quinta-feira, 11 de março de 2021

Dia de aniversário do heróico mártir Qasem Soleimani, com um vídeo de Soureh, قاسم سلیمانی تضادها

                          

Faz hoje, 11 de Março,  anos o heróico general iraniano Qassem Soleimani, embora apenas nos planos espirituais pois foi cobardemente assassinado com alguns companheiros quando acabara de aterrar no Iraque no dia 3-I-2020, convidado a negociar entendimentos diplomáticos com a Arábia Saudita. Nascera a  11 de Março de 1957 em Kerman, de uma família pobre de agricultores e foi subindo lentamente na vida à custa de muito esforço, sacrifício, coragem, visão e sabedoria, trabalhando em construções de barragens e irrigações, fortalecendo-se num ginásio e lendo e estudando com um religioso, Hojjat Kamyab, discípulo do ayatollah Khomeini, continuando ao longo da sua vida a ser muito religioso e místico, cheio de compaixão e amor, ora chorando ora se alegrando, ora adorando ora entusiasmando os que o rodeavam...

No coração, no amor, na ligação espiritual a Deus, corajosamente...

  Participou em múltiplas frentes de batalha ao longo da sua vida, destacando-se sempre pela sua coragem, sendo certamente um dos maior heróis das últimas décadas e, contra o que se pensa até, na salvaguarda da civilização, não só do Irão, Iraque e Médio Oriente, mas também da Europa, ao ter sido o principal estratega na derrota dos extremistas terroristas, como reconheceram no auge da luta os principais líderes mundiais e é hoje evidente a quem não está infectado pelos vírus do neoconservadorismo imperialista ocidental....

                                 

Infelizmente Donald Trump, Mike Pompeo, Mike Pence, Mark Esper, Benjamin Netanyahu, Mohamad bin Salmon, o Pentágono, e com a ajuda de alguns operativos das bases militares do imperialismo norte-americano adjacentes ao Iraque e Irão, decidiram assassiná-lo traiçoeiramente através de um drone, cobardemente portanto, e tornaram-se criminosos para sempre na História da Humanidade, enquanto Qasen Soleimani se ergueu a mártir e mestre da Humanidade, e certamente libertador da presença e influências criminosas da USA na região...

                              

                                           

                                       

                                             

                                          

Como serão castigados, tal como indica a bandeira vermelha do Amor e Justiça, como será a Justiça Divina e o karma deles não sabemos. Para já houve, 1º, uma pequena largada de mísseis no dia a seguir ao  funeral do general Soleimeni sobre duas bases norte-americanas no Iraque, deixando os responsáveis em Washington sem saber  o que dizer ou reagir, para além de encobrirem os efeitos humanos. 2º, vemo-los cada vez mais expostos nas suas mentiras e ganância imperialista, tanta vez criminosa mesmo apenas pelas sanções que estrangulam países algo mais socialistas como Cuba, Venezuela, Síria, Rússia e, claro, Irão. 3º, o mais evidente, Donald Trump perdeu as eleições presidenciais e com ele foram arrastados os republicanos que estavam nos altos cargos da Administração e entre eles os mais tenebrosos warmongers e criminosos,  tal Elliot Abrams (um dos dráculas da Venezuela) e Mike Pompeo, que publicamente em entrevista já confessara sê-lo, enquanto director da CIA.

Regressemos Soleimani, e alarguemos brevissimamente em meia dúzia de linhas o seu percurso de trabalhador, pai, religioso-místico (dotado do dom das lágrimas e da voz persuasiva), guerreiro, estratega, líder, protector dos oprimidos e dos órfãos, herói da nação e dos shias, e quem até hoje recebeu o maior funeral da História da Humanidade, com milhões e milhões de pessoas a acompanhá-lo, mais os seus companheiros, entre os quais poderemos nomear Shahrooz Mozaffarinia: 
  Milhões e milhões de almas em quem as forças anímicas de Qasen Soleimani estavam ou entraram, impulsionando-as no caminho da coragem luminosa pela Verdade e a Justiça, por uma Humanidade fraterna, solidária, e religiosa, ou seja, trabalhando pela religação ao espírito e a Deus....

  A sua filha tem dado testemunhos bastante inspirados, sentidos e valiosos...

Tendo entrado com 22 anos para os Corpos da Guarda Revolucionária Islâmica, em 1979, começou por participar na guerra do Iraque de Saddam Husseim, apoiado pela USA e o Ocidente, em particular França, Alemanha e Inglaterra que fizeram bom dinheiro com armamento e agentes químicos,  contra o Irão, que durou de 1980 a 1988, com cerca de meio milhão de mortos no total. Soleimani destacou-se pela sua coragem e visão, e foi ferido até gravemente em Dezembro de 1981 na mortífera batalha de Tariq al-Qods,  e no fim era já um comandante de uma divisão e um líder.

                         

Em 1998 tornou-se o chefe das forças Quds, dentro dos   Corpos da Guarda Revolucionária Islâmica e passou a ajudar os Shias no Iraque, os afegões e norte-americanos (até George Bush e a Administração da USA, em 2002 considerarem o Irão como parte do "Eixo do mal", quando eles é que sempre o foram) na luta contra Al-Queda, e os libaneses contra a ocupação e ataque israelita. Em 2011 começa a ajudar o presidente da Síria Bashar Hafez Al-Assad a resistir ao ataque insidioso de rebeldes, terroristas, israelitas, sauditas, norte-americanos e NATO.

                         

Quando o exército norte-americano abria alas no Iraque a Qasen Soleimani, o heróico guerreiro e estratega da derrota da Al-Qaeda, apoiada por tantos países ditos civilizados...

                           

Em 2015, lidera (na imagem em oração nessa altura) a nova reacção síria face ao reaparecimento do terrorismo do ISIL em muitas zonas da Síria, desta vez já com a ajuda de Putin, com quem tivera um importante encontro em 16 de Dezmbro de 2015, que determinou de certo modo a salvação da Síria e de certo modo da Europa mediterrânica  face ao terrorismo. Não há porém fotografias desse encontro, na fotografia seguinte apenas se vendo Bashar Al-Assad, Putin e o general russo.                                         

Será ainda decisiva a sua participação na libertação de várias zonas da Síria que tinham tombado nas mãos sanguinárias e iconoclastas dos terroristas, nomeadamente terras curdas, em que shiaas e curdos unidos derrotaram o ISIL, e esteve presente nas importantes reconquistas de Tikrit, Fajhula, Jurf Al Sakhar, de certo modo podendo dizer-se que foi o libertador do Iraque. Mas, ironias do Destino, aquele que uma reportagem da suspeitíssima CNN apontava como o herói da derrota do ISIL, foi considerado terrorista e foi abatido traiçoeiramente pelos norte-americanos, os quais, graças à sua capacidade de imprimirem os dólares que querem conseguiram subornar muitos iraquianos, e ali estão eles a sugar o petróleo da Síria e apoiarem os terroristas contra os shias e o Irão. 

                                     

Mas certamente que a accção de Soleimani e seus companheiros, nomeadamente de Abu Mahdi al-Mohandes, o chefe iraquiano das heróicas Forças Populares de Mobilização, nos planos invisíveis e no interior de milhões de seresm dará os seus frutos e o imperialismo norte-americano e dos seus aliados terá de recolher ou aparar as suas garras e, quem sabe, transmutar-se, para o Bem da Humanidade e do Planeta...

                                     

                                         

                                     Veja o bom vídeo:

terça-feira, 9 de março de 2021

Uma biblioteca "romântica" do séc. XIX, dos prelos lisboetas da época, com alguns mantras mandalicos.

 As bibliotecas particulares reflectem muito os gostos e afinidades dos seus donos e as épocas em que eles viveram. Podemos encontrar algumas muito vastas nos temas representados, outras que são bastante especializadas em um ou dois temas. Em geral, são sempre vários e podemos nomear a  literatura, e as suas subdivisões de romances, contos, poesias, memórias, a história, a filosofia, o direito,  a ciência,  a etnografia, a medicina, a religião, etc.,  mas há que destacar frequentemente serem determinadas épocas ou regiões as que atraem mais uma pessoa e configuram a sua biblioteca e então temos as clássicas, as medievais, as do humanismo do Renascimento, a revolução francesa, o liberalismo, o orientalismo, o Egipto, a Índia, a Rússia, a Pérsia, o Brasil, etc., etc.

                         

Muito recentemente um amigo antiquário da rua de S. Bento, o Pedro Carvalho, com leiloeira online mais de coleccionismo e antiguidades (Bidantiques), recebeu uma biblioteca razoável e pediu-me uma ajuda na catalogação, o que fiz durante alguns dias. Ora ela,  sem ter mais do que umas poucas raridades, apresenta uma excepcional colecção dos romances de meados do séc. XIX, muito bem encadernados, dos "grandes" autores franceses (Lesage, Victor Hugo, Alexandre Dumas, Ponson du Terrail, Eugene Sue, Musset, etc.), mas também portugueses, espanhóis e ingleses, rocambolescos, bastante de capa, espada e amores.

Estes livros foram traduzidos e dados à luz nas profusas  pequenas tipografias lisboetas, facto que conheço há uns anos e me tem levado a recolher dados e a imaginar assinalar num mapa de Lisboa, com as suas ruas e casas,  todas ou muitas das tipografias, editoras e livrarias, que ao longo do século XIX e XX existiram, verdadeiros mas efémeros templos do conhecimento e da instrução, locais de culto e de cultura com tanta história fabulosa, hoje um milionésimo recuperável...

Quão surpreendente e instrutivo seria constatarmos como todas as ruas centrais ou nobres de Lisboa estavam atulhadas delas e como hoje as poucas que ainda existiam têm vindo a extinguir-se.

Mudam-se os tempos, mudam-se os meios de produção, as tecnologias, as mentalidades, os interesses e agora o capitalismo global não quer vender tanto cultura mas sim outros consumos mais mundanos ou do reino das aparências.

 Desta biblioteca destacam-se tanto as belas encadernações com ferros românticos dourados nas lombadas, muitas até com as iniciais do nome a fazerem de ex-libris no pé da lombada, como os multicoloridos papéis de fantasia que cobrem as pastas, já que são meias encadernações em chagrin ou carneira e, finalmente iconograficamente, os frontispícios e as muitas finas gravuras ou litografias que adornam as obras. E é mais isso que vou partilhar, com uma ou outra intervenção poético-espiritual minha, nos belos papéis de fantasia. 

                                       

Certamente que deveremos referir pelos conteúdos e a raridade a bela edição das obras completas de Alcipe, a Marquesa de Alorna, bem como as de Elpino Duriense, a 2ª edição de 1880 do icónico Crime do Padre Amaro, de Eça de Queiroz, uns 10 volumes do Almanaque de Lembranças, viveiro de centenas de poetisas e poetas olvidados, o Elogio dos Reis de Portugal, do P. António de Figueiredo (do séc. XVIII), O Portugal na Balança da Europa, de Almeida Garret, as Mil e Uma Noites, com suas delicadas gravuras e, sobretudo, o monumental Minho Pitoresco, de 1887, mais de 1400 páginas e com belíssimas litografias de vistas do final do séc. XIX, hoje já muitas desaparecidas.

Deliciemo-nos com algumas imagens, de mais uma biblioteca,que, recolhida durante quase 200 anos, é agora dispersa ou partilhada para novos possuidores, que se alegrarão com as leituras, alegrando ainda todos os que possam estar ligados, potencial e subtilmente, a tanta obra semi-olvidada... 












