2ª Manifestação do movimento cívico "Nós por Elas", no dia
9-III-2019, no Terreiro do Paço, oferecendo-se através do rio Tejo flores às mulheres que tombaram perante a brutalidade, a ignorância, o desequilíbrio e o ciúme, etc., etc., fazendo-se em seguida um círculo de mãos dadas em toda à volta da praça do Comércio, e indo-se em marcha serena até à Rua do Arsenal, onde se penduraram na porta do Tribunal de Relação algumas proposições e protestos. Estiveram presentes cerca de 700 pessoas. Os meios de comunicação televisiva filmaram e entrevistaram. Concluiu-se esta actividade em prol de uma melhoria da ética política, da educação e da prevenção de actos tresloucados ou violentos, com um canto, que gravei e reproduzo no fim das imagens, na altura já com bastante menos pessoas.
Ninguém a chegar, apenas emanações e flores do coração a partirem pelo Tejo nosso rumo ao grande Oceano em oferecimento de luz, amor e paz às mulheres recentemente martirizadas....
Quando diminuirão as causas ou factores de tanta violência machista?
Cravos brancos, partilhas de almas puras que se vão dissolver no grande Oceano e levar vibrações de amor e paz às almas vítimas de um sociedade que permite ou facilita tanta violência e falta de sensibilidade e educação...
Almas mais amadurecidas vindas do Alentejo profundo, das searas secas e da poesia da Florbela Espanca, em osmose com jovens citadinas mas trazendo em romaria flores brancas para as almas arrancadas precocemente do jardim da vida...
A mulher é mais portadora da humildade, do respeito, da devoção, do amor. E o homem tem também a mulher dentro de si, se não a abafar por uma má educação e por comportamentos desequilibrados e violentos. Diminuir o unilateralismo interior é fundamental
Rios de amor, das almas, das águas e das flores, convocai às Tágides e grande almas Portuguesas, bem como as bênçãos divinas, para apoiar as que morreram às mãos de desgraçados ou doidos e para que se fomentem cada vez mais as medidas educativas, preventivas, éticas e espirituais que farão diminuir a violência que larva invisivelmente no inconsciente da sociedade e por vezes tragicamente visível no sangue, nas vítimas e nos noticiários
Amizades cívicas, activistas, na juventude é sempre um sinal de grande potencial anímico e de esperança de uma sociedade melhor
Dar as mãos por Timor, grande momento da grande alma portuguesa, com efeitos a milhares de quilómetros de distância, ou hoje dar as mãos pela não-violência, pelo não-machismo, pela não-alienação brutalizante, pela não-indiferença e sim pelo pelo respeito, apoio e amor às mulheres e suas crianças...
Quando será que o Terreiro do Paço passará a ser mais palco para danças do mundo, do amor, da universalidade e fraternidade?
Mãos feitas para fazer o bem, transmitirem amor, cura, criatividade e assim gerarem não sofrimento e dor mas um crescimento do corpo espiritual nosso e do próprio amor no planeta e seus eco-sistemas...
Almas novas, sérias, puras, aspirando a que a união faça força e que o anel de graças traga mais harmonia, paz e amor ao futuro das portuguesas e portugueses
Um grande espaço branco de silêncio e de coração, essência do amor e da comunhão...
Palmas que se batem, para afastar vibrações negativas e para chamar positivas, na alma portuguesa, tão afastada em certos aspectos do seu Arcanjo...
Almas luminosas, firmes, amadurecidas pelo sofrimento e dispostas a lutarem pela merecida valorização e protecção das mulheres face às opressões, discriminações e violências...
A união faz a força. Grupos familiares que comungam o pão do amor e o irradiam em serenidade, firmeza e esperança...
Uma, senão mesmo a única, criança batalhadora, erguendo prolongadamente a sua vozinha anímica, por um futuro melhor, de não-violência e logo de diálogo, amor e heroísmo, e por isso ficando enquadrado sob a coroa que o Arcanjo de Portugal, ou Mátria da Pátria, coroa as polaridades feminina e masculina no cimo do arco da rua Augusta...
Deixar vir o Anjo ao de cima, ou afastá-lo e reduzir o ser humano à bestialidade, eis a questão que esta angélica criança nos deixa, apelando a que a Educação seja não para gerar números de consumidores e contribuintes, mas seres de não-violência, ecologia, sabedoria, fraternidade...
Quem conseguirá discernir as qualidades anímicas mais valiosas destas pessoas de todas idades que vieram dar e testemunhar as suas energias e aspirações pela não-violência, a ética, a educação do coração, o fim da opressão da mulher, o amor, e pelas mulheres precoce e tragicamente arrancadas da sua evolução na Terra? Lux, Amor!
Iniciação activista e cavaleiresca: memória impulsionadora de uma futura consciência cívica, não-violenta e de amor.
Nas escolas e universidades, face à desumanização tecnológica e do capitalismo consumista e competitivo insensível, é fundamental implementar-se educação para a não-violência, para o respeito e ao amor, para a cooperação criativa e plenificadora...
Quando o povo toma conta das ruas é um sinal de que está desperto por uma causa
Homens participando a só ou casais dando as mãos: Nós por Elas, e avançando firmemente rumo a um futuro mais luminoso...
Entrevista de um canal televisivo, frente à porta do Tribunal da Relação, à grande alma e bem plena de sensibilidade, amor e dor, Helena Ferro de Gouveia, líder destas manifestações e marchas silenciosas...
