Não
haverá muitas melhores maneiras de conhecer a alma das pedras e
penedos, cristais e fragas, vales e montes do que subir a uma montanha, escalá-la
com a força das mãos e dos pés, da alma e do espírito e encontrar os apoios imensos
que ela nos dá para não cairmos e para chegarmos onde queremos parar e sentir, orar e contemplar, e a alma expandir...
Cumprido o esforço ascendente, ela pode oferecer-nos cadeirões, em 1ª fila, de gigantescos anfiteatros donde avistamos o horizonte imenso, qual mundo desdobrado aos nossos pés, abrindo-se por sucessivos planos ao infinito. Já outras vezes elas são ao longe catedrais naturais nos seus recortes e cumeadas permitindo-nos, frente ao sol nascente ou poente, filtrado por nuvens de efeitos sublimes, sentirmos a adoração à Divindade cósmica e intuirmos e participarmos no templo espiritual da Humanidade.
Outras vezes
abrem-se e desvelam-se em recantos inesperados, frondosos e frescos do arvoredo ou abruptos e dilacerantes do matagal,
solitários ou com aves e animais que nos encantam. Mas testam-nos,
obrigando-nos ao esforço, à atenção plena, seja nas subidas como nas descidas, e em que um pé em falso, uma distracção pode significar queda e aflição. Isto e muito mais nos
oferecem com muito amor as pedras, as fragas grandiosas, os trilhos e caminhos das
montanhas, tal por exemplo, das que conheço melhor, do Gerês, Marão, Estrela...
Mas
muito mais nos transmitem se damos tempo a que os ventos soprados
por entre elas limpem os nossos ouvidos e olhos, por vezes
pedindo-nos mesmo para tirarmos os óculos, se os levamos,
limpando-nos os ouvidos e os olhos algo até molhados e, sentados, oremos, meditemos e contemplemos o tempo suficiente para recebermos intuições, das árvores e penedos, nuvens ou horizontes, anjos e espírito...
Como faces mudas e quedas emergem do solo, poderosas e estranhas, meio humanas meio espíritos da natureza, em figurações de índios dos Andes, anões, budas. Mas não são apenas força e poder o que a almas das penedos nos sugere e transmite por associações interiores. Muitas vezes é fragilidade, suavidade, ligeireza, tais as pedras bolideiras, ovais quase a balançarem nos cimos, parecendo bocas abertas ao infinito, ou ovos que ecoam o Caos primordial ou as explosões vulcânicas que as projectaram remotamente e agora docemente se deixaram amestrar por uma mão que nelas se pousa e as faz oscilar, e até com palavras ou orações tremer e irradiar.
Dos
cultos e ritos que as pedras proporcionaram ou ainda providenciam todos adivinhamos
pela riqueza infinita de práticas que as anfractuosidades, covinhas, orifícios, regos,
inscrições e picos permitem, e nelas podemos até colocar alguma
estatueta portátil, ou ver os alinhamentos e interacções do Sol e da Lua em
harmonia com elas. Mas também podemos trabalhar os elementos,
tal a água que sorvemos ou o óleo que se derramou, ou o fogo nelas ateado, em chama que crepita e se
ergue para o alto, por vezes com tomilho, rosmaninho ou alecrim encontrado junto aos trilhos, ou trazido com incenso de antemão.
Algumas destas fragas, difíceis de se escalar, são verdadeiros cavalos onde nos encavalitamos e ora observamos as maravilhas envolventes e descobrimos novas faces ou facetas que nos são presenteadas, ora pressentimos as correntes telúricas que passam por nós e nos fortificam, ou apenas comungamos gratos com o que sentimos de imenso, infinito, eterno.
Há fragas ou pedras que são tão ricas de formas e funcionalidades e que
se abrem em grutas convidativas a nelas se penetrar e até mesmo deitar,
pedindo-nos: - "Deita-te aqui amigo". E aí estamos nós presenteados com
uma cama de colchão de relativa suavidade, com erva e giestas à
mistura, com vista directa para o céu e por vezes travesseiro de musgo. Quantos animais ou seres ali se protegeram, descansaram e refrescaram? Que conversas ou ritos aqui se travaram?
E tudo
oferecido gratuitamente apenas com a condição do nosso corpo
espiritual vibrar com o subtil das pedras e gruta e, de algum modo osmótico, conseguirmos intensificá-lo e concentrar-nos.
Mas as forças anímicas que realizamos nestas fragas ocas, nestas trocas calmas, nestas aberturas para o céu, nestas meditações, com guardiões esfíngicos rodeando o nosso corpo, ligando o céu e a terra, são sempre um mistério, mas querido, apreciado e assimilado ainda que semi-conscientemente...
Em cada subida a um monte ou uma montanha, através sobretudo das esforços e conseguimentos, esculpimos o nosso corpo espiritual e não o deixamos mais apenas potencial adormecido mas antes o dotamos de alturas e relevos, cores, profundidade e infinitude, e o que foi sendo trilhado e vencido, sentido e assimilado fica no graal do coração e estará sempre pronto a arder e a iluminar-nos e impulsionar-nos....
2 comentários:
Maravilhada!
Gratidão, Pedro!
Graças muitas, Fátima. Boas subidas, boas inspirações e realizações!
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