sábado, 22 de outubro de 2022

Livros (2º) sobre Sonhos. PSICOLOGIA DO SONHO, 4ª parte e final, de Teobaldo Miranda Santos. Bibliografia em português, comentada por Pedro Teixeira da Mota.

Diz-me em que sonhas e dir-te-ei quem és...

Continuando no seu aprofundamento dos mistérios do sonho, dos quais ainda hoje  subsistem  alguns apesar dos grandes progressos científicos e tecnológicos, na parte final do 2º capítulo da sua Psicologia da Alma, Teobaldo Miranda Santos aborda as sensações orgânicas ou excitações somáticas que desencadeiam tanto cenas ou dados por vezes absurdos e caóticos nos sonhos, como igualmente a tentativa de explicação racionalizante ou dramatizante. A confissão de Voltaire aduzida: "Eu disse em sonho, o que dificilmente diria em vigília. Tive pensamentos reflectidos, apesar de eu não ter tomado parte neles. Combinei ideias com sagacidade e mesmo com algum génio, e isto sem vontade nem liberdade», presta-se a considerarmos que ambos não conseguiram integrar o seu inconsciente com eles próprios, ignorando que os sonhos, quer como continuidade de experiências da vigília, quer como processo organizativo de conteúdos e aperfeiçoador de comportamentos futuros, quer ainda como vivências intensas originais, implicam ou envolvem sempre todo o ser, e logo alguma vontade e liberdade, pese certamente estar diminuída a racionalidade terrena e social patente no estado de vigília,  e condicionada ainda pelo facto das memórias utilizadas provirem, cerebralmente, de três zonas especiais que as conservam e que hoje se vão compreendendo melhor: os gânglios basais e o cerebelo, para a memória implícita e profunda, ligada a emoções, aprendizagem e movimento; córtex pré-frontal, para a memória recente e activa (esquerdo-verbal, direito-espacial); e neo-córtex (actividades mais exigentes mentais), amígdala (conserva a emoção das memórias) e hipocampo (que é um depósito estratificado e indexado das memórias pronto a ser usado, quem sabe se por ordem alfabética, temática ou temporal...). As activações e germinações nos sonhos, utilizando material destas diferentes zonas, acontece certamente por subtis causalidades e intencionalidades anímicas...

Ora dos aspectos diminuídos, a atenção e a vontade foram consideradas por alguns como inexistindo nos estados de sono mais profundo, nomeadamente para Michel Foucault e Albert Kaploun, mas já Hervey de Saint Denis vivenciara e provara a possibilidade, muito bem explicada no seu incontornável livro Les rêves et les moyens de les diriger,  de se manter uma grande capacidade de se orientarem as cenas e situações dos sonhos, para isso recomendando: 1º, escrever-se os sonhos, 2º, «associar certas lembranças a percepções sensoriais, de modo que a volta dessas sensações, provocadas durante o sono, introduza em nossos sonhos, as "ideias-imagens", com as quais se achem entrelaçadas», e finalmente, 3º, o pensar em tais "ideias-imagens" permitirá sonhar com elas. Anote-se que «Vaschide, director do Laboratório de Psicologia Patológica da Escola, reconhece o valor científico e a admirável subtileza psicológica das observações de Hervey de Saint Denis, mas as considera possíveis de crítica»  e Teobaldo Miranda Santos vai seguir essa linha da influência da mera auto-sugestão, e admitir redutoramente que «a sistematização subconsciente do pensamento, às vezes, transforma-nos em comediantes sem que o apercebamos (...) e o observador, muitas vezes, prepara, imperceptivelmente, as soluções que pretende encontrar». Contudo, tal como Vaschide já comprovara com as pessoas que acordam às horas que querem, «uma ideia fixa [e diremos nós antes uma "ideia-imagem formulada com força de vontade e fé", em vez de se falar de mera "auto-sugestão"] pode alterar a natureza psico-fisiológica do sono, ao ponto de permitir a realização dos fenómenos motores da atenção», ou mesmo mais do que isso, como se observa nos conseguem desenvolver a sua auto-consciência e controle onírico, no que se denomina sonho lúcido.

