segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Livros (3º) sobre Sonhos. O Mistério dos Sonhos, 3º cap. de Enigmas Ocultos, por Bô Yin Râ. Tradução e comentário de Pedro Teixeira da Mota.

O mestre alemão Bô Yin Râ, num dos seus livros pouco conhecidos, Okkulte Rätsel, em inglês Enigmas of Nature's Invisible Realm, ou entre nós Enigmas Ocultos, impresso em 1923, em Leipzig, na carismática Verlag Magische Blätter, deu a sua visão de alguns domínios do oculto, sendo um dos seis capítulos dedicado ao Mistério dos Sonhos. Como tenho estado a escrever sobre sonhos e livros de sonhos, eis um resumo com partes traduzidas e comentadas, sem prejuízo de podermos acrescentar posteriormente outras referências da sua tão valiosa obra e que tenho de algum modo divulgado, nomeadamente com a tradução e publicação do Livro do Deus Vivo, em 2010 e em Setembro de 2022,  A Oração, além de vários textos e vídeos neste blogue e no Youtube.

Diz-nos então que um tipo de experiência onírica ao longo dos séculos foi realçado e tratado com admiração respeitosa, mas em vez de referir o habitual sonho premonitório antes aponta aqueles em que nos sentimos despertos, activos e experienciando a vida, tal como no mundo externo familiar, embora o corpo físico esteja dormindo.
Ora se os dicionários ou vocabulários de sonhos de outrora ajudavam as pessoas a tentar interpretá-los de modos algo  esquemáticos, e hoje, diz-nos ele, se tenta mais  discernir no sonho os  desejos e sentimentos mais íntimos, as lutas e aspirações, ainda assim estas investigações e interpretações psico-fisiológicas não fazem luz sobre o domínio propriamente espiritual dos sonhos, ou seja, não consideram o processo onírico à luz da cognição espiritual pura.
É também importante compreendermos que mesmo que não nos lembremos dos sonhos eles deixam marcas ou sinais nos níveis profundos da memória, registados nas células e neurónios dos gânglios basais, os quais vão depois influenciar as nossas acções, desejos, pensamentos e força de vontade, pelo que quando sonhamos reforçamos os nossos pensamentos e sentimentos, e recebemos  por vezes compreensões ou intuições valiosas sobre nós próprios.
Também o aspecto libertador ou catártico do sonhos é valioso, pois por eles libertamos tensões e repressões internas, e não deveremos ficar com sentimentos de culpa por tais sonhos. 
Sodoma, pintura de Bô Yin Râ
  Distingue então dois  tipos principais de sonhos, Bô Yin Râ: o 1º quando  é basicamente a consciência física semi-adormecida a ter as suas percepções sob a forma de imagens mentais criadas no cérebro, pois as impressões do mundo exterior que chegam ao corpo adormecido são captadas enquanto efeitos internos e como que vistas de dentro, e dá exemplos disso: «alguém a dormir sente frio nos pés, e uma memória de refrescar-se com os pés na água torna-se viva a partir das células do seu corpo. E ao mesmo tempos que essa imagem de refrescar-se numa corrente de água é criada no cérebro, muitas outras são reactivadas. E essas imagens são sentidas com mais ou menos força, de acordo com a proximidade de conexão com a principal imagem mental». 

