sábado, 1 de outubro de 2022

A Ética, segundo os ensinamentos da escola filosófica de Angra do Heroísmo. "Os Primeiros Elementos de Ética para uso dos estudantes do curso de Filosofia Racional", 1840.

Como há uma grande falta de Ética no mundo e nas pessoas, em grande parte derivada dos maus exemplos demonstrados pelos mais ricos e mais poderosos, estados, partidos, grupos, empresas e pessoas, em especial dos Estados Unidos da América, resolvi partilhar uns extractos de um livro madeirense, de Angra do Heroísmo, dado à luz em 1840, contendo os ensinamentos para os alunos do curso de Filosofia, escritos por um sábio professor, anónimo (e ficará para outros desvendá-lo), e que lia e cita, além de alguns clássicos greco-latinos (entre os quais destaca Cícero, e o seu De Officiis, Dos Deveres), Jean Jacques Rousseau e o Barão d'Holbach, livres-pensadores, os quais concilia, com coragem e originalidade, com os ensinamentos morais evangélicos e dos primeiros padres da Igreja. 

A obrinha era um vademecum, para ser levado no bolso, no formato de in-12º, com seis cadernos cozidos, de oito páginas cada, num total de 48. Contém uma introdução, em oito páginas, com certa originalidade, pois nega, por exemplo, que a busca dos antigos do Sumo Bem, do Remédio Universal  e da Pedra Universal, pudesse dar resultados satisfatórios para muitos, já que o que eles permitem ou concedem só é bem conforme o uso que lhe dermos. Quanto ao Sumo Bem, ele é a Divindade, pois na realidade só Ela satisfaz plenamente o coração. 

Todavia, segundo ele e a generalidade dos teólogos cristãos, não a poderemos contemplar senão quando já estivermos no mundo espiritual, pelo que mais realisticamente relembra que a etimologia de Ética é a palavra grega Ethos, que significa a ciência dos costumes, da qual o equivalente em latim é Mores, donde derivou a palavra Moral, que significa o mesmo que Ética. Pelo que conclui este sábio filósofo (amigo da Sabedoria) madeirense que «se nem todos podemos ser ricos, grandes e poderosos podemos ao menos regular bem nossos costumes, moderar a violência das nossas paixões, desarreigar de nós nossos hábitos viciosos, donde provém  maior parte dos nossos infortúnios, e deste modo conseguiremos o bom testemunho da nossa consciência, a estima pública [nos nossos dias, raramente, tal a manipulação da opinião pública pelos meios de informação], e a tranquilidade de alma, em que o homem sábio e virtuoso deve constituir a sua glória, o seu prazer e a sua felicidade.» Este último ensinamento, que sublinhámos, merece ser bem meditado e vivenciado, pois a tranquilidade ou paz de alma é um bem cada vez mais raro nos nossos dias de tanta informação e contra-informação, de tanta opressão e conflito, e contudo fundamental para obtermos a luz e o amor espirituais e divinos que nos harmonizam e satisfazem, a glória no seu verdadeiro sentido, frutificador no indispensável corpo de glória...

Segue-se então propriamente a obra, os  PRIMEIROS ELEMENTOS DE ÉTICA, com a 1ª parte, intitulada Noções Preliminares, que transcrevemos em seguida, a 2ª parte Dos Deveres do homem para com Deus, a 3ª parte Das obrigações do homem [e mulher] para consigo mesmo, e a 4ª parte, Das obrigações do homem para com os outros homens. No fim, há em duas páginas, uma Taboada resumida das principais doutrinas da Ethica, da qual partilhamos a imagem

«Obrigações do ser humano para consigo mesmo: Fugir ao mal, buscar o bem, conservar-se e aperfeiçoar-se, domar as paixões impetuosas, destruir o vícios contraídos e cultivar as virtudes sociais, adoptando uma norma de vida regular, e congruente à Natureza.» 
   

                       

                      PRIMEIROS ELEMENTOS DE ÉTICA

                                    NOÇÕES PRELIMINARES

«A Ética, por outro nome Filosofia Moral, é a ciência dos costumes, isto, é, a ciência, que nos prescreve uma sábia conduta, e dirige nossas acções à virtude e a felicidade [que são os objectivos principais de uma vida percorrida com sabedoria.]

Costumes são quaisquer inclinações ou hábitos contraídos pela repetição dos mesmos actos. [Pelo que devemos preservar em actos saudáveis e benéficos que se possam tornar hábitos harmonizadores, valiosos.]

Os costumes são bons, e tornam os homens virtuosos [valor ou força interior e de integridade], quando são conformes à razão [ratio-logos, ou amor inteligente universal]; e maus [egoístas, desequilibrados, falsos], quando lhe são opostos.

Para serem bem regulados é preciso dirigi-los conforme os ditames da Lei Natural, servindo-nos a consciência [a nossa identidade observadora interior] de guia e directora.

Consciência é o juízo da alma [ou do nosso ser interior], com que examinamos se as acções convém ou não à Lei [ou à ordem do Universo, ou à alma do mundo, ou à Verdade, ou ao Caminho justo, ou ao Swadharma, do dharma ou dever de cada um.]

 Lei Natural é a reunião de todos aqueles deveres [ leis ou harmonias energéticas], que a Natureza prescreveu [ou manifesta e desvenda] ao ser humano por meio da razão; ou a mesma razão humana, enquanto nos mostra o que é bom, e o que é mau [discernir a Lei ou a Ordem Universal Natural, o apropriado, em nós.]

