A sua primeira estadia no Japão como Primeiro Secretário
de Legação, em Tóquio, é de 1952 a 1955, e desenvolve então um grande amor pelo Japão e a sua relação com Portugal, e começa a inteirar-se in loco da magnitude do encontro luso-nipónico, apercebendo-se das personalidades mais marcantes desse encontro, seja japonesas, seja as portuguesas, onde se destacam Jorge Alvares, Francisco Xavier, Fernão Mendes Pinto, Luís de Almeida, Luís Fróis, João Rodrigues, Diogo de Carvalho e sobretudo Wenceslau de Moraes. Estas individualidades virão a ser abordadas mais detalhadamente no seu livro Figuras de Silêncio.
Casa em 1959, aos 45 anos com a alemã Ingrid Bloser, bastante mais nova do que ele (vinte anos, vindo a ter uma filha e um filho), que o acompanhou com grande
qualidade na sua missão e o continuará no amor, partilha e estímulo da amizade
aprofundante luso-nipónica.
E, ao ser nomeado Embaixador de Portugal de 1964 a 1971, consegue pela segunda vez residir e aprofundar o seu amor pelo Japão, e o diálogo luso-nipónico, que testemunhará em muitos actos públicos, recepções em sua casa, textos, conferências e eventos.
Deixou uma vasta obra histórica e ensaística, as primeiras obras publicadas sob o pseudónimo de Mar Talegre, sobre Literatura Portuguesa. tal a intitulada Três Poetas Europeus (Camões. Bocage. Pessoa), impressa em 1947, onde após uma original Introdução com sub-capítulos Poesia, Essência da Poesia, Espírito da Poesia Portuguesa, Europeidade, dedica-se depois a Camões, Bocage e Pessoa, com referências ainda a Antero, reconhecendo com bastante intuição e pioneirismo a espiritualidade forte de Fernando Pessoa, algo que aprofundará depois em artigos sobre o Zen na sua poesia, nomeadamente no I Congresso Pessoano de 1978 e em que levado por Dalila Pereira da Costa ainda o ouvi. Seguiram-se Sentidos Fundamentais do Romance Português, e os contos Esta Dor de ser Homem, em 1948. E já em 1952, O Teatro Moderno, um género apreciado e trabalhado por ele, e que em 1957 frutificará numa peça dedicada ao amor de Inês de Castro e D. Pedro, a Linda Inês - Tragédia.
Posteriormente assina ora Armando Martins Janeiro ora Armando Martins, e assim publica em Tóquio, em 1954, Nô, impresso em papel de arroz e com as folhas duplas à japonesa, contendo uma valiosa apresentação, seguida de três belíssimas peças do teatro japonês, traduzidas por Armando com várias ajudas e recursos: A Vida é Sonho (kantan), por Motokiyo Seami, O Espírito da Neve (yuki), O Manto de Penas (hagoromo) por Motokiyo Seami.
Nesse mesmo ano de 1954, no centenário do nascimento de Wenceslau de Moraes, dá à luz simultaneamente em Tóquio e no Porto uma obra toda ela, nas suas 286 páginas, consagrada excelentemente a ele: Jardim do Encanto Perdido, Aventura Maravilhosa de Wenceslau de Moraes no Japão, ilustrada com oportunas fotografias, algumas inéditas.
Pouco depois, em 1956, dá à luz, com vinte e três capítulos, alguns já publicados em jornais Ler, Comércio do Porto, Nippon Times e Mainichi, um dos seus livros mais pessoais do encantamento nipónico Caminhos da Terra Florida. A gente, a paisagem, a arte japonesa, onde descreve as suas impressões da primeira estadia no Japão, a que juntou uma bela capa e algumas ilustrações coloridas coladas ao alto e logo flutuantes. As suas descrições de Kioto, "não há cidade no mundo como Kioto", das suas geishas, matsuris, ruas, história, mistura do antigo e do ultra-moderno e rio Kamo vibram ainda hoje graças (e mais ainda em quem lá esteve) à sua tão rica sensibilidade poética e amor: «Rio Kamo, Rio Kamo, tu que embalastes barcas faustosas de imperadores e batéis engalanados das mais célebres gueishas e das mulheres mais formosas de Kioto, tu é que sabes todos os segredos dum passado luminoso que ainda nos fascina e penetra no presente, emprestando-lhe aura, poesia, sonho; Rio Kamo, Rio Kamo, que escutas as canções nostálgicas das gueishas de Guion e Pontocho, e à noite te ficas, de águas paradas sob a lua mais ténue que um balão de papel, a escutar-lhes os suspiros, os dramas de amor que os livros não contam, os segredos que nunca serão ditos./ Para mim, não há no mundo cidade como Kioto.» [Tendo eu lido este livro nas vésperas da minha primeira e única peregrinação ao Japão, em 2011, anotei no fim: "Direi o mesmo, em Setembro?» e, sem dúvida que, cidade e rio maravilhosos...]
