terça-feira, 13 de agosto de 2024

Luís de Magalhães, foi de Antero um discípulo espiritual? Provas poéticas... Escrito a 13 de Agosto 2024.


 De Antero Quental e da sua demanda, sensibilidade, ideias e ideais, lutas e criatividade, quais foram os seus amigos mais influenciados, ou  que melhor prosseguiram a sua demanda, talvez podendo mesmo dizer-se discípulos, seja porque ele os iniciara em ideias, sentimentos e emoções, seja porque sentiram o brilho do seu carácter, o valor da sua abnegação e generosidade ou mesmo a dimensão espiritual de Antero e da sua demanda e a tentaram aprofundar, realizar ?

Fotografia do espólio da família e retirada do Campo-Santo, por Luís de Magalhães, Braga, 1971, obra excelente e que tencionamos apresentar em breve.

Não é fácil discernir-se quais foram, sobretudo fora dos amigos mais conhecidos, os que melhor o sentiram como mestre e tomaram, continuaram e aprofundaram seu testamento anímico espiritual, pois alguns pouco ou nada tendo deixado escrito não entram na história. Outros, embora tendo publicado prosa ou poesia marcada ou devedora de Antero, não conseguiram alcançar aquela notoriedade que os faz sair das prateleiras esquecidas de algumas bibliotecas públicas ou privadas, onde, por não serem reconhecidos e trabalhados, jazem numa certa lamentação, para os bibliotecários ou bibliófilos que os sabem intuir ou escutar.  Alguns desses poetas menores ouvi eu, e já dei conta no blogue, mas agora vou antes dirigir-me aos seus amigos, aos que o conheceram e se consideraram amigos, condiscípulos ou mesmo discípulos.
Quem devermos destacar, em especial na poesia como voz ampla e profunda do coração e da mente em busca do conhecimento, da verdade, dos ideais? António de Azevedo Castelo Branco, Jaime Batalha Reis, Jaime de Magalhães Lima, Luís de Magalhães, Joaquim de Araújo, Vasconcelos d'Abreu, Fernando Leal, Manuel d'Arriaga, António Molarinho?
Ou ainda alguns daqueles com quem Antero partilhou mais frequentemente da sua sábia e iluminante palavra, tais como João de Deus, Oliveira Martins, os irmão Sampaio e em especial o Alberto, os irmãos Faria e Maia, Rodrigues de Freitas, Lobo de Moura, Germano Meireles?
Embora seja bem difícil avaliar, cremos que os principais discípulos, e a um nível ético e espiritual, t
erão sido  Jaime de Magalhães Lima,  Luís de Magalhães e Joaquim de Araújo e como neste blogue já escrevi sobre dois deles, nomeadamente sobre o tolstoianismo de Jaime de Magalhães de Lima e o excelente poema com que Joaquim de Araújo homenageou a  partida da terra de Antero, em termos iniciáticos, glosando o famoso dito:"Morrer é ser iniciado, mas para onde?" https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2017/09/na-morte-de-antero-joaquim-de-araujo.html ...
Vamos tentar mostrar co
mo Luís de Magalhães foi dos melhores discípulos tanto poéticos como espirituais de Antero, transcrevendo alguns dos seus sonetos onde é mais evidente a filiação espiritual, e onde ele no fundo aprofunda e talvez até "redima" ou "reze" os impasses, limitações e fraquezas de Antero, e não referirei os seus dois pouco estudados e valorizados mas fabulosos In Memoriam  de Antero, o que ficará para outras vezes. [No dia 18-VIII publiquei o primeiro: https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2024/08/a-fabulosa-homenagem-antero-de-quental.html ]


Luís de Magalhães (13-IX-1859 a 14-XII-1935, uns dias depois de Fernando Pessoa, que bastante valorizou Antero e foi um dos seus elos posteriores) publicou em 1924, sob o título Frotas de Sonho, (num in-4º gr. de 177 p. da famosa  tipografia Costa Carregal),  um  conjunto de  cento e trinta e nove sonetos, aglomerados sob sete títulos temáticos: O Facho do Amor, Ara íntima, Natura Mater, Em Face da Esfinge, Tuba Épica, Os Cantos do Prisioneiro (onze, escritos quando esteve preso dois anos pela participação na Monarquia do Norte, e creio que alguns podem ter influenciado a Mensagem de Fernando Pessoa, tal como os da Tuba Épica) e por fim Traduções (sete sonetos, um deles atribuído a Santa Teresa).

