenta das 108 Upanishads, denominada Sirr-i-Akbar (O Grande Segredo)  para persa, vindo depois a ser traduzida  na Índia por Anquetil-Duperront (1731-1805), para o latim, sendo impressa finalmente em Paris em 1801, tradução  que permitiu ao Ocidente conhecer esses textos tão profundos da espiritualidade indiana, sendo então admirados e comentados entusiasticamente por Schopenhauer, Schlegel e outros. 
 A tradução do Yoga Vasistha, um dos ensinamentos mais fortes de Yoga Advaita Vedanta, que ficou denominada em persa Jug Bashist, foi realizada porque Dara Shikoh uma noite sonhou com o rishi (poeta vidente)  Vasistha e o avatar Ram Chandra (os dois dialogantes do poema), com Vasistha a pedir a Sri Ram Chandra que abraçasse Dara Shikoh, o que ele fez, pedindo depois Vasistha que Sri Rama desse algum prasad, ou doces abençoados, o que ele ofereceu, comendo-os ou comungando-os Dara. Tratou-se duma clara iniciação yoguica indiana recebida por Dara Shikoh, que sentiu então que deveria traduzir a principal obra do grande e lendário Vasistha.
Na luta pela sucessão ao trono mogol de Shah Jahan, quando este adoeceu em 1657, e desencadeada pelos irmãos Shah Sahuja e Murad,  Dara manteve-se calmo, embora fosse ele o legítimo herdeiro, tal como seu pai queria, mas após algumas escaramuças e movimentações viria a ser derrotado em 30-V-1658, na batalha importante de Samargad, perto de Agra, pelo irmão Aurangzeb, auxiliado por  Murad,  os quais conquistando Agra, a riquíssima capital,  depuseram o pai, tomando o poder Aurangzeb, em 8-VI-1658. Shaj Jahan recuperará a saúde e viverá preso num pequeno palácio com vista para o sublime Taj Mahal até deixar a Terra a 22 de Janeiro de 1666.

Aurangzeb era
um ambicioso e criminoso, ortodoxo fanático e mais que cruel, e desde 1752 acusava  de infidelidade ao Islão Dara Shikoh devido ao seu interesse no hinduísmo e nos textos de outras religiões, que de facto ele estudava e valorizava. Após mais algumas batalhas, Dara, o seu filho Sipihr Shikoh e duas filhas e os seus fiéis, já em fuga, foram atraiçoados por um chefe afegão Junaid Khan Barozai (Jiwad Khan), que os entregou ao exército de Aurangzeb em 10 de Junho de 1659. Depois de ser humilhado desfilando com grilhetas em Agra, com Jiwad Khan a ser apupado e apedrejado já que povo muito amava Dara, foi assassinado por quatro dos seus esbirros e mutilada a sua cabeça em seguida pelo próprio Aurangzeb, na noite de 30 de Agosto, terminando assim a sua peregrinação como um mártir... 
Das páginas mais tristes da história humana. O fanático e logo diabólico Aurangzeb acabará por alienar as simpatias que os imperadores Akbar, Jahanguir e Shah Jahan tinham conseguido entre os indianos, proibindo ainda nesse ano de 1659 de se construírem novos templos hindus ou de se repararem ao antigos, e em 1665 entrando mesmo numa violenta destruição de centenas de templos hindus, esmagando com mão de ferro a resistência legítima dos indianos, seja em Mathura, Udaipur, Golkonda, etc, provocando lutas que se prolongaram por anos e anos. 
Perseguiu ainda os shia, ou shiitas,  nomeadamente nos sultanatos do Decão, por todos estes meios destruindo totalmente o sonho de uma unidade inter-religiosa e abrindo as portas à futura dominação inglesa. Será só em Fevereiro de 707, com 90 anos, que o fanático e sanguinário Aurangzeb morreu, consta que pelo menos consciente dos milhões de mortes que causara, com o seu extremismo islâmico... Deve estar ainda a sofrer no Purgatório, ou se já fora dele sempre a ter de pedir desculpas a quem o encontra, e consta que mesmo santos mal conseguem orar por tal desgraçado...
                                              
 Voltemos ao  luminoso Dara Shikoh, sob a imagem de ele a dialogar e a meditar em 1635 com os seus dois mestres Miyan Mir e Moula Shad,  e oiçamos um extracto do seu livro Acerca da Junção dos Dois Oceanos, que traduzi e li, estando no Youtube
«Todo aquele que adormece, e vagueia pelo mundo de Malakut (o mundo subtil ou imaginal), quer esteja consciente dos seus ambientes, ou inconsciente, faz isso porque a sua alma assume um corpo muito refinado, que é a exacta contra-parte do corpo físico, com olhos, ouvidos, língua e todos os órgãos de sentidos e órgãos funcionais internos, sem contudo ter os órgãos físicos externos de carne e sangue. 
Quem quer que tenha o seu coração refinado, e despertou, vê neste mundo subtil ou imagina, Malakut, formas refinadas e belas, ouve música maravilhosa e come deliciosos alimentos. Mas aquele cujo coração está carregado de grosseria e não está desperto, vê formas horrorosas e ouve sons desagradáveis, durante os seus devaneios no sonho. 
 Portanto, ó amigo! Se praticares com diligência e perseverança, os métodos de meditação descritos mais à frente, a ferrugem do teu coração será removida, e o espelho da tua alma tornar-se-à brilhante, e verás reflectido nele as formas dos profetas, santos e anjos».
    