É nestes Caminhos da Terra Florida que Armando Martins Janeira exerce esta bela auto-consciencialização e comunhão vertical e perenizante, fotografada até: «Estou sentado no chão sobre o tatami brando, a uma mesa baixa - na mesma posição em que o Wenceslau escreveu a Ó-Yone e Koharu, que estou lendo. E leio nas páginas deste português exilado, a doçura e o encanto da vida japonesa que o seduziu e me envolve.
Se fizermos um inquérito mental ao que atrai o estrangeiro no Japão, creio que encontraremos, desde logo, esta doçura de viver, delicada e frágil, que seduz sem enlear, duma alegria serena, mas colorida e excitante, este encanto dum gozo simples e puro, que o japonês pôs na construção e arranjo da sua casa, nos seus prazeres, no gosto de embelezar os objectos do seu viver habitual (...)»
Em 1962 imprime a sua obra mais impressionante, original, bela, O PEREGRINO, Lisboa, num in-fólio oceânico de 72 páginas
em papel de arroz, dentro de estojo em algodão estampado ao modo
japonês, e constitui uma valiosa aproximação à vida, amores e livros de Wenceslau de Moraes, com referências
importantes ao Shinto e ao Budismo na sua vida e obra e como foi
acolhido pelas duas religiões aquando da sua morte. É uma belíssima edição,
muito bem ilustrada e que inclui até um postal escrito por Wenceslau, uma
toalhinha japonesa e duas gravuras originais de final do séc. XIX, além de imagens
de Wenceslau. A tiragem é apenas de 100 exemplares numerados e portanto rara. Complementarmente, publicou num formato pequenino, com o mesmo título, um livro, só com texto de 57 páginas, editado já em Lisboa pela Livraria Portugal em 1962, no qual relata a inauguração do monumento consagrado pela cidade Tokushima a Wenceslau de Moraes, com profundas reflexões sobre a religiosidade e universalidade de Wenceslau e de ele próprio.
Outros exemplos de valiosos estudos são o The Japanese Classic Theatre and the Theatre of Gil Vicente, publicado inicialmente no Japão num volume de Comparative Literature, de 1966, onde manifesta o seu bom conhecimento do teatro de Gil Vicente e peninsular da época, pondo-o em diálogo comparativo com teatro No.
E, nesse mesmo de 1966, no nº 187 da revista France-Asie/Asia, a sua contribuição, e como Armando Martins Janeiro: Lacfadio Hearn and Wenceslau de Morae. Two interpreters of Japan, onde valoriza em Wenceslau a busca de uma civilização diferente e onde poderia encontrar felicidade, pois «ele sentiu que não podia ser feliz na Europa, porque o materialismo e a mediania da civilização Ocidental aborreciam-no, e detestava também a rotina seca da sua própria existência (...) A sua sensibilidade delicada, o seu esteticismo refinado, estavam desgostosos com o Ocidente»....
Em 1969 publica, ainda sob o nome de Armando Martins, na revista STVDIA, nos números 27-28, 1969, um estudo sobre Wenceslau de Moraes valioso, onde critica o extremismo jesuíta anti-protestante e holandeses e valoriza a capacidade de ultrapassarmos as nossas "crenças, hábitos e preconceitos", escrevendo mesmo:«estou convencido que o único homem que conseguiu libertar-se dos seus hábitos e preconceitos ocidentais foi Wenceslau de Moraes. Viveu inteiramente como um japonês e atingiu o estado de ser capaz de pensar e de sentir como um Japonês», mostrando em seguida a uma curta biografia, com extractos da sua obra, como Wenceslau chegou a tal nível identitário e de osmose unificadora...
