segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Tarot XI, a Força. Imagens arquétipas, símbolos, iniciações. Com uma música no final...

                                               
O arcano XI, a Força, é dos mais directos e simples: uma mulher, e, neste Tarot antigo, num esforço bem denodado ou heróico, doma um animal forte, em geral um leão, abrindo-lhe, ou então fechando-lhe, a boca. Resta apurar o que esteve por detrás de preparação e treino, meditação e maturação, antes de ter  chegado a tal capacidade ou hora certa...
Algumas das particularidades na veste (neste caso quase a fazerem de asas, noutros serão mantos mais solenes), bem como na posição do animal em relação ao corpo e no que ela tem por cima da cabeça (tal como as formas dos cabelos-energias, chapéu, véu, símbolos), podem-nos dar indicações ou guiar sobre as energias e ensinamentos que se tentam veicular através deste arcano ou que podem brotar deste arquétipo. Ou seja, o que esta simbolização do psicomorfismo da força, tanto exterior como interior, contemplado mais profundamente, pode fazer desabrochar em nós para avançarmos com a força apropriada e vencedora no Caminho e seus desafios.

As representações mais antigas Renascentistas italianas ligam claramente a Força a duas fontes: a primeira é na tradição Grega ao herói Herakles ou Hércules,  lutando com o leão de Nemeia, e que, vencendo-o, poderá revestir-se da pele, energia ou aura fortalecedora, num dos seus doze Trabalhos, em geral vistos em correspondência com a passagem pelas doze constelações astronómicas e constituindo assim um programa de esforços ou provações iniciáticas realizável ao longo do ano, que despertam as qualidades luminosas que uma psicologia milenar, certamente muito empírica e subjectiva, foi atribuindo a cada constelação e signo,  numa linha de individuação espiritual, ou seja, de desenvolvimento controlado pelo eu espiritual das múltiplas energias anímicas mas unificadas sob a vontade superior.
          No Tarot renascentista dos Visconti Sforza, a Força abre mesmo a goela energética para o alto...
A segunda fonte é a tradição universal, e sobretudo clássica e cristã, da Força ou Fortaleza, tão valorizada na literatura e na filosofia moral pagã, em especial no valor e culto dos Heróis, e  depois no Cristianismo ao ser considerada uma das quatro virtudes (de virtus, em latim, força) cardeais (ou principais), com a Prudência, a Justiça e a Temperança, fazendo naturalmente parte dos programas culturais humanistas e espirituais que originaram as cartas-arcanos dos Trionfi e do Tarot nas cortes italianas do começo do Renascimento,  sendo essas virtudes as qualidades principais que a alma humana deve desenvolver, criando beleza e coerência em si e à sua volta, para poder avançar na realização das melhores potencialidades e gerar  estados conscienciais de lucidez, transparência e unidade de modo a sentir e a partilhar mais graça, amor e felicidade.                    
A Força ou Fortaleza, representada na catedral de Chartres, séc. XIII.
Compreenda-se que a força assumida e desenvolvida, em paciência e em esforço e luta, é não tanto ou só exterior contra seres negativos, clubes, partidos, corporações e países adversários (onde tanta energia é gasta destrutiva e mortíferamente), mas sobretudo dentro de nós nas energias que atraímos, captamos e criamos, e na vontade que despertamos e desenvolvemos diariamente, harmonizando e vencendo tendências e instintos, frustrações e preguiças, fraquezas e medos, preconceitos e distracções, consumismos, pesadelos e que não fossem vencidas constituiriam infidelidades ao melhor de nós próprios e da Alma do Mundo e da Humanidade... 
Nesta invulgar representação do Tarot antigo de Estensi, a Força ou Fortaleza é uma Mulher de verde que calmamente consegue quebrar ou derrubar uma coluna de um edifício, seja este de uma Religião, Instituição,  Estado, Corporação ou  grupo de pressão e alerta-nos para a necessidade de sabermos com a força do Amor e do Discernimento cooperar na libertação nossa e da Humanidade de falsos ídolos, de falsas colunas de templos, ideologias e corporações opressivas, tal como modernamente na era digital se têm multiplicado, apelando-se assim a um maior activismo nosso a fim de que nós, o país, os povos, o planeta e a Humanidade não continuem a ser tão desfigurados e manipulados, alienados, explorados e destruídos.... 
O Tarot de Marselha, o que mais circulou na Europa dos séculos XVII ao XX, transmite-nos o psicomorfismo da Mulher ligada ao alto, ao seu Espírito mas também ao corpo místico da Humanidade, ao Campo unificado de Consciência Energia e por isso tem na sua cabeça esta força-energia infinita representada pela lemniscata, na qual o princípio e o fim, o esquerdo e o direito, visível e invisível, vermelho e azul, ou seja os opostos, estão ritmicamente unidos e algo que nós de quando em quando em intuições ou  sincronias captamos ou realizamos.
Claro que a Mulher simbolizada é tanto cada mulher em si  como o Feminino que está ou é dentro de cada ser, pois a polaridade existe em todos e  tudo, e poderemos então dizer que se trata de uma força ou energia forte e suave, convincente, amestradora, órfica (de encantadora pelas palavras e a música), no fundo, de Amor.
A Mulher, assumida neste arcano, para além de contestar a atribuição predominante da Força ao Homem, o que é muito importante perante tantos séculos de condicionamento feminino enfraquecedor, é ainda um símbolo da alma em geral, tal como o animal e seus instintos e medos simbolizará o corpo, e a lemniscata na cabeça aponta à união do alto e do baixo e o acesso do nosso ser às energias vitais, solares e cósmicas, e ao campo da informação global, bem como aos outros espíritos, heróis e Anjos, a denominada Comunhão dos Santos ou ainda Corpo Místico da Humanidade. A abertura ao espírito pode ser vista como ao Espírito Divino, tão cultuado entre nós nas fraternas festas populares do Divino Espírito Santo.                                         
Mas se recuarmos ao antigo Egipto, pai e mãe de muitas das concepções que depois se transformaram nas adaptações das religiões posteriores, em especial do Judaísmo, Cristianismo e Islão, e bastante mais próximo de uma relação sagrada com os animais (e as forças e seres subtis deles), descobriremos que a deusa Shekmet foi ou é uma deusa, um ser-energia divina representada como mulher leoa, que dá a mão ao faraó e o abençoa com a sua energia espiritual...
Já em Tarots modernos, feitos com sensibilidade e conhecimento, tal como este algo inspirado nos ensinamentos e desenhos-mandalas do psicólogo suíço Carl G. Jung, o leão surge acalmado ou abençoado pela mão direita activa, já que a mão esquerda e lado receptivo da alma se encontra ligado com o Sol divino e leonino do coração espiritual, indicando-se em pano de fundo e horizonte a passagem por níveis conscienciais, por práticas ou processos iniciáticos de auto-conhecimento e de firmeza neles, nos mundos interiores subtis e espirituais. 
Que a fortaleza ou a força tem muito a ver com a energia vital e psíquica que circula na nossa coluna vertebral, em parte assimilada pela respiração psico-física, e que depois se derrama pelos vários chakras e órgãos há  indicações simbólicas explícitas, tais como as que apresentam a mulher cavalgando ou assente sobre o tigre ou leão e com o caduceu erguido na mão, aludindo à manifestação da energia nervosa e amorosa anímica, denominada de Kundalini, na Índia. E uma das indicações sugerida é a do controle tanto da potência irascível como  da energia sexual, pelo menos nas suas frequências vibratórias instintivas e animais, ao ser elevada, ou sublimada, ou comungada, a níveis superiores...
Finalizemos com um Tarot bastante moderno e mais ressoante na juventude, a qual poderá assim entrar em contacto com os grandes psicomorfismos e arquétipos da Humanidade (e outros da Força poderiam ter sido utilizados, tal como S. Jorge resgastando a Dama e S. Miguel e o Dragão), através de imagens que lhes digam mais e poderem assim ter acesso a representações estimulantes da auto-realização fora da massificação consumista ora de espectáculos e fogos fátuos, ora cinzenta e opressiva que o Sistema, os oligarcas da tecnologia e saúde química e artificial (os chips) e os meios de informação dominantes querem impor, tentando submeter-nos às tragédias e crimes que o neo-liberalismo e o imperialismo global norte-americano e dos seus aliados vão gerando, sobretudo no Médio Oriente e na América Latina, mas também agora no centro da Europa.
A mulher ou jovem é claramente apresentada como um ser em harmonia com a Natureza, ecologista, de agricultura e alimentação biológica diríamos, e que acolhe a Mãe Terra e os seus seres no seu corpo e alma, no caso o leão que nela própria está, ou que assimilou ou que é, e que no valioso Evangelho de Tomé se menciona no  logion 7. «Disse Jesus: Feliz é o leão que o ser humano comerá, e o leão será humano. E maldito o ser humano que o leão comerá, e o leão será (tornar-se-á) humano».
Qual shakta, ou mulher indiana mais desperta animico-espiritualmente, com o bindu ou ponto primordial marcado à altura do olho espiritual, tão irradiante no olhar, sobretudo amoroso, e que leva sobre a cabeça um leve véu  que a protege e donde se derramam as comunicações lúcidas, amorosas, sábias e fortes que da Alma do Mundo, ou como se pode dizer hoje, do Campo Unificado de Energia Consciência lhe chegam, ou consegue sintonizar, no seu despertar poderoso, no seu fluir e abençoar harmonioso, eis uma bela imagem..
Saibamos exercer a força harmoniosa e luminosamente em nós e na melhoria das condições de vida e de alma dos seres da Humanidade e do Planeta, saibamos tanto estar lúcidos como fortificar-nos no sistema imunitário e nas ligações superiores,  e com uma vida ética, ambientalista, amorosa, criativa, fraterna...
 E eis uma música e uma voz com Força, uma shakta...
                     

domingo, 9 de outubro de 2016

Vladimir Korolemk (1853-1921). Escritor e confrade de Tolstoi. Um conto: "Incompreensível". Apenas digitalizado.

Vladimir Korolemko (1853-9121) é hoje entre nós um autor russo muito pouco conhecido, mas a sua vivência das opressões tsaristas deram à sua escrita e vida uma veemência activista e uma tristeza que tocam perenemente o desejo da Humanidade de Paz, de Fraternidade e Liberdade...
                                             
O Magazine Bertrand nos anos de 1920 e 1930 publicava não só bons contos e relatos de autores portugueses, bem ilustrados, como também de alguns autores russos, tais como Vladimir Korolemk (com desenhos de Ada, no nº 43 de Julho de 1930), e Leonidas Andreiev. Passamos a reproduzir de Vladimir Korolemk um conto-relato das suas deportações, no tempo dos Tsars, na Sibéria.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

O Espírito e a Divindade em Antero de Quental, nas "Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do século XIX".

                                         
O ensaio sobre as Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do século XIX é sem dúvida o testamento filosófico de Antero de Quental, como muito bem referiu em obra com tal título o meu dilecto conversante e amigo Sant' Anna Dionísio e, pesem os anos e as reedições prefaciadas, confessemos que ainda há muito para se trazer ao de cima ou explicitar melhor, pois muitos dos comentadores não se movimentavam bem no nível espiritual da interpretação, pelo que é sempre bom, de tempos a tempos, relerem-se e meditarem-se algumas  frases e conceptualizações deste texto seminal da Tradição Filosófica e Espiritual Portuguesa e delas recebermos algumas clarificações e impulsões...

