sexta-feira, 16 de agosto de 2024

A 1ª história da agricultura biológica em Portugal, por António Mantas: "Raízes da Agricultura Biológica, Dos pioneiros mundiais ao movimento em Portugal".

 A primeira história da agricultura biológica em Portugal foi dada à luz em Janeiro de 2004 nas edições 5 Livros por  António Mantas, um agrónomo, com mestrado em agricultura biológica, vários anos de trabalho no sector público e desde 1999 certificador de agricultura biológica em Portugal e estrangeiro, dando actualmente cursos de formação em agricultura biológica.
                                          
A obra é volumosa, um in
-4º grande de 370 páginas, está bem ilustrada a preto e branco, embora as imagens pudessem ser maiores e leva um valioso prefácio de Alfredo Cunhal Sendim, do exemplar e futurante Montado do Freixo do Meio, a Montemor o Novo, onde enaltece a força transformadora  de uns poucos, duma «nova consciência colectiva que emergia sob a ética da Agroecologia», vitoriosa sobre «o paradigma do modelo agrícola químico-mecánico»,  e na qual discerne  como uma das origens a semeadura utópica e do Espírito Santo, de Agostinho da Silva. 
                                         

António Mantas, com os dois apresentadores do seu livro, José Amorim e Alfredo Cunhal Sendim, na Herdade do Freixo do Meio.

Intitulada  Raízes da Agricultura Biológica, Dos pioneiros mundiais ao movimento em Portugal, abrange nas cem páginas iniciais o seu desenvolvimento no mundo, descrevendo bem as pessoas e grupos pioneiros e as movimentações internacionais, com subcapítulos dedicados a Franklin King, Rudolf Steiner, Ehrenfried Pfeifer, Welleda e Demeter, Albert Howard, Northbourne, Eve Balfour, Mokiti Okada e Fukuoka, Maria e Hans Müller, Hans Peter Rusch, Jerome Rodale, Rachel Curson, Lemaire-Bucher versus Nature et Progress, propiciando uma boa visão esclarecedora das práticas, lutas, progressos, obras e líderes da agricultura biológica mundial.
A parte mais substancial e detalhada da
obra cabe naturalmente a Portugal,  e o António Mantas não se poupou a trabalhos para contactar as pessoas e encontrar os livros, jornais e documentos necessários a ser bastante exaustivo quanto ao que se passou, recuando, brevemente, as suas referências a meados do séc. XIX e citando de  agrónomos e lavradores, por exemplo, algumas recomendações de fertilização natural dos solos, tais as de Francisco Pereira Rubião, Paulo de Morais, Miguel Fernandes, Rebelo da Silva, Visconde Vilarinho de São Romão. É contudo a partir das décadas de 60 e 70, e sobretudo  desde o 25 de Abril de 1974,  que temos dados certos sobre os que voluntariamente e por consciência metodológica e ecológica não recomendavam e não usavam fertilizantes e pesticidas químicos e procuravam pelo meios naturais fortificar os solos, as plantações e semeaduras, e a biodiversidade saudável.
                                          
Na abordagem portuguesa é merecidamente realçado o papel importantíssimo do jornalist
a e ecologista Afonso Cautela em artigos de opinião, reportagens ou entrevistas, livros ou opúsculos na defesa da qualidade de vida e do meio ambiente (nomeadamente "contra o ruído - esse fascismo quotidiano") e na divulgação da agricultura biológica, a qual remontaria a alguns anos anteriores ao 25 de Abril, graças às actividades de Luís Vilar.  Um grande pioneiro e entusiasta, "A minha escola é a Natureza", dirá ele numa entrevista ao Afonso em 1976, já com 24 anos de agricultura biológica (e portanto desde os anos 50), onde revela o seu percurso, desde iniciar-se com as obras do médico neo-pitagórico Paul Carton,  tornar-se naturista,  estudar alguns dos métodos conhecidos de agricultura biológica  (Claude Aubert, Lemaire) e biodinâmica (Rudolf Steiner) e praticar perto da Trafaria. Afonso Cautela regista:«a tese de Vilar apoia-se no húmus e no carácter húmico dos solos, base de toda a fertilidade e, por tanto de toda a produção agrícola», para tal valorizando um ph neutro, e o lavrar superficial da terra, pois é dos 4 aos 12 cm que se encontra a vida microbiana, a ser preservada.