Faces que exprimem sensibilidade e temor, dor e amor... Um grande clamor percorrendo a grande alma portuguesa por uma sociedade menos norte-americanizada e violentada e mais humana, educada, amorosas, harmonizadora...
O que terá sido semeado no interior desta jovenzinha precocemente activista dos direitos humanos e da paz e o amor entre os seres? Que impulsões luminosas germinarão nela? Será um ser de amor corajoso e pacificador? Encontrará o seu companheiro e gerarão ainda mais luminosas almas?
Jovens já bem despertas, lúcidas e firmes na sua cosmovisão bem mais luminosa e profunda que a que a sociedade de consumo superficializada e norte-americanizada oferece, impinge, manipula...
Certamente um dos dias em que o Largo do Município esteve mais pleno de apoio da grande alma Portuguesa e da sua Tradição espiritual de cavaleiros e cavaleiras do Amor, aqui presentes em grande número, ainda que tais valores sejam ignorados pela classe política, incapaz de verdadeiramente dar bons exemplos e apontar os melhores caminhos para o respeito e o Amor...
Tantas almas que saíram das suas zonas de rotina ou de conforto e que se decidiram a darem de si por uma causa que as toca. Quantas motivações e ideias valiosas, quantas experiências tocantes ou comoventes não têm elas consigo ou para partilhar? Que vibrações se trocaram, que determinações se fortificaram?
Muita juventude, bom sinal que há muita gente não alienada só nas melhores notas, nas carreiras, nas conveniências, na bola, na cerveja, na superficialidade, no consumismo...
Jovens ainda, mas tentando ver já bem longe, corajosa e luminosamente...
Almas bem luminosas e capazes de educar, de encaminhar maieuticamente o ser para a tomada de consciência de que qualquer violência sobre outro ser é mal, não é desculpável. E logo os ciúmes e possessividades que devem ser encarados como resquícios sub-animais, egóicos, e desabrocharmos sorridentemente na consciência da liberdade inviolável de cada ser se determinar por si próprio e que as relações amorosas ou matrimoniais não têm sempre que durar sempre...
Saibamos evoluir, desprender-nos, aceitando que cada ser tem o seu caminho, e vai desenvolvendo fases e direcções próprias, que devemos respeitar e aceitar... Certamente por vezes difícil e por isso há que dialogar, meditar, transmutar, expandir a consciência acima do seu ego e personalidade sempre possessiva...
Helena Ferro de Gouveia, a grande alma deste movimento educativo, correctivo e de amor, e supra-partidário.
Tribunais ou melhor juízes frequentemente ineptos, acomodados, pressionados, senão mesmo machistas, receberão algumas vibrações de empatia, justiça e não-violência e amor?
Uma classe política e judicial muito longe do sentir humano, do sofrimento das pessoas, e pouca disposta a melhorar as condições da educação e da vida dos portugueses para que tais casos aconteçam cada vez menos ou desapareçam mesmo...
Que energias nestes dias, nomeadamente com a generalizada indignação com o aberrante caso de justificação da violência pelas leis de Jeová, e hoje, com esta marcha de silêncio e flores, dor e amor, terá entrado nas almas dos meritíssimos juízes e dos políticos e dirigentes que deveriam impulsionar a evolução psíquica, cultural e social dos portugueses?
Muito pura e criativa desmontagem do machismo, da violência, da falta de igualdade e respeito entre os seres...
Jovens que aquecem as almas e nos fazem sorrir com optimismo e esperança, senão mesmo certeza, num futuro melhor
A polícia e os cães são elementos protectores ainda fundamentais das mulheres e crianças face à violência ora ignorante ora maldosa de tantos seres ora machistas ou brutos, ora doentes e desequilibrados...
Uma mulher e mãe preocupada com o tipo de sociedade que é implementada pelos políticos, a escola, os meios de informação.
Algumas das frases, apelos e ensinamentos mais fortes de não-violência, protecção, prevenção e correcção, escritos pelas pessoas sofridas e como teses afixadas às portas da catedral ou tribunal da Relação de Lisboa hoje e que bem mais valem que códigos e Bíblias a que a classe judicial se agarra mecanicamente, ultrapassadamente, desumanamente...
Um grupo de almas já mais entradas na consciencialização de quão trabalhosa é a missão de se diminuir a violência sobre mulheres e crianças, mas unidas por amizades e determinações interiores que certamente irão gerar bons frutos na imensa seara portuguesa ainda com tantas papoilas de dor em vez de amor...
Escrito e desenhado bem sentida e expressivamente por uma criança acerca da sua vivência de mau trato paternal, ela mostra o mais importante de tudo: destemor, não ter medo. E logo saber denunciar o mal (e que instituições estão preparadas para gerir tal?) e de resistir a ele, seja, noutros contextos, de ter de aceitar a justa liberdade e determinação do outro, não-violenta.
Almas sofridas, bem marcadas e contudo seres de tanto amor que tudo merecem de melhor: assim são tantas, tantas mulheres... Possa o Amor do coração e da unidade fraterna, espiritual e divina brilhar mais em todos os seres
Segue-se o vídeo de 5 minutos do canto final da celebração:
Antero de Quental teve na sua época e posteriormente muitos discípulos, ou talvez melhor, simpatizantes, admiradores, amigos, camaradas, correligionários, já que é sempre difícil e subjectivo deslindar ou definir estes graus de amizade e de apreciação ou, mais interiormente, os graus do fogo do amor unitivo no coração e alma dos seres...