Certamente que é complexo discernir o que é melhor para os diferentes fins ou objectivos dos sonhos em cada pessoa e a cada momento da sua vida, mas certamente que aumentar a auto-consciência, a atenção, a inteligência reflectiva  nos sonhos é sempre valioso. Já a orientação deles e a introdução de meios para os alterar tem de nascer não do ego mas de uma aspiração e intencionalidade espiritual. E o conseguir-se mesmo os sonhos lúcidos, algo que não conheço bem, pode certamente impedir de se realizarem os sonhos catárticos ou eliminadores necessários, pois como se sabe cada vez melhor hoje há uma função de optimização tanto do inconsciente como do cérebro, com a eliminação de fragmentos de informação desnecessários e a integração de imagens, ideias ou sentimentos úteis à sobrevivência evolutiva  individuante e integrante de cada ser. 

No subcapítulo sobre a dificuldade por vezes de se distinguir o sonho da realidade, e em que o critério é simplesmente o de despertarmos dos sonhos, enquanto da vigília ou realidade não despertamos, como afirmou Schopenhauer, a não ser, acrescento eu, que aceitássemos as  estados conscienciais de libertação denominados   kaivalyam e mukti, de yogis, mestres zens e buddhas, Teobaldo Miranda Santos traça um resumo da visão vedântica, indiana, referenciando a p. 128 da obra Das System des Vedanta, de Paul Deussen, mas da qual não é uma tradução mas apenas sua limitada embora interessante tradução-(in)compreensão:«A psicologia hindu separa o sonho, considerado como ilusão, da realidade, pois naquele ficam suspensas as leis do espaço, do tempo, da causalidade. [Eis uma 1ª afirmação errada, pois a realidade referida é o absoluto não dual, a Divindade em si, Brahman] Ao lado da consciência vigilante [ou de vigília, jagrat] e da consciência do sonho [svapna], existe um terceiro estado de consciência, o sono profundo [sushupti], no qual é abolida a dupla ilusão da vigília e do sonho. Se no sonho intervém, em lugar do Eu, um "Si-do-sonho", como força ordenadora e formadora, o sono profundo é o desaparecimento do jivatman, do "Si-vivo" da existência individual, no Paramatman [supremo espírito ou] (Brahman) do Si-supremo; a centelha une-se passageiramente ao "fogo" [à fonte ígnea divina]. Outras compreensões erradas ou pouco claras, pois no sono profundo não há essa união com a fonte, mas apenas uma cessação das actividades mentais internas. O quarto estado de consciência, ou Turya, é apresentado como aquele da consciência pura, observadora e testemunha e não limitada pelos veículos de experiência, mantida a tempo inteiro como testemunha pura, saksin, e é referida em algumas Upanishads e nos tratados advaiticos ou não-duais, Ramana Maharishi sendo um dos últimos mestres indianos mais conhecidos a vivenciá-la. Há quem veja nesse estado consciência individual unificada com a vasta consciência universal, e diz-se de alguns yogis que atingiram em vida tal estado, como Ramakrisna Paramahansa. Refere ainda a interiorização da consciência e da mente no prana ou energia interna e logo nas funções vegetativas, ecoando talvez a noção de que há uma entrada para o coração das energias mentais.