                                               




                                                  

segunda-feira, 8 de março de 2021

Uma invocação da deusa grega da saúde, Hygia: "O Templo de Hygia ou a saúde publica influída pelos governos", de Pedro Nolasco da Cunha. Da sua actualidade...

 Hygia ou Higeia é o nome de uma deusa grega pouco conhecida mas que até mereceria hoje ser mais cultuada, pois era e de certos modos é um nome de invocação dos poderes iluminativos e curativos da consciência e da providência Divina,  que estão acima e dentro de nós e aos quais podemos aceder pela oração, a fé, a meditação, a contemplação, o esforço e, sobretudo, se apoiados na sabedoria da ordem da natureza e da higiene correspondente.

Hygia, Hygea ou Hygeia era a deusa da saúde, de certo modo a contraparte feminina do deus Esculápio, e tanto ligada com a prevenção como com as mezinhas, os medicamentos da natureza, as ervas medicinais e poções, vindo a tornar-se no Ocidente a patrona da farmácia, representada em geral com um vaso ou graal e a serpente da energia vital.

 Não podemos pois estranhar que ela ao longo dos séculos se mantivesse reverenciada, invocada e cultuada, com belas estátuas clássicas e, mesmo após a extinção da religiosidade greco-romana,  ei-la, por exemplo, representada no mosteiro beneditino de Melk, Áustria, numa bela escultura em madeira do começo do séc. XVIII, presidindo ou abençoando na biblioteca, que é em si na realidade uma casa de saúde onde se exerce a biblioterapia.

Sobreviveu Hygia também em alguns nomes, tal como Higierna, que por acaso foi o da minha mãe, ou em Higino, que era o pai da minha avó materna, um artista (ver Higino da Costa Paulino, no blogue), ou até, mantricamente, nas Lígias, e para estas almas invoco as bênçãos da Deusa e da Divindade, da qual ela é uma sua face feminina.

Sobreviveu também na palavra hoje tão falada, ou por vezes manipulada, de higiene. A higiene pública, a higiene individual: como nos devemos cuidar em termos gerais e naturais para estarmos em saúde e logo em paz, e logo sermos seres harmonizando-se e harmonizadores,  capazes de nos relacionarmos correctamente e de nos religarmos salutarmente, espiritualmente e divinamente.

Quantos milhares de teorias e de propostas de higiene existem, quantas são as que praticamos, quais as que devemos ainda aprender e experimentar, eis questões que nos desafiam, e mais do que nunca nestes tempos em que o nosso sistema imunitário tem de estar bem fluido e forte para resistir aos vírus e a tanta onda artificial, emocional e mental perturbadora, manipuladora, aterrorizadora...

Não vamos agora  apresentar receitas de ervas e mezinhas da farmacopeia tradicional, que em certos casos nasceram sob a égide da Hygia, embora haja indicações valiosas da nossa sabedoria popular galaico-portuguesa nesse sentido, e trabalhadas ainda nos nossos dias com bons resultados. Vamos sim  recuar uns anos a um elo da Tradição espiritual portuguesa, para receber forças do passado, para agirmos bem no presente e gerarmos e colhermos um futuro melhor.

De Vicente Pedro Nolasco  da Cunha (Caldas da Rainha, 1777-Lisboa, 1844), formado em Ciências na Universidade de Coimbra, um liberal amigo de Bocage, que andou emigrado pela Europa e foi o principal redactor e fundador em Londres, em 1811, do jornal literário e político O Investigador português em Inglaterra, vamos apresentar ou transcrever  uma obra sua dada amorosamente à luz, porém anonimamente em Lisboa, em 1837, consagrada a Hygia, a deusa da saúde, e intitulada O Templo de Hygia, ou a saúde publica influida pelos governos, um título muito actual pois todos temos visto a importância das decisões dos governos na saúde dos  seus cidadãos, sobretudo nestes tempos de crises e de medidas de tão díspares intencionalidades. O exemplar é um in-8º de 26 págs., e tem a nota de posse de Faustino de Paiva Sá Nogueira, e foi envolto num papel rosa...