Admiradores ou discípulos das ideias e ideais, de batalhas e da sensibilidade, ou apenas dele, como ser, amigo, líder ou poeta. Mas como era bastante independente, como eclipsava a sua individualidade e sofria até de fases de obrigatoriedade de recolhimento total, compreende-se que talvez seja melhor a expressão companheiros, amigos, correligionários. Infelizmente há poucas cartas conservadas (quatro ou cinco, só..., tal o seu desprendimento...) das muitas que lhe foram endereçadas, que nos elucidariam como Antero era tratado, embora as dedicatórias de livros que lhe ofereceram conservadas na sua biblioteca, hoje na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, nos permitam deduzir tais tratamentos: "ao seu amigo", "ao ilustre poeta", "ao seu querido amigo", "ao velho amigo".
É na correspondência enviada por Antero que encontramos melhor os reflexos do fogo de amor que ardia nele, pelo modo como se dirige a quem escreve: "Caro amigo", "Querido amigo", "Meu ..." e, volta e meia, o mais cerimonioso "Ex. Senhor". E numa ou noutra carta, em pleno período de mais juvenil revolucionário, o "companheiro", o "camarada", surgem, não no cabeçalho mas no meio da carta. É na parte final de despedida que vemos mais escrito o fabuloso "o seu do coração", embora também haja o mais humilde, "vosso criado", ambos testemunhando bem o amor partilhado por Antero nas suas tão instrutivas quão belas cartas. Aliás a António de Azevedo Castelo Branco, em 6-VI-1885, confessava a dificuldade de ter sempre vontade e capacidade de escrever pois era mais a falar que sentia a sua vocação: «o que a mim me convinha era encontrar um discípulo, pois confesso-te que preferia ser Sócrates a ser Platão». Assim, nas cartas, algo dessa pessoal maiêutica socrática, ou arte de gerar pelo diálogo aprofundante, se exprimia.
Antero de Quental em 1867
Ora após a fase mais revolucionária, que teve a sua fixação e divulgação com a publicação das Odes Modernas (1865), Portugal perante Revolução de Espanha (1868), O que é a Internacional? (1871), num apostolado socializante exercido (com vários textos avulsos) até 1880, Antero começou a descrer da revolução, sobretudo na versão republicana, e embora mantendo-se, por ideais de justiça, liberdade e solidariedade, socialista, vai diminuindo as suas críticas ao regime monárquico e ao catolicismo e interna-se cada vez mais filosófica e poeticamente numa demanda do Absoluto, da Ideia, da Verdade, do Inconsciente, do Nirvana, para ele todos eles interligados e que o foram conduzindo a um imanentismo espiritual consciencial, magnético e ético, ou como ele disse a Storck, com certo dualismo contudo: «No Psiquismo, isto é, no Bem e na Liberdade moral, é que encontrei a explicação última e verdadeira de tudo, não só do homem moral mas de toda a natureza, ainda nos seus momentos físicos elementares (...) O espírito é que é o tipo da realidade: a natureza não é mais do que uma longínqua imitação, um vago arremedo, um símbolo obscuro e imperfeito do espírito. O universo tem pois como lei suprema o bem, essência do espírito». Com a fase juvenil mais revolucionária, expressa em vários textos, e com sua constante defesa da Justiça, e da Liberdade como bases de uma sociedade mais democrática e socialista, vibraram republicanos mais fervorosos ou mesmo marxistas, os quais na sua luta contra a monarquia, a religião, a alienação sentiam em Antero um inspirador e pioneiro, considerando-se assim seus discípulos, admiradores, camaradas, correlegionários ou mesmo anterianos... Desconhecemos quando surgiu a expressão "anteriano" mas ela aplica-se tanto aos seus contemporâneos que com ele se identificavam, como aos intelectuais e críticos que se dedicaram ao estudo e a publicações sobre a sua vida e obra, e sobretudo aos fiéis leitores que, criando uma devoção forte e persistente pelo seu ser, mensagem e poesia, se consideravam anterianos, tal como com os erasmianos, os camonianos, não só filólogos mas quais milícias de cavaleiros e cavaleiras do Amor... É pois natural que, mesmo sem Antero ter ganho uma dimensão muito visível de tal irradiação e magistério, pese o seu percurso e popularidade, por ele bem descritos na carta auto-biográfica a Wilhelm Storck, de 14-V-1887 («queria reformar tudo, eu que nem sequer estava ainda a meio caminho da formação de mim mesmo! Consumi muita actividade e algum talento, merecedor de melhor emprego, em artigos de jornais, em folhetos, em proclamações, em conferências revolucionárias: ao mesmo tempo que conspirava a favor da União Ibérica, fundava com outra mão sociedades operárias e introduzia, adepto de Marx e de Engels, em Portugal a Associação Internacional dos Trabalhadores. Fui durante uns 7 ou 8 anos uma espécie de pequeno Lassalle, e tive a minha hora de vã popularidade»), fossem logo surgindo vários revolucionários ou idealistas que se identificaram e inspiraram nesses aspectos de Antero. Sabemos, por exemplo, que alguns membros portuenses do Partido dos Operários Socialistas de Portugal pedem a Antero de Quental (que chegou a ser candidato a deputado) e a Oliveira Martins para colaborarem na reforma dos estatutos do Partido em vista do Congresso de 1880.
Ferdinand Lassale (1825-1864), notável pensador, sufragista universal, socialista, agitador.
Na realidade da sua evolução interior e relacionamento exterior poderemos observar então algumas diacronias, tal como quando alguém dedica a Antero uma obra contendo algumas ideias que ele expressara ou apreciara quando jovem, mas que mais tarde já não aprovaria tanto, pois a primazia da sua demanda passara do mundo natural e social para o foro da ética, da voz da Consciência, do Bem, ainda que continuasse pronto a assumir batalhas políticas justas e nacionais, tal como fez no seu último ano de vida tornando-se o presidente da Liga Patriótica do Norte, contra o Ultimato Inglês imperialista de 1890. Outra mudança mais ainda perturbante para os anterianos, ou os seus admiradores de então, poderá ter sido o seu suicídio, pois não é toda a gente que se assume discípulo ou admirador de alguém que se suicida. No In-Memoriam, publicado já só em Janeiro de 1896, ou no que alguns disseram de tal acto, algo desse receio, crítica ou menosprezo se detecta. Estas reflexões nascem de ter manuseado e lido uma obrinha escrita com Antero de Quental ainda vivo e com um título que mal a vi e antes de a folhear me fez imediatamente pensar em que deveria haver alguma relação com ele.
É de Joaquim Tamegão, intitula-se O Universalismo, e foi publicada na rua da Quitanda 72, Rio de Janeiro, em 1886. Entre nós é rara, pois não se encontra nenhum exemplar em qualquer biblioteca pública. E mesmo na vasta biblioteca planetária que é a web hoje em dia nada encontrei. E contudo o autor afirmava a mesma Unidade na diversidade, ou o Universo e a sua Lei, a que Antero de Quental, numa bela carta de 10-IX-1871 a Manuel Sardenha, poeta que veio a ser abade, se consagrava: «Agradeço-lhe muito e muito a lembrança de me escrever: é uma prova de
confiança, que me honra em tê-la merecido. Nós, os adeptos e iniciados
da Nova Lei da Justiça humana e social, formamos uma irmandade, uma como
ordem religiosa espalhada pelo mundo; mas, separados pelo espaço, em
espírito estamos unidos, e por isso devemos ser como irmãos. Somos hoje a
Ecclesia presa dum novo cristianismo, que em breve triunfará; sim,
mais breve do que se julga e talvez em nossos dias ainda. Mas, tarde ou
cedo, baste-nos saber que o seu triunfo é seguro, para estarmos
descansados, porque temos a certeza que a Justiça é inevitável como uma
Lei do Universo, e é isso o essencial. Soframos pois com paciência as
injustiças deste mundo, que afinal é mais ignorante do que mau, e, em
suma, bastante infeliz por seus erros e ilusões para que tenhamos por
ele mais piedade do que ódio. Não é a ele que propriamente detestamos,
mas à iniquidade que está nele».
Este exemplar, adquirido na olisiponense Livraria Bizantina, do Carlos Bobone, contém uma dedicatória do autor ao escritor Mariano Pina (1860-1899), curiosamente pintado por Columbano Bordalo Pinheiro em 1886, tal como Antero o foi em 1889, um jornalista combativo e revolucionário que dividiu o seu tempo por Paris e Lisboa, responsável por publicações periódicas como a Ilustração (1884-1891), o Espectro, (1890) e O Nacional: jornal politico, noticioso, absolutamente independente (1890-1891) e que lutava fortemente pela liberdade de imprensa e de pensamento, firme na sua visão de liberal e de republicano, e que certamente conheceu Antero embora não haja cartas entre eles nem sequer referências na correspondência escrita por Antero.