Cascata refrescante e revigorante, por Bô Yin Râ.
 Isto é reconhecido pela maioria dos estudiosos do sonho, constituindo a teoria da organogénese, ou a teoria de que são as sensações físicas ou cenestésicas que suscitam as ou muitas das  imagens mentais associadas nos sonhos. E assim acrescenta «a  presença de um órgão adoentado pode estimular imagens mentais de maleitas nas partes correspondentes do corpo de quem sonha, mesmo que a doença ainda não se tenha manifestado no estado de vigília. A pressão em alguns canais nervosos por causa da comida absorvida pelo estômago e intestinos, que poderiam estimular sentimentos de medo ou ansiedade acordados, ao dormir-se podem transformar em pesadelos terríveis. Estes são sonhos genuínos e não diluídos no sentido da minha definição inicial.»
Dirá porém que «enquanto que o sonho "real" só pode registar os efeitos das sensações que ocorrem dentro das células sob a forma de imagens mentais, é possível igualmente um intensificar das forças anímicas, cuja natureza é completamente não física, que tenta influenciar o cérebro durante o sonho, tal como o fazem habitualmente durante o tempo de vigília.
Contudo, as alterações fisiológicas que provocam o adormecimento isolam essas pontos de contacto pelos quais as forças da alma seriam capazes de livremente dirigir ou influenciar as actividades do cérebro. As forças anímicas (nossas) podem activar essas imagens mentais, latentes no cérebro, que são necessárias para se comunicar com o sonhador, mas  são impotentes quanto a outras imagens periféricas estimuladas no processo.

O sonho, sendo activado a partir de uma dimensão que em si é bem distinta do sonhar, pode apresentar-se à consciência  numa experiência estruturada muito racionalmente. Mas pode também transformar uma experiência noutra num modo caleidoscópico, ou apresentar tais experiências de um modo completamente caótico.»

Estes tipos de sonho permitem aos que os estudam mais cuidadosamente discernirem aspectos interiores que na vida real o que sonha não se consciencializaria. É este tipo de influência que permite também aos investigadores, artistas ou pessoas sob desafios, descobrirem as soluções ou ultrapassarem-se enquanto sonham. Porém, mesmo estes sonhos podem em última análise ser vistos como não trazendo para a consciência de quem sonha nada que não tivesse já sido assimilado de um modo ou outro pela psique ou alma e que com a ajuda as imagens conservadas no cérebro se pode transformar numa experiência onírica.»
Qual é então o tipo de sonho que Bô Yin Râ com a sua profunda experiência e gnose dos mundos subtis e espirituais, vai considerar como sendo o que já na antiguidade era valorizado e do qual nos ficaram testemunhos arqueológicos, artísticos e literários, referidos nomeadamente na famosa incubatio? - A inspiração pelos daimons, deusas e deuses, mestres, espíritos celestiais...

Sócrates e o seu daimon, um exemplo e mistério meditado por muitos, tal Plutarco, Apuleio, Porfírio, ou entre nós Antero de Quental, Fernando Pessoa, Dalila Pereira da Costa.
«Assim como as forças da alma, tanto na vigília como no sono, são capazes de influenciar as células cerebrais, ainda que de modos bastante diferentes, assim também as imagens mentais de outras entidades - seja seres humanos incarnados fisicamente; criaturas habitando o mundo físico invisível; ou seres sublimes do reino do espírito - conseguem alcançar o cérebro da pessoa que dorme ou está acordada. A capacidade cerebral de assimilação pode ser significativamente maior durante o sono do que enquanto se está acordado, se o cérebro não estiver ocupado com outros tipos de experiências oníricas.      
Os sonhos descritos previamente foram trazidos à existência pelas células corporais ou pelas forças anímicas da pessoa que sonha, enquanto que nos sonhos que estamos agora a discutir entram seres conscientes individuais distintos ou separados de quem sonha, tentando-a influenciar através da sua própria vontade e com intencionalidade consciente.
Nestes sonhos estabelece-se um contacto, com o cérebro a agir como um transmissor entre o sonhador e o agente exterior. A informação transmitida pode variar imenso em valor, desde sugestões aparentemente neutras até ordens quase hipnóticas. Conselhos espirituais profundos e compreensões podem ser transmitidas desde modo.

Para além disto os que partiram desta terra estão temporariamente capazes, com a ajuda de seres espirituais sublimes, de alcançar a consciência dos que vivem ainda no corpo físico.