                                        

Publico-o no dia 8 de Março de 2021, no dia da Mulher, pois Hygia é ainda um arquétipo activo para a mulher da natureza, a conhecedora das ervas e mezinhas, a bruxa, feiticeira, meiga ou curadora, ou ainda a pitonisa e a sibila, mas também para a mãe de família, a enfermeira, a médica, a trabalhadora, a lutadora e amante, em suma, a Mulher. 

Com as suas aspirações e ensinamentos, com mantras ou orações, mostrando um conhecimento científico, um discernimento do bem e do mal, e  uma inspiração anímica da harmonia do microcosmo com o macrocosmos segundo os ensinamentos ou a fala de Hygia, a obra é como um  livrinho revelado: 

                                  

                                       

 «Nos quícios d'ouro as bronzeas portas rangem.    

E o tempo se abre consagrado ao Numem 

Custódio da Saúde - Eis já patente

O venerando, excelso Santuário,

Que dos seus mais recônditos arcanos

Nenhum veda a meus olhos. - Corro às aras,

A Deusa me apresento; e com profundo, 

E nobre acatamento assim suplico:

Celeste  Hygia, da Saúde Guarda,

Que não só a mantens, mas que a restauras,

Escuta os votos meus, teu sacro influxo

A mim, e ao meu país benigna outorga. 


     - Sacerdote das Musas, pois que Vate

És também meu Ministro; me responde

A voz do Santuário - Eu te concedo

O que tu pedes justo - Ouve, e publica

Segredos, que a Verdade aqui revela

Aos sinceros mortais, que ouvi-la prezam.

Mas primeiro que tudo advertir deves

Que tempo, e esforço perdes, se pretendes

Moléstias corrigir que têm por causa

Vão saber, sistemática ignorância.

Erros o vão saber somente gera,

Que o lume da Razão jamais dissipa.

Contumaz a Ignorância, e capricho

Todo o socorro enjeita das Ciências.

Os Homens são perversos, porque ignoram

Seus grandes interesses, que a Verdade

Só lhes pode mostrar, pois não desune

O bem particular da geral dita.

Sabe isto o mundo; e de segui-lo foge.

Já disse antigo Vate em grande metro

- Louva-se a probidade, e ela arrefece. -

Porque assim - Vou dizer-te - Atende um pouco.

O mal físico existe - A dor o mostra.

Existe o mal moral - Crimes o atestam.

O mal tem pois duas nascentes certas.

A origem do primeiro examinemos,

E os meios de extingui-lo, ou mitigá-lo.

As causas do segundo investigando

O remédio melhor lhe apresentemos.

Mortal, antes de tudo, olha onde habitas.

Da terra albergue teu, mede as distâncias,

Suas diversas índoles observa.

Nos trópicos calor, frio nos pólos

A tempérie do ar, e as zonas formam.

Que da orgânica vida o curso regem,

Altas montanhas, e profundos vales,

Lentos regatos, caudalosos rios

Campestres plainos, densos arvoredos, 

Eléctrica fluxão, que a chuva, o raio

Dos ares desenvolve, os meteoros.

Dos pólos a magnética torrente,

Vizinhanças do mar, distâncias dele

Tudo influi em teu corpo, e seu tecido

E a sua vária condição produzem».

Acerca da galvanoplastia pré-natal:

«Cumpre portanto não turbar o estado

Da vida incipiente com movimentos

Estranhos, com paixões veementes de alma.

Por isso outrora os Magos do Oriente

As grávidas mulheres entretinham

Com música, e passeios pelo campo,

Com gratas sensações, que as distraiam

De vivas dores, reflexões acerbas...»

Apelo de Hygia à amamentação:

«Tágides belas, Lisbonenses damas,

Eu me dirijo a vós, não por taxar-vos

De falta de ternura - Se de Hygia

Faltais ao melhor culto, aos Céus mais grato

Ao doce emprego de criar um filho,

Culpa vossa não é, culpa é dos vossos

Avós, que a vossa têmpera amoleceram

De um cego luxo pelo falso encanto.-»

E face à dificuldade, apela à solidariedade:

«Se não vos move a simpatia humana

De Hygia o culto vos persuada ao menos.»

Dos malefícios e benefícios das águas e ares: 

«Doutra parte prazeres nos fornece,

Conduzindo as suavíssimas fragrâncias

Das balsâmicas plantas florescentes

Que os sentidos alentam, que os refrescam

Aromas tão somente, que o princípio

Tem acidificante. Exemplo - O Cravo

das flores rei; sua rainha a Rosa.

E do norte o Alecrim; mas não dos cheiros

Em que vem disfarçado o Gás nocivo

Produtor de histerismo, e cefalgia

Qual Jasmim, Mangerona, ou Bergamota,

Alfazema, ou pastilhas odorantes.

Damas Francesas, desterrai perfumes

Que tão caros vendei à insânia alheia;

Do Tejo as Ninfas têm do pátrio rio

Os cristais, que banhar seus membros devem.

De vossos arrebiques não carecem

Para a cultura das nativas graças»

Em seguida avança Hygia, pela voz de Pedro  Nolasco da Cunha, um cavaleiro do Amor e da sabedoria, a ensinar a arte de bem viver, examinando e enaltecendo a música,  a palavra  verdadeira, a democracia e o governo justo das cidades etc., mas, como já vai longo o texto, ficará para uma segunda parte...


 Oremos de novo, ou por fim, à Divindade nesta sua face:

"Celeste  Hygia, da Saúde Guarda,

Que não só a manténs, mas que a restauras,

Escuta os votos meus, teu sacro influxo

                        A mim, e ao meu país benigna outorga."

quinta-feira, 4 de março de 2021

"Orpheu Portugal, e o Homem do Futuro." Uma carta para Dalila Pereira da Costa, reencontrada e agora enviada no dia do seu aniversário.

 Tendo encontrado entre os meus papéis uma carta para a Dalila Pereira da Costa,  escrita na quinta do Gilde, S. Torcato, Guimarães, após ter lido o seu folheto que me enviara, Orpheu Portugal e o Homem do Futuro, de 1978, resolvi agora transcrevê-la e assim enviar-lha, no seu aniversário, para os planos espirituais, com muito amor e aspiração de realização espiritual e divina!   Vai com uma fotografia inédita da Dalila, já com 91 anos fabulosos, de 2009, com a Sandra Pinheiro, três anos antes de deixar a terra e regressar aos mundos espirituais, em 2 de Março de 2012.  Que ela nos inspire...

Orpheu Portugal e o Homem do Futuro é um pequeno texto escrito para Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, em 1977, no qual Dalila aborda o movimento sensacionista da revista Orpheu e do seu grupo, com uma hermenêutica altamente idealista e espiritual, assumindo que Fernando Pessoa fala como um profeta e apela à iniciação de Portugal e da Europa, a qual se faria pela busca ardente da imortalidade, assente na desintegração da individualidade, numa linha de Super-homem de Nietzche, e que dois poemas exprimem mais: «Desde a busca da alma borboleta de Para Além Doutro Oceano, até à proclamação final no Ultimatum do advento do Super-homem, se processará uma ascese individual, nacional e universal, como atingimento duma personalidade, seguida do seu ultrapassamento, ou negação, como estado vivido de suprema sabedoria»;  algo que na realidade pouquíssimos portugueses terão conseguido ao longo dos tempos, mas que Dalila na época algo mistagogicamente imaginou em Fernando Pessoa e nos poetas do Orpheu, apesar de terem «no consenso dos seus contemporâneos e conterrâneos, merecido a definição de cocainómanos, morfinómanos, loucos varridos», pois «esta aventura do Orpheu e supremamente de Pessoa surgindo-nos agora como uma das formas mais altas que tomou a aventura espiritual europeia do nosso século, e justamente entre nós.» 