Ora  no capítulo intitulado Em face da Esfinge, os trinta e três sonetos (tal como alguns  nos outros capítulos, e já abordamos no blogue o Anjo da Guarda) contêm boas indicações acerca do percurso filosófico, religioso e espiritual de Luís de Magalhães, em ressonância muito evidente por vezes com o de Antero de Quental, e pelo que ele escreveu sobre a morte de Antero, creio que foi provavelmente o discípulo mais próximo, ou o que o sentiu mais como mestre espiritual, ainda que também Jaime de Magalhães Lima e Joaquim de Araújo, e outros, o sentissem. Anote-se que na última intervenção pública de Antero, uns meses antes de partir da Terra,  quando liderou nos primeiros meses de 1890 a Liga Patriótica do Norte, contra o Ultimato do imperialismo britânico, fora Luís de Magalhães  quem o convidara para Presidente da Liga, em nome dos estudantes, intelectuais e trabalhadores, tendo as sessões patrióticas e revolucionárias decorrido no Ateneu Comercial do Porto.

 Luís de Magalhães  foi depois da desencarnação de Antero a alma principal, com o dedicadíssimo Joaquim Araújo, da laboriosa organização do In Memoriam, que teve ainda  a colaboração, frequentemente mesquinha, de Joaquim de Vasconcelos.  Ana Maria Almeida Martins estudou muito bem esta magna obra de preservação da alma de Antero,  elogiando muito Luís de Magalhães e Luís de Araújo e criticando Joaquim de Vasconcelos, no seu incontornável Antero de Quental e a Génese do In Memoriam. Leitura, transcrição, prefácio e notas. Angra do Heroísmo, 2001, onde reuniu 373 cartas, muitas bem valiosas, respeitantes ao  demorado parto de cinco anos, pois só saiu à luz em Junho de 1896, acompanhado de uma comenda da Ordem de Cristo para o seu editor (capitalista) francês Mathieu Lugan.
                                                   
Mas avancemos
então para a espiritualidade poética anteriana de Luís de Magalhães, filho do grande orador José Estêvão, e muito rico no seu percurso político e ministerial monárquico, publicista, memorialista, patriota e poético, bem patente na Frota de Sonhos. Transcreveremos alguns dos sonetos do capítulo Em face da Esfinge, o primeiro  mostrando-nos a base ou raiz,  A Esfinge:

«Onde vamos, levados na torrente
Fatídica e invencível do Destino?
O que somos? O que é este divino
Raio de luz, que brilha em nossa mente?

O que é todo este assombro refulgente,
O infindo Cosmos, de que, em vão, me obstino
A interpretar o verbo sibilino
A procurar a origem transcendente?

Que há para além da cúpula azulada?
Que são o Tempo e o Espaço, a Vida e o Nada?
Se há Deus, porque é que ao nosso olhar se esconde?

- Assim, febris e ansioso, exclamamos
Em frente à Esfinge eterna, que adoramos.
Mas a Esfinge impassível não responde!»
 