É só a partir de 1969 é que assume definitivamente o nome de Armando Martins Janeira, por homenagem aos japoneses que assim o tratavam, e faz sair numa editora reputada de Tóquio numa bela edição cartonada à japonesa uma das suas obras mais pessoais e filosóficas de comparativismo: The Epic and the Tragic Sense of Life in Japanese Literature. A Comparative Essay on Japanese and Western Culture. São três os capítulos, e traduzimos os títulos: I O Épico e o Trágico. II O Conceito Épico da Vida. III - O sentido Trágico da Vida, nos quais analisa com grande cultura e sensibilidade as dicotomias e contrastes entre Oriente e Ocidente, entre cómico, trágico e épico, entre amor e compaixão impessoal, recuando a sua aproximação até aos gregos e romanos e ao Humanismo da Renascença.
Em 1970 dá à luz em Lisboa na progressista editora Publicações Dom Quixote O Impacte Português Sobre a Civilização Japonesa, «em homenagem aos portugueses que nos séculos XVI e XVII levaram ao Japão e a todo o mundo a cultura da Europa, aos meus amigos japoneses construtores do progresso do Japão moderno, que pela combinação criativa das culturas do Oriente e do Ocidente se lançou na linha de elevação duma civilização universal, eu dedico este livro, com o sentimento recolhido de quem contempla uma grande obra humana.» São 340 páginas de história dos portugueses e das suas influências e relação com o Japão. Teve uma segunda edição em 1997.
No ano seguinte em 1971 dá
à luz uma volumosa e boa escolha e bem apresentada antologia, intitulada Wenceslau de
Moraes. Selecção de textos e introdução de Armando Martins Janeira. São 464 páginas, antecedidas por cento e oito duma valiosa introdução e de uma muito completa nota bibliográfica. Alguns títulos dos vinte capítulos temáticos: Amores, Amores, O Japão, a Gente, A Mulher Japonesa, O amor dos Animais, Religião, Meditações.
Em 1977, aquando da sua estadia em Itália, enquanto Embaixador de Portugal, publica a sua conferência realizada em 15-5-1975, na Academia Nazionale dei Lincei, L'Oriente ne «I Lusiadi». E em 1981 sai à luz, em Lisboa, o excelente Figuras de Silêncio – A Tradição Cultural Portuguesa no Japão de Hoje,
valorizado com o prefácio de Shusaku Endo, que rende uma grande homenagem a Armando:«Martins Janeira desempenhou o importante posto de embaixador no Japão por muito tempo. Entre os embaixadores de outros países, ele era o diplomata mais querido. A sua casa estava sempre cheia dos seus íntimos amigos japoneses; não eram apenas políticos e homens de negócios, eram também escritores, calígrafos, actores, etc. Havia ali a atmosfera dum salão de cultura. Amava o teatro tradicional, mesmo o Nô e o Kabuki, que são raramente compreendidos por estrangeiros - e introduziu-os na Europa. Eu próprio sou um dos romancistas por ele introduzidos na Europa.»
Neste livro histórico aborda
muito bem as grandes almas portuguesas no Japão: o capitão-do-mar Jorge
Álvares, Fernão Mendes Pinto, os missionários jesuítas
S. Francisco Xavier, Luís de Almeida, Luís Fróis, João Rodrigues e
Diogo de Carvalho e finalmente "o último dos grandes aventureiros
lusíadas: Wenceslau de Moraes."
Os livros de Armando Martins Janeira estão repletos de sabedoria não só dos outros mas de si
próprio e nesse sentido escreveu: «O significado da vida e da
felicidade — todos os sábios do Oriente e do Ocidente nos ensinam — só
se encontra quando o homem se dedica a uma grande tarefa, se entrega
inteiramente a uma missão e se dissolve no poder imenso que o transporta
para além da existência individual».
Armando Martins Janeira vivendo no Japão cerca dez anos, como um diplomata muito afável e convivial (como Shusako Endo bem realçou), como estudioso, orientalista e escritor, onde
ajudou a «erguer 15 monumentos comemorativos da grande obra portuguesa»,
um museu, uma escola infantil e um cortejo histórico, no fundo um descobridor
moderno, confessará: «Foi uma luta combatida e vivida num fervor de cruzada,
não para ressuscitar um legado histórico, mas para inserir a História na
vida de hoje e amanhã. Isto só no Japão poderia ter sido conseguido.
Oxalá um dia em Portugal igual eco se levante, para que assim a obra
portuguesa no Japão desça da leniente seara dos eruditos para o campo da
cultura geral, e aí tome um significado vivo e universal, hodierno e
criador — para que o amor entre os dois povos se engrandeça».