Aummmm..... Nour....
 
Saibamos persistir nas nossas orações, contemplações e meditações, para no silêncio ouvirmos as intuições sagrados,  para vermos o que do mundo espiritual quiserem revelar-nos no nosso olho espiritual e para entrarmos mais no amor e no coração....
 
 Escrito no começo do ano e início da Primavera, Nowruz de 2021, ano de 1400 na era Persa ou Iraniana.... E relido e melhorado em 2023, para o Nowruz do ano 1402, o equinócio a acontecer às 21.24, do mesmo dia 20...
Tenha e cultive uma Primavera cheia de Ananda, felicidade, na invocação e comunhão espiritual e divina e na melhor Luz e Amor que possa merecer e emanar...

Dalila Pereira da Costa, vida, obra e desafios. E "A Corografia Sagrada", de Portugal, da Galaecia e do Ser.

Escrever acerca da Dalila Pereira da Costa, com quem  dialogamos ao vivo e pelo telefone, por cartas e livros emprestados, por mais de trinta anos,  mesmo já tendo escrito outras vezes, é sempre complexo pelo perigo de acentuarmos certos aspectos de uma multifacetada alma e obra e olvidarmos ou menosprezarmos outros, podendo originar interpretações erradas. Mesmo assim, e relembrando a contextualização dos outros escritos, faremos uma apresentação geral e, depois, realçaremos alguns aspectos e livros, comentando-os.
A Dalila Pereira da Costa (1918-2010), bem enraizada no Porto e no Douro, pela família e pelas propriedades, destaca-se principalmente pela sua alma luminosa e pelo estudo da cultura e  espiritualidade portuguesa, mas também universal, discernindo bem os veios de uma comum Tradição Perene. Tendo-se formado em 1944 em Histórico Filosóficas na Faculdade de Letras de Coimbra, e vivido no Brasil entre 1959 e 1965, mais uns dois anos na Bélgica, de resto sempre no Porto, afirmou-se graças a uma vasta obra de escritora, pensadora, poetisa, mística e visionária da tradição cultural e espiritual portuguesa, sendo mesmo do grupo dos que melhor e mais sistematicamente a identificaram e localizaram em termos de vivências, referências e símbolos na
história, religião, literatura e arte portuguesa, e algo na brasileira, podendo-se referir ainda os bons ou valiosos trabalhos de Joaquim de Carvalho, de José Sebastião Silva Dias, Mário Martins  e Lima de Freitas (muito amigos de Dalila) e de José Adriano  de Freitas Carvalho.
Os seus estudos sobre D. Duarte, Gil Vicente, Camões, Frei Agostinho da Cruz, Fernando Pessoa, entre outros, tais como Antero de Quental, Teixeira de Pascoaes, Raul Brandão, Guerra Junqueiro,  Camilo Pessanha, são exemplos em seres humanos do que ela investigou nos monumentos e mitos, desde os tempos pré-históricos: discernir, apresentar e interpretar o que restou como sinais da ligação entre a terra e o céu, entre os mundos subterrâneos, terrestres e celestiais, entre os humanos e os deuses, ou ainda os sinais de demanda de realidades como a fertilidade, iniciações,  vida imortal, o espírito, os anjos, os deuses e a Divindade. E também tentando aprofundar certos  mitos mais ou menos reais, tais como os do Paraíso, santo Graal, Quinto Império e Saudosismo, que a Dalila sentia profundamente como manifestações ou símbolos da nostalgia e saudade dos seres pelo estado primordial antes da Queda, antes da cisão com a Divindade.
Indissociável desta hermenêutica estava a sua grande sensibilidade e amor à Natureza, a Portugal, aos seus mestres e tradição espiritual, a Nossa Senhora, ao seu Arcanjo e à Divindade, desvendando-se assim uma alma bem formada, sensível e luminosa, aberta ao sagrado, recolhida e persistente, o que lhe permitirá vivenciar ao longo dos anos estados psico-energético-espirituais alargados, certamente difíceis de se descreverem, explicitarem e caracterizarem, o que  mesmo assim ela ela tentou, publicando o seu primeiro texto numa revista de língua francesa, o qual viria  a ser incluído na obra a Força do Mundo e, bastantes anos mais tarde, nas respostas que deu a um  inquérito e que se tornou o livro Instantes.
  Na verdade, a 1ª colaboração escrita da Dalila é em Novembro de 1970 para a revista Esprit, sob o título Experience de l'extase, descrevendo uma vivência espiritual num jardim de Coimbra "à sombra de uma grande pittosphorum" na Primavera de 1938, e em grande parte interrogando-se sobre as suas causas e significações.
E em 1972, dá à luz na Editora Lello a  Força do Mundo, inserindo no I capítulo  a tradução do seu texto em francês, com um acrescento final: «Quando, tentando atingi-lo na sua  realidade última, no seu coração ele mesmo me apareceu sob a face do verbo? Ainda uma vez mais  parece-me que se pode ver em tudo isto, nesta indissolubilidade da linguagem e do saber, a grande afinidade do conhecimento místico e poético»). 
Nesta obra tenta pois aprofundar a compreensão da experiência vivenciada em 1938, quando estudava em Coimbra, e descrita em francês em 1970, mostrando já alguma abertura e conhecimento da mística oriental, usando a palavra Advaita, citando hinos dos Vedas e a Bhagavad Guita, em textos  datados de 1968. No II capítulo, onde   acrescenta  vários textos datados de 1960 e 1970 e no III capítulo, já  de 1971, continua a especular acerca das experiências espirituais e das suas ligações com a palavra, a poesia e a ciência,  considerando, pela inspiração recebida, que:«Os poetas apresentarão por eles próprios, tais como os místicos, um conhecimento transpessoal. Pois que aqui, eles não são senão transmissores, não criadores» (p. 103), o que podemos considerar algo mitificante da poesia, pois grande parte dela é meramente pessoal e egóica, mas, claro, na dimensão elevada que a Dalila a via, sentia e escrevia está certa...
 Esta sua primeira vivência e as suas consequências não apontam para uma relação com uma Divindade pessoal ou algum dos seres da Trindade cristã, como o atestam ideias como  «seria preciso convidar os físicos a curvarem-se sobre os textos da mística de todos os tempos e lugares (...) vendo estes escritos como o testemunho  daqueles que na sua vida se confrontaram, contactaram e tiveram de assumir a mesma energia que eles - sob uma outra forma, ou manifestação... (p. 122), interrogando-se mesmo; «no instante supremo da iluminação, não se sentiram os místicos em face de qualquer coisa como esse «grão de energia», esse quanta, duma medida insuspeita?... (p. 123)
Concluirá mesmo, afastando-se do concepção católica, tão devedora do temível Jehova, num texto datado de 19-II-1971: «Então a Realidade Absoluta, Deus, não será mais visto como uma concepção abstracta ou unicamente como o detentor de uma lei moral ou o conteúdo dum dogma, mas como a denominação da energia única que preside e informa o Universo. Assim, como realidade mundial, foi sempre conhecido pelos grandes espirituais. E sob esta valorização, tentaram eles o seu gozo e testemunho. ( pág. 125). 
Todavia, num livro mais final da sua vida, os Instantes nas estações da Vida, são mais realçadas a visão de Jesus Cristo e as de Maria, havendo como que uma descida de um nível não dual (Advaita) para o da dualidade e multiplicidade da manifestação, com os seus intermediários ou mestres em papel de destaque, seja Jesus Cristo, seja Maria, embora também se possa ver como o aprofundamento de uma experiência arrebatante ao mundo espiritual, essa de 1938, que depois passará para uma focalização nos necessários ou mais convenientes mestres intermediários, no seu caso Jesus e Maria.
Nestas duas obras, A Força do Mundo e os Instantes,  Dalila surge como um ser agraciado com experiências sobrenaturais e com  capacidade de clarividência, algo  que noutras obras também transparece ou  afirma, e poderemos dizer que, embora não  iniciada em nenhuma organização ou filiação, à excepção dos sacramentos da  Igreja Católica, ela  recebeu através das  suas experiências espirituais uma iniciação, ou até melhor, ela sofreu um despertar energético e consciencial  forte,  no seu êxtase aos vinte anos e que, segundo ela, perdurou para sempre, a que se seguiram expansões conscienciais pelas outras experiências, pelos sonhos e intuições poéticas e pelo contacto ao vivo com alguns dos seus amigos mais abertos ou unificados espiritualmente.
Dotada de uma sensibilidade grande desde criança,  narrando mesmo a beatitude sentida nas envolvências e paisagens naturais de Mira, Dalila trilhou uma via de sobriedade e ascese,  e de estudo e prática reflexiva sobre os ensinamentos,  símbolos e mitos nacionais e tradicionais, o que a fez  avançar no caminho da realização, abrindo certa ligação com os seres e mundos espirituais. 
E vemos que realizou tal de uma forma não só de hermenêutica intelectiva mas também predispondo-se a acolher as visitações ou visões espirituais, descritas depois nas suas obras, pois entregava-se e assumia  a poesia visionária, para a qual estava dotada por uma capacidade grande de comunhão com os mundos subtis da alma e da Alma Mundi, a que chamam algumas correntes o inconsciente, seja dela, seja regional, seja nacional, seja colectivo, supondo Dalila provir da sua ascendência maternal  que tinha raízes ou origens celtas e irlandesas.
O caminho iniciático ou de realização espiritual implica vivências e ensinamentos,  que são depois desenvolvidos numa vida justa pelas práticas interiores, sonhos, escritos,  concentrações, orações e contemplações, que vão originar novas compreensões, visões e expansões conscienciais, o que a Dalila foi então realizando numa síntese muito sua de conjugação de estudiosa e erudita,  de poetisa, escritora e administradora de uma quinta e vinhedos, e ainda de mística pagã ou panpsíquica e cristã.