Ora quando abrimos o livrinho, após a dedicatória também valiosa pelo facto de Joaquim Tamegão se afirmar compatriota de Mariano Pina (correspondente da Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, e cooperador na revista AIlustração de 1884-1892), e logo português no Brasil, logo deparamos com o anterianismo de Tamegão, pois a obra está dedicada em 1º lugar À Memória de Victor Hugo e na folha seguinte A Anthero do Quental. Contendo trinta páginas de pensamentos-máximas, divididas por doze capítulos: O Trono e o Altar, A Cruz e a Forca, A Civilização e a Perversão, Deus e o Demónio, A Vida e a Morte, A Alma, O Ser, A Natureza, A Justiça, Preceitos da Civilização, O Capital, A Humanidade, exprime nelas a sua crítica à Monarquia, à Igreja Católica, à violência, à iniquidade, à guerra, ao capital e a sua crença numa revolução pela ciência e pela educação que levará a Humanidade a uma época feliz, e podemos dizer que é uma obra anteriana no seu socialismo, idealismo e imanentismo... Alguns dos capítulos são mais originais ou curiosos, reproduzirei alguns, comentando brevemente, começando pelo «III - CIVILIZAÇÃO E PERVERSÃO. A civilização é o aperfeiçoamento humano. A perversão é o vício na civilização. A civilização é o símbolo da perfeição no futuro. A perversão simboliza o vício no passado. A perfeição no futuro é a Natureza na virtude. O vício no passado é a Natureza no pecado. A virtude é Deus combatendo pela justiça do futuro. O pecado é o Demónio lutando em defesa do erro do presente. Tenhamos esperança em Deus e fé no futuro». Estes pensamentos morais idealistas, algo datados no século XXI, já que o relativismo cresceu muito quanto ao vício e à virtude, pois algum vício deixou de o ser, ou de ser considerado como tal, se é sustentado ou apoiado pelos países ou grupos mais ricos ou poderosos e pelos meios de informação, só podem alertar-nos para a necessidade de não nos deixarmos manipular demasiado e sobretudo não deixarmos apagar o sentido inato de justiça, esse sem dúvida a pedra de toque da humanidade e que tem sido tão manipulado através das várias mentiras e erros que são postos a circular como verdades e que falseiam o entendimento e os juízos de valor das pessoas. Os capítulos IV e seguintes são bem breves, axiomáticos e por vezes bem desafiantes e intuitivos: «IV - DEUS E O DEMÓNIO Deus é a personificação de todas as virtudes. O Demónio é a personificação de todos os pecados. Sejamos por Deus contra o Demónio. Os inimigos de Deus são o fanatismo e a hipocrisia. Luz ao fanatismo! e guerra sem tréguas à hipocrisia. Justiça para tudo que é Deus para todos.» «V - A VIDA E A MORTE A vida é amor e alegria na existência. A morte é a paz e a glória na eternidade.» Esta definição da morte certamente que agradaria a Antero e deve se ter gerado da sua obra. Quanto à da vida, ela é bela e bem desafiante para todos nós... E não sabermos quase nada de Joaquim Tamegão, além de que era português, publicou no Brasil em 1886 e dedicando a obra a Antero quando este dava à luz os seus Sonetos Completos... E, por esta dedicatória anteriana, sendo salvo do anonimato neste ano 2019 da graça alegre da existência amorosa... «VI - A ALMA A alma é a medida justa da consciência, e a consciência só dá a medida justa da alma quando a justiça no espírito está vinculada a magnanimidade no coração.» Outra aproximação à alma tão original e fresca, tão anteriana na sua valorização da voz da consciência, que nos faz intuir e seguir a medida justa, a partir da compreensão inteligente e do amor do coração: a magnanimidade, a grande alma, abranger muito os outros seres, eco-sistemas, mundos, na Índia denominando-se essas grandes almas os mahatmas. «VII - O SER O ser (humano) é composto de carne, sangue e espírito: a carne é uma máquina, o sangue é o motor e o espírito é o administrador. Os ossos são as peças da máquina depois de inutilizada» Destaquemos o sangue como alma e vitalidade, e daí a importância da harmonia alimentar e ambiental. Não estamos certos qual era a ideia que Joaquim Tamegão tinha do espírito, mas temo-la visto mais associada à inteligência, à vontade harmonizadora. Os ossos são vistos como o que resta. «VIII - A NATUREZA A Natureza é o sempiterno e incomensurável espaço celeste, e tudo quanto ele contém». Esta "definição" é também valiosa pois alarga a Natureza bem para além do mundo físico e visível e unifica-a ou identifica-a com o todo infinito do Espaço cósmico e o que nele se manifesta. Há algo da percepção do Espírito como a Unidade ou a Unicidade da Existência. «IX - A JUSTIÇA A lei do Direito é a justiça na lei. A justiça na lei é a equidade. A equidade é a ordem. A ordem é a liberdade. Fundemos a lei do direito universalmente. A filosofia legisla. A ciência executa» E terminemos transcrevendo o antepenúltimo capítulo com umas regrazinhas tabeladas que nos podem até ajudar modestamente nos nossos trabalhos escolares desta peregrinação na Terra: «X - PRECEITOS DA CIVILIZAÇÃO 1º Filosofia contra a idolatria. 2º Ciência contra a ignorância. 3º Progresso contra a rotina. 4º Democracia contra a autocracia. 5º Igualdade contra o privilégio. 6º Trabalho contra a negligência. 7º Actividade contra a inércia. 8º Perfeição contra o vício. 9º Prudência contra a leviandade. 10º Benignidade contra a rispidez. 11º Moralidade contra o escândalo. 12º Magnanimidade contra a miséria. 13º Modéstia contra a vaidade. 14º Sinceridade contra a hipocrisia. 15º Fraternidade contra o ódio. 16ª Paz contra a guerra.» E reproduzimos o último e mais extenso. Se alguém quiser transcrevê-lo, agradecemos.
Será que se levantarão do pó dos tempos e dos eflúvios psicomórficos (isto é, da psique e agindo nas formas materiais) em que nos banhamos todos, no denominado modernamente Campo Unificado de energia consciência, algumas referências a Joaquim Tamegão, para nos ajudarem a melhor intuí-lo ou mesmo trabalhá-lo, nomeadamente no seu profetismo e utopismo pacifista e universalista com que encerrara o XI capítulo: «Evitemos a extraordinária catástrofe, de que a actualidade é evidente prenúncio, que terá o seu desfecho trágico e fatal em não remoto futuro. O novo edifício social deve ter a amplitude do globo, porque só a comunhão universal nos pode dar a perfeição e a paz eterna.»
Seja como for, que Joaquim Tamegão e Antero de Quental recebam as nossas saudações e invocações luminosas, e que a Humanidade possa ser e viver mais em justiça, não-violência e ecologia, sabedoria, harmonia e amor.
A importância do coração, órgão físico e supra-físico, tão subtil na sua multidimensionalidade estrutural, energética, afectiva, moral, religiosa, espiritual e divina, foi ao longo dos séculos por vários povos e tradições sentida e vivenciada, intuída e transmitida em representações artísticas e simbólicas com funções educativas e curativas, mágicas e espirituais, em diferentes contextos, metodologias e intencionalidades, geradoras de múltiplos efeitos. Neste texto, sem recuar à tradição greco-romana na qual o coração, a inteligência superior e o sol se correspondiam, nem à tão rica indiana yoguica e bhaktica (devocional), trabalharei dentro da Tradição Cristã alguns tipos de representações devotas do Coração em gravuras, estampas e santinhos dos sécs. XVIII, XIX e XX, tentando fazer uma certa história evolutiva e leitura ou hermenêutica geradora de transmissões de ordem e operatividade energético-espiritual... Raios de Luz, Chamas de Amor Embora o ensinamento de Jesus fosse basicamente o do auto-conhecimento libertador e o do Amor e os seus discípulos preferidos o testemunhassem e transmitissem, nomeadamente Maria Madalena, Tomé e sobretudo S. João (que na ceia teria unido significativamente a face ao coração de Jesus), a morte precoce e dramática do mestre fez com que o seu ensinamento não despertasse e florescesse tanto nos discípulos e depois crentes e o acesso ao seu ser e eventual intimidade e à realização espiritual e união divina que ele desejava pouco se realizasse, desenvolvendo-se antes progressivamente ritos e cerimónias, crenças e dogmas... No Cristianismo Ocidental, apesar de alguns padres iniciais e místicos, tivessem intuído a sua dimensão espiritual e pela osmose com o seu sofrimento e paixão se realçasse a partir do séc. V a Cruz e as 5 Chagas, a do lado do peito e abrindo ao coração, sendo ela desde a época medieval cultuada e representada, pouco se valorizou este centro de forças e de Amor. No Cristianismo Oriental e Ortodoxo valorizou-se mais o Cristo ressuscitado, de glória, no seu corpo espiritual, e o Cristo que ensina, surgindo os primeiros ícones nos séculos VI e VII, mas só alguns (no Egipto) não foram destruídos pelos iconoclastas bizantinos, o tempo e o Islão - por exemplo, os mais antigos bizantinos e russos são já do séc. XI - , e o que se destaca mais é o olhar e a auréola, criados ou gerados dentro duma teoria e fé forte do poder evocador (da presença real) das imagens. Simultaneamente desenvolveu-se também a prática da "oração do coração", a Filocália, usando-se uma formula ou mantra curta e que teve bastante influência na sensibilização ao coração como centro divino em nós. O coração destacado artística e simbolicamente começa a surgir nos meados do séc. XIV e começo do séc. XV no Ocidente, a partir de muitos religiosos contemplativos de várias ordens, nomeadamente os cartuxos, mais dedicados ao recolhimento silencioso, mas na sua especificidade foi desenvolvido sobretudo a partir do francês Jean Eudes, que nas casas do seu Instituto instituiu as festas litúrgicas ao Sagrado Coração em 1672.
Outro elo importante foi a freira Marguerite-Marie Alacoque, de
Paray-le-Monial, que foi visitada subtilmente entre 1673 e 1675 por Jesus o qual lhe disse:« Eis o Coração que tanto amou os seres humanos e que é
tão pouco amado». O convento de Paray-le-Monial tornou-se um grande local de peregrinação e o culto do sagrado coração de Jesus cresceu bastante e embora surjam entre 1690 e 1740 seiscentas confrarias em França dedicadas ao culto do Sagrado Coração, houve muita oposição, chegando o livro do Padre Croizet sobre tal culto a ser condenado e a entrar no Índice da Censura Inquisitorial. Será só em 1765 que o papa Clemente XIII, aprova o seu culto litúrgico. A grande expansão será porém a partir de 1856, quando o papa Pio IX lhe consagra uma
data festiva anual, fazendo com que as representações do Sagrado Coração de Jesus e
depois de Maria (esta culminando em 1942 com a consagração do
mundo ao Imaculado Coração de Maria) se multipliquem graças à tipografia moderna, sendo representado não apenas o coração sofredor isolado e pairando no ar, como também no corpo e alma de Jesus. Em 1899, a pedido da Irmã, hoje já beata, Maria do Divino Coração,do Convento do Bom Pastor no Porto, alemã e presenteada com inúmeras graças de união ao mestre Jesus, o papa Leão III dedica a Humanidade ao Sagrado Coração de Jesus.
Por outra faceta, embora a importância do Amor manifestado, ensinado e transmitido por Jesus se considerasse o núcleo testemunhante da filiação espiritual, sobretudo enquanto caridade na vida das pessoas, e portanto a consciência do coração espiritual ou sagrado de Jesus viesse a ser progressivamente desenvolvida de modo a chegar-se ao culto do próprio coração, como já vimos na suas datas confirmadoras ou aprovadoras, tal realização do coração ígneo apenas foi alargada a alguns santos, tais como S. Filipe de Nery, S. Francisco de Paula, S. Miguel dos Santos (que esteve em Faro e levitava), S. Gertrudes, virgem e S. Teresa de Ávila, esta em geral com coração pleno de amor recíproco ou ferida pelos raios ou setas do Amor divino veiculado pelo mestre.