Exagerou, e enganou-se também na nova Europa (quem poderia prever então a funesta União Europeia dos globalistas trans-infrahumanistas que destruiria nações e géneros, almas e tradições?) que nasceria graças ao contributo português, mesmo que unido ao Brasil, ou seja: «E assim nesta esperança profética, se seguirá a reapossesão da alma europeia. Esta sendo realizada pela alma atlântica. Por isso tudo se fará, a partir das margens marítimas de Portugal, virando as costas à Europa.

E será esse dom da civilização lusitana, de que Orpheu por si solitário e continuador da Renascença Portuguesa (de Teixeira Pascoaes, Leonardo Coimbra e Jaime Cortesão, com a sua revista Águia), se vê incumbido. Civilização que, por ela, será agora, não mais unicamente nacional, como nos saudosistas [algum exagero, pois leia-se o tão valioso O Homem Universal, de Pascoaes], mas universal, detendo e simultaneamente ultrapassando, uma personalidade nacional. Porque nascida das suas raízes primeiras, mas vivificada pela seiva duma cultura cosmopolita.» Uma miragem já que  o cosmopolita tornou-se globalista, e já não tanto de cultura como mais de informação e manipulação.

«Querida e estimada Eu (Self)
Já encontrou a melhor
designação para a conceptualização de tão subtil e elevada realidade,  ou acha que a palavra Espírito serve bem?
Acabo de chegar hoje ao Gilde [S. Torcato, Guimarães] e se de manhã, ao passar pelo Porto, pensara em visitá-la [mas não pude], recebi-a agora ao encontrar e ler o seu pequeno folheto Orpheu Portugal.
Orfeu tornou-se o deus dos sonhos, [pois por eles acedemos aos mundos subtis]. Desde os tempos medievais [com o desenvolvimento do intelecto escolástico], perdemos repetidamente o que nos estava a sorrir. Agora que já está quase tudo perdido poderemos encontrar a pérola sem preço?
A sua expressão "Portugal Brasil
" [No Orpheu, no Ultimatum e em certos escritos de prosa de Pessoa, haverá por certo, um dos mais altos pontos de apelo à missão incumbida a Portugal e Brasil, na criação duma nova civilização atlântica»] faz-me lembrar uma ponte para a liberdade. Um movimento que existe até por acaso com este nome, inspirados por quem eles chamam [mistagogicamente] os mestres ascensionados. Saberemos desenvolver tal com justiça, ecologia e plenitude do ser humano?
Estou escrevendo e pensando qu
e talvez já não lhe chegue a carta às mãos. Desde o cansaço, à doença, à má alimentação, à falta de tempo [que me envolvem e me dificultarão a ida ao correio.]
São meios que o inimigo secreto ou forças adversárias utilizam para nos afastar da claridade luminosa, do Amor/Justiça que a tudo inclui e transcende, bem visto no panteísmo lusitano das forças da natureza, das porcas de Murça e das pedras de bazar. E agora o português está num bazar de consumo, ponte entre a natureza e a técnica, entre a entreajuda e os partidos, entre a destruição e a harmonização.
Estamos todos a viajar. Diariamente zarpamos rumo à Índia, [espiritual e simbólica...]
Ex Oriente Lux, e assim os antigos dem
andavam essa luz e morriam mesmo virados ora para o Leste ora o Oeste. Saberão os intelectuais, os artistas, os mais despertos, silenciarem as suas mentes, descerem às suas profundezas e deixarem-se penetrar pelos ritmos cósmicos e as correntes espirituais?
Cosmopolitismo, tal como realça, também já não nos falta. Agora sim, invocar tudo [o que nos possa impulsionar ou harmonizar], que o nada é para quem quer seguir o Deus dará...
Alguns artigos da Fi
ama [Hasse Pais] Brandão, outros da Yvette [K. Centeno] fazem-nos crer que o espiritualismo começa a sair das limitações da religião católica ou das seitas. Será tempo de se começar a pensar como concretizar mais os arquétipos deste todo e como poderemos contribuir directamente no processo iniciático.
À volta para Lisboa,
se passar a horas, visitá-la-ei, talvez na sexta-feira do 25 de Abril, se não partir quinta à noite. Diga para aqui, para o Gilde (42875) se houver algo em contrário. 25 de Abril que vem das antigas festas pagãs das flores e que simboliza também a abertura ao povo do átrio do templo.
Aqui tudo vibra intensamente, só os nossos corpos é que são mais ou menos perfeitos como canais da Harmonia Cósmica, e como caixas de ressonância do espírito em nós.
Saudações respeitosas e
calorosas na Fraternidade, Pedro. »