                              
No começo da III e última parte de tal ensaio, como sabemos publicado na Revista de Portugal nos três primeiros números, em 1890, consultado para este texto na reprodução do manuscrito original publicado por Joel Serrão e Ana Maria Almeida Martins na Fundação Gulbenkian em 1991, encontramos na página 89 alguns contributos notáveis para uma melhor compreensão do espírito, mistério que ele sondou denodadamente e com fases bem subtis de se discernirem ao longo dos anos. Oiçamo-lo, ou mesmo meditemo-lo:
«O espírito é pois uma força espontânea: mas é, por cima disso, uma força consciente. É esse predicado que vem completar a sua plenitude e fazer dele a força tipo. Conhecendo-se, possui-se na identidade fundamental de todos os seus momentos, vê-se na sua unidade e propõe a si mesmo o seu próprio fim. Este conhecer-se tem graus: é mais ou menos íntimo; mas, ainda nos ínfimos graus, a unidade do espírito aparece já, encerrando o mais elementar [,] a virtualidade do mais pleno. Fazendo-se toda a evolução do espírito dentro da sua própria natureza, e não sendo mais do que a gradual realização de si mesmo em si mesmo, há oposição entre as sucessivas esferas do seu desenvolvimento, nunca contradição. É assim que o espírito, sem sair de si, se cria e fecunda continuamente, compenetrando-se cada vez mais com a sua própria essência, extraindo dela, da sua infinita virtualidade, momentos cada vez mais complexos e ricos de ser, até atingir a mais alta consciência de si. Reconhece-se então idêntico com o eu absoluto e independente de toda a fenomenalidade: concebe Deus como o tipo de sua mesma plenitude, concebe e sente a vida moral como a esfera da realização desse ideal. A realização desse ideal parece-lhe agora como o seu fim último, aquele de que os fins anteriormente propostos, limitados e transitórios, eram só imagem e preparação. Este fim último, porém, sendo imanente, confunde-se com a perfeição do seu mesmo ser: na atracção dele reconhece a causa de toda a sua evolução, que só para realizá-lo tendia. Pela realização dele é livre - livre na medida exacta em que o realiza - porque quanto mais o realiza, mais realiza a potência e a perfeição do seu próprio ser. Reunindo deste modo na sua unidade, agora consciente, a causa e o fim, a sua autonomia é completa».
   Acolhamos mais atentamente deste longo raciocínio a passagem preciosa sobre o dinamismo do Espírito, numa das conclusões que Antero nos dá: «compenetrando-se cada vez mais com a sua própria essência, extraindo dela, da sua infinita virtualidade, momentos cada vez mais complexos e ricos de ser, até atingir a mais alta consciência de si».
   Compreendamos que esta "compenetração-extração" de virtualidades, se passa tanto como interiorização e meditação profunda como também como acção ética dinâmica geradora de crescimento e elevação do ser. 

    E pode ser clarificada melhor no seu dinamismo desvendador se nos exprimirmos assim:  por tal meditação e dinamismo alcançam-se estados de consciência cada vez mais complexos e ricos, até se chegar à mais elevada auto-consciência, isto é, à consciência  do Espírito em nós, da sua centelha em nós ou, se quisermos, do Espírito infinito que perpassa por nós, talvez até a opção mais acolhida ou sentida por Antero, embora ele não seja preciso em que plano e sob que forma ou modalidade de manifestação o sentiu ou realizou mais.
                                       
 Em verdade, Antero está a aludir mais ou menos expressamente à meditação, à gnose, ao auto-conhecimento profundo, o qual apela a uma capacidade de se acalmarem as ondulações do pensamento, tão influenciadas pelo quotidiano, para que o próprio espírito possa ser sentido e logo expandir-se ou desvendar-se nas virtualidades de estados interiores de paz, alegria, claridade, determinação, visão...
Quanto à identificação que faz da tal "mais auto-consciência de si mesmo" com a da centelha do espírito, ela de facto não está neste ensaio assim mencionada, embora por vezes pontilhe aqui e acolá ao longo da sua vida, sobretudo na correspondência e a ela deveremos recorrer...
Mas é certamente o santo Graal desta nossa demanda compreendermos melhor quem é, ou como é, o Espírito, e como é que Antero de Quental o foi vendo, sentindo, pensando ao longo dos tempos, algo que está ainda pouco claro, pesem as boas aproximações de Leonardo Coimbra e Sant'Anna Dionísio, de António Sérgio e Joaquim de Carvalho, especialmente a deste e, certamente, as de alguns ensaístas ou anterianos nos sucessivos colóquios ou mesas redondas que se têm realizado no últimos tempos...
                                       