                                                           
Todos os sonhos proféticos pertencem a esta categoria tal como todos os sonhos de advertências e de experiências espirituais profundas que podem ser interpretados como ajuda garantida. Todavia, do mesmo modo, influências malévolas podem também ouvir-se e sentir-se».
Não é difícil discernir as duas fontes de influências, sobretudo para quem vive com ética, e quem as recebe, ao acordar sente que foi mais do que um sonho, embora o sentido de tal sonho possa ser obscurecido pelo facto tanto das forças não controladas da própria alma se quererem afirmar, como, mais prosaicamente, as sensações corporais inserirem as suas próprias imagens mentais.
Contudo, apesar da interferência, muitas vezes a verdadeira mensagem consegue ser ainda assim discernida. Isto porque as imagens que emanam do reino pessoal de alguém são também mais ou menos alteradas quando a transmissão de imagens externas acontece ao mesmo tempo que tais imagens pessoais estão a formar-se.
Um tipo de tradução das imagens mentais exteriores em experiências simbólicas oníricas acontece então, frequentemente difícil de ser interpretada, todavia reconhecível como tal.
Cita então Bô Yin Râ os famosos sonhos de Nabucodonosor, rei da Babilónia, que chegaram até nós até pelas imaginativas interpretações de um Império mundial, o Quinto, cristão, português ou europeu, gizadas por P. António Vieira e Fernando Pessoa, entre outros, o que nunca acontecerá certamente, acentuando que havia nas cortes reais de então especialistas na arte de interpretar sonhos, mas que tal habilidade exige intuição, mais do que conhecimento de formulários simbólicos ou dicionários interpretativos, os quais estão baseados em símbolos típicos recorrentes nos sonhos e em padrões de transformação de compreensões oníricas em séries de imagens mentais correspondentes. Mas se o sentido do sonho não for bem evidente, aconselha a deixá-lo ficar em descanso. Recomenda
todavia aos que se sentem seguros, e de que não sucumbirão a superstições interpretativas, a analisarem e interpretarem os seus sonhos pois são possíveis compreensões valiosas, já que tudo na vida pode servir a nossa vida espiritual.
Quanto à ideia que os sonhos representam entradas nos planos espirituais Bô Yin Râ esclarece que isso é uma ilusão, embora de facto o corpo espiritual de uma pessoa, enquanto ela dorme profundamente, pode estar nos planos espirituais e recolher experiências, «contudo apenas uma pálida reflexão dessas experiências é traduzida em simbolismo onírico que chega à consciência terrestre. Esses símbolos oníricos são o meio pelo qual a nossa natureza espiritual, da qual podemos estar ainda inconscientes na vida de vigília, tenta comunicar-nos compreensões espirituais
profundas

O acto de se entrar conscientemente com o corpo espiritual próprio no mundo, plano ou reino espiritual é contudo algo que Bô Yin Râ reserva ou atribui a muito poucos seres, aos que já antes de incarnarem fisicamente foram preparados para tal. Só esses espíritos, escolhidos pela Luz Primordial, é que servem verdadeiramente de pontes para os seus irmãos e irmãs aprisionados nas limitações da percepção sensorial terrena. É verdade que certos sonhos das pessoas podem realmente passar-se num organismo real subtil e em mundos reais invisíveis fisicamente, mas serão sempre uma espécie de sombra reflectida do Ser espiritual.

O último parágrafo deste capítulo consagrado aos sonhos e que nos estimula a reforçarmos, pela nossa vida espiritual, a ligação aos antepassados, guias, santas, mestres, anjos, seres celestiais e à Divindade a fim de  sermos ajudados ou inspirados em compreensões e intuições nos sonhos, e daí a recomendada prática pitagórica e da Filosofia Perene da revisão do dia e das orações, meditações e cantos antes de adormecer, é o seguinte: 

«Os que conservarem na sua alma o que disse, enquanto procuram discernir melhor o mistério dos sonhos, poderão ganhar realmente compreensões intuitivas tanto sagradas como sublimes.» 

Que assim seja! Aum!

De Bô Yin Râ: Sieg, Vitória.

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