 Em 1978, Luís Vilar, em nove números,  da revista Agrosanus, que fundou "Órgão da divulgação de conhecimentos atinentes à promoção integral do Agricultor e à sua emancipação económica pela Agricultura Ecológica, privativo da União Fraternal dos Agricultores (em organização)" partilhou muitos dos seus conhecimentos (tal como a preparação do estrume, do composto, do terriço, interacção das plantas hortícolas),  e António Mantas realçou bem os aspectos mais valiosos tanto da entrevista-reportagem em seis números d' O Século Ilustrado, como dos oito números da Agrosanus.
Os elos seguintes desta fascinante história da Agricultura biológica em Portugal são: 1º o Centro Ignoramus da Macrobiótica Zen, com o nº 1 da sua revista em 1969, onde surge a 1ª menção e artigo intitulado Agricultura biológica, com bons conselhos de rotação,  uso de leguminosas e algas, e que deverá ter sido escrito por Fernando Mesquita. 2º, o Adeodato Santos e a sua mulher Inge Wollf, a produzirem hortícolas no Barão S. João e a dinamizarem a vida cooperativa e alternativa do município algarvio. 3º o Jacinto Vieira, produtor de cereais desde os anos 60 em Vila do Bispo e no Alvor e depois fundador e dirigente da Unimave, e co-fundador do Movimento Ecológico Português, com o Afonso Cautela. 4º Taciano Zuzarte, grande entusiasta da agricultura biodinâmica,  da Pedagogia Curativa e Socioterapia, inspiradas em Rudolf Steiner e que vai desenvolverá em Portugal, nomeadamente desde 1980, na Casa de S. Isabel em S. Romão. Membro, ora co-fundador ora activo no Movimento Ecológico Português,  na Associação Waldorf, na Biocoop, na Agrobio.
Nos subcapítulos s
eguintes destacaremos as excelentes resenhas do que foram as intenções, actividades e história da 1º, UNIMVE, Centro Macrobiótico e Vegetariano (a que pertenci e cheguei a dar um curso de yoga e meditação por iniciativa do Afonso Cautela, e que ele e a  filha Cristina  participaram), fundada em 1972, e que chegou a produzir vários cereais e leguminosas biológicos em Almoster; 2º, o Movimento Ecológico Português, fundado em Maio de 1974, nas instalações da Unimave, e que congregou numerosas individualidades na sua subscrição ou participação, tais como Agostinho da Silva, Fernando Namora, Raul Esteves Traveira, António Quadros, José Gomes Ribeiro, José Carlos Marques, etc., e que terá papel importante em vário encontros e dinamismos agro-ecológicos e anti-nucleares. Na história dos encontros, descrita em várias páginas destacam-se Ribeiro Teles, Afonso Cautela, Jorge Leitão, e outros. 

Uma fotografia recente (15-V) de José Carlos Marques, na apresentação das obras completas de poesia de Afonso Cautela, preparadas e editadas por ele, e em que participaram também José Luiz Fernandes, António Cândido Franco e eu.

3º, a acção de José Carlos Marques  e das suas Edições Afrontamento, com a colecção Viver é Preciso, é outro dos elos importantes bem apresentado nos seus aspectos agro-biológicos, éticos e ideológicos, tal como o 4º, Afonso Cautela que com os números da Frente Ecológica, e as reportagens em O Século e O Século Ilustrado ia revelando o panorama alternativo, tal a cooperativa SoldadoLuís, em Alcácer do Sal,  com o arroz biológico, os apoios de João dos Santos Júnior na pedagógica e dietética Diese (alimentação racional, com que me iniciei aos 16 anos) que o comercializou; a Biológica do João Lúcio Gamito, e entrevistando ainda o  arq. Jacinto Rodrigues e o eng. agrícola José Lacerda da Fonseca. Os números iniciais da revista Raíz e Utopia, até ao 3-4,  são também bem analisados quanto aos seus aspectos ecológicos e de agricultura biológica, outros se seguindo mais culturais e políticos.
No Porto,
o GAEIP, Grupo Autónomo de Intervenção Ecológica do Porto,  formado em Setembro de 1975 e liderado por José Carlos Marques e Jacinto Rodrigues, dinamiza reflexões e publicações para uma sociedade mais ecológica e com agricultura biológica, e dela nasce em Outubro de 1977 a  Pirâmide, Cooperativa Cultural para o desenvolvimento de uma sociedade em harmonia com o Universo, e que funcionará como centro macrobiótico, ecológico e espiritual (tendo eu e o meu irmão Luís, por exemplo, organizado um exposição dedicada a utópica Auroville de sri Aurobindo e a Mãe, às obras do alemão Bô Yin Râ e do russo Nicholai Roerich. Aí se destacarão Pedro Cavaco e Margarida Romão, Cláudio Coquet e Anabela Romão e o Filipe Rocha.
De 1978 a 1985 saem os bem importantes dezanove números da revista Urtiga, feitos pelo Pedro Cavaco e a sua mulher Margarida Romão, e onde colaborarão algumas pessoas, nomeadamente o Carlos Pissarro, Sylvia Montarroyos, José Carlos Marques, Cláudio Coquet, Pedro Teixeira da Mota, etc., num vasto campo alternativo, desde a não-violência de Lanza del Vasto e da Arca à agricultura biológica e à natural de Fukuoka.
A dinamização que Jean-Claude Rod
et realizou em Portugal desde 1978, iniciada pelo convite de João Santos, da Diese, e o apoio do poeta e ecologista Júlio Roberto, fundador da Itau (Instituto Técnico de Alimentação Humana), desde 1980 é bem descrita em algumas páginas, sendo bem historiadas as reuniões que houve na sede da Diese, na av. da República, e onde Jean-Claude Rodet conheceu o Arq. Gonçalo Ribeiro Teles e D. Duarte Nuno de Bragança, fortes apoiantes da agricultura biológica. Acrescente-se que em Julho de 2024,  foi Jean-Claude Rodet, com a sua mulher e "secretária" Francine, homenageados merecidamente em Idanha-a-Nova, onde finalmente conseguiu instalar o seu vasto arquivo, com o apoio da Câmara Municipal, tendo estado presente um grupo razoável de pessoas amigas, entre as quais o António Mantas.
Retornando,
In illo tempore, como diria Trindade Coelho, autor com interesses na cultura e folclore agrícolas, em 1984 nasce o Grupo de Agricultura dos Amigos da Terra, com o Luís Carloto Marques, João Santos, Jorge Ferreira e José Eduardo Agualusa, que dinamizará várias actividades. E pouco depois em Fevereiro de 1985 surge a que se tornará a associação mais importante e dinâmica, a AGROBIO, coordenada de início por Jean-Claude Rodet, Furtado Mateus (abnegado médico e agricultor bio-dinâmico), António Pena Gaspar, João Cruz Alves, Luís Carloto Marques, José Miguel Fonseca (ainda hoje lutando pela preservação das sementes) e onde depois se destacarão José Amorim, Ângelo Rocha, Pucariço, com o boletim a Joaninha, desde 1987, a transmitir muito informação agro-biológica e alternativa.
Os encontros nacionais de
Agrobiologia, os seminários e actividades de Agricultura Biodinâmica, os festivais da Terra Sã, com o do ano de 1983 a apresentar 83 expositores; em 1992, o nascimento da Associação Portuguesa de Produtores Agrobiológicos,  e da Urze,  e finalmente em Março de 1993 a cooperativa Biocoop, nascida de 50 produtores e consumidores biológicos, cm liderança de Ângelo Rocha, são alguns dos eventos e grupos marcantes. Pelo caminho ficou a Trigrama do Eng. Gomes Ribeiro, comercializando produtos integrais e biológicos. E até aos nossos dias seguem-se ainda várias páginas de história, repercussões na Imprensa, interacção com o Estado, feiras, publicações. Na penúltima parte são dada  explicações bem documentadas  de aspectos fundamentais da agricultura biológica, tais como definição, cadernos de normas, regulamentação, sistemas de certificação e controlo, fraudes, incomprimentos e sanções. E, por fim, várias tabelas com os números de produtores, produtos, distribuidores, acompanhadas de reflexões que culminam com o subcapítulo: Agricultura Biológica agora e no Futuro, sem dúvida desafiante para todos nós produtores ou consumidores, face às tentativas de globalização e manipulação de conceitos, práticas, tendências e meios de informação. Um registo grande de referências de livros e publicações, webgrafia, vídeos ou gravações de som, fotografias, e regulamentos e normas é fornecido nas oito páginas finais.
Eis-nos com uma obra pioneira, bastante abrangente, documentada e realizada com boa empatia e conhecimento, embora certamente possa vir a ser dada à luz uma edição ampliada no futuro.
Uma boa ideia de António Mantas foi ainda a d
e convidar  pessoas que de algum modo estiveram ou estão ligadas à agricultura biológica para darem algum tipo de testemunho, Retratos se chama o capítulo, com dezasseis contributos, destacando-se o de Jean-Claude Rodet, já que caracterizou breve, sagaz e divertidamente vinte e seis produtores e activistas da agricultura biológica com quem contactou mais.
                                     
Para quem gosta da natureza e defesa do ambiente
, da agricultura e em especial da biológica, eis uma obra que gerará vivo interesse, e resta-nos agradecer ao António Mantas por ter juntado e historiado tão bem tantas peças levedantes da agricultura biológica e lançar votos para que o livro  possa ainda crescer metamorficamente, e para isso o domínio na web por ele criado, https://www.raizesab.com/raizes-agricultura-biologica, ao receber informações, correcções e sugestões, contribuirá certamente...
                                      
                                           
Contracapa do livro.

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