A meditação ou compenetração que Antero do Quental descreve tem naturalmente três faces ou destinações: a do espírito individual, da qual acabámos de mencionar, e as do Espírito Absoluto e ou mesmo Divino, provavelmente aqui apresentadas por Antero mais especulativamente do que por visão interior, quando nos diz que «reconhece-se então idêntico com o eu absoluto e independente de toda a fenomenalidade: concebe Deus como o tipo de sua mesma plenitude, concebe e sente a vida moral como a esfera da realização desse ideal».

Dizemos mais especulativamente, porque ele próprio o afirma por vezes na correspondência com os amigos e, embora escreva «reconhece-se idêntico», ou seja, compreende, realiza ou sente que há uma continuidade de identidade ou de unidade com o Eu absoluto, não encontramos muitos sinais de tal identificação na sua vida e obra a não ser e, aí muito bem e bastantes, na assunção de uma moral superadora do egoísmo e, especulativamente, em várias suposições ou mesmo intuições bem fundadas de que o espírito  Absoluto é mais universal que o individual e que este tem que lutar para vencer as limitações estreitas que o ego e a luta pela sobrevivência lhe impõem.
                                         
Quanto ao afirmar que ele, espírito, é independente de toda a fenomenalidade, o que poderá ser na sua essência íntima, , teremos também de admitir que tal é algo sem dúvida muito difícil de se vivenciar, a menos que se seja um asceta completamente unificado e desprendido, ou um puro observador, um ser que viva numa contemplação constante da Unidade de todos os seres e mundos, algo certamente possível, num nível que pode ser visto como o que a filosofia Advaita Vedanta, da Índia, postulou ou realizou (e da qual publiquei nas edições Maitreya, o Astavakra Gita, o Cântico da Consciência Suprema), mas que a própria visão dinâmica do espírito que Antero assume em acção transformadora e ética acaba por impedi-lo de conseguir manter-se independente de toda a fenomenalidade.

Com efeito Antero afirma que o espírito extrai do fundo de si mesmo os visões, os sentimentos, pensamentos e determinações da vontade pelos quais vai crescendo consciencialmente, portanto numa clara inter-relação com a fenomenalidade da manifestação cósmica, pois pensamentos e sentimentos existem na relação com o mundo...
Isto é algo que a visão Advaita não defende, ao afirmar antes a impassibilidade e perfeição plena consciencial do ser liberto da ilusão da manifestação, libertação que é o reconhecimento do estado inato da consciência pura do espírito ou Atman, idêntico ou mesmo igual a Brahman, o Espírito total ou absoluto ou Divino, já que Ele-Este será o único que é, daí a iniciação indiana expressa pela indiana mahavakia, grande afirmação, Tat Twam Asi, "Tu és Isto ou Ele..."
Anote-se ainda que quando Antero vê ou fala acima do Eu absoluto, ou pelo menos diferente dele, de Deus, ele fá-lo mais de um modo filosófico e ético, vendo-o como o tipo, sem que a noção de pessoa e logo de culto e relação devota com a Divindade desponte, algo que pode não ter sido (e não terá sido mesmo) o melhor para ele, já que deixou de desenvolver de certo modo o coração, o amor e a ligação pessoal à Fonte Divina e assim no final da vida está aberto ao suicídio...
Mas teremos que voltar noutro texto ao Espírito e à Divindade em Antero de Quental já que as Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX têm outros passos bem significativos e merecedores da nossa cogitação, tal como também perseverantemente devemos diariamente meditar e religar-nos ao Espírito e abrir-nos à Providência Divina...

domingo, 2 de outubro de 2016

A Biblioterapia no Jardim da Estrela, 2-X-2016, Lisboa. Com Mariana Pires e o senhor engenheiro seu pai, Jorge