No Capítulo III, a Função do Sonho, Miranda Santos passa brevemente por alguns aspectos ligado a sonhos nos povos da Antiguidade clássica, mostrando como eles acreditavam na interpretação dos sonhos, mas partilha uma crença céptica: «desses tempos recuados até aos nossos dias, a superstição dos sonhos premonitórios não desapareceu da imaginação humana. Ainda hoje persiste na credulidade fácil das multidões a concepção ilusória do valor profético dos sonhos».  Apesar desta recusa em aceitar que possa haver pressentimentos e intuições do que se está a gerar, Teobaldo Miranda admite o contraditório, exemplarmente para os nossos dias de tentativas de imposição de narrativas oficiais e pensamento único, quando faz uma longa citação de Maurice Maeterlink:  «Os sonhos provém de um órgão ou conjunto de órgãos que, na vigília, se acha quase completamente sob o controle de nossa consciência ou de nossa razão, isto é, dessa parte do eu que se encontra separada do resto do universo, e com o qual só mantém  comunicações precárias e severamente vigiadas. No sono, esse órgão, do qual a razão nada mais seria, talvez, do que uma excrescência parasitária e tirânica, recupera, mais ou menos, a sua independência, escapa do império da personalidade, erra, à vontade e ao acaso, no plano do ilimitado, põe-se em contacto com tudo o que, na vigília, lhe é inacessível e perde, principalmente, as duas ilusões mais necessárias à nossa vida individual, ilusões que nos mascaram a realidade do eterno em tudo, o eterno presente e que nós chamámos o espaço e o tempo. Ora, continua Maeterlinck, experiências que se iniciam já permitem verificar que o espírito liberto pelo sono, no curso das suas peregrinações pelo eterno presente que é o tempo real, aí encontra tanto o futuro como o presente. Confunde-os. Não percebe mais a linha imaginária que os separa em nome da razão. Não distingue mais o que temos feito do que faremos, o que ainda está para se realizar do que já se realizou, e volta tão carregado de profecias, como de lembranças.»

Apresentada como comentário a um sonho premonitório relatado por J. M. Dunes no seu valioso livro An Experience with Time,  a visão da capacidade da alma se libertar do corpo e ter clarividência graças a certos órgãos (e creio ser os centros energéticos ou chakras) da psique, partilhada por Maeterlink, é certamente demasiado optimista,  pelo menos para a humanidade no estado actual tão condicionada pela ignorância, a manipulação e a opressão,  as quais ainda seriam mais destrutivas se a razão não fosse também cultivada. Mas certamente que vencermos o condicionamento excessivo do tempo e do espaço e tentarmos viver mais seja no presente, seja em sintonia expansiva consciencial com o infinito, como as disciplinas ou práticas espirituais vão permitindo um pouco, é importante.

Ora Teobaldo desvaloriza estas capacidades de clarividência e premonição pois para ele os sonhos têm origens sobretudo nas impressões cenestésicas e nas amplificações afectivas e coloridas que elas geram, admitindo de facto algum tipo de profecia quanto a doenças que se estavam a gerar, mas recusando o «prever acontecimentos futuros do mundo exterior», numa posição algo petrificante e limitadora, como se a psique humana só pudesse sentir e intuir o seu corpo, quando de facto a sua consciência não está tão limitada e fechada no corpo. Teobaldo é mesmo forte em tal crença errada:«Os psicólogos que têm estudado, cientificamente, o sonho são unânimes em afirmar que as imagens oníricas fornecem apenas conhecimentos do passado e se referem somente  factos relacionados com a nossa personalidade, sem nenhuma projecção exterior. Para Freud, por exemplo, o sonho é, antes de tido, uma realização de desejos e constitui um processo regressivo, arcaico sempre relacionada com o passado».

 E se de facto a descrição de Maeterlink também é, em sentido oposto, exagerada, ao admitir a capacidade do ser humano, no sonho, liberto dos condicionalismos da razão, estar no eterno presente e logo poder ora trazer lembranças do passado ora antecipar profeticamente acontecimentos futuros, isso não invalida o facto de que  a psique e a visão interior do ser humano, expandida, consiga discernir as linhas de força que se estão a preparar para coalescerem num determinado acontecimento.

No 2º subcapítulo, após ter repudiado a capacidade de as pessoas durante a noite terem acesso a informações e a energias originais ou ao que lhes permita prever o futuro, aborda a crença comum nos grandes filósofos da Antiguidade de os sonhos servirem ao ser humano para se auto-conhecer melhor, nem que seja das suas zonas mais obscuras ou inconscientes, e cita Homero, Sócrates, Platão, Aristóteles, Artemidoro (autor do 1º dicionário de sonhos, bem editado pela editora espanhola Gredos), Cícero e Lucrécio, dos quais transcrevemos o início: «Homero, por exemplo, foi um dos primeiros a entrever que o sonho poderia exprimir não só as forças irracionais que existem no ser humano, como o poder das suas faculdades racionais. O sonho, dizia ele, conduz a duas portas: uma, de chifre, é a porta da Verdade; outra de marfim, é a porta do Erro e da Ilusão (esses dois símbolos referem-se às propriedades de transparência do chifre e de opacidade do marfim). Sócrates, citado por Platão no Fedro, admite que o sonho é a voz da consciência e que, portanto, é da mais alta importância tomar essa voz a sério e seguir suas injunções.» Entre nós, no séc. XIX, Antero de Quental foi um forte propugnador da audição da voz da consciência (como já desenvolvi noutros textos, nomeadamente quando recomenda a Fernando Leal que a busque e siga), para além de um sonhador metafísico de elevada qualidade, como os seus sonetos partilham.

Poeta metafísico da noite e do sonho, da morte e do amor, e autor de uma antologia do conto infantil, com o seu belo poema as Fadas, já trabalhado neste blogue: Antero de Quental, "um génio que era um santo", no dizer de Eça de Queirós, seu imortal biógrafo no In Memoriam de 1896...

Quanto aos efeitos psíquicos ou efeito psicológico especial dos processos oníricos, que aborda no III subcapítulo, recolhe algumas visões ou compreensões valiosas discernidas e valorizadas por alguns pensadores e psicólogos e comenta-as com qualidade: Assim, Goethe:  «vislumbra no sonho uma actividade útil à vida espiritual do ser humano. Na sua opinião, o sonho tem por fim despertar nossas tendências inatas para a saúde e felicidade», de modo a que se acorde ou «eu me levantava bem disposto e feliz».

De Burdach, uma visão bem descontraída e divertida dos sonhos: «para ele o sonho representa um estado no qual o espírito [ou a individualidade] se refaz e adquire forças para o trabalho de vigília. Por isso aceita a opinião de Novalis sobre a função dos processos oníricos."O sonho, diz este, nos defende contra a regularidade, a monotonia da vida; é um livre divertimento da nossa imaginação, que mistura, então, todas as imagens da vida e interrompe o ritmo sério da vigília para uma alegre recreação; certamente, envelheceríamos mais depressa sem os sonhos [eis uma boa razão para querer sonhar mais e melhor...]; se não consideramos o sonho com um dom imediato de Deus, pelo menos, o julgamos como um trabalho pitoresco e um companheiro cordial da existência».

Dois sábios ocidentais, Henry Corbin e C. G. Jung, em capa de um bom livro

A compreensão, com citações de Carl Gustav Jung, a quem dedica duas páginas, é em algumas partes valiosa, nem que seja pelo que se discorda: «O indivíduo acorda e termina o seu sonho, continua Jung, quando o enredo deste atinge seu ponto culminante. O sonho, tendo esgotado seu tema, põe um ponto final no seu desenvolvimento. O despertar  é, provavelmente, devido à cessão repentina da fascinação [algo raro, pois em geral observamos e interagimos, com mais ou menos amor] exercida pelo sonho; a energia, assim liberada, acarreta a volta à vigília. Daí o habitual sobressalto que se experimenta ao fim de certos sonhos». Já de Adler realça a sua visão do sonho como uma manifestação do instinto do poder e partilha algumas das interpretações que faz, de facto bem discutíveis: «os sonhos de subir e voar seriam características das pessoas que aspiram uma posição superior à de todas as outras. Todavia, se sonham com isso é porque não estão seguras de sua capacidade para triunfar». Dá algumas linhas sobre a visão de «Paul Bjerre, que considera o sonho como uma actividade psíquica de assimilação. Essa função do drama onírico compreende uma série de operações», caracterizando-as como um processo  de liquidação, de despertar, de revisão de valores, de decisão, de modificação de vida afectiva, de élan e conquista e, finalmente, de assimilação e integração.

