Elevatus est Sol, et Luna stetit in ordine suo, foi o lema ou mote que serviu a um pintor para dar à luz uma bela gravura hieroglífica do séc. XVII, plena de simbolismo, enriquecida até por uma letra ou poema em língua espanhola.
A frase inicial vem do Antigo Testamento do livro do profeta Habaquque que no III Capítulo relata uma imaginária visão de Deus numa linha apocalíptica, com esta frase surgindo no versículo 11, mal traduzido na maior parte das versões que correm hoje online, pois a fiabilidade, sobretudo nas protestantes ou evangélicas brasileiras, é reduzida: Assim o sol e a lua param, é o que se lê, quando no original hebraico, visível na versão da Bíblia interlinear, o que se deve ler é: permanecem, estão de pé, resistem, face aos raios e dardos do violento Jehova.
A versão latina posta na gravura é naturalmente a da Vulgata, e este passo teve até utilizações metafóricas de escritores de referência no Cristianismo, tal S. Agostinho, na Cidade de Deus, em que a elevação do sol e a calma passagem da Lua pelas suas estações são comparados ao Cristo que ascendeu aos céus e à Igreja que toma o seu lugar e o seu curso debaixo ou segundo o seu rei. E no caso desta gravura a coroa poderia indicar essa sujeição ao Cristo rei. Em S. Gregório, na sua Moralia in Job, 17, XV, o Sol é interpretado como Deus e a Lua como a Igreja que reflecte a sua luz e subsiste face às tempestades do mundo.
A frase inicial vem do Antigo Testamento do livro do profeta Habaquque que no III Capítulo relata uma imaginária visão de Deus numa linha apocalíptica, com esta frase surgindo no versículo 11, mal traduzido na maior parte das versões que correm hoje online, pois a fiabilidade, sobretudo nas protestantes ou evangélicas brasileiras, é reduzida: Assim o sol e a lua param, é o que se lê, quando no original hebraico, visível na versão da Bíblia interlinear, o que se deve ler é: permanecem, estão de pé, resistem, face aos raios e dardos do violento Jehova.
A versão latina posta na gravura é naturalmente a da Vulgata, e este passo teve até utilizações metafóricas de escritores de referência no Cristianismo, tal S. Agostinho, na Cidade de Deus, em que a elevação do sol e a calma passagem da Lua pelas suas estações são comparados ao Cristo que ascendeu aos céus e à Igreja que toma o seu lugar e o seu curso debaixo ou segundo o seu rei. E no caso desta gravura a coroa poderia indicar essa sujeição ao Cristo rei. Em S. Gregório, na sua Moralia in Job, 17, XV, o Sol é interpretado como Deus e a Lua como a Igreja que reflecte a sua luz e subsiste face às tempestades do mundo.
Ora aquando da gravação realizada à noite, e que escutará no fim, apenas sabia que era de um texto das Escrituras o lema ou mote da gravura e comentei-o, com o poema e os símbolos, de um modo simples, espontâneo, ahistórico, após alguns minutos de contemplar esta fascinante imagem, que ao nosso amigo Antero de Quental proporcionaria certamente um belo soneto à morte libertadora...
A letra do emblema ou poema, em espanhol, permitiu-me pensar que poderia sido composto para algum livro de emblemas ou de filosofia moral escrito em castelhano, ou até de autor português, e que ainda através de uma pesquisa talvez conseguisse descobrir a sua proveniência ou fonte. E assim foi:
A letra do emblema ou poema, em espanhol, permitiu-me pensar que poderia sido composto para algum livro de emblemas ou de filosofia moral escrito em castelhano, ou até de autor português, e que ainda através de uma pesquisa talvez conseguisse descobrir a sua proveniência ou fonte. E assim foi:
De facto já feita a gravação em vídeo, no dia seguinte, com a internet a funcionar, pude constatar num artigo online de Victor Mínguez, La metafora lunar: La Imagem de la Reina en la Emblematica Espanola, que a origem da gravura está na cuidada celebração da morte de Filipe o IV, em Espanha, no Real Convento da Encarnacion, em Madrid, em 1665, para a qual foram desenhados 41 hieróglifos pelo pintor e gravador Pedro de Villafranca Malagon (1615-1684), que sobreviveram no livro Descripcion de las honras que se hicieron a la catholica Mg. de D. Phelipe quarto Rey de las Españas y del nuevo Mundo en el Real Conuento de la Encarnacion ... / y escriuio el doctor D. Pedro Rodriguez de Monforte..., publicado em 1666 e hoje online, e do qual uma gravura aberta a buril solta ou solitária me chegara às mãos, com as dimensões 19x13 cm, originando a gravação a 25-12-2021 e, no dia seguinte, este artigo, mais esclarecedor factualmente, tanto mais que Pedro de Villafranca Malagon é considerado o melhor gravador do séc. XVII em Espanha, tendo deixado vasta e valiosa obra gráfica, na qual se incluem gravuras de portugueses como S. João de Deus, Camões e Faria e Sousa.
Anote-se que também nas exéquias em Pamplona do rei Filipe o V, em Julho de 1746, o mesma lema ou letra foi utilizado, embora o poema já fosse diferente e na gravura a lua tivesse sido omitida e o sol sobrepujasse a caveira. Finalmente, na liturgia católica é cantado no dia da Ascensão, e mesmo a oração "os corações ao alto" pode inserir-num mesmo dinamismo anímico ascensional espiritual...
O poema em castelhano diz-nos:
"Esta Luna com luz nueva
Vive apesar de esse monte
Que el Sol en otro oriçonte
No falta, quando se eleva."
Vive apesar de esse monte
Que el Sol en otro oriçonte
No falta, quando se eleva."
A ideia geral metafórica é a fragilidade da luz ou conhecimento, e força da Lua, sobretudo quando está na fase de Lua Nova, e em que o monte do mundo, da morte, da ignorância, se ergue mais poderoso e tapa a luz da verdade e da divindade, que contudo se elevará no horizonte, clarificando e fortificando Dona Luna, seja Igreja, seja alma humana, ordenada e coroada pelas suas virtudes e méritos, que lhe permitem receber ou contemplar o levantar ou renascer do Sol e do Espírito e do Divino.
Mas tendo em conta a utilização histórica dela no enterro do rei Filipe IV sem dúvida que as interpretações de Victor Mínguez (que cita ainda os estudiosos destas gravuras Adita Allo e Steven N. Orso) ganham destaque:« hieróglifo mostra o inevitável sol eclipsado, a um monte coroado por uma caveira e uma lua coroada (...) A morte do monarca fica patente na caveira que senhoreia o elevado monte, e sem embargo esta não pode evitar que o sol eclipsado se eleve e de esta forma proporcione a sua luz à rainha regente [Mariana de Áustria], metaforizada por suposto na lua coroada».
A leitura de Minguez não me parece literalmente porém plenamente correcta, já que o sol não está eclipsado nem em S.Agostinho, S. Gregório, e sim elevado, e mesmo na imagem, este brilha, embora, sim, esteja eclipado em si, mas não na sua luz, já que a linha recta de visão que parte de lua pára ou é detida no monte ou na caveira.
Dentro da Arte de Bem Morrer diremos ainda: deixa-se de se ver o Sol espiritual ou divino se nos focarmos e limitarmos no monte ou na caveira. Ou seja, em ensinamento final, perante as mortes há que focarmos no espírito imortal, e contar que a força e alegria da luz e do amor solares hão-de vir ao de cima em quem, qual Lua-persona aberta ao Sol, segue o seu caminho, verdade e vida, ou o curso seu ordenado, o caminho do meio, em demanda da Divindade...
Oiçamos então a gravação, onde uma hermenêutica menos dependente da morte de um rei e bastante mais pobre historicamente foi desenvolvida, mas contudo com valor espiritual. Pelo menos assim o espero... E demos graças por toda a aurea catena ou traditio...
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