Entre as correntes anímicas que recebeu e deu destacam-se  as centenas e centenas de cartas, preservadas por ela numa  boa organização, copiando mesmo as mais importantes, algo muito exemplar e instrutivo nos nossos dias face à efemeridade dos diálogos modernos ao telefone e na internet, e será certamente um dia valioso lermos a sua correspondência e  discernirmos as afectividades, influências, afinidades, sincronias, critérios valorativos, etc.
Tendo publicado a maior parte das suas obras numa editora da família, do seu primo Edgar Lello, a quem dedica a sua Corografia Sagrada, de 1993, e não pertencendo ou estando ligada a qualquer Universidade ou grupo, embora se deva mencionar a sua inserção na linha de pensadores portugueses que se identificaram com a Tradição Cultural e Espiritual Portuguesa, onde se destacaram e a influenciaram mais Teixeira Pascoaes e Leonardo Coimbra, e de certo modo também os discípulos de Leonardo Coimbra e seus amigos e contemporâneos,  onde se inclui o grupo da denominada Filosofia Portuguesa, a sua figura e os seus livros não tiveram a divulgação e discussão que poderiam ter gerado, e só com o decorrer do tempo, seja pelo seu livro pioneiro O esoterismo de Fernando Pessoa, 1977, seja pela sua vasta obra, seja mais tardiamente por um maior acolhimento por parte de instituições portuenses ou mesmo académicas, a Dalila Pereira da Costa foi por fim mais divulgada ou reconhecida. Não admira contudo tal, pois a sua obra é bastante sibilina, mística e subjectiva, contém  críticas às repressões do paganismo, que para ela era um veio fundamental da Tradição Portuguesa, bem como posições de uma certa heterodoxia mística, além de um nacionalismo crítico da modernidade materialista e pragmática tão destruidora das harmonias e tradições do passado.
Dalila Pereira da Costa foi um ser que, recolhida nas sua  quinta do Douro e casa do Porto, esta rodeada de um aprazível jardim, com uma razoável biblioteca e conseguindo receber ou encomendar obras mais especializadas de espiritualidade, tendo-lhe eu arranjado por exemplo, algumas de Pico della Mirandola e de Bô Yin Râ,  escreveu muito de acordo com o seu muito próprio modo de sentir, embora ainda assim devam-se mencionar as linhas de antropologia espiritual  citadas  por vezesde Henry Corbin e Mircea Eliade  e o testemunho em algumas das suas obras de leituras de obras da Filosofia Perene e que envolviam e universalizavam bastante a sua catolicidade familiar, ambiental e nacional.
As suas viagens não foram grandes mas conhecera o Brasil, onde vive  1959 a 1965, a Europa, onde viveu dois anos na Bélgica, fazendo algumas incursões certeiras à Irlanda, Alemanha, Dinamarca,  Grécia e Turquia. Em Portugal conhecia melhor o Norte, e em especial o património do românico, e fui com ela e Sant'Anna Dionísio sentirmos a igreja de Rio Mau, junto a Vila do Conde, mas também Panóias e outros locais ligados a cultos pré-cristãos, ou mesmo S. Miguel de Terena, Alentejo e o Algarve.
A sua sensibilidade anímica poética e visionária, cedo fecundada com as experiências de percepção dos mundos subtis e espirituais, mais as leituras doutrinárias realizadas,  capacitaram-na a ler e comentar as obras dos principais escritores portugueses à luz dessa sua sensibilidade, apetência e demanda do sagrado e do divino, de tal modo que a Dalila Pereira da Costa foi construindo a sua mensagem, a sua doutrina, de modo algum dogmática mas mais como as plantas e flores que cultivava amorosamente no seu jardim e estufa. E volta e meia, dentro da universalidade que os Descobrimentos patentearam e amplificaram na alma portuguesa, citando, comparando e comentando mitos e ensinamentos e autores das tradições celtas e sufis iranianas, em especial.
A cosmovisão de Dalila Pereira da Costa assenta na ideia de que a consciência da queda da Primordialidade, da Divindade, do mítico Paraíso, ficou muito presente na península Ibérica e nos portugueses e galegos, daí nascendo a saudade, as viagens e peregrinações, as asceses e transes, os xamans e os místicos, como busca de ascensão, de união, de recuperação desse estado perdido, da ligação entre a terra e o céu, de comunhão com a Natureza divina, a qual se socorrerá ou assentará ou se alinhará ainda em linhas de força como as do eixo do mundo, da montanha e centro, do coração e do amor, do Rei, herói ou iniciado, na sua luta contra o mal, o caos, a noite.
Em termos históricos e
