terça-feira, 9 de março de 2021

Uma biblioteca "romântica" do séc. XIX, dos prelos lisboetas da época, com alguns mantras mandalicos.

 As bibliotecas particulares reflectem muito os gostos e afinidades dos seus donos e as épocas em que eles viveram. Podemos encontrar algumas muito vastas nos temas representados, outras que são bastante especializadas em um ou dois temas. Em geral, são sempre vários e podemos nomear a  literatura, e as suas subdivisões de romances, contos, poesias, memórias, a história, a filosofia, o direito,  a ciência,  a etnografia, a medicina, a religião, etc.,  mas há que destacar frequentemente serem determinadas épocas ou regiões as que atraem mais uma pessoa e configuram a sua biblioteca e então temos as clássicas, as medievais, as do humanismo do Renascimento, a revolução francesa, o liberalismo, o orientalismo, o Egipto, a Índia, a Rússia, a Pérsia, o Brasil, etc., etc.

                         

Muito recentemente um amigo antiquário da rua de S. Bento, o Pedro Carvalho, com leiloeira online mais de coleccionismo e antiguidades (Bidantiques), recebeu uma biblioteca razoável e pediu-me uma ajuda na catalogação, o que fiz durante alguns dias. Ora ela,  sem ter mais do que umas poucas raridades, apresenta uma excepcional colecção dos romances de meados do séc. XIX, muito bem encadernados, dos "grandes" autores franceses (Lesage, Victor Hugo, Alexandre Dumas, Ponson du Terrail, Eugene Sue, Musset, etc.), mas também portugueses, espanhóis e ingleses, rocambolescos, bastante de capa, espada e amores.

Estes livros foram traduzidos e dados à luz nas profusas  pequenas tipografias lisboetas, facto que conheço há uns anos e me tem levado a recolher dados e a imaginar assinalar num mapa de Lisboa, com as suas ruas e casas,  todas ou muitas das tipografias, editoras e livrarias, que ao longo do século XIX e XX existiram, verdadeiros mas efémeros templos do conhecimento e da instrução, locais de culto e de cultura com tanta história fabulosa, hoje um milionésimo recuperável...

Quão surpreendente e instrutivo seria constatarmos como todas as ruas centrais ou nobres de Lisboa estavam atulhadas delas e como hoje as poucas que ainda existiam têm vindo a extinguir-se.

Mudam-se os tempos, mudam-se os meios de produção, as tecnologias, as mentalidades, os interesses e agora o capitalismo global não quer vender tanto cultura mas sim outros consumos mais mundanos ou do reino das aparências.

 Desta biblioteca destacam-se tanto as belas encadernações com ferros românticos dourados nas lombadas, muitas até com as iniciais do nome a fazerem de ex-libris no pé da lombada, como os multicoloridos papéis de fantasia que cobrem as pastas, já que são meias encadernações em chagrin ou carneira e, finalmente iconograficamente, os frontispícios e as muitas finas gravuras ou litografias que adornam as obras. E é mais isso que vou partilhar, com uma ou outra intervenção poético-espiritual minha, nos belos papéis de fantasia. 

                                       

Certamente que deveremos referir pelos conteúdos e a raridade a bela edição das obras completas de Alcipe, a Marquesa de Alorna, bem como as de Elpino Duriense, a 2ª edição de 1880 do icónico Crime do Padre Amaro, de Eça de Queiroz, uns 10 volumes do Almanaque de Lembranças, viveiro de centenas de poetisas e poetas olvidados, o Elogio dos Reis de Portugal, do P. António de Figueiredo (do séc. XVIII), O Portugal na Balança da Europa, de Almeida Garret, as Mil e Uma Noites, com suas delicadas gravuras e, sobretudo, o monumental Minho Pitoresco, de 1887, mais de 1400 páginas e com belíssimas litografias de vistas do final do séc. XIX, hoje já muitas desaparecidas.

Deliciemo-nos com algumas imagens, de mais uma biblioteca,que, recolhida durante quase 200 anos, é agora dispersa ou partilhada para novos possuidores, que se alegrarão com as leituras, alegrando ainda todos os que possam estar ligados, potencial e subtilmente, a tanta obra semi-olvidada... 












                                               




                                                  

Sem comentários: