sábado, 18 de setembro de 2021

"A ORAÇÃO", de Bô Yin Râ. 5º cap. (2ª p.), Renovação Espiritual. Tradução por Pedro Teixeira da Mota.

                                           

É praticamente impossível  expor em palavras da linguagem humana a união sem par que existe no homem terrestre entre a "centelha espiritual e a "alma”, ou apenas querer esclarecê-la com o auxílio de imagens e semelhanças.

Se bem que a nossa “alma” seja para nós "o único real", ou seja, a única coisa activa internamente perceptível, ela não é senão um agrupamento orgânico formado e segundo certas leis de harmonias rítmicas, do oceano eterno das forças psíquicas,  o qual tem por assim dizer, como ponto focal de cristalização a “centelha espiritual” mergulhada neste oceano.

A percepção da nossa própria "centelha espiritual" só nos é possível na medida em que “somos almas”, e somente através de forças específicas da alma que, penetrando até ao Espírito puro, podem ser consideradas como os seus “sensores” [fühler].

Tudo de espiritual, que quer atingir a nossa consciência terrena,  tem de fazer o seu caminho através da “centelha espiritual” eterna em nós, onde é recebido pelos "sensores" da alma e é  novamente transmitido da alma por certos "órgãos anímicos" nas nossas membranas cerebrais...

Mas como também todas as impressões ruidosas da vida terrestre exterior fazem ressonâncias na alma através da consciência cerebral, assim o organismo indiscritivelmente subtil da "alma" é constantemente abalado, o que não somente diminui umas vezes mais, outras vezes menos, a sua receptividade para o espiritual, mas em certas ocasiões pode provocar  mesmo mais prolongadamente uma espécie de "paralisia" “da alma”.

Para quem já experimentou este fenómeno, - e poucos serão o que ainda não o experimentaram -, pouco preciso de dizer quanto a como esta "paralisia" da "alma" tem um efeito recíproco sobre a consciência cerebral…

Assim existem continuamente no interior do ser humano  interacções recíprocas e uma higiene da "alma" não tem certamente menos importância que uma higiene do comportamento do corpo terrestre visível e dos seus órgãos.

Nós precisamos constantemente duma “renovação espiritual” no sentido duma renovação da vitalidade anímica, a fim de que a alma  permaneça capaz de receber e transmitir o espiritual, tal como não podemos dispensar a renovação das forças do nosso corpo terrestre se queremos cumprir a existência terrena.

Não existe, contudo, maneira mais eficaz de se alcançar uma renovação espiritual incessante que estar-se continuamente pronto a "orar", - tal como a “oração sem cessar” que dela provém.

Para  quem está sempre pronto a orar, por todo o seu posicionamento na vida interior e exterior: - a sua vida contemplativa e activa, a verdadeira oração é tão necessária à sua existência como a alimentação do seu corpo terrestre, e não tem mais necessidade de qualquer circunstância especial para ser levado a “orar”, se bem que tais ocasiões nunca lhe faltarão.

E não são somente os elos de corrente de ouro de actos de orações, modeladas conscientemente, que conferem bênçãos às suas vidas!

É  a  contínua  vontade de orar deles, que por assim dizer “ora”  por eles, quando os seus deveres diários e diversões tornam impossível  a formação consciente da oração.

Se uma pessoa já alcançou este estado, então é impensável que o dia de trabalho possa começar ou  acabar sem uma verdadeira “oração”.

Todavia, foi dito: - “Quando queres orar, fecha-te no teu quarto!”

 Assim não é de modo algum necessário, - e seria mesmo violar o "pudor da alma", - que a vizinhança de quem reza saiba dos seus actos de oração, a não ser que várias pessoas se encontrem na mesma vontade de orar e um deles procure dar a tal vontade uma expressão verbal.

Mas então têm de ser pessoas nas quais cada uma sabe o que é a verdadeira "oração", e é preciso que cada uma já se tenha, na sua vida,  elevado ao estágio de estar contínuamente pronta a orar, -  senão a oração em grupo tornar-se-á um gesto vazio, ou no melhor dos casos, como no dar-se graças em conjunto à refeição, a adesão a um costume piedoso. É verdade que esta tradição  nasceu de actos colectivos de oração de pessoas que conheciam o segredo da verdadeira oração e que não queriam também deixar de sustentar o corpo terrestre sem “orar”.

À criança devem ser dadas  fórmulas de oração calmas, adaptadas ao seu sentimento e à sua receptividade sem esperar dela uma atitude interior que esteja para além da capacidade concentração das forças da sua alma!

Com todo o cuidado deve-se  introduzir o adolescente na prática da "oração" verdadeira, antes de lhe ser desvendado o modo como tudo se entrelaça espiritualmente.

Assim, quem que já aprendeu  a rezar na prática, só ouvirá em seguida noções já familiares, ao receber todo o ensinamento na sua interdependência.

A expressão verbal que o verdadeiro iniciado na "oração" quer dar a cada acto seu de oração pertence inteiramente a ele só.

Pode, com a mesma eficácia, adoptar fórmulas de orações existentes, que lhe são talvez queridas e familiares desde a sua infância, como pode formular ele próprio as palavras, do amplo fundo dos seus sentimentos, mesmo se na sequência de palavras tal oração não representasse mais que um balbuciar emocionado.

Apesar de em verdade tal balbuciar possa tornar-se uma "oração", não se deve pensar erradamente  que a verdadeira "oração" é mais um “balbuciar” que a formulação duma sequência  de palavras. 

Trata-se aqui dos altos efeitos de leis espirituais e da sua utilização, de modo que a reverência diante da ordem espiritual compele-nos já a esforçar-nos por dar uma forma tão perfeita quanto possível ao acto de orar…

E, elevando-se  ainda muito acima disso, são possíveis sequências de palavras, que ordenadas segundo o valor espiritual dos sons, afectam   indizível e beneficamente a alma, de modo que a oração que as utiliza, eleva-se por assim dizer com uma força duplicada…

Quando uma pessoa pode  “orar” verdadeiramente, pensa saber o que deverá pedir, todavia é necessário  dizer ainda algumas palavras, a fim de não se perpetuar ad infinitum o erro que tantas pessoas cometem e que desconhecendo o mistério da verdadeira “oração”, todavia na seu tipo de devoção pensam  que estão orar de boa fé, tal como a conseguem compreender.

 Para quase todos dos que assim supõe orar, é algo natural em primeiro lugar orarem para o seu próprio bem e para o bem daqueles - como se costuma dizer - que lhes são mais “próximos” na vida terrena…

Sem dúvida foi ouvida a exortação: “Orai por aqueles que vos odeiam e vos perseguem”; e nas igrejas “romanas” reza-se no dia da Gólgota com uma insistência significativa pelos “heréticos”, os judeus e os pagãos, mas não se pensa que do ponto de vista dos que estão despertos espiritualmente os nossos inimigos e os que nos desprezam, do mesmo modo que os homens mais afastados e em quem nunca pusemos os olhos, estão também tão ligados espiritualmente a nós quanto os nossos mais próximos e queridos, ainda que não possamos consagrar o mesmo tipo e o mesmo grau de amor a desconhecidos e a pessoas que nos fizeram muito mal, - e em verdade nenhuma Lei divina “ exige” tal, pois é ela mesma que estabelece e opera esta diversidade.

Mas quem aprendeu realmente a orar deverá consequentemente alargar o seu campo de visão, a fim de orar sobretudo e em primeiro lugar, por todos os que sobre a Terra querem tornar-se Homens, e se esforçam por ser Homem: - que sofrem sob a natureza animal e que procuram domar a natureza animal! – 

Só então é permitido a quem reza pensar em certos grupos de pessoas, - depois nos seus amigos e familiares, - em seguida na sua pequena família, - e em último lugar: - também em si próprio!»


Sem comentários: