domingo, 12 de dezembro de 2021

Da meditação e do discernimento. O Y pitagórico e as escolhas e vias mais luminosas, agora e no além.

 É vital cada alma ir lendo e escrevendo, reflectindo e meditando, dialogando e tentando compreender-se melhor, tanto a essência ou espírito, com o seu projecto de vida, como o que cada um vai sendo e projectando, conhecendo e realizando no mundo, que pode não ser o que o seu espírito quereria ou devia, mas o que resulta face às características e limitações da sua educação, treino e pessoas que a afectam ou com quem se associa, nomeadamente nas interacções sociais,  frequentemente algo alienantes ou superficializantes...

Discernir a actividade justa ou a ser elegida prioritariamente pela sua criatividade e utilidade, beleza e valor, é algo que diariamente nos  desafia, entre a liberdade de escolhas que possamos desfrutar, com consequências importantes para nós e os outros, e até para além  desta vida. Infelizmente não estamos conscientes do que haveremos de encontrar e vivenciar no post-mortem, tanto mais que a Arte de Bem Morrer, por exemplo trabalhada pelos pitagóricos e Erasmo, não se pratica e escapa-nos portanto o que de mais necessário ou valioso  deveríamos realizar em vida física terrena...

                                     

"- Foste à Terra física, recebeste tantas energias e apoios no teu caminho, e o que realizaste em ti e levas contigo, e o que partilhaste ou transmitiste aos outros e deixas a frutificar?

 - Quantas vezes pensaste, meditaste e escreveste sobre o que és,  sabes,  podes, fazes e no que te deves aperfeiçoar para  melhorar o conhecimento e o amor, a justiça e a fraternidade na humanidade e no planeta?

Todavia, dispersamo-nos demasiado com as pessoas, as notícias, os filmes, o mundo, a internet, as redes sociais, os objectos, as roupas, as comidas e enfraquecemos o essencial:  a vida harmoniosa e criativa, a realização interna espiritual,  e a adoração e a religação à Fonte Divina. Ora são estas conexões  que nos dão forças e capacidades de melhorar o nosso alinhamento e discernimento e e diminuirmos ou vencermos assim ilusões e dúvidas, obstáculos e erros. 

Quando meditamos diariamente, tendo como base o querermos aprofundar os mistérios da vida e cumprir os desígnios mais elevados possíveis, gera-se uma  harmonização da aura, alma e espírito e uma elevação de ligação que nos permite obter como que "foto-radiografias" de nós próprios e até dos outros, e vislumbres do que devemos fazer ou ser.

As pessoas porém meditam pouco, desconhecem estas capacidades e utilidades orientadoras que os momentos de meditação nos proporcionam e deixam-se distrair e abafar por muita energia, matéria e informação, tanto artificial como desnecessária, e assim  não conseguem sentir bem ou deixar vir ao de cima o seu interior, a sua alma profunda, em cujo centro ou topo está o espírito imortal que somos e no qual e pelo qual nos fortificamos e o mistério da Divindade pode ser vislumbrado ou até algo sentido, amado e adorado.

Hoje em dia a maioria das pessoas não acredita ou não liga ao Ser Divino, ou então tem uma noção muito simples e passiva: a de se aceitar que existe algo, ou, vamos lá, Alguém, de superior a tudo, num acreditar  pouco frutífero e incapaz de se tornar o crer e o querer necessários para libertar-nos de falsas identificações e vencermos tendências e hábitos e assim criarmos momentos em que nos religamos mais ao espírito, ao mundo espiritual e os seus seres e à Divindade, e nos quais recebemos inspirações, bênçãos e graças, que se transmitem depois naturalmente aos outros e ao mundo...

Momentos de meditação, reflexão, escrita,  oração e  contemplação são então essenciais para que a nossa alma se exprima, se auto-conheça, se clarifique e tanto atraia energias luminosas como irradie as suas próprias, em ondas e círculos vastos ainda que subtis...

Claro que há sempre muitos mistérios na vida, desde os mais metafísicos e cósmicos, que a Humanidade ainda pouco discerne, até aos mais pessoais de erros e falhas que cometemos, sobre nós e sobre os outros, porque estivemos ou estamos distraídos e ignorantes, egoístas e oportunistas ou convencidos.,,

Face a tais mistérios da vida e dos caminhos de conhecimento e realização, muitos instrutores e escritores se ergueram, frequentemente mais iludindo e complicando, enchendo as cabeças dos seguidores de diagramas e cabalas, iniciações e portais, textos secretos e profecias,  mestres ascensos e pleidianos e as pessoas já não conseguem discernir que o caminho tem o seu Oriente ou Norte no interior de cada ser e é apenas a vida justa ou harmoniosa e o recolhimento psico-espiritual que o desvendam e nos vão despertando e intensificando os sentidos, a identidade espiritual e as ligações superiores...

Também frequentemente encontramos  hesitações quanto às veredas mais adequadas, os objectivos mais importantes,  os trabalhos, relacionamentos e responsabilidades a assumirmos, seja profissionais e  familiares ou de criação artística, literária e científica, seja de realização espiritual, ou ainda de dinamização e irradiação interactiva, abnegada e social...

Ora de tempos muito recuados, da Grécia clássica, mitos, histórias, ensinamentos e símbolos valiosos brotaram a propósito dos caminhos e escolhas certas e erradas, e dos primeiros encontramos nos Trabalhos e Dias de Hesíodo (750 a 650 a. C.), em algumas sequências de versos, tais as iniciadas no v. 212, ou no 287, que traduzimos a partir da tradução  francesa de E. Bergougnam e da portuguesa de Alessandro Rolim Moura:  «A miséria (ou prazer viciado) apanha-se facilmente e mesmo em abundância: o caminho é plano e está muito próximo. Mas no caminho da virtude os deuses imortais puseram o suor. Longa e escarpada é a vereda para ela, e ao princípio pedregosa; mas quando se chega ao cimo, torna-se então fácil, por  dificultosa que seja». 

Tal escolha entre o vício e a virtude, ou entre o que será bem e o que será mal, a partir dos ensinamentos pitagóricos, referidos em autores como Xenephon, Pérsio e outros,   foi simbolizado  na vigésima letra do alfabeto grego, o Y, denominado então como o Y de Pitágoras, o ípsilon (que se lê até mais upsilon), e ao longo dos séculos tal símbolo, referido por vezes também como o bivium, a dupla via, foi sendo comentado por alguns seres luminosos e conscientes da Filosofia Perene ou da Tradição espiritual perene e pitagórica. 

A dificuldade ou perigo das escolhas realizadas sem discernimento encontra-se em verdade em todas as tradições, em muitas histórias, cantos e contos, e foi realçada na civilização greco-latina não só em Hesíodo mas também nos míticos e simbólicos Trabalhos de Hércules, na escolha de Páris na Ilíada de Homero (tão representada na arte), na Eneida de Virgílio, ou ainda na Tábua de Cebes, havendo também referências claras no ensinamento de Jesus (e dos seus seguidores) ao caminho largo e o estreito, de facto no próprio Y assinalada, já que um dos braços o da esquerda é mais largo.

        Para alguns pitagóricos espirituais, essa subtil fraternidade ou irmandade de almas que vivas na Terra ou já nos planos espirituais tentam trazer mais harmonias cósmicas e divinas às pessoas, é valioso meditar com esta letra gráfica, a de uma linha vertical que se bifurca em duas levemente diferentes na espessura, com todas as associações que podem vir à consciência...

Assim, quando meditamos e contemplamos imaginalmente o Y do caminho ascendente e da escolha certa, não só estamos a galvanizar as nossas forças interiores para a mais alta realização possível, como estamos também a criar um vaso por onde as energias do alto se podem derramar em nós, por vezes sendo possível pressentirem-se as consequências ou karmas que virão no futuro, se assumirmos o avançar por um ou outro dos braços.

 A harmonia de vida do ser humano, tão necessária até para a subsistência dos eco-sistemas planetário, é uma luta diária, criativa e subtil que para ser bem realizada deve apoiar-se na ligação a seres e correntes de sabedoria que sulcam o Cosmos e os seus subcampos unificados de energia, consciência e informação, pelo que devemos estar bem atentos às pessoas, grupos, relacionamentos, ideias ou práticas que nos  atraem ou envolvem, sobretudo nos dias de hoje quando qualquer ser se erige ou arma em sacerdote ou mestre, curador ou sábio, líder ou iluminado e propagandeia, vende, manipula...

Que nas nossas reflexões e meditações o Y Pitagórico nos inspire a conseguirmos escolher a via direita ou correcta diariamente, qual bússola da verdade, outra expressão e imagem simbólica em uso nas almas peregrinas espirituais...

 E como referimos a existência ao longos dos séculos da fraternidade espiritual pitagórica, concluamos com alguns nomes portugueses a ela ligados através de um poema em latim consagrado ao Y, dado à luz e traduzido na Ortografia da língua portuguesa de João Franco Barreto, impressa pela primeira vez em 1671, e onde se podem ler adscritos a Virgílio (71 a 29 a. C., um neopitagórico pois manifesta certos aspectos da tradição e escreveu um discurso em nome do mestre de Samos, imaginando-o a partilhar a sua sabedoria), mas que serão obra de um tal Maxilimo. 

Alguns  anos mais tarde o sábio padre teatino Rafael  Bluteau (1638-1734, francês, mas sessenta e seis anos em Portugal), autor do tão volumoso quão valioso Vocabulário Português e Latino,  de novo transmitiu tal poema na sua Prosa Simbólica, de 1728, embora só na versão original latina, utilizando-o a propósito de Alvedrio, ou Arbítrio e comentando-o levemente, o que um dia comentaremos. 

 Será já no final do século XVIII que o impressor humanista Luís de Azevedo publica em 1795, em apêndice final, na primeira edição portuguesa dos Versos de Ouro, por Fernando Pessoa dactilografado, tal como publiquei e comentei em Moral, Regras de Vida e Condições de Iniciação, 1988, o poema latino e a tradução por João Franco Barreto (algo livre) e que hoje avança mais um passo nesta catena aurea de transmissões: 


"De Pitágoras parece
A letra em ramos partida,
Que os dois caminhos da vida
Aos olhos nos oferece.

A via da mão direita
É a da virtude, e tem
A entrada difícil, bem
Apertada, e muito estreita.

Mas no cume seu mais alto,
Que parece inacessível,
Acha descanso aprazível
O que vai de forças falto.



A via larga nos mostra
Caminho suave e brando,
Porém ao cabo chegando
Nos precipita, e nos prostra.
Quem pois por amor somente
Da virtude não temer
Trabalhos, poderá ser
Louvado, e honrado entre a gente;

Mas aquele, que seguir
A preguiça, e o inerte
Regalo, sem que o desperte
Louvores de outro ouvir,
Em quanto faz nesciamente,

Por que os trabalhos esquive,
Sempre torpe e triste vive,
E acaba mais tristemente. "

Como vemos esta letra Y dos pitagóricos no poema é significante da necessidade de sabermos optar pelo caminho estreito ou esforçado mas correcto e luminoso, o da virtude, da meditação, do trabalho, e não enveredarmos pela estrada larga dos prazeres, do egoísmo, da irresponsabilidade, do consumismo televisivo, da alienação, da confusão...

Inspiremo-nos pois mais no Y, que pode até ser usado como som de unificação e coluna interior, já I ou IU, e saibamos escolher ou determinar-nos dentro ou em sintonia com um dos lemas da Tradição espiritual portuguesa, Talan de bien fere ou Talent de bien faire, usado primeira vez entre nós por um dos irmãos da Ínclita geração, o Infante Dom Henrique, e que significa "tentando fazer o bem", ou ainda "fazer o Bem com talento"... 

Vibremos, estejamos, mais no Bem, no Amor e na Verdade ou nas suas veredas e montanhas, auras e criatividades...

Do livro em gestação, Ensaios Espirituais...  YYY... 

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