É a 9 de Dezembro que se cumprem os anos do Infante D. Pedro, o das Sete Partidas, nascido de D.
João I e D. Filipa de Lencastre, em 1392, como segundo filho vivo, o 1º tendo sido D. Duarte. O corpo da sua empresa foi uma
balança, com a divisa Désir, ou seja, sobre uma base de equilíbrio e justiça, flameja o desejo-aspiração-amor do Amor e do
Bem, entre ramos do áspero carvalho, uma das árvores mais características
de Portugal, resistente, forte. Fernando Pessoa cantou-o ou celebrou-o na Mensagem, com grande mestria ética, quase que numa Oração da dignidade humana, íntegra, heróica:
«Claro no pensar, e claro no sentir,
E claro no querer;
Indiferente ao que há em conseguir
Que seja só obter;
Dúplice dono, sem me dividir,
De dever e de ser».
Não me podia a Sorte dar guarida
Por não ser eu dos seus.
Assim vivi, assim morri, a vida,
Calmo sob mudos céus,
Fiel à palavra dada e à ideia tida.
Tudo o mais é com Deus!»
Saibamos também nós, hoje, ser fiéis às ideias tidas e às palavras dadas...
Estudioso, culto, esforçado, e armado, cavaleiro em Ceuta em 1415 e depois da batalha nomeado Duque de Coimbra, ducado que bem geriu vários anos, casado com Isabel de Urgel de quem teve descendência, peregrino do conhecimento e do valor pela Europa de 1425 a 1428, foi contudo infausto no final da sua valiosa regência de Portugal, para a qual fora aclamado pelas cortes de 1438, ao ser morto em 20 de Maio de 1449, quando se dirigia para Lisboa, na batalha de Alfarrobeira, desproporcionada numericamente
quanto às forças, pelas tropas do seu sobrinho, o rei D.
Afonso V, de 15 anos de idade então, e do invejoso (já que era filho bastardo ou natural de D. João I) Afonso, 8º conde de Barcelos pelo seu casamento com a riquíssima filha de Nuno Álvares Pereira, e feito até por Dom Pedro 1º duque de Bragança, sem dúvida o principal culpado da morte trágica de tal príncipe, que ficou no campo da batalha três dias, antes de ser levado às escondidas para Alverca e depois Abrantes, até ser sepultado na capela própria da família no mosteiro da Batalha em 1455, graças à desgraçada da sua filha Isabel, casada com o tão manipulado D. Afonso V. O próprio cronista real Rui de Pina dirá na Crónica de El-Rei D. Afonso V:
«o juízo del-Rei por sua não madura idade e pelas falsas opiniões em
que a criavam, andava de todo emnovoado».
Foi uma governação benéfica aos portugueses e na qual ouviu e respeitou as vozes
municipais, concluiu e publicou as Ordenações Afonsinas, impulsionou traduções, reformou a Universidade, fez mecenato das artes e apoiou o começo dos Descobrimentos, seja trazendo de Veneza o Livro de Marco Polo e um mapa mundi, seja apoiando a descoberta de novas terras em vez das conquistas do norte de África, em tudo prudente, sábio e independente,
tal como afirmou no conselho reunido para deliberar a ida falhada a
Tânger: «O principal intento é servir a Deus; peço-vos por mercê que
saibais como o deveis fazer, e não como quereis ou podeis». Tinha por
isso também como empresa um rochedo atravessado por uma espada, empunhada por uma mão saindo das nuvens, símbolos da união da sua vontade, activa na matéria mais densa, com a vontade Divina, ou seja, da sua acção sob a intuição e comunhão com o Alto e o Divino, a tal ideia ou visão tida...
Deixou-nos o Livro da Virtuosa Benfeitoria, a arte de
fazer e viver o bem firmemente, em grande parte uma tradução de Cícero (transcrita de manuscritos e dada à luz só em 1910 graças ao labor de Sampaio Bruno), e em cuja dedicatória belamente começada: «Vosso servidor por obrigação de sangue e de nação, e pura vontade; vossas mãos beijando humildemente, em mercê e bênção vossa me encomendo: Senhor muito nobre de grande alteza, porém que de bosques de muitos cuidados e de grandes rochas de feitos estranhos seja cercado o vosso coração», lembra a seu irmão e rei D. Duarte que«o sabedor de
feitos alheios não tem em costume julgar de ligeiro (...) e assim as
nossas vontades sempre fundemos em as perfeições mais altas e maiores
das nobres virtudes».
O Livro das Sete Partidas do Infante D. Pedro, já de um misterioso Gomes de Santo Estevão, não datado mas impresso em Sevilha provavelmente 1515, ou mesmo de antes pois há citações anteriores da sua existência, nomeadamente na Biblioteca de Cristóvão Colombo,
narra fantástica e simbolicamente a sua longa peregrinação-viagem com doze companheiros, na qual passam pelas cortes sucessivas de Castela, Veneza, Turquia, Arménia, Babilónia, lugares santos da Palestina e Egipto, e ainda peregrinam ao túmulo de S. Tomé, ao convento de S. Catarina no Sinai, à terra das Amazonas para finalmente chegarem ao tão mirífico quão mitificado reino do Preste João, o qual, após algumas semanas de diálogos e visitas, entregará à despedida a D. Pedro uma carta de apelo à união dos reinos cristãos e bem mitificadora do seu reino e poder, para os seus irmãos de Hespanha, aonde os treze chegarão via Fez e Sevilha. Será um livro de imenso
sucesso na Península Ibérica durante quatro séculos, embora a 1ª edição portuguesa seja apenas de 1602, como um livrinho de cordel muito popular mas cheio de informações (muitas fantasiosas mas também com simbolismos) sobre o mundo, ao estilo de relação de viagem e de cavalaria de conhecimento e de devoção mas não de guerra, ou não fossem 12 companheiros ou discípulos e Dom Pedro, e assim o próprio D. Quixote, de Miguel de Cervantes,
paladino dos últimos Cavaleiros andantes, tal como entre nós foi Jorge Ferreira de Vasconcelos, nomeadamente no seu Memorial das Proezas da Segunda Távola Redonda, o citará, numa mensagem perene do valor da viajem ou peregrinação livre e de sabedoria e fraternidade...
Nas últimas décadas muitos estudos têm sido dedicados ao nobre infante D. Pedro, que preferiu morrer lutando com nobreza do que viver espezinhado e a maus seres subordinado, tendo
sido publicadas as Actas do Congresso Comemorativo do 6º Centenário do Infante D. Pedro,
1992, in-4º de 550 páginas, com vinte e sete comunicações de reconhecidos historiadores, e entre muitas outras obras
mencionaremos ainda as de Lita Scarlatti, Artur Moreira de Sá, Baquero Moreno,
Júlio Gonçalves, Fernanda Durão Ferreira e Alfredo Pinheiro Marques, estes dois últimos autores com os valiosos e relativamente recentes, Gomes de Santo Estêvão e o Livro de D. Pedro, e A Maldição da Memória. Do Infante Dom Pedro e as origens dos Descobrimentos Portugueses, a primeira bastante arriscada em algumas das suas propostas de identificação da narrativa das sete partidas...
Na verdade, o Infante Dom
Pedro das Sete Partidas, um cavaleiro ou fiel do Amor, é um dos mestres da grande Alma Portuguesa e da sua tradição espiritual.
Que saibamos merecer ser por eles inspirados nestes tempos tão turvos
ou, como outrora, emnevoados por fraquezas e ambições, ganâncias e manipulações, e por isso mesmo
mais desafiantes e despertantes...
2 comentários:
Gostei muito, Pedro
Graças e boas inspirações.
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