O que realçar desta carta escrita já há tanto tempo para a querida amiga Dalila? O debate entre a melhor designação para o espírito em nós, o nosso verdadeiro eu: o jivataman indiano, o Self, em inglês, ou o Soi, francês, o Si, o Eu, com letra grande, já que nós não temos com tanta facilidade de uso a diferenciação do Eu normal da personalidade e o Eu espiritual, o Si, preferindo eu até mais a designação de Espírito, do qual o nosso eu é um reflexo instável e alargado pela alma e o corpo que envolvem o espírito e frequentemente o ignoram. Mas se queremos acabar com o eu ou por outro lado recusar e negar o espírito, como certas linhas espirituais fazem, já nos desviamos e perdemos.
Como recuperar a
identificação ao espírito, ao verdadeiro eu, que é de origem divina, eis a questão, eis o caminho, a sadhana, como se diz na Índia, terra lúcida bastante referida na carta pois a Dalila apreciava bastante a sabedoria espiritual que eu a partir da minha estadia de um ano na Índia, com vários mestres, dialogava com ela (ainda que com oposições fortes do seu amigo Paulo Samuel], embora procurasse sempre ressuscitar ou aprofundar os melhores veios da tradição espiritual ocidental, seja pagã, e a Dalila era-o muito atavicamente, sibilinicamente, seja cristã.
Realçarei ainda o desejo ou aspiração a que pessoas consigam interiorizar-se, silenciar-se e abrirem-se às melhores correntes espirituais e divinas...
Embora deva ter na
minha vasta biblioteca o opúsculo Orpheu, não está contudo junto aos livros da Dalila, pelo que um comentário mais fiel à carta e ao livrinho fica prometido para quando o reencontrar, se não é que o emprestei e perdi como tantas vezes sucede. [Em 2023 consegui comprar um exemplar e pude assim melhorar e introduzir os comentários e transcrições iniciais que encontra no princípio deste artigo e sua carta.]

Fiquemo-nos para terminar nestes tempos de tanta artificialidade com um estado de harmonia com a natureza campestre, sentido em Gilde, S. Torcato, e expressado na carta de então: «Aqui tudo vibra intensamente, só os nossos corpos é que são mais ou menos perfeitos como canais da Harmonia Cósmica, e como caixas de ressonância do espírito em nós.»

Invoquemos mais o espírito no silêncio e mergulho interior, e estejamos mais conscientes e harmonizadores do que estamos pensando, sentindo ou fazendo   e comunguemos agora em comunhão vertical e interior com a alma luminosa da Dalila, tão amante das flores e árvores, do rio Douro e da serra do Marão, do Porto e de Portugal, dos mestres, dos Anjos e da Divindade...
Que eles nos inspirem e abençoem nas nossas acções e orações-meditações...
Imagem final de outra fotografia inédita do
seu hortus conclusus ou jardim encantado portuense, tão compenetrado do seu amor e cuidado. Que os perfumes dourados nos religuem a todos nós com o mundo espiritual e a Divindade!