Para terminar este capítulo Teobaldo Miranda Santos confessa-se em cinco parágrafos finais, donde extraímos o mais significativo: «Na nossa opinião, o sonho parece representar, para a vida psíquica, o mesmo que o sono representa para a vida orgânica: um processo básico de repouso e recuperação». Bem lúcida é a sua desconfiança do esquematismo dos dicionários interpretativos: «Os símbolos não constituem uma linguagem universal, sempre com a mesma significação. Em cada pessoa os símbolos podem representar ideias ou sentimentos diversos, de acordo com  história psicológica individual. O sonho de nudez por exemplo, que Freud interpreta como um símbolo de exibicionismo, pode, às vezes significar, como observa Erich Fromm, sinceridade e franqueza.  Tudo depende dos motivos e intenções inconscientes que orientam os pensamentos do indivíduo. Nessas condições, os sonhos só podem ser interpretados depois de um conhecimento preciso da vida psicológica do sonhador. Jung critica, com razão, a monomania sexual e o simplismo técnico da interpretação freudiana. Na sua opinião, uma interpretação científica do sonho deve  seguir as seguintes etapas: descrição do estado de consciência actual, descrição dos acontecimentos anteriores, inventário do contexto subjectivo, em caso de motivos arcaicos, recurso a paralelos mitológicos e, enfim, nas situações complicadas, recurso a informações objectivas junto a terceiros», e sobretudo, acrescentaremos nós, discernir os desejos, os receios, as aspirações e sobretudo as afinidades e linhas axiais que a integram enquanto corpo, alma e espírito e enquanto participando no corpo místico da humanidade, no (actualmente denominado) Campo (Field) unificado de energia informação e consciência, a panpsique ou alma mundo dos antigos.