Um exemplo, S. António, embora não o encontremos representado com o coração inundado, ferido ou dardejante de Amor, vemo-lo, uma ou duas vezes com Jesus dentro do seu peito ou, a partir de um passo miraculoso da sua legenda hagiográfica, quase sempre em diálogo ou embevecimento com Jesus, ou poderemos dizer, com a Divindade nele. Todavia, o ter o menino o peito aberto, ou o coração espiritual visível, tal como neste santinho não antoniano, não se encontra na iconografia tradicional de S. António, embora provavelmente alguns artistas modernos, menos sujeitos aos tipos simbólicos de caracterização e identificação dos santos já assim os possam ter representado ou intuído.
Esta representação do sagrado coração de Jesus, juvenil e doce, não é de modo algum a mais comum, a qual é mais dramática e pungente, representando-se o coração, com coroa de espinhos, ou lanceado, escorrendo sangue ou lágrimas, imagens próprias a representar o sofrimento, passado ou presente, que Jesus sofreu redentoramente ou sofre ainda, hipoteticamente redimindo-nos ou reconfortando-nos com o seu Amor, ou como via para o Amor divino. Certamente que tal teoria ou visão só terá realidade se fizermos a nossa parte, não só nos compungindo com tais imagens ou orando, mas sobretudo transformando-nos, convergindo para o centro, o coração subtil, e conseguirmos sentir e realizar o Amor divino, na contemplação e sensação interior, a fim de que a vida activa seja depois verdadeiramente oração, harmonização, libertação, gratidão e melhoria da Humanidade. Não são portanto muito suaves (embora também as haja, sobretudo para as crianças), saudáveis, optimizantes as imagens do sagrado Coração de Jesus, trazendo e transmitindo uma carga de sofrimento, embora seja importante e valioso transmutarmos os nossos sofrimentos e crucificação do coração no desabrochamento das flores ou rosas de Amor ou Compaixão, e na aspiração a sentirmos a consolação ou fortificação provinda do mundo espiritual. No fundo, a emblemática do coração sofredor mas também irradiante e redentor não é só de crença católica, mas de fonte e aplicação universal, ainda que certamente sem convites a passividades perante o sofrimento e a dor, dizendo-nos que devemos assumi-los ou atravessá-los mas não nos deixando enfraquecer nem derrotar por eles, tentando antes receber dos mestres, dos santos e santas e anjos, da Divindade e da fonte primordial do Amor, energias, bênçãos, fogo do Amor, para assim houver melhorias nossas, situacionais e ambientais. Esta transmutação aconteceu até indirectamente mesmo na reforma Protestante, que sendo contra as imagens, santos e anjos, sofreu com o surgimento do movimento rosacruz alemão e logo europeu do séc. XVII, de Valentim Andreia (1586-1654) e do seu círculo ou sodalidade de Tübingen) um recrudescimento do poder das imagens, nomeadamente de simbologia alquímica e de uma busca que procurava tanto a dinamização e unificação dos conhecimentos científicos e religiosos, como uma nova era de paz mundial. E assim dos mitos fundadores de tal misteriosa fraternidade Rosa Cruz e dos poderes que seus irmãos teriam se gerou muita simbologia em que o coração, a rosa e a cruz se tornaram valiosas imagens para o caminho da individuação e realização espiritual, ainda que com bastante mitificação e até mistagogia, que se irão transmitir à maçonaria e às ordens rosicrucianas e de alta magia derivadas.Ora na simbologia tradicional do Sagrado Coração de Jesus, a que se acrescentou depois o de Maria, são bastantes raros tais elementos vivos, floridos em ambos, surgindo apenas mais no de Maria flores femininas, para Jesus ficando a cruz masculina, tal como podemos ver nesta gravurinha desenhada pela princesa Maria Benedita (nascida em 1746), 4ª e última filha de D. José e de D. Marianna, datada de 1779, na qual os dois corações - o de Jesus com a coroa de espinhos, o de Maria atravessado pelo punhal da dor - emergem do Sol resplandescente do Amor e da Divindade - qualquer que fosse a ideia do artista ao executar tal - estando os instrumentos da paixão entrelaçados por uma corda com nós, que poderemos chamar de amor. Acrescente-se que em 1783 se inaugurava a Basílica da Estrela, em Lisboa, em honra do Sagrado Coração, estando expostas algumas pinturas das filhas de D. João V e consagradas ao coração e ao Amor. Como sabemos o coração e amor de Jesus de algum modo ficou como actualizável, aproximável, contactável, através do sacramento e rito da Eucaristia, por misteriosos princípios ou processos, ora de fé ora de dogmas, algo que os protestantes e outros recusaram. Todavia, no séc. XIX, com o desenvolvimento do culto do Sagrado Coração, observa-se nas imagens piedosas a valorização tanto da adoração do Santíssimo Sacramento como da sagrada Eucaristia, a comunhão nas duas espécies do próprio ser ou energias de Jesus, associando-se em milhares de gravuras e estampas as representações desses dois mistérios (adoração da Hóstia ou Santíssimo Sacramento e Eucaristia, desta em geral o cálice, ou Jesus a dá-la) juntando-se por vezes ao Sagrado Coração humano e divino de Jesus, desenhados por bons artistas em belíssimas formas geométricas propícias a gerar-se uma captação ou sintonização multidimensional.
