terça-feira, 14 de dezembro de 2021

"Ensaios espirituais": das incertezas e sonhos ao discernimento e à Luz, por Pedro Teixeira da Mota,

Texto do livro futuro Ensaios Espirituais, com três pinturas de Bô Yin Râ, do livro Welten, a 1ª intitulada Labirinto,  a 2ª Te Deum LaudamusA Ti, Deus, te louvamos, e a 3ª Emanação.

Por vezes, os afluxos de informações contraditórias e as incertezas e mudanças tornam-se tão constantes na vida das pessoas, tornada algo labiríntica, que quase perdemos a noção de continuidade, de estabilidade, de identidade própria, de eu, de individuação e de auto-realização espiritual.

Algumas escolas filosófico-religiosas antigas realçaram que tudo seria ou é fluxo impermanente, mesmo a individualidade, mas alguns seres resistiram a tal caracterização do que é  vivenciável, de certo modo desvalorizadora do eu, e conseguiram aprofundar com fidelidade valores, práticas, amizades e identidade,  chegando à hora da morte certos da sua indestrutibilidade consciencial. 

Também os que adoptaram ou agarraram-se a crenças religiosas de imortalidade, tais as do cristianismo, islão e mesmo até no budismo que nega o eu, criaram expectativas e sonhos de continuidade, paradísiaca até e, chegados à hora da morte, e passado o canal estreito, não ficaram perdidos nem totalmente adormecidos. Mas quem sabe ao certo as rotas e veredas que se patenteiam ou abrem às pessoas que conseguem ter a mobilidade subtil que lhes permite internarem-se no além e deixarem as praias e costas da terra física?

Para quem não é clarividente, e há pouquíssimas pessoas que o sejam com segurança, para quem não pratica com regularidade e algum fruto as meditações da Arte de Bem Morrer em vida, é de noite, no dormir, que as paisagens e interacções de alguns sonhos podem indicar, em geral de um modo subtil, enigmático, indirecto, em que níveis estamos e por que caminhos passaremos, ficando à nossa incerta adivinhação os planos subtis que mereceremos e onde mais ou menos tempo estacionaremos,

Os sonhos provocam a sensação ou tomada de consciência que a vida, embora tão evanescente, ligeira, ilusória, pois  ninguém conseguirá controlar todos os seus actos de dia ou os seus tão finos sonhos nocturnos, tem contudo uma ordem, razão ou inteligência que passa por nós, ou que em nós está incarnada, activa, manifestada, visível mesmo nessa actividade onírica da mente e da alma...

Tal controle pleno da vida relacional e dos sonhos é na realidade impossível, pesem as tentativas de sonho lúcido,  porque eles são tanto meras associações semi-automáticas de impressões e memórias, como também desenvolvimentos interiores da psique, livre da mente pessoal e social consciente na vigília, conseguindo viajar com a imaginação-consciência não apenas já limitada aos dados do quotidiano e  assim escapar às limitações, controles e opressões, que  mesmo no mundo astral existem, como que imitando ou replicando o que se passa de policiamentos ou repressões na Terra. Podemos dizer que ao haver mais controles exteriores sobre o exterior e  o interior das pessoas, ao haver mais violência e mercenários de forças e grupos opressivos, tal nos mundos subtis e nos sonhos pode repercutir-se. 

Mesmo as almas mais recolhidas em conventos, os ascetas, os eremitas e os yogis, dos que mais têm escapado ao longo da História dos laços e paixões do mundo,  viram por vezes os seus isolamentos  atravessados por estranhas visitações nocturnas, em certos casos as que eles menos desejariam ou esperariam, mas através desses confrontos desenvolveram a sua força de vontade, a que pode fazer exactamente diminuir tanto a impermanência do bem e do espírito como as ilusões, vaidades e opressões que os reis ou dirigentes foram e vão impingindo, obtendo ainda frequentemente a experiência de serem apoiados pelos seres e forças subtis que conseguem invocar, amar e merecer.

Cada ser porém será  sempre um mistério pois não só não nos conhecemos plenamente como também nunca saberemos o que vamos sonhar ou o que o dia de amanhã nos vai trazer ou proporcionar, por mais intuitivos que estejamos, por mais metódicos e regulares sejamos.

É claro que as pessoas com quem queremos ou aceitamos estarem mais próximas de nós, ou mais ligadas afectivamente, transmitem influências, originando encadeamentos de causas e consequências que tanto nos podem arrastar para uma impermanência ou uma infelicidade de valores e realizações, como para nos impulsionar para estágios de felicidade e iluminação, para referir os extremos, que se tocam mais vezes do que se pensa na medida em que este mundo da manifestação psico-física assenta na lei dos opostos e da complementaridade, a qual funciona tanto como lei de atracção e de Amor, como ainda de repulsão ou não Amor, já  estando fora desta polaridade natural o ódio, ao ser uma energia nociva psico-somaticamente,  proveniente dum ser, visível ou invisível, em desequilíbrio negativo, destrutivo, maléfico.

Um dos mais necessários requisitos no nossos dias será então a serenidade pois ela permite o desanuviamento, o discernimento, a lucidez e a ligação com o mundo interior e espiritual, e por isso não nos admiremos por os noticiários tentarem causar medo e apreensões para que as pessoas se percam e se tornem autómatos consumidores do que se lhe impinge mais ou menos sedutoramente.

Evitarmos tais lavagens cerebrais, evitar ou repelir a comunicação social, nomeadamente antes de adormecermos, é importante, não só para preservarmos alguma pureza de intimidade e um bom ambiente onírico, não só porque queiramos ver o que gostamos, numa vida mais ou menos de aperfeiçoamento ou de evolução, mas apenas porque não queremos ignorar o interior mais profundo e espiritual que nos desafia ou interpela, embora sem fecharmos os olhos às imperfeições e erros nossos e dos outros, os quais podem vir a fazer-nos despenhar pelas ravinas de desequilíbrios, doenças, vícios e assim entrarmos em certa impotência, angustia e desânimo, como em tanta gente se verifica, e que as leva a afundarem-se mais nas teias armadilhadas das televisões, consumismos e redes sociais.

Com uma regularidade perseverante deveremos então escapar da mediocridade horizontal e verticalizar a nossa consciência. Assim  foi prática dos iniciados dos mistérios e confrarias antigas concentrarem todas as suas forças em certos momentos orativos e meditativos, pondo  em movimento alinhado, sincronizado ou ressoante as suas antenas internas com as finas camadas do subtil éter por onde poderiam receber as inspirações ou confirmações adequadas provenientes de níveis superiores e supra-sensoriais e seus seres, em geral designados como guias, mestres, anjos, deuses e a Divindade, e: - "Louvada, sentida, acolhida e amada seja Ela em nós e em todos: - Viva Deus, todo poderoso."

Certamente não estamos a propor a demissão da assunção do ser humano como centro independente, mas apenas se aponta a necessidade e humildade de se reconhecer a relatividade das nossas capacidades actuais de conhecimento e execução, e aceitar e desejar as inspirações do alto, as ajudas de espíritos, santas, mestres, anjos e deuses, ou faces da Divindade.

Todos nós nos debatemos por vezes entre dúvidas e esperanças, nas bifurcações do Y pitagórica, ora de face erguida ora cabisbaixa, até podermos ir atingindo esse meio termo, que sempre se enalteceu e que poderíamos chamar de presença consciente, ”singramento do coração”,  abertura firme ao espírito,  e em que a ressonância do som, palavra e mantra, e a disposição de oração mais permanente, se pode efectivaram, mais ou menos conforme as necessidades e a nossa aspiração de libertação e união, e capacidade de por ela lutar...

Todavia a nossa vida é muitas vezes mais uma mistura de altos e baixos, de forças e fraquezas, de certezas e questões irresolúveis, de que a tal oração sem cessar, ou plena consciência permanente, pelo que em geral não estamos suficientemente alinhados e orientados para sabermos se os passos que estamos a dar serão os melhores quanto às direcções e resultados.

Caber-nos-á pois ter mais presente diariamente quais os estados conscienciais, os sítios ou os objectivos em que queremos estar ou atingir, e discriminar os meios mais apropriados e, logo, fazermos ou aplicarmos tais meios e demandas no Caminho, tanto mais que para muitos o sol da vida já vai alto e os resultados anímicos substanciais são escassos e demoram a formar-se...

Se é a sobrevivência, a saúde, o dinheiro, os prazeres, a família, a verdade ou Deus o que mais vale na vida, só cada um o poderá decidir por si. E nestas escolhas todos deveríamos ser originais, independentes, hereges ou heterodoxos, se não queremos continuar a estar vendidos, alienados, manipulados e escravizados.

Este despertar, perseverante, é certamente custoso, pois teremos de vencer hábitos e instintos, pressões sociais e gregárias, mas sempre foi dito que o caminho para o cimo da montanha, para o céu, para a luz e ao amor, é dificultoso, áspero, ad astra per aspera.

Saibamos pois criar, cultivar e comungar do fogo de aspiração ao amor, ao espírito e à Divindade e, como fiéis e cavaleiros e cavaleiras do Amor, vencer dinamicamente as preguiças e dispersões, e prudentemente as censuras, ameaças e estocadas.

É discernindo constantemente a verdade da mentira e meditando frequentemente, que conseguimos sonhar e viver melhor e, mais ligados às profundezas e altitudes interiores, unificar-nos animicamente e sentir a adoração grata à Divindade, nossa fonte primordial.

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