    A Biblioterapia nos jardins, sobretudo aos fins de semana, está a ter muito sucesso, e a custosa importação da famosa Ritalina, um fármaco pesado dado a tanta gente para se "anormalizar", isto é anestesiar,  está a regredir e nem tem sido preciso regressões nem custosas visitações de especialistas...
    Também a nubeloterapia se está a desenvolver entre nós, ou seja, as nuvens, ao serem contempladas sentidas e dialogadas, ensinam-nos muito e pelo que nos transmitem até podem curar certas doenças derivadas do pouco contacto com os céus e as suas partículas, ondas e tão metamorfoseáveis nuvens...
   No dito livro aberto moderno Facebook há um grupo de "Nuvens e céus de Portugal" onde alguns princípios  têm sido transmitidos pioneiramente  e com a simplicidade e humildade com que as nuvens se formam, falam e se desvanecem.
    Eis na fotografia inicial uma que nos convidou ao sairmos de casa e nos guiou no Domingo pela tarde para o Jardim da Estrela, claro com um excelente livro na mão, de Lynne Mctaggard, trocado na véspera na nóvel livraria de livros ingleses em segunda mão, Bivar, à Estefânia, na rua Ponta Delgada. 
Entremos no mundo mágico e salutar da Natureza que ainda subsiste dentro das cidades, os Jardins, em Persa denominados paradesa, donde se formou o nosso paraíso, e o que é um jardim senão isso, em especial com um belo tempo outonal, paz, liberdade e livros? 
                                     
   Diante das grandes árvores da borracha do jardim da Estrela por vezes sento-me e admiro a grande aspiração delas ao Sol e ora as contemplo, ora me entranho a ler, ora observo quem passa,  pessoas e cães sobretudo, cada uma com a sua frequência vibratória que o corpo e a alma geram e partilham no vasto eco-sistema do Jardim da Estrela que a todos nos envolve, ressoa e modela...

Árvores bem poderosas, que espíritos da natureza as habitarão? Quem lhes sabe tocar em vez de pintar, ou mesmo ler as poesias, por exemplo, As Fadas, ou outras, do livro de Antero de Quental, Tesouro Poético da Infância?
Sentar-nos na relva é uma graça nos nossos dias, pois nos jardins botânicos já se paga para entrar e sentar no chão nem pensar, mas aqui podemos comungar com a  terra, encostar-nos a uma árvore, segredar-lhe uns agradecimentos, sentimentos ou orações e contemplar até gente luminosa, como nós invocando os melhores raios e bênçãos que do sol descem e se derramam através da frequência saudável esverdeada e dourada que permeia o campo ajardinado no começo do Outono...