Simultaneamente desenvolviam-se os santinhos cheios de candura e subtileza comemorativos da primeira aproximação mais sensível ou experiencial das crianças a Deus e a Jesus, com a 1ª comunhão...
No santinho de cerca de 1870 seguinte observamos nessa linha uma conjunção de simbolizações aptas a ensinar ou a impulsionar o conhecimento religioso, a aspiração, a adoração e a ligação divina:
Vemos à esquerda um descrente ou mesmo inimigo lançando setas de indiferença e desprezo, que a alma, devota e justa pela sua vida e oração quebra, emergindo do cálice os corações de Jesus, Maria e José, estes dois florindo ao alto, bem iluminados e adorados tanto pelos justos, a "Igreja militante", como pelos coros ou hierarquias angélicas, a "Igreja triunfante", estas hierarquias belamente representadas e nomeadas. Observamos ainda os três mundos, o conflituoso humano, o dos intermediários, mestres e Jesus e, por fim, tanto o mundo espiritual puro dos Anjos como a Luz branca dourada Divina. As proporções da geometria sagrada, a ciência das perspectivas estão bem em acção nos mais belos ou sugestivos santinhos, quase sempre com as linhas de força e de perspectiva convergentes para um centro. Assim, na próxima imagem piedosa veremos um mandala de três círculos - de palavras, raios coloridos e pétalas de chama - à volta do coração, este apenas com a chaga do lado e três gotas de sangue, e em fogo, enquanto uma cruz dourada brota da abertura do alto do coração. A contemplação mais sentida da imagem faz-nos entrar na representação de um sacerdote e pontífice - construtor de pontes - que faz a sua alma elevar-se pelos braços às alturas espirituais, ou ao estado consciencial, do coração divino, ou mais simplesmente do coração em amor e sintonizando com a sua Fonte de Amor.
Anote-se que esta imagem foi impressa em 1900 em Paris nos famosos editores religiosos e pontificais Turgis, estando impressa em espanhol e com a marginália em português: «Como recordação da primeira comunhão oferecido a Deolinda A. B. Pacheco, 26-5-1927.» Representando as orações ao Sagrado Coração de Jesus no Jubileu de 1900-01, merecerá ainda apontarmos nela de novo a bela forma de aura do coração - e possa ela infundir-se em nós e inspirar-nos, possamos nós sentir a nuvem pura do santuário do nosso coração - , o facto da oração ser feita com as mãos ao alto, tanto para expansão como para recepção das correntes de energias e bênçãos superiores e, finalmente, ser bem assinalada a abertura do coração, ígnea, no alto, ascensional mas também para tentarmos entrar mais no nosso íntimo, e comungarmos com o Divino.... Por experiência de místicos ou não, esta visão do coração como porta aparece por vezes, podendo ser até bem denominada "a pequena porta dourada...", tal como observamos na piedosa imagem de Charles Letaille (da década de 1860-1880, assinada no verso 1890), na qual a alma que controla o seu coração, no caso que o crucifica ou domina na sua instintividade e egoísmo, ou que faz o sinal da cruz às forças e tentações negativas, acaba por conseguir ver, sentir, intuir o sagrado coração e, batendo nele, isto é, perseverando em orar, dialogar e meditar, ou seja, em aprofundar o seu estado de amor ou graça, acaba por ver a porta celestial, o acesso ao mundo espiritual, abrir-se...
Depois deste bater à porta da oração no coração, vamos entrar na última imagem ligada ao coração e no caso é entre o de Maria, mãe de Jesus e uma alminha cristã, devota. Entre elas circula uma corrente energética, subtil, qual nuvem luminosa, por onde se destacam vários corações, como que correspondendo às batidas dos apelos, orações e irradiações, gerados por essa alma e que se evolam pelo espaço para o mundo espiritual ou para o coração e ser de Maria, a face feminina da Divindade mais cultuada no Ocidente, vinda na linha da Grande Deusa, ou a Deusa Mãe dos cultos pré-históricos.
A intencionalidade do artista ou da editora parisiense Bouasse-Lebal, no nº 20 da rua dos impressores religiosos, Saint Sulpice, foi porém expressa no título:«Mil corações não te chegariam Ó Maria!, para responder ao vosso amor imenso.» Ou seja, teríamos que ter como que múltiplos corações, ou um amor bem largo e profundo, omniabrangente, para corresponder ao da mestra ou santa Maria. No verso, tem uma dedicatória de 2-3-86, de uma Alice, que ficou assim imortalizada neste jardim das Maravilhas, o espaço murado, o horto, em que o amor entre duas almas se intercomunica harmoniosamente, ao divino. Que a contemplação destas imagens de quando em quando ou antes de adormecermos, nos abra à visão das realidades e seres correspondentes a tais imagens e, certamente, ao acordarmos até a outras nos mundos subtis e simbólicos, religando-nos assim mais com as realidades espirituais e divinas as quais verdadeiramente nos fortificam e inspiram na harmonia com o Todo e o Divino... Fiquemos com uma última imagem, forte e directa, a comunicação do amor e do coração, com uma das legendas bem valiosa: "Possa o coração sagrado de Jesus inflamar os nossos corações..." - Possa então o fogo do Amor do Espírito Divino em nós irradiar mais...