O IV capítulo e final, a Criança e o Sonho, apoia-se em Sílvio Barreto e Jean Piaget, para quem o animismo infantil é o resultado de uma confusão, ou, melhor, de uma falta de diferenciação entre o psíquico e o físico. Considerando pela sua experiência que há muita analogia entre processos mentais de sonho e os da criança, aduz que «Freud, o famoso criador da psicanálise, considera o sonho como uma regressão à vida mental da infância», e deixando-se influenciar por ele, Giessler e Havelock Ellis, ou apoiando-se neles, afirma, erradamente: «O sonho é uma regressão à mentalidade infantil. Quando sonhamos, voltamos a pensar, a agir e a sentir como crianças». Porque «a vida mental da criança é rica de actividade simbólica» e «a expressão simbólica é uma das formas mais comuns do pensamento onírico (...)» Não compreendeu como os símbolos servem de pontes entre a multidimensionalidade de planos de consciência e e de existência e como eles são moldes ou receptáculos de coisas, ideias, energias, seres, desse modo mais facilmente acessíveis.  Outra semelhança aponta: a crença das crianças nas suas ideias e « no sonho essa crença é também contínua e completa. A realidade dos factos é sempre admitida, mesmo quando esses factos não se subordinam aos princípios fundamentais da lógica». Ainda acrescentará mais dois aspectos semelhantes, o egocentrismo e o sincretismo («incluir num mesmo esquema  global e subjectivo, elementos diversos, sem subordinação ao critério da analogia e relações causais comuns»]  e  na vida mental das criança e dos sonhos, escrevendo em seu apoio:«Jean Piaget no seu magnífico [!] trabalho sobre Le Language et la Pensée chez l'enfant, estabeleceu uma comparação entre o pensamento autístico do psicótico e do homem primitivo, o pensamento egocêntrico da criança e o pensamento social do adulto».
Assim vê ele  o egocentrismo como uma tendência dominante no pensamento onírico. A  personalidade do sonhador é o centro de toda a actividade psicológica do sonho. Freud chama esses egocentrismo de "sacro-egoísmo". Todo o sonho é assim um reflexo da personalidade do sonhador. É, como diz, De Sanctis, "o espelho mais fiel de nós mesmos". A facilidade extraordinária com que o sonho funde e justapõe  imagens de origens diversas parece ser uma actividade muito próxima do sincretismo infantil. Krestener chama essa actividade do sonho de "aglutinação" e Freud de "condensação". E assim como a criança procura explicar, sob a influência do sincretismo, a seu modo, os dados da realidade exterior, que ela reúne arbitrariamente, o espírito [ou antes o eu] que sonha também busca justificar, de uma maneira sui-generis, as representações que se fundem na tela movediça de sua imaginação. E tanto na criança, como no sonho, essas tentativas de justificação racional são, geralmente, incongruentes, absurdas, ilógicas, e sempre relacionadas com a própria personalidade.» 
Vemos aqui de novo uma certa nivelação por baixo de todos os sonhos, pois se de facto devemos estar atentos, pelo conteudo dos nossos sonhos, para discernirmos se o nosso ego, ou mesmo o inconsciente, está demasiado egoísta ou egocentrista, tal não implica que tenhamos muitos sonhos de sociabilidade, diálogo, ensino e aprendizagem. Também o carácter lúdico e o tomar-se como real o que é onirico ou imaginativo, são realçados por ele na vida da criança, reconhecendo contudo acertada mas parcelarmente, que «os sonhos da criança, diz Sophie Morgestern, permitem à mesma exprimir suas angustias, seus temores, seus sentimentos de inferioridade, bem como vingar-se dos seus inimigos reais ou imaginários, executar uma auto-punição e desempenhar um papel importante». Parcelarmente, porque não refere os aspectos oníricos que testemunham o seu amor e dinamismo, e assinale-se uma certa contradição com a alogicidade ou irracionalidade atribuída em geral aos sonhos, pois vemos a criança a  gerar imagens e reacções a elas lógicas, necessárias e úteis. 
Na parte final há algumas aproximações aos contos de fadas e de heróis, vendo em tais «histórias maravilhosas nada mais que uma criação míticas dos povos primitivos, transfiguradas pela experiência milenar da humanidade para entreter os arroubos da fantasia infantil», o que é pouco e limitador, embora afirme, e logo reconheça, que as personagens do conto encarnam virtudes ou defeitos que são exaltados ao mais alto grau. Essas qualidades estão sempre em oposição e em conflito, o que empresta ao drama em acção um colorido emocional vivo e intenso (...) essas qualidades se acentuam pelo contraste, e os acontecimentos se desenrolam de maneira que, apesar das dificuldades, dos obstáculos e vicissitudes, a virtude triunfe sobre o vício, a bondade sobre a maldade», ecoando ou reflectindo o dito milenário indiano: "O Dharma prevalecerá",, isto é o Bem, a Ordem,  Justiça e Providência Divina triunfarão, certamente com a nossa luta e as inspirações e bênçãos dos que já partira, dos mestres e dos anjos, e que tanto na vida como nos sonhos intervêem.   Faltou-lhe referenciar ainda como os contos de fadas reflectem testes e provações,  protecções e iniciações que também que vivenciamos tanto na realidade física sensorial como nos sonhos e nos mundos subtis e espirituais.
Boas reflexões e meditações, valiosos realinhamentos, sonhos e imagens no olho interior, no Dharma divino...
 

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