A existência desta Lei prova-se com vários argumentos: 1º com o unânime consenso de todos os povos, que sempre tem conhecido uma diferença essencial entre o bem, e o mal antes de qualquer legislação. 2º Com o tácito remorso [, que acompanha o homem criminoso, ainda quando não está em circunstâncias de ser castigado pelos outros homens. 3º Com a aprovação da virtude, que os mesmos homens maus louvam, e aprovam no virtuoso. Justiça e probidade, diz Séneca, agradam à Natureza e a virtude nas pessoas é uma graça e mesmo os maus admiram-na e melhoram com ela. Donde provém o célebre dito de Medeia em Ovídio: Video meliora, proboque, deteriora sequor, isto é, "Vejo o melhor, aprovo-o, mas sigo o que me deteriora". (Ver 1ª nota final)

Os preceitos do Código Natural se reduzem aos ofícios do homem para com Deus, para consigo mesmo, e para com outros homens. (Ver 2ª nota final) [E com a Natureza, um património natural que tem vindo a ser pilhado e destruído terrivelmente].»

«1ª Nota final: A existência da Lei Natural é uma verdade tão constante, e universal, que jamais foi desconhecida por algum povo do mundo. Que nação há, diz Cícero, que não ame a urbanidade, a benignidade, a gratidão, a lembrança do benefício, e que não aborreça os soberbos, os maléficos,  os cruéis e os ingratos?

Não é preciso irmos às escolas, e ouvirmos os mestres para sabermos que nos devemos defender de um injusto agressor, que nos queira roubar a vida, ou a fazenda, que devemos amar os nossos pais e que devemos ser reconhecidos àqueles que nos enchem de benefícios. A natureza só por si nos inspira estas verdades, e a experiência nos mostra que a moral é de todos os tempos, de todos os lugares e de todas as religiões. Contudo alguns pseudo-Filósofos tem pretendido negar a existência desta lei alegando que os Massagetas [povo iraniano] despedaçavam os seus pais quando estes chegavam a uma grande velhice, que os Lacedemonios louvavam os furtos sagazes dos seus infantes, que os Scytas matavam todos os estrangeiros, e que outros muitos povos têm tido práticas cruéis e horríveis. Mas que se deve concluir de tais alegações?

Que a força do prejuízo, o hábito do crime, a desordem e o tumulto das paixões desenfreadas podem enfraquecer, e obscurecer esta linguagem interior da razão na suas consequências mais remotas, mas nunca nos seus primeiros princípios. [Boa visão do mal como o afastamento (espacial e psíquico) extremo da fonte do Bem]

Os factos alegados  confirmam esta mesma verdade. Os Massagetas não ignoravam o amor, e respeito devido aos pais; se os matavam, quando chegavam a decrepitude era só para os livrar de uma velhice incómoda e dolorosa. [Bem discutível.] Os Lacedemonios bem conheciam ser injusto o roubo; porém permitiam nos infantes pequenos pequenos furtos de coisas comestíveis para os fazerem vigilantes na guarda dos seus bens. Os Scytas reputavam todos os estrangeiros como espias, e por isso os matavam. Os outros factos cruéis e horríveis , que de várias nações contam os navegantes, não são mais que iguais abusos da Lei Natural perpetrados por falsas consequências tiradas dos princípios verdadeiros.

 Quando porém se encontrassem ainda alguns indivíduos, que por imbecilidade, e rudez de educação não chegassem por si a conhecer o justo, e injusto de algumas acções nem por isso a lei natural deixará de existir. "Todos estes povos mencionados, diz Rousseau, em relação aos outros habitantes do Orbe só formam um ponto indivisível. Se alguns infantes nascem cegos nem por isso devemos atribuir este defeito a toda a espécie humana. Semelhantes exemplos só provam terem existido certos monstros de homens, nos quais foi sufocada a voz da Natureza.

«2ª Nota final: Em três palavras recopilou S. Paulo o Doutor das Gentes todos os preceitos da Lei Natural, quando escrevendo a Tito. Cap. II, 12), nos recomenda que vivamos sóbria, justa e piamente: Sobrie, et juste, et pie vivamos in hoc saeculo: isto é, religiosos (piamente, pia desideria) para com Deus, sóbrios para connosco, e justos com outros homens. Porém como nos intima a Natureza estes deveres? Fazendo-nos sensíveis, e amantes da nossa felicidade. Toda a moral é fundada sobre a essência do ser humano, e sobre as propriedades e qualidades, que se acham constantemente em todos os indivíduos da mesma espécie. Nossa inteligência e sensibilidade nos levam a procurar todos os meios, que nos podem fazer felizes, nossa experiência nos mostra, que não o podemos ser sem nos sujeitarmos a certo deveres, e daqui dimanam nossas obrigações para com Deus, para connosco e para com os outros homens.»

Agaradecendo o sábio professor angrense de ética, saibamos meditar e amar mais estas obrigações que nos transmitem alguns raios e eflúvios da Felicidade divina, Ananda na tradição indiana, já que segundo ela o ser humano é Sat, Chit Ananda, Ser, Consciência e Felicidade ou beatitude. 

Saibamos pela nossa vida estudiosa, harmoniosa, sóbria, ecológica, solidária e religioso-espiritual discernirmos onde está a falsidade e a verdade e logo agirmos com justiça, para podermos recuperar a nossa identidade interior e eterna de espíritos emanados da Divindade e em peregrinação criativa, amorosa e fraterna no Multi-Universo e numa humanidade hoje arrebanhada pelos meios de informação vendidos e logo tão necessitada de mais saúde, conhecimento, justiça, verdade e amor....

Santa Sabedoria, Hagia Sophia, protegendo pessoas, monumentos, cidades, nações. Por Nicholas Roerich

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