futurantes originara-se de tal lembrança saudosa (tão trabalhada por Teixeira de Pascoaes e Leonardo Coimbra) certo profetismo de realização utópica (mais exterior que interior), mitificado na III Idade, na idade do Espírito Santo imaginada por Joaquim de Fiora, na vinda do Messias, do Desejado, do Encoberto e no V Império do padre António Vieira e de Fernando Pessoa.
Refere ainda Dalila  mais três denominações  portuguesas dessa corrente de nostalgia projectada para um futuro imaginado,  a da recuperação do Homogéneo após a passagem pelo Heterogéneo, contida na obra Ideia de Deus de Sampaio Bruno,  na Teoria do Ser e da Verdade, de José Marinho,  a abolição da cisão ou queda, ou o «reatar a união perdida pelo insubstancial substante» que pelo processo filosófico e místico poderia acontecer. Já bastante mais prático e exequível foi o último elo referido por ela, o de Agostinho da Silva com os seus «anúncios da futura Idade do Paracleto», e sabemos como Agostinho da Silva foi um dos maiores amigos e inspiradores da Dalila, algo que a publicação das suas cartas certamente divulgará...
Dalila Pereira da Costa vê assim uma estrutura específica ao longo dos séculos, uma unidade sistematizada mítico-religiosa do ser português, na qual o «conhecimento dos seus símbolos religiosos permitirá a realização da sua segunda Descoberta que assentará no conhecimento e posse ou realização da sua identidade e essência anímico-espiritual e destino ou seja a situação e a missão a cumprir.» Nisto corroborava Fernando Pessoa, que em vários textos afirmou ou sonhou tal possibilidade, tendo eu mesmo publicado em 1988 A Grande Alma Portuguesa, baseado num deles, a carta ao Conde de Keyserling, e que lho ofereci.
Entremos agora em um ou dois dos muitos livros da Dalila em que estes aspectos da especificidade portuguesa são mais  desenvolvidos. Na sua Corografia Sagrada, de 1993, dividida em três partes, na 1ª abordando a nostalgia portuguesa, a gruta do Escoural,  a serra da Estrela ou montes Hermínios, a igreja de S. Cristóvão do Rio Mau, e algumas figuras literárias e artísticas. Na 2ª parte, três capítulos dedicados à Galaecia, ao matriarcado e aos Celtas e, por fim, na 3ª parte vários capítulos dedicados às cidades do Porto, Braga (e o seu quintal da fonte de Ídolo) e, já perto da sua quinta duriense, e do nosso santo rio Douro, a Penaguião. E capítulos dedicados a mestres como Antero de Quental e Raul Brandão, como pode ler no índice reproduzido. 
Em Rio Mau, onde estive com ela e Sant'Anna Dionísio (na imagem),  verá num dos capitéis românicos um sinal de estarmos num local de iniciação, de morte e renascimento,  confirmado por uma cena num capitel românico onde se vê um homem a ser engolido pelos dois pássaros (eu viria mais ouvindo duas correntes anímicas...), tal como em Tomar, na janela a poente,  verá o homem português marinheiro engolido no fundo do Oceano, algo que aconteceria até à nova época auroral do reino do Espírito, certamente uma interpretação bem imaginativa e utópica...
Na Gruta do Escoral, em Montemor-o-Novo, Dalila verá na pintura pré-histórica que tem sido identificada como um shaman ou mago,  uma imagem de um culto urânico primitivo e, seguindo talvez incorrectamente Mircea Eliade, subscreve a sua ideia de que tal masculinidade foi depois substituída por um culto da Magna Mater, Grande Deusa, ctónico ou terrestre, algo que não  parece tão evidente, pois deverá ter havido  coexistência da operacionalidade sagrada dos dois polos da manifestação, que são essencialmente complementares.
Fazendo num dos capítulos do livro a hermenêutica da Clepsidra
de Camilo Pessanha, onde há poemas muito belos das suas experiências do ópio, tais como Branco e Vermelho, Dalila vê tais relatos como sendo uma revelação, uma iniciação e que ele se perdeu ao não se transmutar com ela, não se reiniciando...
Podemos especular que há milhões de seres formalmente iniciados numa linha ou religião mas que na realidade não foram iniciados ou não se reiniciaram, não começaram de novo a vida, não nasceram de novo, ou não começaram um novo caminho de prática e de estados de consciência. Outro tipo de acontecimentos que provocam iniciações são acidentes, perigos de morte ou experiências de quase morte. E ainda as  drogas, o ópio no caso de Camilo Pessanha, podem provocar estados alterados de consciência e percepções luminosas ou religiosas...
Ao longo da vida temos várias iniciações, umas geradas por nós, outras por espontânea graça, outros transmitidas por mestres ou discípulos, e o que nelas mais conta é a desvendação do espírito, a presentificação do espírito, ou a visão da luz ou o sentir do Amor e do divino,  por algum dos sentidos espirituais, o de sentir, ver, ouvir, reflectindo-se e assumindo-se depois tal na vida...
 