Eis-nos num soneto bem ecoante das interrogações anímicas, filosóficas e poéticas de Antero e dos seus. Realçaremos de melhor a tentativa de resposta dada à eterna questão iniciática da gnose, do auto-conhecimento e que a Esfinge lança: - Quem és tu, ou "O que somos? O que é este divino raio de luz, que brilha em nossa mente?"
O "divino raio de luz que brilha na nossa mente", ou alma, ou ser, meditou-o Luís de Magalhães suficientemente para o sentir, ou intuir, ou ver no olho espiritual? E com que forma? Raio, chispa, centelha, partícula? Não sabemos, e são mistérios iniciáticos, mas pelo menos mencionou-o logo de início, redimindo o Antero algo filósofo do Inconsciente ora budista da não alma individual....
O 2º soneto, Lacrimae Rerum ecoa os sonetos de Antero onde perpassam a metempsicose e a aspiração à imortalidade das próprias coisas e animais. O 3º O Ignoto é uma glosa, muito evidente, de alguns sonetos e poemas a Deus de Antero. O 4º O Homem, canta a evolução do animal ao humano, corrente no evolucionismo da época e que Antero acolhera. O 5º Á porta do Mistério, ecoa o Palácio da Ventura. Nos seguintes perpassam as ideias, demandas e sonetos de Antero, e nos títulos transparece tal: a Ilusão, a Verdade; Vanitas Vanitarum, Ad Deum (algo do "Na Mão de Deus"), O Naufrágio, Crêde, Catedral, talvez um dos melhores e bem original, a Fé, a Dor, o Santo Lenho, Homem ou Deus, Ele! (eco do Espectro anteriano), Presépio, A Morte de S. Francisco (muito bom), O Milagre, S. Martinho, O Conselho da Serpente, Sonhemos, Ser e Não-Ser (um dos muito anteriano),  Por Onde, Imanência (um dos melhores, ecoando e respondendo a Antero, mas com limitações), Ciência, Síntese (anteriano), Ao Deus interior (uma resposta a Antero, muito boa), O Guia, Nada (algo na linha do niilismo parcial anteriano), Em frente ao Monstro (bastante anteriano), e o último, quase uma resposta final ou sossegante para Antero, Acto de Fé:

    «Creio em Deus, - Ser ignoto omnipotente,
Criador do Universo, ou sua essência,
Guia-me a Lei de Cristo, que a consciência
Nos ilumina como um facho ardente.
 
Ante o mistério das Origens, sente
Minha pobre razão sua impotência:
Mas, todavia, à incerta luz da Ciência,
Busca a Verdade esquiva, ansiosamente.
 
Creio na oculta flama, em nós acessa,
No Génio, que subjuga a Natureza
E, à luz do ideal, conduz a Humanidade.
 
E, num místico anelo espiritual,
Penso que alguma coisa há de imortal
Nisso que, em nós, aspira à Divindade!»
 
Realcemos a valorização da consciência como luz que nos guia, e a aspiração mística e espiritual à Divindade que sente, como sinal de algo imortal, no fundo do espírito que contudo não nomeia, pois ainda não o conhece mas nele crê. 
Considerando a excelente qualidade de vários dos centro e trinta nove sonetos compilados, vamos apresentar mais um, Imanência:
 
«Abismos do Infinito, Astros dos Céus,
Mares, montanhas, testemunhas vivas
Das origens e Idades primitivas,
Rasgai-me do Mistério os negros véus!

Dizei-me quem é Deus, onde está Deus
Coisas eternas, Formas sempre vivas!
Assim, em angustiadas invectivas,
Se perdem, pelo Espaço, os brados meus.

E diz-me a vossa prodigiosa voz:
«Deus está no Universo em corpo e alma!
Deus é a essência do Ser - e habita em nós!

Deus é o sonho divino em que te embebes
No anseio do saber, que não se acalma!
Homem, Deus vive em ti quando o concebes!»
 
O soneto que aborda a Imanência acaba contudo por corresponder a uma actividade mental e não realização espiritual. Há uma certa dependência da exteriorização espiritual e divina a que as religiões do Deus no Céu geraram, pois clama-se para o exterior quando devia ser aspira-se, medita-se, silencia-se no interior. De qualquer modo, e por vezes mesmo por esse meio do clamor exterior, pode vir a resposta, que é ouvida como exterior mas que revela a imanência e Luís de Magalhães intui (ou pensou) bem: "Deus é a essência do Ser - e habita em nós." 
Quanto ao "Deus está no Universo em corpo e alma", afirmação subtil, poderosa e complexa, esperamos um dia dialogar com Luís de Magalhães e Antero de Quental nos mundos espirituais, com Ela bem mais patente e vivenciada maravilhosamente por nós...
 
As correntes auríferas e das Tágides,  no rio Tejo no dia 13 de Agosto de 2024.

2 comentários:

Maria de Fátima Silva disse...

Poemas de muita sensibilidade, palavras e frases escritas que no conjunto me tocam muito no coração tal como Antero. O Tejo estava com um maravilhoso azul acolhendo esta próxima volta, do Pedro, ao Sol.

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Graças muitas, Fátima. Sim, há grande sabedoria e amor na sua poesia e também no que ele escreveu sobre Antero e a vida.