É no número sete d' A Asa, revista de propaganda sociológica e das ciência psíquicas, que a sua fundadora Maria Veleda (1871-1955) resolve homenagear Antero de Quental (1842-1891), partilhando na Página Doirada um dos seus sonetos, Nocturno, escolhido talvez por espelhar um estado comum aos dois, o da atormentada consciência, que arde de aspiração à Luz e ao eterno Bem, mas que está rodeada e oprimida por trevas, e que encontra num subtil génio ou espírito da Noite a calma e serenidade de que tanto necessita. Deste embate e amplexo com a noite e Morfeu, sabemos ainda que os dois tinham insónias e dormiam pouco, tal o abrasamento da febre do ideal que os consumia ou seus nervos sobre-excitava.
Foram na realidade dois grandes revolucionários e lutadores pela liberdade, a fraternidade, a igualdade, ou ainda a Justiça, a Verdade, o Livre pensamento, a proteção do mais desfavorecidos, cada um no seu nível, mas ambos adoptando crianças e Maria Veleda dedicando-se a elas, ao sufragismo e direitos das mulheres e à causa do conhecimento psico-espiritual, algo que Antero também demandou numa prática, embora fosse mais poetica e filosoficamente que atingiu profundos níveis.
Tendo nascido em Faro, em Fevereiro de 1871, Maria Veleda tinha 20 anos quando Antero de Quental soçobrou na vontade de se libertar por si mesmo da vida no corpo terreno e, certamente, na sua grande precocidade de leitura e de poesia, terá lido os seus poemas com amor e sentindo com impacto íntimo a sua morte. Desconheço as referências que lhe possa ter feito, seja em discursos seja em livros, mas com 38 anos e já avançando no caminho da sensibilidade espiritual, que lhe era ingénito, pois narra, das suas memórias, os momentos de grande contemplação ou mesmo de visões que desde muito nova a agraciaram, ao escolher o poema pode mesmo ter pensado na comunhão dos espíritos e como o relembrarmos com amor Antero de Quental, vendo-o na Luz, fará bem à sua alma destemida mas que foi talvez algo impaciente com as trevas que o rodeavam e pesavam sobre a sua estrutura psico-física algo já enfraquecida, tanto mais que tanto o espiritismo como a espiritualidade consideram nas suas doutrinas ou concepções que quem se suicida terá bastantes anos de sofrimento no além.
É numa carta de 1886 a Cirilo Machado, que Antero de Quental mostra a sua familiaridade com as ciências psíquicas ou mesmo o espiritismo, o que Maria Veleda tanto prosseguiu, e depois de considerar que o «magnetismo é talvez a força orgânica», acrescenta: «Como
quer que seja, eu ocupei-me em tempo com o magnetismo e vi coisas bem
notáveis... Fez-mas ver um padre do Algarve, que por sinal tanto se
embrenhou, e tão sinceramente, naquela pesquisa, que acabou por perder a
fé católica e se despadrou, perdendo os meios que tirava do sacerdócio.
Vivia há poucos anos em Lisboa, obscuramente, dando lições de
Português, e chamava-se, se bem me lembro Chaves. O Sárrea Prado,
deputado do Algarve, conheceu-o, ele, que também se dá às ciências ocultas, lhe pode contar muitos casos notabilíssimos de lucidez magnética.
É
fácil que pelo magnetismo se expliquem muitos dos efeitos maravilhosos
do espiritismo e das mesas girantes, assim como toda uma classe de
fenómenos, que muita gente nega, mas eu tenho por certo os
pressentimentos.
Agora como, isso não sei e penso que ninguém sabe.»
Agora como, isso não sei e penso que ninguém sabe.»
Vem
depois uma explicação valiosa, pois além de assinalar que participou em
vários casos ou sessões, tenta justificar a lucidez ou clarividência por uma
osmose anímico-vibratória supra-corporal : «O magnetismo parece
estabelecer uma unidade de consciência entre várias pessoas, ainda que separadas por grandes distâncias, de sorte que o que uma sabe, sabem-no as outras logo. Pelo menos, em todos os casos de lucidez a que assisti nunca vi a
sonâmbula [leia-se, hipnotiada ou médium] adivinhar alguma coisa ignorada por todos os que se achavam em
relação magnética com ela, mas só coisas que ela ignorava, mas que pelo
menos um dos assistentes conhecia.
A tal unidade de consciência é coisa que não repugna à razão filosófica. Se ler [Eduard von] Hartmann, na Filosofia do Inconsciente verá que essa é uma das pedras angulares do sistema daquele engenhoso e profundo alemão. Segundo ele, essa unidade, expressão da unidade fundamental das coisas, existe latente ordinariamente, e só se manifesta obscuramente nos factos do instinto [ou, diremos nós, em intuições e ressonâncias]. O magnetismo será, segundo esta ordem de ideias, o momento em [ ou o que permite, diremos] que essa unidade de consciência de latente se torna patente».
A tal unidade de consciência é coisa que não repugna à razão filosófica. Se ler [Eduard von] Hartmann, na Filosofia do Inconsciente verá que essa é uma das pedras angulares do sistema daquele engenhoso e profundo alemão. Segundo ele, essa unidade, expressão da unidade fundamental das coisas, existe latente ordinariamente, e só se manifesta obscuramente nos factos do instinto [ou, diremos nós, em intuições e ressonâncias]. O magnetismo será, segundo esta ordem de ideias, o momento em [ ou o que permite, diremos] que essa unidade de consciência de latente se torna patente».
Vemos assim Antero de Quental confessar o seu conhecimento experiencial de sessões de magnetismo, hipnotismo e espiritismo, e sabe-se muito pouco destas incursões subtis pioneiras na época, mas inclinando-se para não ver tanto nos ditos fenómenos psíquicos e espíritas a acção de espíritos ou entidades subtis, mas discernindo antes um magnetismo unificador psico-vital, a que chamará também panpsiquismo, que permite a comunicação de informações entre as mentes ou psiques que estão todas entre si emaranhadas ou interligadas.
Neste sentido observa que nas sessões a que assistiu sempre alguém do circulo ou da mesa sabia, o que o médium revelava. Em discordância frontal estaria Maria Veleda para quem não havia dúvidas da existência e intervenção de espíritos subtis na vida dos humanos, participando em dezenas de sessões e tendo as suas visões pelos seu olho espiritual. Anote-se contudo que Antero, de uma outra perspectiva e modo de actuação, admitia a vida depois da morte e até uma inspiração e comunhão com pessoas já mortas mas afins, como alguns sonetos, testemunham, em especial Com os Mortos.
Finalmente, refira-se a menção de alguns nomes de participantes ou e adeptos, que noutro artigo do blogue já investigamos um pouco, e que podem e devem ter conhecido Maria Veleda, em especial o deputado algarvio Sárrea Prado, ou o misterioso padre Chaves, tornado pesquisador ou transmissor dos conhecimentos psíquicos subtis, que a Igreja enquanto instituição cautelosamente sempre se afastou e não recomendava, algo contudo que não relevava para Antero de Quental e Maria Veleda, ambo sob vários aspectos críticos das doutrinas e comportamentos da Igreja e, contudo, animados como muitos dos seus melhores místicos pela aspiração a um conhecimento mais directo da alma e do espírito e a sua vivência clarificadora, justa, libertadora.
Fiquemos então com o poema atormentado e ardente mas, pelo silêncio e o infinito da Noite, Musa ou Génio, harmonizado, na bela página doirada da A Asa:
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