Ora Dalila interpreta a visão mística da Luz como sinal ou sintoma de já se ter atingido o mundo sagrado na sua transcendência, revelação do Ser, luz cegante, e branca porque tendo todas as cores, e pensa que essa "Luz incriada" se pode identificar ao Ser ou realidade última, amplificando assim demasiado a experiência da Luz interior tão comum no caminho espiritual. Vai considerar assim a experiência de Camilo Pessanha quase ao nível de Plotino, um dos mestres mais elevados de sempre, citando-o no aspecto da anulação de fronteiras entre o ser individual e o ser. Libertação total porém que ele, pelo cepticismo e niilismo, teria recusado, ou negado, não aceitado.
Depois de sobrevalorizar a experiência que presume implícita no poema de Camilo Pessanha, Dalila apresenta uma boa compreensão da espiritualidade, da iniciação e da luz, nomeadamente ao dizer: «nas Upanishads se afirma que o ser se manifesta aos homens pela luz incriada; essa luz que brilha no exterior, para além do céu, sendo idêntica à luz interior que brilha no mais íntimo do homem: como a revelação da identidade de Brahman e Atman. Visão assim conduzindo o homem ao mais alto conhecimento, o da sua imortalidade, pela identidade com a divindade: nessa luz, seu eu surgindo na vera forma como o imortal e o sem medo». Ora isto não  parece ter acontecido com Camilo Pessanha, e mesmo quem vê muitas vezes a Luz nas suas meditações, muito raramente vê o seu Eu ou espírito nela.
Por outro lado, a Dalila, na sua visão da circulação espiritual, também é por vezes teórica e valoriza demais a linha católica, tal como quando afirma, e transcrevo longamente: «a mística da luz vindo até a estas plagas ocidentais extremas, as portuguesas, pelos padres do deserto, difundida no seu ensino desde os tempos paleo-cristão, por S. Martinho de Dume e S. Frutuoso. E tendo como seus mais altos representantes Pseudo-Macário e Evagro do Ponto, esta corrente será depois representada na mística portuguesa superiormente por Mestre André Dias, Frei Tomé de Jesus, P. Manuel Bernardes, respectivamente. Integrando-se na via interior da mística do Espírito e assim não na via exterior da mística naturalista, como a preponderante na historia da mística portuguesa, tal a de Frei Agostinho da Cruz, D. Manuel de Portugal, P. Diogo Monteiro...
Luz, fogo, que os místicos cristãos portugueses viram e sentiram; e também o poeta português decadentista, do século XIX, sem crença nem fé, materialista e niilista, num instante extático, em que seu corpo foi como transmutado pela força do Espírito e gozou a beatitude, ela indizível por palavras humanas. Possibilitando-se ainda nesse instante como a sensação de levitação; e a visão extra-terrena dos espíritos.
Corrente de luz e fogo que assim, vinda do Oriente até nos  no século VI teria seu último lampejo neste nosso século desesperadamente negador, como signo, dom e apelo do Espírito a um poeta; mas que por ele não seria aceite, em todo o seu alto valor»... 
Este longo extracto da página 55, da Corografia sagrada, tem vários aspectos discutíveis, nomeadamente esse trânsito da luz dos monges iniciais aos místicos seja naturalistas seja mais interiorizados e, por fim, em Camilo Pessanha, pois poremos em dúvida terem esses místicos atingido mesmo tanto a Divindade e, sobretudo, que Camilo Pessanha seria o último lampejo dessa tradição da luz no nosso século, quando houve tantos a vivenciá-la e alguns a partilharem-na, declaradamente ou implicitamente. Talvez até devemos antes ver Camio Pessanha ecoando, ressoando experiências asiáticas, seja místicas seja de drogas, já que esse era o meio astral em que estava.
Como o claro discernimento sobre a fonte das visões ou audições ou intuições que possamos ter não é nada fácil,  tal como também ter uma vivida e clara noção do que é o espírito e o que é  a alma, o que é Divino e o que é espiritual ou mesmo apenas astral,  Dalila na apreciação da experiência astral ou psíquica de Camilo Pessanha (escrita em IX-1989), apesar de muita hermenêutica valiosa, acaba por a erguer a último lampejo do Espírito entre nós, quando de espírito pouco deve ter tido e a luz deveria ser apenas astral ou vá lá psico-espiritual, mas não a branca incriada ou plena da Divindade..
Destaquemos na importantíssima segunda parte as páginas consagradas à proto-história dos povos do norte da Península, onde a Dalila vê e descreve vestígios de uma religião lunar e de uma ginecocracia arcaica, baseando-se em Estrabão, Bachofen e Leite de Vasconcelos, entre outros, e na linha do seu livro Da Serpente à Imaculada, lendo com sensibilidade e originalidade esses aspectos ctónicos da mulher patentes nas lendas das Mouras encantadas: «Como mulheres eleitas numa antiga sociedade as detentoras da arte da magia, os tesouros aureos, os mistérios do amor; são elas que elegem e chamam  os homens para o seu mundo perdido, o Outro Mundo, e aos quais farão participar desses tesouros a si confiados; assim como de todos os poderes dessa arte e sabedoria»
Outro aspecto importante da demanda, será num texto de 198o, abordado nessa Corografia Sagrada, quando a Dalila se interroga sobre O mestre espiritual na Renascença Portuguesa,  o movimento portuense de 1910, ligado à revista Águia, para ela considerado como a grande renascença da Espiritualidade em Portugal (e nuns textos de 1989 ela já está a fazer a história da espiritualidade portuguesa) e especulando acerca do mestre, por vezes com alguma ingenuidade, a dado momento interroga-se:
