quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Postais recebidos. Do P. Mário Martins, e seus ensinamentos espirituais risonhos e salutíferos.

 Creio que muitas cartas  ou postais tem ensinamentos,  valores afectivos, literários, históricos, e que não os devemos deitar fora, em especial quando testemunham aspectos, dados e conselhos valiosos .

 Irei assim salvar, do anonimato e quem sabe da fatal destruição das cartas e papéis  - minhas e de muitos - que poderá ocorrer um dia, um postal do Padre Mário Martins, distinto religioso e medievalista, com vasta obra publicada em livros, opúsculos, e artigos, em especial na revista Brotéria, e que conheci nos anos 80 através da escritora portuense e grande amiga Dalila Pereira da Costa, que o estimava muito, e com quem eu convivia bastante, pois dava aulas de Raj Agni Yoga, no Porto, e tinha bastante tempo para dialogar com ela, tal como o prof. Sant'Anna Dionísio, o último elo vivo do magistério fulgurante de Leonardo Coimbra.

Visitei duas vezes o padre Mário Martins no centro da revista Brotéria, com sua biblioteca, e residência da Sociedade de Jesus, na Lapa, Lisboa. Encontrei-o também  na Academia das Ciências, de que era membro, (como também da Academia Portuguesa de História), quando era seu Presidente o prof. José V. de Pina Martins, meu grande amigo. Já transcrevi no blogue outro postal dele, dirigido à Dalila e que ficara em meu poder e referi-o a propósito do livro dela em que ambos colaboramos com bibliografia e diálogos, Místicos portugueses do século XVI. Não está datado mas creio ser de Dezembro de 86. Mário Martins era uma alma bem disposta, e as histórias divertidas ou irónicas que recolheu nos seus livros retratam algo disso. A cara era levemente sanguínea e sofria de asma. Era um excelente conhecedor da história religiosa, da mística, do ciclo do santo Graal, das peregrinações,   do Caminho de Santiago  e do culto mariano, que tanto ele como a Dalila eram devotos, enquanto que eu, que estivera na Índia em aprendizagens yogis, valorizava mais uma mística de realização espiritual e divina íntima e não sujeita a dogmas. Como ele dirigia a biblioteca da Sociedade, volta e meia fazia um desbaste e vendia alguns livros ao livreiro alfarrabista António Silva, que geria a livrariazinha S. António, na rua Garcia da Orta, também na Lapa, que  os disponibilizava a preços acessíveis, entremeados com conversas valiosas sobre o esoterismo, que era uma das suas especialidades, e onde por vezes encontrava e dialogava cm o Alberto Castro Ferreira. Na sua generosidade, o P. Mário Martins deu-me um dia um 2º volume de uma valiosa obra sobre o misticismo, em francês, do padre Marchal que li e ainda conservo, certamente estará agora em diálogos, nas bibliotecas dos mundos espirituais, com a Dalila Pereira da Costa, ou mesmo com o António Silva. Muita luz e amor divinos neles!

«Saudações luminosas.

Meu bom amigo, recebi a sua carta, e escrevo-lhe poucochinho por estar em retiro espiritual - uns grandes oito dias de concentração. Sim,  sabedoria continua madura e o silêncio é uma grande palavra a desabrochar como uma flor de nenúfar dentro de nós.

Muito obrigado pelo que me disse acerca da asma. De facto, sofro muito de obstipação, não posso escolher a comida, e sobretudo, trabalho de mais - como se o comboio estivesse a partir. Vou ver se me descontraio um pouco mais. Já me tinham dito para fazer respirações profundas. É só questão de tempo. Mas de vez em quando olho para o voo das gaivotas - e posso aproveitar esse momentos de contemplação para respirar fundo e libertar estes pobres pulmões aflitos do ar já gasto que deve estar lá no fundo do fundo da árvore respiratório.

Mando-lhe esta Nossa Senhora, no meio da terra florida e sem limites. Senhora da Paz, dessa paz interior que todos procuramos e raramente encontramos. Se um dia puder, leia S. João da Cruz ou Santa Teresa Talvez o primeiro, no Cântico Espiritual, aos menos os versos). Mas leia só o que puder saborear. Boas Festas. Mário Martins.»

                                      

Que realçar no postal para além da Terra Florida e sem limites, dessa utópica Terra transfigurada, em que nós devemos estar, sob a égide da Paz profunda e da Senhora da Maçã vermelha (símbolo do conhecimento do mundo espiritual e da imortalidade) e do Menino (Christos em nós) que tanto encantou ou encanta a alma mística portuguesa?
Será mais o silêncio, como o fruto da meditação e da sabedoria amadurecida e que desabrocha como uma flor de nenúfar ou lótus no nosso coração, inspirando e exalando o amor Divino?
Será o contemplar das gaivotas, como um momento de não pensamento discursivo, e de sossego e descontração da aspiração de incessante labor na seara do Senhor?
Será o lermos apenas ou em especial o que conseguirmos saborear, sentir, amar, desfrutar, e assim irmos gerando raízes amadas para o que vamos pensar, dialogar e escrever?
Eis alguns dos conselhos que o sábio Padre Mário Mar
tins tão fraterna e singelamente me deu há já umas décadas e que afinal,  nestes tempos do opressivo desumanismo ou transhumanismo que nos tentam impor, ainda pude partilhar e talvez frutificar luminosamente...

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