As grandes árvores em flor são sempre um resplendor e através delas nos fortificamos e elevamos à fortaleza e beleza do espírito e do Amor...
    Mas eis que o amigo Jorge Pires e sua filha luminosa Mariana nos desafiaram pelo telemóvel a mudar de pouso e a trocar o austero chão, embora relvado, por uns sofás biblioterapêuticos, estes dias em funcionamento... 
    Ei-los a receberem-nos, felizes, pois muito dados ao amor e leitura dos livros, congratularam-se com a chegada de alguém que já trazia o seu livro na mão mas que aos bons leitores se ajuntava...
Ali perto, algum rodopio de gente se avistava junto à estátua do nosso dilecto amigo "Antero de Quental, escritor", para o referir pelo nome de uma página do Facebook por mim animada. 
Havia diálogo, sob o vulto do Antero, que tem, já há uns anos, o nariz e uns dedos estropiados por gente menos educada do nosso país, mas que cremos já não existir para estes atentados e portanto aguardemos que a Câmara reponha o devido respeito pela efígie, ainda que não vera pelo menos imponente e interrogante, do grande pensador e poeta dos mistérios da Vida e da Morte, do Determinismo e da Liberdade, do Amor e da Verdade... 
Apesar de se ter evocado o nome de Antero de Quental para um dinâmico forum ou palco creio não se ter falado nele nem se o deixou falar e por isso juntamos nós algumas palavras valiosas de uma carta ao seu condiscípulo e futuro advogado Flórido Teles de Meneses, escrita em Coimbra, 7-VIII-1861:  «Bem sabes: quem crê na Arte crê no belo, no bom, isto é, no Amor e em Deus, e com estes elementos pode tudo perder-se mil vezes, que mil vezes será tudo salvo. É por isso que tantas esperança ponho na arte; é já um culto antecipado da religião que ainda está por nascer para uma sociedade de que só por aqui terão alguns uma vaga intuição. Desses alguns quero eu ser, como tu és, meu apóstolo e precursor de novos mundos, como são todos os que, depondo ambições do dia, viram os olhos da sua alma para o horizonte longínquo, aonde tem de raiar a Aurora do Dia novo».
O raio verde da aurora da Verdade que a leitura pode intensificar...
Vários tipos de estantes e assentos se ofereciam então às pessoas, com gosto e discrição escolhidos, e os utilizadores eram amantes dos livros e da sua sabedoria, praticantes certamente, embora mais ou menos conscientes, da biblioterapia, que aliás no livro que publiquei em Julho de 2015, intitulado Da Alma ao Espírito, se encontra um pouco desenvolvido no capítulo XXX, intitulado Biblioterapia.

    Pois no nosso canto, ou subcampo biblioterapêutico, juntou-se um grupinho, onde a gente mais nova alternava a leitura dos livros em papel com os mais modernos meios de comunicação e leitura, e algumas pessoas vieram fazer o istishara persa, escolher um livro, abrir "à sorte" e ler onde se abriu e receber uma mensagem, embora no Irão em geral se faça isso sobretudo com os Diwan (cancioneiros) de Hafiz e Saadi, os dois grandes poetas do Amor e do Espírito, e o Alcorão, este bastante menos aberto ao vinho do Amor que tanto nos inebria ou exalta na poesia clássica Persa...
 Um grupo mais animado, com a jovem de branco mais leitora e ao fundo as pessoas que foram passando...
                          Diálogos com vontade de se ouvir o outro e a sabedoria que possa ter é bom...
Ler para a criança, modelando animicamente o conteudo do lirvo para a alminha única em crescimento, uma arte
    Contemplar, ver que livro se quer escolher e levar, eis uma boa prática, pois com a falta de biblioterapeutas temos que ser nós mesmo a fazer o istishara persa, a intuição fulgurante ou, com mais discernimento ponderado, consultar os livros até descobrirmos os que mais amamos e que nos permitirão fazer  auto-conhecimento e auto-cura, ou então melhorar a nossa compreensão do mundo e do que nos rodeia, questiona, oprime ou liberta e, logo, desafia.
   Estas práticas de partilha de espaços biblioterapêuticos nas cidades e jardins têm toda a razão de ser, e estão de parabéns os organizadores, que aliás tinham um programa bem mais diversificado com várias actividade ao longo dos três dias, e será um contributo importante para se diminuir uma certa iliteracia persistente a que o ênfase exageradíssimo dado nos meios de informação e televisivos à bola não será alheio...
   E no Jardim da Estrela e de certo modo de Antero de Quental, seria bom que se realizassem algumas vezes palestras ou diálogos sobre a sua vida e contexto, pensamento e obra, ou leituras de seus poemas e cartas e, claro, outras actividades literárias e poéticas não já só emanando ou relacionadas com ele...
      Por fim, eis as torres da Basílica do sagrado Coração divino na humanidade, com os seus vasos, cruzes e espadas flamejantes a apelarem ou  despertarem-nos para a comunhão no Bem da Humanidade e na  Verdade e Divindade...
   O templo religioso, a árvore e eixo do mundo natural e imaginal, e a nuvem soprada pelo Espírito ou pelos Espíritos da Natureza e os Anjos, emanam ondas vibratórias que ressoam em nós, abençoando-nos.       Flua harmoniosamente...