«Agora perguntamos: há uma linha de mestres espirituais na cultura portuguesa? Lembremos o facto fundamental: até agora, a ausência duma história da nossa espiritualidade, que não se pode confundir com a história da nossa filosofia, já iniciada entre nós. Uma quebra na nossa tradição, como a sofrida no período post-tridentino, iluminista, racionalista, positivista e materialista, sucessivamente desde o século XVII até aos século até ao século XX, teria dificultado, ou impedido até, uma transmissão da cadeia de ouro, quebra iniciada catastroficamente pela Inquisição. Ao longo desses quatro séculos, houve assim um bloqueio da energia do homem, só no plano intelectual e racional, com negação total da transcendência. Bloqueio que entre nós surge ultrapassado poderosamente como movimento de libertação do homem, pela «Renascença Portuguesa».
Dalila tem bastante razão, embora tenha havido tanto religiosos a manter a mística, como alguns escritores e poetas a conseguiram vivências espirituais e testemunharam-nas. Mas de facto a Renascença Portuguesa, continua e aperfeiçoa a senda de Antero de Quental, sobretudo em Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra e Jaime Cortesão,embora uma prática persistente de meditação e de religação ao espírito não tenha sido adoptada por eles, cremos...
Ora depois de criticar talvez incorrectamente o filósofo Sócrates, ao subsumi-lo numa corrente anti-intuição e anti-transcendente, Dalila vai procurar encontrar em Leonardo Coimbra e Teixeira de Pascoaes essa mestria espiritual, conseguida certamente mais em Leonardo Coimbra, escrevendo: «Pois se nos lembrarmos que as etapas dessa via, são sucessivos abandonos de falsas identificações do eu, para a sua crescente libertação, veremos como o sentido da relação, intuído por este mestre, é primordial: a identificação final com Deus, sendo a libertação final. E assim, simultaneamente em Deus, Leonardo visa conciliar transcendência e imanência:«A perfeição não é o Absoluto, mas a melhor e a mais vasta relação». Esta compreensão de Leonardo é sem dúvida de se realçar pois indica uma linha de Deus pessoal, em termos indianos de não Advaita, ou seja, o ser humano na sua perfeição ou na sua elevação maior não desapareceria no Absoluto mas conserva a sua individualidade, numa relação com Deus. Neste aspecto, claramente Leonardo e Dalila corrigem e aperfeiçoam a demanda de Antero algo chamuscado por um inconsciente absoluto (via Schopenhauer e Karl Eduard von Hartmann) e um budismo de não existência do espírito individual.
Para concluirmos estas e reflexões saltemos para diante do seu último livro As margens sacralizadas do Douro através de vários Cultos, um belíssimo hino em prosa ao rio Douro e ao culto das águas,  bem como ao paganismo, aos sucessivos cultos que passaram pelo Norte e o Douro, aos seus locais mágicos e aos seus sacerdotes e sacerdotisas, shamans e eremitas, poetas e musas amadas.
Ora devemos confessar que a Dalila Pereira da Costa nos seus livros, que são frutos de estudos e pesquisas, sentimentos e intuições, nos deixa forças anímicas desafiantes, ora as que ela dominou ora as que não foram plenamente ou totalmente realizadas por ela, e vão ou podem suscitar em nós ressonâncias, respostas e realizações. Este é um dos aspectos mais valiosos da hermenêutica de alguém que conhecemos e com quem animicamente nos ligamos, e a quem subtilmente, ou se quisermos inconscientemente, continuamos ligados no tal campo unificado de consciência, energia, informação, que pode ser ainda visto como a grande Alma Portuguesa... 
Interroga-se então Dalila Pereira da Costa, e a nós: «na pré-história e seu paganismo, que rituais, em abluções, sacrifícios, ritos vários, iniciações de regeneração, se realizariam nesses santuários em tão remotos tempos?
Que músicas, cantos, coros, qualificados para levarem ao transe, celebrantes ou iniciados?...
Acaso, só pela força recriadora da anamnese, poderemos ainda vislumbrar milénios passados, muitos desses rituais, sua musica, danças, e celebrantes, persistindo nos tempos actuais? E pela "memória do lugar", a que guarda, indelével, tal chapa fotográfica, fielmente tudo o que um dia em passado longínquo aí aconteceu. Para algum humano, tal dom de sobrevivência será um dia concedido eleitamente, em hora e data ignota?»
Eis um desafio (ou testamento....) de anamnese ou clarividência que fica hoje lançado, muito a propósito ou sincronizado, no dia do Equinócio da Primavera de 2021,  certamente por algumas pessoas dignamente comemorado ou meditado, ainda que as restrições da covinagem tenham impedido várias outras.
Saibamos avançar no nosso caminho de realização espiritual continuando a Tradição Espiritual Portuguesa e os seus elos, símbolos (e esperemos que a esfera armilar não nos seja roubada) e práticas, tão bem estudados e vividos pela Dalila, e que a Luz, o Amor, o Mestre, o Anjo, o Arcanjo e a Divindade brilhem mais luminosamente em nós, para uma humanidade  mais harmoniosa e plena, livre e feliz...