Armando Martins Janeira foi
e é, de portugueses e estrangeiros, quem melhor compreendeu Wenceslau
de Moraes e também o Japão, destacando nele, por exemplo, na antologia referida,
págs. XV-XVI, duas fases: «Nos primeiros anos de Japão, Moraes vivia no
encanto da cor, na surpresa do exótico, no arroubo das maravilhas
pitorescas do lendário Dai-Nippon. Este lado superficial deu-lhe em
Portugal grande voga: ainda hoje para os leitores de Portugal, Moraes é
apenas um escritor exoticista, delicado e louco, perdido no lindo sonho
de um romântico Japão (...)
O
Moraes profundo e verdadeiro é o dos últimos anos do Japão. É o homem
que amadurece no sofrimentos os seus verdadeiros valores humanos. É o
estrangeiro isolado em um meio hostil, por vezes insultado, perseguido,
mas nunca desistindo do grande propósito da sua vida - conhecer a
essência da vida oriental e fazer o relato detalhado das suas reacções
ocidentais no ambiente estranho que o cerca. Este relato minucioso é um
documento de inestimável valor humano pois até hoje ninguém nos deixou
uma confissão tão íntima e interessante das suas experiências diárias de
ocidental entre orientais.»
Realçará
ainda dois aspectos muito importantes: «Moraes escreveu a primeira
história de amor entre um ocidental e uma japonesa - a confissão do seu
drama com Ko-Haru; e porque foi também o pioneiro na análise da vida
diária de uma comunidade japonesa, a pequena cidade de Tokushima, Moraes
mostra também mais largueza e visão do futuro.»
Do
seu conhecimento do amor "religante" ou religioso dos japoneses há um
trecho de Armando Martins Janeira bem curioso e instrutivo: «O Japonês ama
carinhosamente os seus templos, quer sejam xintoísta - erguidos no cimo
das montanhas para de mais perto adorar o Sol - quer na sua penumbra
sorria tranquila a plácida face de Buda, infundindo bondade e profunda
paz espiritual conquistadas pelo esforço ingente de renunciar ao mundo
para se dissolver no universo, e assim, dentro do humano, atingir o
infinito. O Japonês ama acima de tudo os seus velhos templos e os seus
antigos jardins, que desde há mais de mil anos trata com esmerado
carinho, e onde ainda hoje vai procurar retemperar a sua alma de
serenidade e de paz.»
Tendo deixado a carreira diplomática em 1980, foi professor na Universidade Nova, onde criou o Instituto de Estudos Orientais e co-fundou a Associação de Amizade Portugal-Japão em 1981, partindo para os mundos espirituais em 1988. Tem sido a sua mulher Ingrid Bloser Martins quem mais tem mantido viva tanto a sua vida e obra, tal como a de Wenceslau de Moraes (de quem Armando recolheu muito postal manuscrito e documentação), com colóquios, conferências e exposições, tendo parte substancial do seu espólio sido doado à Biblioteca Municipal de Torre de Moncorvo. A Câmara Municipal de Torre de Moncorvo publicou em 2015, de Paula Mateus, Por que Estrada Caminhamos. Armando Martins Janeira. Uma fotobiografia, num in-4º de 212 págs. execelentemente documentada e apresentada. E da autoria da Ingrid Bloser Martins, um valioso livrinho sintético Portugal e o Japão. Armando Martins Janeira e Wenceslau de Moraes. Duas personalidades humanas diferentes, numa comparatividade luminosa e enriquecida com as impressões pessoais e terminando com um pequeno capítulo dedicado ao Caminho do Chá, Chado, como sabemos um caminho espiritual, estético e convivial de grande tradição e elevação, ainda hoje mantido na sua sacralidade e intemporalidade, e que Wenceslau, nomeadamente com o seu belíssimo livro O Culto do Chá, e Armando e Ingrid bem cultivaram, e que deveremos continuar como caminho do chá, Chado, tal como o Shinto é o caminho do espírito. Uma geisha servindo o chá, ilustração para o Culto do Chá, de Wenceslau de Moraes, e uma Miko de um jinja de Kyoto servido o chá e aguardando...
2 comentários:
está muito bem e muito completa esta tua homenagem ao nosso amigo...
Graças. Sim, tu e o Alfredo conheceram-no mesmo. Eu apenas o ouvi duas vezes. Um diplomata, artista e sábio da união do Oriente e do Ocidente e particularmente de Japão e Portugal...
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