sábado, 13 de março de 2021

Será que é verdade o que diz Luc Ferry – A felicidade é uma ideia absurda? Ou ele é que a absolutiza e por outro lado desconhece o espírito, a Divindade, o Amor, a bem-aventurança,o caminho eterno?

Andando a circular no Facebook e em algumas páginas este vídeo anexado no fim, tendo-o eu mesmo partilhado sem o abrir para o grupo da Regina Sardoeira e Helena Soares, Café filosófico e literário, vendo-o hoje de novo aflorado pela Nadia Bagiolli resolvi espreitá-lo e, como eram só três minutos, ouvi-o. E escrevi de imediato esta breve resposta, que poderia ser bem mais alongada e esclarecedora de outros aspectos contidos na breve crítica tecida por Luc Ferry aos idealismos, aos crescimentos pessoais e desenvolvimentos da nova Era, aos amores incondicionais, aos estoicismos. Mas foi o que saiu e ficou no Youtube. Pode ser que venha a ouvir a gravação uma segunda vez e questione melhor Luc Ferry...

«Fraquinho, vários erros, e então o último exemplo de Epicteto, uma anedota, é demais (mas pelo menos, finalmente, riu-se um pouco...)...

Como se ao longo dos séculos não tivessem vivido muitos sábios estóicos, ou seres sóbrios, ou místicos, ascetas e mestres plenos de compaixão, de amor, de felicidade ou bem-aventurança...

Quem fala é um desiludido da sua demanda filosófica Chegando a renegar a inteligência e escudando-se em Kant), um relativista e se tem certa razão em criticar muitos dos exageros da nova Era, reflexos frequentemente de um neoliberalismo egoísta e falso norte-americano, por outro pressente-se que Luc Ferry provavelmente nunca teve uma vivência espiritual. 

E que para ele apenas existe a dança dos acontecimentos e da reacções emotivas naturais a eles, não reconhecendo ou nunca tendo sentido a fonte espiritual e divina, que é amor, paz, felicidade e à qual que podemos ter acesso por uma vida justa e amorosa, e pela meditação, a oração, a contemplação, ou mesmo certos exercícios predisponentes ao desenvolvimento de tal sensibilidade e consciência. Ainda que certamente tal felicidade estremeça com tanta injustiça e criminalidade, nomeadamente a do liberalismo-imperialismo norte-americano, ou com tanto sofrimento, que existem e nos envolvem. 

Ora os estóicos e outros sábios e mestres porfiaram na identificação espiritual interior, conseguindo atravessar melhor tais tempestades, tragédias, sofrimentos e transmitindo energias impulsionadoras e libertadoras, para sempre. Mas também deveremos referir tantos seres em amor ou em família, tantos  seres criadores tantos que nos seus deveres e missões viveram felizes, gratos ou dando graças?

                          

sexta-feira, 12 de março de 2021

Poesia espiritual, em diários antigos de Pedro Teixeira da Mota. Gravação.

Poesias escritas no dia a dia dos diários, já com alguns anos, e gravadas há uns meses e partilhada hoje, 12 de Março de 2021. Logo que encontrar o diário fotografarei algumas páginas ou talvez até transcreva alguma. Como não as ouvi agora não vão com outra contextualização do que a primeira ter sido escrita em 1995...